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3. A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DA TEORIA DE RAWLS

3.5 JUSTIÇA E LEGITIMIDADE

Neste momento, a discussão entre justiça e legitimidade é retomada, sob o enfoque do novo liberalismo, mostrando que na análise do conteúdo normativo das decisões são consideradas as questões de justiça e as a legitimidade. Contudo, agora a legitimidade não é apresentada no sentido de apenas ser decisão da maioria.

Em Justiça como Eqüidade152, antes de apresentar seus dois princípios de justiça, Rawls reitera que uma concepção de justiça tem que ser política. Dizer que uma concepção de justiça é política significa que é, em primeiro lugar, uma concepção moral elaborada com vistas à estrutura básica da sociedade e restringe- se à idéia de sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação e à idéia de cidadãos livres e iguais. E mais, nestas sociedades bem-ordenadas, todos aceitam os mesmos princípios de justiça. 153

Assim, depois de a concepção de justiça ser afirmada política nos termos acima, Rawls anuncia o princípio liberal de legitimidade, segundo o qual

[…] o poder político só é legítimo quando é exercido de acordo com uma constituição (escrita ou não), cujos elementos essenciais todos os cidadãos, considerados como razoáveis e racionais, podem endossar à luz de sua razão humana comum. Este é o princípio liberal de legitimidade.154

A partir deste princípio, o Estado não precisa mais emprestar a legitimidade da vontade da maioria. O poder político passa a ser limitadado por um corpo constitucional, cujos principais elementos estão fundados em princípios da justiça racionalmente justificados. Foram, pois, escolhidos consensualmente por pessoas autônomas, dispostas a cooperar com a justiça, a discutir, revisar e até a desconsiderar seus juízos morais até chegar a um equilíbrio. E tudo isso feito em condição de eqüidade, em que todas as partes são consideradas igualmente dignas, todas têm o mesmo direito de questionar, de decidir e debater as leis pelas quais serão regidos. Dito de outro modo, o poder político só é legítimo quando fundado na justiça como eqüidade.

152 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 57

153 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 37

154 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 57

3.6 A FUNDAMENTAÇÃO MORAL DO DIREITO

A fundamentação moral do direito é um problema urgente para a filosofia política na medida em que é o Estado quem empresta ao Direito sua força coercitiva.

Essa questão diz respeito também à Filosofia Jurídica, pois, com a crise do racionalismo, o Direito vê como insuficiente uma justificação tão somente cunhada em leis.155 De acordo com Cecília Caballero Lois, o Direito foi reduzido por sua Teoria Geral à

mera descrição das principais características das normas jurídicas (especialmente a coação) e da posição que ocupam no ordenamento, suprimindo qualquer discussão sobre a fundamentação do direito, posto compreendê-la tarefa estranha à atividade do jurista.156

Neste cenário, em que o principal problema da Filosofia do Direito são as demandas por legitimidade e justiça, o pós-positivismo aparece com a proposta de reatar os laços entre o direito e a moral, “a qual penetraria no ordenamento jurídico, através da Constituição, especialmente, a partir dos direitos fundamentais.”157

A justificação rawlsiana da justiça não admite que certos princípios e deveres sejam submetidos ao arbítrio da vontade da maioria, pois são dotados de conteúdo que resulta de um procedimento construtivo racional, em que participaram pessoas livres e iguais, que no exercício de suas faculdades morais escolheram, em uma condição apropriada. São os dois princípios da justiça como eqüidade, cuja existência antecede o arcabouço constitucional, servindo-lhe, portanto, de fonte normativa.158 Rawls insere os princípios da justiça como eqüidade no ordenamento jurídico através da seqüência dos quatro estágios de concretização dos mesmos.

Assim, é possível afirmar, a partir da teoria da justiça formulada por John Rawls, que nas sociedades democráticas um código jurídico é justo, e pode ser considerado criticamente legítimo quando em seu bojo estiverem presentes normas que contemplem e não extrapolem as diretrizes dos dois princípios da justiça.

155 Cf. DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul:

EDUCS, 2008.

156 CABALLERO LOIS, Cecília. Prefácio. In: DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul: EDUCS, 2008. p. 9.

157 CABALLERO LOIS, Cecília. Prefácio. p.10.

158 Cf. CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. p. 139

CONCLUSÃO

Esta monografia se propôs a fazer uma apresentação da teoria da justiça como eqüidade do filósofo John Rawls e demonstrar a possibilidade de fundamentar o Direito a partir dela. No primeiro capítulo que, visou introduzir o leitor em Rawls, fez sucinta biografia e bibliografia do autor, em seguida, demonstrou quais foram as matrizes teóricas que o influenciaram na produção de sua teoria. O intuicionismo, o perfeccionismo e o utilitarismo foram as correntes que se mostraram insuficientes, na visão do filósofo, para responder sua indagação quanto à justa distribuição dos bens na sociedade. Mas foi a doutrina do contrato social bem como a teoria moral kantiana que serviram como base para a elaboração de sua teoria da justiça como eqüidade. Em função desta teoria, foram retomadas no âmbito da filosofia política as discussões acerca do contratualismo.

No segundo capítulo foram apresentados os principais conceitos da teoria da justiça como eqüidade. Todos se relacionam entre si e servem para solidificar a discussão que ocorreu no terceiro capítulo, que só foi possível a partir do conhecimento do conteúdo exposto até então. No terceiro capítulo, iniciou-se a discussão sobre legitimidade e justiça. Até pouco tempo, o conceito de legitimidade remetia à justiça. Rawls mostrou que, embora sejam próximos, tratam-se de categorias distintas. O filósofo norte-americano dá enfase à justiça, pois uma decisão legítima pode ainda ser injusta. Viu-se que decisões muito injustas despem de legitimidade os atos do governo, e contaminam o governo democrático.

A discussão sobre o liberalismo clássico e o novo liberalismo concluiu-se que no primeiro o contrato social se serve para explicar a origem do poder político e limitá-lo. Já no novo liberalismo, o contrato é utilizado para construir a teoria da justiça e assim fundamentá-la. A questão da soberania popular, tão cara aos liberais clássicos por emprestar legitimidade às decisões do Governo, perde importância quando a justiça entra em cena pelo neo-contratualismo.

Por fim, a teoria rawlsiana apresenta o princípio liberal da legitimidade que vinculará a legitimidade do poder público à observância dos princípios de justiça. Os mesmos princípios da justiça como eqüidade que fundamentam o poder político também justificam o Direito.

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