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A PORNOGRAFIA NÃO CONSENSUAL COMO VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER

No documento direito penal contemporâneo em pauta (páginas 36-39)

DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO EM PAUTA - VOLUME I - ANO 2023

não há necessidade de prévia relação íntima de afeto, muito embora seja mais comum que ela exista.

Por fim, o § 2º estabelece a excludente de ilicitude para as situações em que o fato é publicado como sendo de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica, desde que se adote recurso que impossibilite a identificação da vítima.

Outrossim, foi estabelecida como justificante o ato executado com prévia autorização de quem foi registrado na imagem ou vídeo, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. Se menor, não haverá relevância o consentimento do ato, incidindo, assim, as regras estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

2.3 A PORNOGRAFIA NÃO CONSENSUAL COMO VIOLÊNCIA DE GÊNERO

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homens, sendo vítimas principalmente as mulheres, configurando declaradamente violência de gênero.

Nesse contexto, a organização End Revenge Porn22, no ano de 2014, disponibilizou uma pesquisa em seu site onde evidenciou o índice de vítimas. Dos entrevistados, 90% foram mulheres que alegaram já terem sido vitimas da pornografia de vingança. Destas, 57% informaram que o conteúdo foi publicado por um ex- companheiro homem. Ademais, 93% das vítimas relataram o sofrimento emocional sofrido devido a exposição; 82% disseram terem sofrido prejuízo em sua vida social ou ocupacional e 49% passaram a ser assediadas ou perseguidas na internet por outros usuários que tiveram acesso às suas gravações, Por fim, 51% passaram a ter pensamentos suicidas.

Ainda nessa linha, segue o precedente do egrégio Superior Tribunal de Justiça23:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. RETIRADA DE CONTEÚDO ILEGAL.

PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PROVEDOR DE PESQUISA.

FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. IMPOSSIBILIDADE. RETIRADA DE URLS DOS RESULTADOS DE BUSCA. POSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO PORNOGRÁFICA NÃO CONSENTIDA. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA.

DIREITOS DE PERSONALIDADE. INTIMIDADE. PRIVACIDADE. GRAVE LESÃO. (...) 5. Como medida de urgência, é possível se determinar que os provedores de busca retirem determinados conteúdos expressamente indicados pelos localizadores únicos (URLs) dos resultados das buscas efetuadas pelos usuários, especialmente em situações que: (i) a rápida disseminação da informação possa agravar prejuízos à pessoa; e (ii) a remoção do conteúdo na origem possa necessitar de mais tempo que o necessário para se estabelecer a devida proteção à personalidade da pessoa exposta. (...) 7. A "exposição pornográfica não consentida", da qual a "pornografia de vingança" é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis. 8. A única exceção à reserva de jurisdição para a retirada de conteúdo infringente da internet, prevista na Lei 12.965/2014, está relacionada a

"vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado", conforme disposto em seu art. 21 (...). Nessas circunstâncias, o provedor passa a ser subsidiariamente responsável a partir da notificação extrajudicial formulada pelo particular interessado na remoção desse conteúdo, e não a partir da ordem judicial com esse comando. 9. Na hipótese em julgamento, a adolescente foi vítima de "exposição pornográfica não consentida" e, assim, é cabível para sua proteção a ordem de exclusão de conteúdos (indicados por URL) dos resultados de pesquisas feitas pelos provedores de busca, por meio de antecipação de tutela. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (grifos acrescidos)

Não se pode negar que a violência contra a mulher é resultado de uma construção histórica e encontra-se intimamente relacionada com as relações de poder, classes e etnias, vividas ao longo dos anos em uma sociedade de costume essencialmente patriarcal. Tal comportamento mostra-se, pois, como uma expressão cultural que ultrapassa gerações, renovando-se de forma diversificada com o passar dos anos.

Sucede que, em virtude de as práticas de violência contra a mulher se tornarem corriqueiras, a sociedade por muitas vezes tende a observá-las como se fossem acontecimentos normais e admissíveis.

Ademais, em virtude desse ambiente historicamente patriarcal e machista, a vítima muitas vezes está inserida em um contexto de submissão e inferioridade, o que não a faz perceber que a conduta limitante e estigmatizante na verdade se trata de uma

22 Disponível em: <RPStatistics (endrevengeporn.org)>. Acesso em: 24 set. 2022.

23 STJ, 3º Turma, REsp 1679465/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 13/03/2018, DJe 19/03/2018.

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ato de violência de gênero.

No Brasil, não são raros os casos de revenge porn, alguns, entretanto, ganharam notoriedade nacional dada à amplitude de suas divulgações e consequências drásticas em que resultaram24.

2.3.1 CASOS CONCRETOS

2.3.1.1 O CASO ROSE LEONEL

Rose Leonel, jornalista, mãe, residia na cidade de Maringá no Paraná foi uma vítima da pornografia de vingança. Rose era noiva e em outubro de 2005 terminou o seu relacionamento de quatro anos com Eduardo Gonçalves Dias que, inconformado com o fim da relação, decidiu divulgar fotos íntimas da sua ex-companheira.

O conteúdo foi vazado em sites do Brasil e do exterior, onde mostrava o e-mail enviado para mais de 15 mil destinatários, cujo título era “Apresentando a colunista social Rose Leonel- Capítulo 1”. Com as imagens, foi exposto também o número de telefone de Rose e do seu filho menor de idade.

Além disso, Eduardo distribuiu diversos CD's pela cidade de Maringá com o conteúdo. Foram três anos e meio de exposição. Eduardo mandava e-mails a milhares de destinatários com montagens pornográficas, nomeando os e-mails como "Capítulo 2, 3...”.

Em virtude da circulação desse conteúdo, diversas marcas foram deixadas na vida de Rose e seu filho: ela perdeu o emprego, os amigos e a sua saúde mental; seu filho teve que trocar de escola diversas vezes, até que precisou mudar de país para morar com seu pai, por não aguentar mais o bullying no colégio.

Rose moveu quatro processos judiciais contra seu ex-companheiro e no ano de 2012, ele foi condenado a um ano e onze meses em regime semiaberto, além de pagar o valor de R$ 30 mil reais a título de indenização.

Existiam mecânicos para defesa, porém faltava uma lei específica para os casos de revenge porn e no ano de 2013 essa necessidade foi transformada no projeto de Lei nº 5.555/13 (Lei Rose Leonel) também conhecido como “Maria da Penha Virtual” pelo Deputado João Arruda, transformado na Lei Ordinária nº 13.772/2018.

2.3.1.2. O CASO DE JÚLIA REBECA DOS SANTOS

A jovem Rebeca, que morava em Parnaíba, no litoral do Piauí, gravou um vídeo de sexo com uma garota e seu namorado à época, todos menores de idade. As imagens foram distribuídas pelos celulares na cidade sem o consentimento da jovem.

No dia 10 de novembro de 2013, a adolescente foi encontrada no seu quarto, por sua tia, morta enforcada pelo fio da prancha alisadora. Horas antes, a jovem fez postagens em suas redes sociais no Twitter e Instagram avisando “é daqui a pouco que tudo acaba”, além de compartilhar uma montagem com fotos dela e da mãe onde se desculpava: “Eu te amo, desculpa eu não ser a filha perfeita mas eu tentei... desculpa desculpa eu te amo muito”.

No dia seguinte, um primo de Júlia confirmou nas redes sociais dela o suicídio e pediu respeito à dor da família o que não foi atendido, pois a maioria das pessoas que comentavam sobre o caso culpabilizavam a garota por ter filmado e por demonstrar prazer sexual na prática sexual.

A outra garota que aparece no vídeo também tentou cometer suicídio por

24CAVALCANTE, Vivianne A. P; LELIS, Acácia G. S. Violência de gênero contemporâneo: uma nova modalidade através da pornografia de vingança. In: Interfaces Científicas, Aracaju, v. 4, n. 3, jun de 2016, p. 65.

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envenenamento, cinco dias após a morte de Júlia, mas chegou a ser socorrida com vida no hospital da cidade.

A família desconhecia a existência do vídeo até o sepultamento da adolescente.

Tomou conhecimento quando um primo recebeu a gravação e relatou aos parentes, que resolveram procurar a polícia.

No dia 18 de novembro, oito dias após o suicídio da jovem, um site intitulado como

“SP News” anunciava a venda online do vídeo íntimo, onde estava sendo cobrado R$

4,90 pelo material. A página era hospedada fora do Brasil. A família buscou a responsabilização criminal e civil do administrador, porém ninguém nunca foi responsabilizado pelo crime.

2.3.1.3. O CASO DE SAORI TEIXEIRA

Saori Teixeira tinha apenas 12 anos quando, ao chegar na escola, se deparou com todos cochichando, olhares furtivos e com suas fotos íntimas nas paredes da escola em que estudava. Eram fotos que ela tinha enviado para um garoto com quem tinha se envolvido, à época com 17 anos.

Relatou que ele pedia para terem outras relações sexuais, ameaçou compartilhar as fotos com a escola caso ela se negasse. Com a recusa, o garoto compartilhou as fotos. Logo foi chamada à diretoria, momento em que foi expulsa da escola, além de apanhar do seus pais, que eram muito religiosos.

Relatou, ainda, que foi obrigada a ficar dois anos sem estudar; não saía e não tinha amigos. Esses fatores a levaram a entrar em depressão e a tentar suicídio.

O crime não terminou naquele dia, suas fotos foram para o Facebook e diversos sites de pornográfica. Contudo, após solicitação o conteúdo foi retirado do Facebook.

A garota teve auxílio psicológico e registrou boletim de ocorrência. O garoto que compartilhou as fotos, todavia, permanece sem punição.

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