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Educação e cultura

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 101-104)

3.2 Caracterização do Quilombo do Campinho da

3.2.3 Educação e cultura

da família, os mutirões agrícolas, tudo isso são formas de solidariedade pré- existentes. Não por acaso, as respostas mais efetivas à pandemia vêm exatamente dos territórios onde estas racionalidades de resistência e desenvolvimento de novos modos de produção, consumo e relação social habitam (OTSS, 2020).

Ações baseadas em trocas como base da circulação de produtos e serviços, mutirões como forma de implantar estruturas produtivas e de suporte social, e redes de cuidado como estratégia de apoio individual, familiar e coletivo se tornaram estratégias fundamentais para as comunidades da Bocaina e, o Quilombo do Campinho teve um protagonismo importante na reconfiguração desses arranjos

“arcaicos” que voltam à centralidade no território (OTSS, 2020).

demais funcionários) e os Griôs, artesãos, lideranças políticas e crianças quilombolas (CARVALHO E CIRQUEIRA, 2019).

Hoje o Quilombo conta com o ensino fundamental todo baseado em um currículo diferenciado. Até o sétimo ano do fundamental as crianças não precisam mais sair mais do território para frequentarem o segundo segmento do ensino fundamental em Paraty.

O sexto e sétimo anos do ensino fundamental foram implementados em 2020 no Quilombo do Campinho. Até então a escola municipal atendia somente até o 5º ano e as crianças complementavam os restantes em Paraty. Isto era dificultado pela indisponibilidade de transporte e o perigo de transitarem ou aguardarem o ônibus no acostamento da rodovia e observava-se um alto índice de evasão escolar, tanto entre a população do Campinho quanto de outras comunidades da região (SPINELLI &SOUZA, 2016).

As políticas educacionais que nascem da premissa do reconhecimento das diferenças étnicas e culturais representam um resultado das lutas dos movimentos e organizações sociais. No Quilombo do Campinho a luta por uma educação diferenciada teve como marco fundamental a implantação do Ponto de Cultura Manoel Martins em 2003, que recebeu este nome devido ao Griô que nasceu e viveu por muitos anos no Campinho da Independência. O Ponto de Cultura desenvolveu um novo parâmetro de organização no Campinho abrindo o debate sobre uma educação diferenciada no território quilombola (CARVALHO E CIRQUEIRA, 2019).

O Ponto de Cultura Manuel Martins foi desenvolvido no Quilombo do Campinho da Independência, nos anos de 2004 e 2005, sendo o primeiro Ponto de Cultura da cidade de Paraty. O projeto inicial desenvolvido pela AMOCQ consistiu na realização de oficinas, cujo objetivo era o resgate e o fortalecimento da cultura afro, como um movimento de reafirmação da identidade negra (PINHEIRO, 2015 p.73).

A partir do Ponto de Cultura os jovens da comunidade começaram a resgatar e fortalecer a auto estima da comunidade a partir da sua história e memória. Esse processo de resgate iniciou com os Encontros da Cultura Negra e se fortaleceu com o Ponto de Cultura. Foram desenvolvidas oficinas de cestaria, cerâmica, agricultura com os griôs, capoeira, percussão, construção de tambores e Jongo. Uma das

atividades mais importantes foi o resgate do Jongo, que recria suas tradições para incentivar o turismo cultural (PINHEIRO, 2015 p.73).

O Jongo traz uma discussão política para a questão da terra e do racismo e tem um caráter único de denúncia e, por isso, não é somente uma manifestação cultural, mas também uma prática política vinculada a questão da terra e sobre identidade afro brasileira (PINHEIRO, 2015 p.73).

A voz da juventude no Quilombo do Campinho é expressa de forma muito rica por meio da musicalidade e seu conteúdo poético. Há uma grande variedade (Jongo19, Samba e Rap) de ritmos que refletem as histórias de opressão e segregação. Por isso a música é trabalhada nas atividades escolares como importante atividade entre o currículo escolar, a didática, professores e alunos, na busca da redução da desistência escolar e estímulo à reflexão crítica (SPINELLI

&SOUZA, 2016).

O rap entra recentemente na história do Campinho como parte do movimento hip hop, produzindo uma música de contestação e reivindicação do povo negro para suas dificuldades de acesso ao emprego e ao consumo, buscando a definição de seus territórios e seu pertencimento à sociedade (SPINELLI &SOUZA, 2016).

As músicas apresentam uma variedade das influências da música negra, acompanhadas de guitarra suingada, da batida do jongo ou do berimbau no ritmo da capoeira resultando numa originalidade especial e demonstrando sua versatilidade no uso de instrumentos de percussão, incluindo o bongô, além de experimentarem eventualmente arranjos com outros instrumentos como o saxofone.

(SPINELLI &SOUZA, 2016).

A expressão musical do Quilombo valoriza a pluralidade e contempla o ambiente escolar como ponto de partida da expressão cultural relacionada à opressão. A percepção da riqueza plural proporcionada pela produção da juventude quilombola abre às possibilidades múltiplas para o exercício da reflexão e estímulo à produção artística.

“Se o aluno compreender a si mesmo e seu entorno comunicando-se através de conteúdos de sua experiência vivida e de valores de sua memória, poderá estar trazendo marcas aparentemente apagadas de sua ancestralidade, o que pode contribuir para a construção das identidades brasileiras. Isto poderá se dar através da construção de sua própria

19 O jongo, ou caxambu é um ritmo que teve suas origens na região africana do Congo-Angola. Chegou ao Brasil-Colônia com os negros de origem bantu trazidos como escravos para o trabalho forçado nas fazendas de café do Vale do Rio Paraíba, no interior dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo

autoestima pela apropriação de seus valores não necessariamente esquecidos, pois recuperados. A identidade negra compreendida como uma identidade ritual que forma a cultura brasileira pode ser valorizada através das artes jovens e ajudar a formar os novos jovens de compreensão da beleza múltipla” (SPINELLI &SOUZA, 2016).

Outra referência cultural do quilombo do Campinho é o Encontro da Cultura Negra, que teve sua primeira edição em 1998 e que já conta com 21 edições. O evento é realizado no Quilombo por ocasião da Semana da Consciência Negra e tem como objetivo resgatar os valores da cultura negra e local, criando nos jovens o desejo de preservá-la. O evento reúne apresentações culturais como debates, shows, rodas de jongo, capoeira, feijoada, desfile da beleza negra, além de uma roda de samba. A partir do quarto encontro o evento entrou no calendário turístico- cultural do município de Paraty, sendo hoje um dos principais eventos do Dia Nacional da Consciência Negra na cidade.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 101-104)

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