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3.5 JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA

3.5.1 Yatama Vs Nicaragua

O partido político YATAMA (Yapti Tasba Masraka Nanih Asla Takanka), representante de grupos indígenas da zona atlântica da Nicarágua, devido a uma resolução do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, restou impedido de participar das eleições municipais que foram realizadas naquele país em novembro de 2000.

Irresignado, YATAMA apoiado pelo Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (CENIDH) e pelo Centro de Justiça e Direito Internacional (CEJIL), em 26

de abril de 2001 denunciou o Estado da Nicarágua à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Em 13 de junho de 2003, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou, contra o Estado da Nicarágua, demanda à Corte Interamericana, para que esta decidisse se o Estado violou os artigos 8 (Garantias Judiciais), 23 (Direitos Políticos) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana, todos eles em relação aos artigos 1.1 (Obrigação de Respeitar os Direitos) e 2 (Dever de Adotar Disposições de Direito Interno) do Pacto de São José da Costa Rica.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos aduziu que os candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereadores apresentados por YATAMA foram excluídos do pleito de novembro de 2000 como consequência de decisão proferida pelo Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua. Restou registrado que as vítimas apresentaram diversos recursos contra a decisão que os excluiu do referido processo eleitoral, sendo que, em 25 de outubro de 2000, a Corte Suprema de Justiça da Nicarágua declarou improcedente o recurso de amparo interposto pelas vítimas. A comissão, portanto, afirmou que não houve previsão, pelo Estado, de um recurso que permitisse o direito desses candidatos de participar do processo eleitoral, tampouco adotou medidas legislativas para efetivar esses direitos.

Pois bem, faz-se necessário, antes de prosseguir com a análise do julgado, explicitar as razões que levaram o Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua a emitir resolução excluindo YATAMA do processo eleitoral.

Em síntese, o conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua asseverou que:

a) en cuanto a la participación de YATAMA en la Región Autónoma del Atlántico Sur, “[n]o ha lugar a la solicitud de YATAMA de registrar como candidatos de ese partido a los presentados por la Alianza YATAMA/PPC en la Región Autónoma del Atlántico Sur” (supra párr. 124.48). En este sentido, consideró “que YATAMA e[ra] un partido legalmente constituido y en pleno uso de los derechos que establec[ía] la Ley Electoral y que como tal[,] p[odía] participar en las elecciones de noviembre de 2000, ya sea en alianzas o individualmente, siempre y cuando cumpl[ier]a con la Ley Electoral y Términos establecidos en el Candelario Electoral. Asimismo, señaló que “como consecuencia [de que el PPC] no cumpli[ó] con el porcentaje de firmas a que se refiere el art[ículo] 77 numeral 7, […] el número de municipios en los cuales YATAMA present[ó] candidatos no alcanza[ba] el 80% a que se refiere el art[ículo] 82 párrafo segundo en concordancia con el art[ículo] 80 in fine de la Ley Electoral[,] que establec[ía] que los partidos o Alianzas de partidos deb[ían] inscribir candidatos para todas las elecciones y cargos a que se refier[ía] el art[ículo] 1 de [dicha] Ley, así como el párrafo primero del art[ículo] 89 de la

Constitución Política establece que ‘Las comunidades de la Costa Atlántica son parte indisoluble del pueblo nicaragüense y, como tal, gozan de los mismos derechos y tienen las mismas obligaciones”; y

b) en cuanto a la participación de YATAMA en la Región Autónoma del Atlántico Norte (RAAN), que “no se registr[aría]n los candidatos presentados en el Atlántico Norte por dicha Organización, en vista de que […] no llena[ba] el tiempo requerido consignado en la Ley Electoral”.3

O julgado da Corte Interamericana, inevitavelmente, perpassa por três grandes temas: i) a supremacia jurisdicional do poder eleitoral; ii) o respeito aos usos e costumes dos povos indígenas e a eleição de seus candidatos e iii) candidaturas independentes.

O Estado da Nicarágua apresentou cinco exceções preliminares, sendo que todas foram rejeitadas pela corte. Passando ao mérito da demanda vamos nos ater as considerações referentes aos direitos políticos.

Sob esta ótica, deve ser registrado que a Corte sinalizou que é indispensável que o Estado gere mecanismos e condições ótimas para que os direitos políticos possam ser exercidos de forma efetiva, observados os princípios da igualdade e não discriminação.

Ademais, restou assentado que os cidadãos têm o direito de participar na direção dos assuntos públicos do Estado por intermédio de representantes livremente escolhidos, sendo o direito ao voto um dos elementos essenciais para a existência da democracia e uma das formas para que os cidadãos exerçam o direito de partição política.

3 a) quanto à participação do YATAMA na Região Autônoma do Atlântico Sul, “não procede o pedido do

YATAMA de registrar como candidatos desse partido os apresentados pela Aliança YATAMA/PPC na Região Autônoma do Atlântico Sul” (par. 124.48 supra). Neste sentido, considerou “que o YATAMA era um partido legalmente constituído e em pleno uso dos direitos que estabelecia a Lei Eleitoral e que, como tal, podia participar nas eleições de novembro de 2000, seja em alianças ou individualmente, sempre e quando cumprisse a Lei Eleitoral e os prazos estabelecidos no Calendário Eleitoral. Assim mesmo, afirmou que, “como consequência de que o PPC não cumpriu a porcentagem de assinaturas a que se refere o artigo 77 inciso 7, […] o número de municípios nos quais o YATAMA apresentou candidatos não alcançava os 80% a que se refere o artigo 82 parágrafo segundo, em concordância com o artigo 80 in fine da Lei Eleitoral, que estabelecia que os partidos ou Alianças de partidos deviam inscrever candidatos para todas as eleições e cargos a que se referia o artigo 1 desta Lei, e o parágrafo primeiro do artigo 89 da Constituição Política estabelece que ‘As comunidades da Costa Atlântica são parte indissolúvel do povo nicaraguense e, como tal, gozam dos mesmos direitos e têm as mesmas obrigações”; e b) quanto à participação do YATAMA na Região Autônoma do Atlântico Norte (RAAN), “não seriam registrados os candidatos apresentados no Atlântico Norte por esta Organização, em razão de que […] não preenchiam o tempo requerido consignado na Lei Eleitoral”.

Quanto à imposição de restrições ao gozo dos direitos políticos, a Corte entende que deve se dar de acordo com os princípios de igualdade, sendo que a aplicação de requisitos para o pleno gozo dos direitos políticos não constitui, per si, em restrição indevida, devendo ser observados os princípios da legalidade, proporcionalidade e necessidade, vejamos:

La Corte entiende que, de conformidad con los artículos 23, 24, 1.1 y 2 de la Convención, el Estado tiene la obligación de garantizar el goce de los derechos políticos, lo cual implica que la regulación del ejercicio de dichos derechos y su aplicación sean acordes al principio de igualdad y no discriminación, y debe adoptar las medidas necesarias para garantizar su pleno ejercicio. Dicha obligación de garantizar no se cumple con la sola expedición de normativa que reconozca formalmente dichos derechos, sino requiere que el Estado adopte las medidas necesarias para garantizar su pleno ejercicio, considerando la situación de debilidad o desvalimiento en que se encuentran los integrantes de ciertos sectores o grupos sociales. La previsión y aplicación de requisitos para ejercitar los derechos políticos no constituyen, per se, una restricción indebida a los derechos políticos. Esos derechos no son absolutos y pueden estar sujetos a limitaciones. Su reglamentación debe observar los principios de legalidad, necesidad y proporcionalidad en una sociedad democrática. La observancia del principio de legalidad exige que el Estado defina de manera precisa, mediante una ley, los requisitos para que los ciudadanos puedan participar en la contienda electoral, y que estipule claramente el procedimiento electoral que antecede a las elecciones. De acuerdo al artículo 23.2 de la Convención se puede reglamentar el ejercicio de los derechos y oportunidades a las que se refiere el inciso 1 de dicho artículo, exclusivamente por las razones establecidas en ese inciso. La restricción debe encontrase prevista en una ley, no ser discriminatoria, basarse en criterios razonables, atender a un propósito útil y oportuno que la torne necesaria para satisfacer un interés público imperativo, y ser proporcional a ese objetivo. Cuando hay varias opciones para alcanzar ese fin, debe escogerse la que restrinja menos el derecho protegido y guarde mayor proporcionalidad con el propósito que se persigue.4

4 A Corte entende que, de acordo com os artigos 23, 24, 1.1 e 2 da Convenção, o Estado tem a obrigação de

garantir o gozo dos direitos políticos, o que implica que a regulamentação do exercício destes direitos e sua aplicação sejam conformes ao princípio de igualdade e não discriminação, e devem ser adotadas as medidas necessárias para garantir seu pleno exercício. Esta obrigação de garantir não se cumpre com a simples emissão de uma norma que reconheça formalmente estes direitos, mas requer que o Estado adote as medidas necessárias para garantir seu pleno exercício, considerando a situação de debilidade ou desamparo em que se encontram os integrantes de certos setores ou grupos sociais. A previsão e aplicação de requisitos para exercer os direitos políticos não constituem, per se, uma restrição indevida dos direitos políticos. Esses direitos não são absolutos e podem estar sujeitos a limitações. Sua regulamentação deve observar os princípios de legalidade, necessidade e proporcionalidade em uma sociedade democrática. A observância do princípio de legalidade exige que o Estado defina de maneira precisa, por meio de uma lei, os requisitos para que os cidadãos possam participar na disputa eleitoral, e que estipule claramente o procedimento eleitoral que antecede as eleições. De acordo com o artigo 23.2 da Convenção, é possível regulamentar o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso 1 deste artigo, exclusivamente pelas razões estabelecidas nesse inciso. A restrição deve se encontrar prevista em uma lei, não ser discriminatória, ser baseada em critérios razoáveis, atender a um propósito útil e oportuno que a torne necessária para satisfazer um interesse público imperativo, e ser

A Corte afirmou ainda que, nos termos do art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica, não se pode limitar o alcance pleno dos direitos políticos mediante regulamentação ou decisões adotadas pelo Estado que se convertam em verdadeiros impedimentos para a participação efetiva dos cidadãos no governo do Estado, ou ainda que torne tal participação ilusória.

Foi registrado que não existe disposição no Pacto de São José da Costa Rica que adote o princípio do monopólio das candidaturas, ou seja, não há a obrigação de intermediação por partido político para que os cidadãos possam postular-se aos cargos eletivos, nesse sentido:

No existe disposición en la Convención Americana que permita sostener que los ciudadanos sólo pueden ejercer el derecho a postularse como candidatos a un cargo electivo a través de un partido político. No se desconoce la importancia que revisten los partidos políticos como formas de asociación esenciales para el desarrollo y fortalecimiento de la democracia, pero se reconoce que hay otras formas através de las cuales se impulsan candidaturas para cargos de elección popular con miras a la realización de fines comunes, cuando ello es pertinente e incluso necesario para favorecer o asegurar la participación política de grupos específicos de la sociedad, tomando en cuenta sus tradiciones y ordenamentos especiales, cuya legitimidad ha sido reconocida e incluso se halla sujeta a la protección explícita del Estado. Incluso, la Carta Democrática Interamericana señala que para la democracia es prioritario “el fortalecimiento de los partidos y de otras organizaciones políticas”.5

A Corte Interamericana considera, portanto, que a participação de organizações diversas dos partidos políticos nos assuntos públicos é salutar, em especial para garantir expressão política legitima para os grupos de cidadãos que de outra forma poderiam ser excluídos do processo de participação.

proporcional a esse objetivo. Quando há várias opções para alcançar esse fim, deve ser escolhida a que menos restrinja o direito protegido e guarde maior proporcionalidade com o propósito que se persegue.

5 Não existe disposição na Convenção Americana que permita sustentar que os cidadãos somente podem

exercer o direito a se candidatar a um cargo eletivo através de um partido político. Não se desconhece a importância dos partidos políticos como formas de associação essenciais para o desenvolvimento e fortalecimento da democracia, mas se reconhece que há outras formas através das quais se impulsionam candidaturas para cargos de eleição popular com vistas à realização de fins comuns, quando isso é pertinente e inclusive necessário para favorecer ou assegurar a participação política de grupos específicos da sociedade, levando em conta suas tradições e ordenamentos especiais, cuja legitimidade foi reconhecida e inclusive se encontra sujeita à proteção explícita do Estado. Inclusive, a Carta Democrática Interamericana afirma que para a democracia é prioritário “o fortalecimento dos partidos e de outras organizações políticas”.

A Corte chegou ao entendimento de que a obrigação imposta pela lei eleitoral nicaraguense restringindo a participação no processo eleitoral, em especial quanto à indicação de candidatos por partidos políticos afetou de forma negativa a participação eleitoral do YATAMA nas eleições municipais de 2000. Asseverando que tal restrição implicou em injusto impedimento ao exercício dos direitos políticos passivos dos membros das comunidades indígenas que integram o YATAMA, vejamos:

La restricción de participar a través de un partido político impuso a los candidatos propuestos por YATAMA una forma de organización ajena a sus usos, costumbres y tradiciones, como requisito para ejercer el derecho a la participación política, en contravención de las normas internas (supra párr. 205) que obligan al Estado a respetar las formas de organización de las comunidades de la Costa Atlántica, y afectó en forma negativa la participación electoral de dichos candidatos en las elecciones municipales de 2000. El Estado no ha justificado que dicha restricción atienda a un propósito útil y oportuno que la torne necesaria para satisfacer un interés público imperativo. Por el contrario, dicha restricción implica un impedimento para el ejercicio pleno del derecho a ser elegido de los miembros de las comunidades indígenas y étnicas que integran YATAMA.6

Por fim, a Corte assinalou que o Estado da Nicarágua violou o disposto nos artigos 23 e 24 em relação os artigos 1.1 e 2, todos do Pacto de São José da Costa Rica, em especial por considerar que as restrições estabelecidas no art. 82 da Lei Eleitoral de 2000, quais sejam: apresentação de candidatos em ao menos 80% dos municípios da respectiva circunscrição territorial e em 80% do total das candidaturas constitui uma restrição desproporcional que limitou indevidamente a participação política dos candidatos propostos pelo YATAMA para as eleições municipais de novembro de 2000.

Dois pontos do julgado da Corte Interamericana merecem destaque, uma vez que, de uma forma ou de outra, acabam por adentrar no tema da mitigação do princípio do monopólio das candidaturas.

6 A restrição de participar através de um partido político impôs aos candidatos propostos pelo YATAMA uma

forma de organização alheia a seus usos, costumes e tradições, como requisito para exercer o direito à participação política, em contravenção das normas internas (par. 205 supra) que obrigam o Estado a respeitar as formas de organização das comunidades da Costa Atlântica, e afetou de forma negativa a participação eleitoral desses candidatos nas eleições municipais de 2000. O Estado não justificou que esta restrição atenderia a um propósito útil e oportuno que a torne necessária para satisfazer um interesse público imperativo. Pelo contrário, essa restrição implica um impedimento para o exercício pleno do direito a ser eleito dos membros das comunidades indígenas e étnicas que integram o YATAMA.

O primeiro refere-se ao entendimento da Corte quanto à restrição dos direitos políticos. Para a Corte, nos termos do art. 23.2 do Pacto de São José da Costa Rica, o Estado pode restringir os direitos políticos dos cidadãos desde que a restrição se encontre prevista em lei, seja baseada em critérios razoáveis, atenda a um proposito útil, sendo necessária para satisfazer o interesse público. Deve ser escolhida uma opção que menos restrinja o direito atingido e guarde maior proporcionalidade com o objetivo a ser atingido.

O segundo ponto refere-se à importância dos partidos políticos para a democracia representativa. A Corte assentou que reconhece a importância dos partidos políticos para a democracia representativa, entretanto registra que outros tipos de organizações possam impulsionar candidaturas para cargos de eleição popular. Acaba nesse ponto por mitigar o princípio do monopólio das candidaturas, assentando ainda que não pode haver requisitos para a participação no processo eleitoral aplicados aos partidos políticos que não possam ser atendidos por outro tipo de organização.

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