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AS INFLUÊNCIAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No documento direito penal contemporâneo em pauta (páginas 84-88)

LEI 13.104/15 E A PROTEÇÃO DAS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

3.1 AS INFLUÊNCIAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO EM PAUTA - VOLUME I - ANO 2023

O Direito Penal do cidadão é um direito de todos, o Direito Penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só a coação física, até chegar à guerra(...) O Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma, o Direito Penal do inimigo (...) combate perigos(...) (GUNTHER JAKOBS, 2003, PÁGINA 30.)

Com a análise desse conceito, percebe-se que o Estado deve considerar como inimigo o indivíduo que tenha determinadas características de desvio de personalidade predominantes. Ainda considerando as palavras de Gunther Jakobs, este afirma:

Se já não existe a expectativa séria, que tem efeitos permanentes de direção da conduta, de um comportamento pessoal – determinado por direitos e deveres - a pessoa degenera até converter-se em um mero postulado, e em seu lugar aparece o indivíduo interpretado cognitivamente. Isso significa, para o caso da conduta cognitiva, o aparecimento do indivíduo perigoso, o Inimigo.” (GUNTHER JAKOBS, 2003.)

Em relação aos elementos constitutivos do Direito Penal do Inimigo, o alemão discorre da seguinte forma:

(...) O Direito Penal do Inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva(...). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas(...). Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas.” (GUNTHER JAKOBS, 2003.)

Na perspectiva do Direito Penal do Inimigo, o Estado deveria ter controle sobre os meios necessários para garantir a segurança da população refém da criminalidade, a citar o tratamento com mais severidade aos criminosos de maior periculosidade, podendo diferenciar os delinquentes entre os que cometeram um simples erro ou aqueles que precisam ser impedidos de reiterar nas práticas criminosas, ainda que para isso fosse preciso utilizar-se da coação, ferindo os direitos humanos. Vale ressaltar que o inimigo não necessariamente recebe uma pena, podendo também lhe ser aplicada uma medida de segurança se esta for o meio adequado de impedir que o indivíduo cometa crimes atuais e futuros. O Direito Penal do Inimigo antecipa a tutela penal, tendo o objetivo de punir os atos preparatórios, criando no ordenamento jurídico crimes de perigo abstrato e os de mera conduta, reprimindo a atuação do indivíduo delinquente, evitando que o crime venha a se concretizar.

3.1 AS INFLUÊNCIAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO

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Embora existam diversas críticas sobre a existência do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico do Brasil, é inegável que em algumas leis do país ainda há resquícios dos ideais propostos por Gunther Jakobs. No cenário jurídico atual, o Direito Penal do Inimigo encontra-se no Brasil na terceira velocidade do Direito Penal, sendo a primeira velocidade o Direito Penal tradicional, que visa a aplicação de uma pena privativa de liberdade e o de segunda velocidade abrange os crimes econômicos que trouxe uma ideia de flexibilizar algumas garantias penais e processuais para ratificar a celeridade da lei e aplicar penas alternativas diversas da privativa de liberdade, como por exemplo as restritivas de direitos. A terceira velocidade seria uma aplicação híbrida da primeira e da segunda velocidade, onde haveria a aplicação da pena privativa de liberdade somada com a flexibilização de garantias processuais e penais.

O Direito Penal do Inimigo é incompatível com a constitucionalização e humanização do Direito. Porém, ainda é perceptível leis brasileiras com punições mais severas, a fim de se obter uma repressão maior aos crimes considerados mais gravosos, tipificando atos meramente preparatórios, como observa-se no Código Penal em seu artigo 288 (Duzentos e oitenta e oito) que pune a associação criminosa, considerado um de perigo abstrato, estando na mera fase de cogitação e preparação no inter criminis.

Vejamos:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, 1940)

Ainda sobre a legislação Penal do Brasil, também é possível encontrar a punição de atos preparatórios nos artigos 291 e 294 do Código Penal a seguir expostos.

Art. 291 - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda. Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

Art. 294 – Fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente destinado à falsificação de qualquer dos papéis referidos no artigo anterior: Pena: reclusão, de um a três anos, e multa. (CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, 1940)

Raul Zaffaroni (2007) acredita que a principal atuação do Direito Penal do inimigo na América Latina como um todo seria através das prisões cautelares (provisórias). Com essas prisões, o inimigo seria encaminhado ao cárcere para serem combatidos/eliminados da sociedade. O autor ratifica, em sua obra “O Inimigo no Direito Penal”, que 3/4 (três quartos) dos indivíduos presos estão submetidos a medidas de

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contenção, embora já tenham sido processados, ainda aguardam pelo julgamento dos seus delitos. Em suas conclusões, afirma que esse fato mostra a deturpação dos princípios constitucionais dentro do sistema prisional, devendo ser a prisão provisória ultima ratio em qualquer situação.

Nenhum governo democrático adota claramente um princípio de Direito Penal do Inimigo dentro do seu ordenamento jurídico, pois culminaria em um Estado violador dos direitos humanos. Porém, ao observarmos diversos acontecimentos durante a história contemporânea, pode-se notar a utilização da tese de Jakobs (2012). Cita-se como exemplo internacional, o caso da Colômbia e o maior narcotraficante: Pablo Escobar. No início, suas atuações não geravam repressão pelo governo colombiano, já que ainda não havia estourado na grande mídia o caso de ameaça ao governo do país. Ao ganhar notoriedade, após alguns de seus feitos, Pablo Escobar passou de Narcotraficante à Terrorista, agora recebendo maior atenção mundial, sendo considerado “Inimigo do Estado”. Durante toda a perseguição na captura de Pablo Escobar, uma série de direitos foram violados para atingir um objetivo maior, que era a sua prisão ou morte.Além do caso de Pablo Escobar, existem diversos outros exemplos ao redor do mundo. Após o atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, na época presidido por George Bush, o país tornou-se mais rígido para a entrada de imigrantes , principalmente os islâmicos. Posterior ao atentado, os Estados Unidos consolidou a guerra ao terror, realizando uma caçada ao terrorista Osama Bin-Laden.

O cenário brasileiro é bem diferente dos casos apresentados nos EUA e na Colômbia. Porém, é válido expor que o Brasil passou por um período ditatorial, com suspensões de direitos civis, políticos e exílios. Durante esse período, muitas modificações foram feitas no ordenamento jurídico brasileiro, com os Atos Institucionais para manter a população sob o domínio do exército. O poder de suspensão dos direitos políticos se dissipou nos anos subsequentes, havendo diversas mortes e tortura para aquelas pessoas que se manifestavam contra o cruel regime militar.

A lei de crimes hediondos (N°8.072/90), cujo rol é taxativo, tende a punir rigorosamente os crimes considerados mais repugnantes pela lei. Uma consequência dessa lei seria o tratamento diferenciado aos infratores, satisfazendo integralmente o cumprimento de pena em regime fechado no estabelecimento de segurança máxima, ou seja, não teriam direito à progressão do regime. É de suma importância explicitar que o Supremo Tribunal Federal considerou tais disposições inconstitucionais. Os prazos processuais desta lei também punem com mais severidade os praticantes de crimes

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hediondos, a exemplo da prisão temporária, que o prazo é de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, ao invés de 5 (cinco) dias aplicáveis aos criminosos comuns.

No Estatuto do Desarmamento há a tipificação do porte de arma de fogo sem munição, em seu artigo 14 (catorze), que apresenta duas vertentes para a doutrina. Uma corrente doutrinária o considera como crime de perigo abstrato e outra corrente o define como de perigo concreto. O STF consolidou seu entendimento de que existe um real perigo ocasionado pelo porte de arma de fogo, mesmo sem munição, pois, ainda assim, existe uma grande probabilidade de cometimento de ilícitos penais.

A Lei de Crimes Ambientais traz outro exemplo de infração punida por conduta meramente preparatória, que é o ingresso em unidade de conservação na posse de instrumentos para caçar ou para explorar produtos florestais sem apresentar qualquer licença ou autorização.

O Direito Penal do Inimigo está presente também na lei de execuções penais com a figura do Regime Disciplinar Diferenciado. Esse instituto culmina no isolamento dos líderes de organizações criminosas para impedir que eles continuem cometendo infrações penais no interior do cárcere, dando ordens aos seus subordinados que estão soltos. O Regime Disciplinar Diferenciado se aplica tanto aos presos provisórios, quanto aos definitivos. Nas palavras do doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete:

O Regime Disciplinar Diferenciado não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semiaberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um novo regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou com medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei. (MIRABETE, 2004, P.116)

A Lei 11.705/08 (Lei Seca), no começo de sua vigência, determinava que o conductor que fosse flagrado sob efeito de álcool cometeria uma infração de trânsito e receberia uma pena de multa, bastando apenas que o condutor se negasse a realizar o teste do bafômetro. Com os altos índices de crimes no trânsito, o legislador se preocupou em aumentar a multa, aplicando-a em dobro no caso de reincidência e corrigiu a pena para 16 (dezesseis) anos aplicáveis às pessoas que se negavam a realizar o teste do bafômetro, independentemente do sujeito ter ingerido álcool, bastando a recusa para aplicar a multa. Atualmente, o crime de trânsito só resta configurado caso o resultado do teste de alcoolemia conste acima do determinado pelo Código de Trânsito Brasileiro.

Por fim, pode-se também citar a chamada “Lei do abate”, na qual faz o controle

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de atividades suspeitas em aviões, com o objetivo de barrar, principalmente, o tráfico internacional de drogas e o Terrorismo. De acordo com essa lei, ao identificar a aeronave suspeita, medidas gradativas e coercitivas devem ser aplicadas para que o avião pouse.

Caso o comando seja desobedecido, as autoridades ficam autorizadas a derrubar a aeronave de “comportamento inimigo”.

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