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4.3 ENTREVISTAS

4.3.8 Emboscada e morte

Em outra declaração, fica exposto que

quando que caiu, foi tiro e tiro, foi tanto tiro que parecia um taquaral, sabe quando se queima um mato de taquaral, era pá, pá, pá, pá, pá, má disseram que [...] ficô uma penera ele, também a camisa ficô uma penera, non tinha mais nada que grudava, depois, veio a polícia e levarom ... (Tomaz T., In LONDERO, Veranópolis, RS, 1989, fita 2).

Em um dos depoimentos apresentados no curta-metragem dirigido por Rocha (2003), Joaquim Bertoco, residente na Linha Barros Cassal, informa: “Diz que o segundo tiro dirrubô ele a daí fizeram crível, mataram ele ma peneraram ele a bala, não se sabe quantos tiro que deram nele despois dele morto. Agora acho que foi abuso isso, porque depois de morto não precisava furá ele” (14:08-14:27).

Figura 31 – Paco em seu leito de morte

Fonte: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (ESTADO DO RIO GRANDE, 27 fev. 1931, anno II, nº 415).

Segundo informações, a morte de Paco já vinha sendo tramada há tempo nas esferas políticas – e parece ter sido reforçada após a nomeação, em 1930, de Saul Irineu Farina para o cargo de prefeito municipal –, e com o apoio da polícia e de pessoas descontentes com Paco, foi posta em prática.

Sottili (1998, p. 135) afirma que uma de suas entrevistadas procedeu à seguinte narrativa acerca da morte de Francisco Sanches: “a emboscada foi planejada pelo prefeito Saul Farina”.

Há quem diga que o prefeito não foi o responsável pela morte, mas há muitos indícios do contrário. O autor (1998, p. 134-135) acrescenta o depoimento de outro entrevistado, segundo

o qual “o Saul Farina que preparou o terreno para matar o Paco’ ... Moraes nos afirmou que Serafim Pioca estava presente na emboscada, fato este que foi confirmado pelo depoimento, já citado, se sua filha Carolina Peres”.

Um dos depoentes, que tem parentesco com o ex-prefeito Saul Farina, relatou que

todas as autoridades não só de Veranópolis, como de Nova prata, Antônio Prado, Bento Gonçalves, tinham o Paco na lista para ser preso ... O Saul era um homem muito religioso, ... dois filhos dele se formaram padre até ... não era homem assim de vingança e tal. (Lauro F., In LONDERO, Porto Alegre, RS, 1990, fita 2).

Paco levou tantos tiros que até hoje não há um número exato da quantidade de balas que perfuraram o seu corpo. Os números variam. Alguns dizem 50, outros mais de 500, na reportagem do jornal Zero Hora em 05 de junho de 1988, 280 tiros, o que corrobora a premissa de que fatos da vida de Paco, acrescidos da intervenção da memória popular, podem ser tendência no que se refere à mitificação dele enquanto personagem: “O pai foi junto com os filhos e achei um absurdo matá na traição, depois que tivesse matado, deixasse o corpo né?, mas não, crivaram ele de bala” (Sofia S., In LONDERO, Veranópolis, RS, 1989, fita 6).

O relato do filho traz que foram utilizadas até as armas do pai:

Aí mataram e andaram dando tiro pro mato assim, foram descarregando ... tinha cinco quilos de bala, assim, no bornal dele” [...] “mas deram depois de morto, começaram tiro, tiro. O Chiocca atirou até nos meus pés, de atirá cascalho que eu não podia avançá, ... eu tentei ir prá frente ... (Frederico S., In LONDERO, Bento Gonçalves, RS, 1991, fita 4).

Outro conhecido da história de Paco afirmou: “... O Chiocca foi aquele que tava junto pra matar o Paco ... de Veranópolis, ... É, era o Chiocca, o Largura, e o Chanche esse foi convidar o Paco, lá em casa pra ir na reunião, foi que eu ouvi conversa né, dos velhos” (Júlio B., In LONDERO, Nova Roma do Sul, RS, 1990, fita 3).

Sobre o sepultamento de Paco, há várias versões; alguns declaram que tinha muita gente, outros que somente os familiares. Não há indícios suficientes para realmente saber como ele ocorreu. Uma colaboradora, ao falar a respeito para Sottili (1998, p. 136), limitou-se a comentar que “Eu não vi o Paco, mas dizem que não sobrou um osso inteiro dos tiros que ele levou”. Para essa, “Paco era um bandido, ... mas se fez assim por causa das autoridades. Todo mundo dizia que se tivessem dado um corretivo logo ele não se fazia assim” (SOTTILI, 1998, p. 118).

Não é comum ouvir nos relatos, e nem ver na historiografia, questionamentos quanto à forma como procedeu, no cumprimento de suas funções, o compadre e parceiro de Paco, o então delegado Octacílio Vaz; somente aparecem as ações de Sanches.

Quanto à emboscada, essa foi realmente muito bem planejada, pois até hoje o que existem são suspeitas, comentários. Ainda não é possível afirmar da arma de quem saiu o tiro que colocou fim à vida de Paco. De acordo com um dos que colaboraram concedendo entrevistas a Londero, “é, eles fizeram pra ninguém ficar com a culpa, atiraram todos juntos, ninguém matou ele, foram todos” (Lauro F., Porto Alegre, RS, 1990, fita 2).

Ao que representa, a família não tinha sossego quando Sanches era vivo, e parece que nem depois de sua morte foi deixada em paz. Nas palavras do filho, depois da morte do pai, os dois irmãos mais velhos já não estavam mais em casa, venderam as terras na Pompéia, “porque não dava pra viver com o pessoal que, que mataram o meu pai, fazia tudo que era desaforo, tudo” (Frederico S., In LONDERO, Bento Gonçalves, RS, 1991, fita 4).

O presente estudo possui ainda mais relevância se pensado como um instrumento para manter viva e perpetuar a história de Paco, por meio das memórias, fazendo as lembranças superarem os ocultamentos, pois o que não é compartilhado pela sociedade tende a cair no esquecimento, mesmo na atualidade, com o advento da internet e de toda gama de mídias digitais, que são potentes sistemas de armazenamento de dados.

Os acontecimentos do passado e do presente são continuamente narrados pelos indivíduos, porém, a forma como cada um interpreta esse fato é que difere e, ao mesmo tempo, que suscita diferentes representações do passado. Essas novas interpretações, esse emaranhado de opiniões divergentes entre si, podem fazer surgir, a partir de uma possível mitificação de Paco, um novo personagem, construído segundo as informações oriundas da memória, uma vez que “o mito, em si mesmo, não é uma garantia de ‘bondade’ nem de moral” (ELIADE, 2006, p.

128), é apenas algo que transcende o físico, para ocupar o imaginário, o fantástico.

Por fim, por Paco ser um personagem da história regional objeto de vários estudos e publicações, e por se manter presente na memória coletiva, é possível afirmar que sua morte, utilizando as palavras de Mello (2019) o aproximaria à condição de “... um mito em vida, que a morte não fez senão ampliar”. Novos estudos, com novos olhares, virão, e perpetuarão sua presença na história e na memória da região.

5 EXPOSIÇÃO MUSEOLÓGICA

Foi com o intuito de atender à exigência de uma proposta de trabalho dos mestrados profissionais que surgiu a ideia de materialização dessa pesquisa no formato de uma exposição museológica e, para tal, foram realizadas leituras que contribuíram como aporte teórico para a escolha da forma como foi realizada essa experiência prática, sua concepção e organização, de acordo com o tema escolhido, o local, recursos e materiais disponíveis.

É fundamental ressaltar que essa não é a primeira exposição cujo tema está centrado na trajetória de vida de Paco. De acordo com a página da Prefeitura Municipal de Veranópolis no Facebook50, no ano de 2013, foi realizada, no Museu Municipal, uma exposição de curta duração, denominada Paco: estratégias de sobrevivência, que ficou aberta à visitação no período de 09 de abril a 09 de maio de 2013, no hall de entrada da Casa de Cultura Frei Rovílio Costa.

A mesma era composta de diversos materiais, como documentos, fotografias e textos e, além da Prefeitura Municipal de Veranópolis, de acordo com informações obtidas junto ao Museu Municipal, essa primeira exposição sobre Paco também foi divulgada na imprensa, nos Jornais O Estafeta, Gazeta Veranense, Panorama Regional – atual jornal O Longevolo – de Veranópolis, e Pioneiro, de Caxias do Sul. Abaixo, uma imagem dessa exposição:

50 Disponível em: https://www.facebook.com/profile/100064322277140/search/?q=sanches. Acesso em: 07 set.

2022.

Figura 32 – Exposição “Paco: estratégias de sobrevivência”

Fonte: Acervo do Museu Municipal de Veranópolis (2013).

Antes, porém, de tratar da exposição propriamente dita, é pertinente que se esclareça o significado de alguns termos relevantes e diretamente relacionados com a mesma que, por si só, já dão ideia da complexidade desse tipo de trabalho, entre esses, Curadoria e Museu, o primeiro como atividade organizacional, e o segundo como local, instituição. Ademais, também é importante conhecer a história do Museu Municipal do município de Veranópolis, RS, local onde a exposição foi efetivamente concebida e realizada.