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2.3 A DEFINIÇÃO DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

2.3.1 O desconhecimento do Direito

O conjunto legal brasileiro detém o princípio segundo o qual ninguém pode se eximir de cumprir a lei alegando o seu desconhecimento (art. 5°, da LICC25). O preceito foi herdado do Direito romano “ignorantia legis neminem excusat” e fundamenta-se na exclusão da possibilidade de que determinado indivíduo, ao cometer certa infração, possa invocar em sua defesa o desconhecimento da existência de lei que incrimine a prática do ato cometido.

Contudo, sabe-se que na prática, a realidade mostra-se diferente. Ocorre que, muitas vezes, o ofendido renuncia do próprio Direito de ingressar no judiciário devido a ignorância de conhecimento da Lei.

24 NALINI, José Renato. Novas Perspectivas no Acesso à Justiça. Revista do Centro de Estudos Judiciários. p. 61.

25 BRASIL. Decreto Lei 4657/42, de 04 de setembro de 1942. Dispõe sobre a Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 04 de set. 1942.

Reale Júnior26 assim expõe em matéria para o “Jornal Estado de Direito”:

Ora, a consecução de Justiça no Brasil, especialmente para aqueles que sequer conhecem seus direitos, é um projeto de longuíssimo prazo, que exige mais que projetos de lei ou reforma constitucional: exige vontade política e sensibilidade. Mais da metade da nossa população não tem meios de ir ao Judiciário. O Judiciário é inacessível. O juiz e o promotor são distantes nos planos físico e humano, vivem em um desconhecido universo formalista, falando em outra linguagem. Os homens simples sequer conhecem seus direitos, muito menos como reivindicá-los.

Toda vez que alguém, segundo Watanabe27, espoliado em seu Direito, vê-se numa situação de castração diante das infindáveis barreiras para a recomposição do seu bem da vida violado, ocorre um fenômeno que se denomina litigiosidade contida.

Afirma Nalini28 que as pessoas não poderão gozar da garantia de fazer valer seus direitos perante os tribunais, se desconhecerem a lei e os limites de seus direitos.

Normalmente, a aplicação do Direito é tarefa de especialistas (juristas), por via do Poder Judiciário, não sendo colocado à disposição dos cidadãos o conhecimento técnico de aplicação do Direito. Contudo, o acesso a informação deve ser generalizado, até como pressuposto da própria aplicação do Direito.

Anota Tavares29 que algumas vezes o cidadão desconhece seus direitos ou não possui aptidão (conhecimento técnico) para reconhecer um Direito que lhe está contemplado pelo ordenamento jurídico. Trata-se da problemática que, nos países menos desenvolvidos, é extremamente angustiante: o acesso à

26 REALE JÚNIOR, Miguel. O Direito à Prestação Jurisdicional. Estado de Direito. Porto Alegre, fev. mar. 2008. p. 10.

27 WATANABE in FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. p. 55.

28 NALINI, José Renato. Novas Perspectivas no Acesso à Justiça. Revista do Centro de Estudos Judiciários. p. 63.

29 TAVARES, André Ramos. Apontamentos acerca do Princípio Constitucional do Acesso à Justiça. Boletim Científico. p. 23.

informação. Obviamente que o particular prescindirá de uma assistência quanto maior for o seu grau de instrução. Daí a necessidade de acesso ao Direito, o que só se poderá obter, em tais situações, se o Estado disponibilizar agentes para realizarem uma identificação de conflitos sociais e violações de direitos, informando aqueles atingidos. Em longo prazo, a solução deverá ser outra, com o aumento da escolaridade média.

Conforme o entendimento de Nalini30:

O primeiro compromisso do juiz empenhado em ampliar o Acesso à Justiça, portanto, será com a disseminação do conhecimento do Direito.

O Direito, resolvido em direitos, terá que se abrir, que se quotidianizar, de perder o seu sopro de mágica não humana.

Nalini31 ainda apresenta duas vertentes as quais os Juízes podem tornar o Direito conhecido: uma institucional, e outra pessoal. Na vertente institucional, os tribunais e associações de magistrados podem imprimir toda a sorte de informações, a partir de folhetos simples, com explicações facilitadoras do Acesso à Justiça. Os tribunais devem, também, manter serviço de atendimento facilitado, para fornecer informações sobre o andamento do Processo, ou sobre problemas jurídicos concretos de toda ordem (isso por meio de telefone, de fax ou de guichês com funcionários treinados). Os tribunais e associações têm o dever de divulgar os endereços dos foros e dos organismos vinculados à realização da Justiça, os horários de realização das audiências, o funcionamento dos juizados especiais, e outros dados de interesse. Tudo isso, em linguagem acessível, de compreensão por qualquer do povo e de forma que desperte o interesse do cidadão comum. Além dessa divulgação operacional, as entidades deveriam promover a divulgação institucional, propiciadora de informações sobre o funcionamento do Judiciário no Brasil.

30 NALINI, José Renato. Novas Perspectivas no Acesso à Justiça. Revista do Centro de Estudos Judiciários. p. 63.

31 NALINI, José Renato. Novas Perspectivas no Acesso à Justiça. Revista do Centro de Estudos Judiciários. p. 63.

O referido autor32 continua:

Em caráter pessoal, o juiz também é provido de excepcionais condições de disseminar o conhecimento do Direito. Primeiro, exercendo de maneira adequada o seu compromisso de maior relevo: a outorga da prestação jurisdicional. Cada juiz, quando julga, exerce função docente.

Está ensinando Direito, está divulgando o correto, está demonstrando qual o verdadeiro sentido e alcance da lei. A decisão é uma aula. E como aula de Direito, pode ser clara, atraente e eficaz. Ou obscura, aborrecida e destituída de relevo, circunscrevendo-se aos limites do Processo em que exarada.

É preciso frisar que não se pode confundir a necessidade de utilização de termos técnicos com o apego à linguagem arcaica que se encontra em um grande número de peças processuais. Os Juízes não são os responsáveis por essa linguagem rebuscada, esta deriva da lei e das tradições judiciais.

Contudo, o juiz pode adotar outra estrutura discursal, sem abandonar a correção, no qual se encontre lógica, teórica Simplicidade e elegância vocabular. Faz-se indispensável uma linguagem perfeitamente inteligível e que atenda aqueles aos quais interessa sem a necessidade de recorrer ao dicionário.

Nalini33 conclui que antes de dizer o Direito, incumbe ao juiz fazer conhecer o Direito. Pois na medida em que o conhecimento daquilo que está disponível constitui pré-requisito da solução do problema da necessidade jurídica não atendida, é preciso fazer muito mais para aumentar o grau de conhecimento do público a respeito dos meios disponíveis e de como utilizá-los.

O desconhecimento do Direito é um dos maiores estímulos para o abuso. Quem desconhece as normas, tende a não se insurgir contra atos ilícitos ou, quando se insurge, seus atos limitam-se a um protesto que mais aparenta ser um lamento, já que não põe a discussão nos seus exatos planos.

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