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O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A RESPEITO DO TEMA

COM A ADPF Nº 187

Em 15 de junho do ano de 2011, os Ministros do Supremo Tribunal Federal puseram em julgamento a ADPF n° 187, a qual almejava fosse dado, ao art. 287 do Código Penal, interpretação conforme a Constituição da República, de modo a excluir interpretações que pudessem predispor a tipificação da defesa da legalização de substâncias entorpecentes, por intermédio de eventos e manifestações públicas.

Com Relatoria do Exmo. Sr. Ministro Celso de Melo, iniciando o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n°187, com um voto dividido em diversos tópicos.

Sinaliza, inicialmente, que o tema central de discussão, é de magnitude inquestionável, que concerne ao exercício de duas liberdades públicas, as quais as declarações constitucionais de direito e as convenções internacionais consagram num longo processo de afirmação dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Prossegue afirmando que a liberdade de reunião é um meio de exercícios do direito à livre expressão do pensamento, daí o porquê da íntima relação entre ambas as liberdades.

Cita dois importantes julgamentos proferidos pelo Supremo, para aduzir que o alto significado do direito de reunião foi

107 acentuado. O primeiro deles diz respeito ao HC 4.781/BA, com relatoria do Ministro Eduardo Lins, em 1992, onde se buscava garantir a RYU BARBOSA, e demais pacientes, a fruição do direito de reunião através de comícios ou encontros realizados a favor da candidatura de RUY, o qual se insurgia contra as oligarquias políticas que eram predominantes no Brasil ao longo da primeira república, onde destacou algumas passagens do voto.

Cita também o julgamento da ADI 1.969/DF de Relatoria do Ministro Lewandovisk quando a Suprema Corte, em 2007, declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 20.098/99, legiferado pelo Governador do Distrito Federal, à época. O Decreto vedava a realização de manifestações públicas, com utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros. Os ministros entenderam que a restrição ao direito de reunião era inadequada, desnecessária e desproporcional quando confrontada com os ditames da Carta Magna.

Prossegue o Exmo. Relator, avaliando que as decisões por ele citadas, uma sob a vigência da Constituição Republicana de 1891 - HC 4.781/BA, com relatoria do Ministro Edmundo Lins - e a outra sob a vigência da atual Constituição Federal - ADI 1.969/DF, com relatoria do Ministro Ricardo Lewandovisk - refletem o mesmo compromisso da Corte Suprema em preservar a integralidade das liberdades fundamentais. Aduz que os dois julgados mostraram a evidencia de que o direito de reunião, em sua condição de instrumento, é o meio que viabiliza o exercício da liberdade de expressão, como parte hábil a possibilitar a participação da sociedade civil, no âmbito governamental, por intermédio de exposição de pensamentos, propostas, reivindicações e etc.

Dessa forma, continua afirmando que as liberdades de livre expressão do pensamento e de reunião compõem um elo indesligável de prerrogativas político jurídicas, de modo que o desrespeito a essas liberdades reverte inquestionável violação as outras liberdades.

Assim, o Exmo. Celso de Mello, em seu voto, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n°

187 afirma que a estrutura constitucional da liberdade de reunião é composta por 5 elementos:

a) elemento pessoal: pluralidade de participantes - brasileiros e estrangeiros aqui residentes;

b) elemento temporal: a reunião é necessariamente transitória;

c) elemento intencional: objetiva um fim que é comum aos que dela participam;

d) elemento espacial: a reunião, conforme o lugar em que se realiza, pode ser pública ou interna;

e) elemento formal: pressupõe organização e direção, embora precárias.

(MELLO, 2011, p. 77. )

Prossegue aduzindo que é necessário e essencial que a reunião, seja pacífica sem violências, para que faça jus à proteção constitucional. Dessa forma, para o Estado respeitar tal direito fundamental, não pode e não deve intimidar a efetiva realização da liberdade de reunião, frustrar-lhes objetivos, ou impedir sua ocorrência através de medidas restritivas. É por esse motivo que os estados ditatoriais não toleram, tampouco admitem protestos, críticas ou reinvindicações e até mesmo a participação da população em processos decisórios de Governo.

Ressalta ainda que o direito de reunião, raramente, poderá sofrer limitação de natureza jurídica, como é o caso dos mecanismos de defesa do Estado de Defesa e Estado de Sítio, por óbvio, tais medidas constitucionais possuem um caráter extraordinário.

Aduz ainda que a cláusula constitucional que ampara a liberdade de reunião é identificada tanto por um direito, de titularidade dos manifestantes, quanto por uma obrigação, obrigação está a cargo do Estado. E que o resultado disso, seria que a polícia, por exemplo, não pode impedir as reuniões ou limitá-las, apenas possui a faculdade de vigiá-

108 las, com a finalidade de garantia da realização e da ordem.

O terceiro tópico do voto Ministro Relator Celso de Melo, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n°

187 (2011, p. 82), é de suma importância, tendo em vista que relata acerca da proteção das minorias:

III. liberdade de reunião e direito à livre manifestação do pensamento: a proteção das minorias e a função contramajoritária da jurisdição constitucional no Estado Democrático de Direito”.

O sentido de fundamentalidade de que se reveste essa liberdade pública permite afirmar que as minorias também titularizam, sem qualquer exclusão ou limitação, o direito de reunião, cujo exercício mostra-se essencial à propagação de suas ideais, de seus pleitos e de suas reivindicações, sendo completamente irrelevantes, para efeito de sua plena fruição, quaisquer resistências, por maiores que sejam, que a coletividade oponha às opiniões manifestadas pelos grupos minoritários, ainda que desagradáveis, atrevidas, insuportáveis, chocantes, audaciosas ou impopulares

Aduz, posteriormente, que o papel contramajoriário que o Supremo exerce, é muitíssimo importante, tendo em vista tratar- se de órgão investido do poder institucional de proteger as minorias em face de excessos, que porventura poderão existir, da maioria, no plano das liberdades, e até mesmo contra abusos praticados pelo Estado. De modo que o quadro de submissão de grupos minoritários à vontade hegemônica da maioria, não é tolerável no Estado democrático de Direito.

Outro ponto de extrema relevância no voto do Exmo. Ministro, Mello (2011, p. 89), diz respeito ai item quatro, o qual é titulado como:

Grupos majoritários não podem submeter à hegemonia de sua vontade, a eficácia de direitos fundamentais, que se revestem de nítido caráter contramajoritário, especialmente se analisado esse tema na

perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional.

No tópico citado acima, o Ministro alega que num regime democrático nenhum cidadão, ou grupo de pessoas, até mesmo grupos majoritários, sobrepõem-se aos ditames consagrados pela Constituição da República, tendo em vista que o corpo de seu texto dispõe aos direitos fundamentais a nítida função contramajoritária.

O Exmo. Relator, afirma ainda que é imperioso realizar interpretação do art. 287 do Código Penal Brasileiro em conformidade com as liberdades ligadas à expressão. Dessa forma, aduz que existem diversas decisões judiciais que interpretam o art. 287 do CP de formas antagônicas, de modo que tais decisões conflitam entre si, acarretando em frustação ao direito de exercer as liberdades fundamentais.

Nesse diapasão, conclui que a interpretação dada a marcha da maconha como ilícito penal inviabiliza o exercício da veiculação de ideias, transmissão de opiniões, formulação de protestos e até mesmo realização de reinvindicações, fazendo com que restrinja as pessoas de participar ativamente no processo político e na tomada de decisões do Estado.

O Ministro Celso de Mello afirma ainda que reprimir a liberdade de expressão é intolerável, ainda que se objetive formular propostas repudiadas pela maioria da coletividade. O seu posicionamento é no sentido de que a convicção do pensamento deve ser livre, essencialmente livre.

Desta feita, finalizou o voto julgando procedente ADPF n° 187 para dar ao art. 287 do CP, interpretação conforme a Constituição Federal “de forma a excluir qualquer outra interpretação que possa acarretar na criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e quaisquer outros eventos públicos.

Os Ministros que compareceram ao julgamento da ADPF 187, Marco Aurélio,

109 Carmem Lucia, Ellen Gracie, Luiz Fux, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, e o então presidente da Suprema Corte, Cezar Peluso, acompanharam o voto do relator.

O Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux começa suas argumentações estabelecendo a diferença entre o respectivo assunto a que se trata a ADPF e o que o ordenamento jurídico brasileiro vigente considera como crime.

Afirma o Exmo. Ministro Fux (2011, p. 124), segundo este ordenamento jurídico, “fumar maconha é crime, incitar ao uso da maconha é crime, fazer disseminar a prática do uso da maconha é fazer apologia ao crime”, no entanto alega que o que está sendo discutido não é aquilo que efetivamente já se sabe que é crime, mas sim a legalidade de uma reunião pública que pugna pela descriminalização da maconha, ou seja, para que o seu uso não mais seja tido como crime. E assim, explana que o que está sendo discutido na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental é a violação ao direito constitucional da liberdade de expressão.

Prossegue concordando com os termos do Ministro Celso de Mello, e vem ressaltando outro aspecto. Afirma que quando há, em determinados momentos, efetivamente, um desacordo moral razoável em relação a este tema, é preciso garantir-se a liberdade de reunião e a liberdade de expressão. Afirma que sob seu ponto de vista, a função jurisdicional, nessas questões de um desacordo moral razoável, tem de fazer uma ponderação de valores, talvez até mais reequilibrada, conforme a tradição da Suprema Corte Americana, assim, a preponderância de determinados princípios, como o princípio da liberdade de expressão e de reunião, sofre um certo reequilíbrio de ponderação.

Tal reequilíbrio de ponderação ocorre exatamente porque é imprescindível que a função jurisdicional consiga pacificar essas opiniões divergentes, que ela traga estabilidade, segurança, sobre aquilo que o povo pode fazer.

É possível observar ainda, no voto do Exmo.

Ministro Luiz Fux a afirmação de que a que a promoção de organizações, seja em manifestações, seja em eventos públicos, onde se propague a opinião favorável à descriminalização do uso de drogas não poderia ser tida como crime de apologia, por algumas razões.

Alega o Ministro que por óbvio é garantido a oportunidade de externar o seu pensamento em relação à descriminalização do uso de substancias entorpecentes tendo em vista que a todo brasileiro é assegurado o compartilhamento de seu pensamento livre acerca da temática, de modo a incorporá-lo no debate democrático, pois este é livre para compartilhar com a sociedade seu entendimento sobre a matéria e, assim, incorporá-la ao debate democrático.

Ademais, informa que não se pode aceitar a ocorrência de uma repressão do Estado à livre propagação do pensamento, tendo em vista que a restrição de manifestações, públicas ou não, ligadas com a reconsideração da Lei Penal induz à subtração da possibilidade de escolha de temas que devem ser, de forma democrática, submetidas à discussão popular.

Assim, O Ministro aduz que a liberdade expressão, como direito fundamental, merece, quando da ponderação com outros princípios, esta tem um peso maior, visto merecer uma proteção qualificada. Cumpre- se ressaltar que o Ministro não afirma que haja qualquer espécie de hierarquia entre as normas constitucionais, pois o princípio da unidade da constituição não permite que isto ocorra, mas alega que inegável que existe uma certa preeminência axiológica da liberdade expressão.

O entendimento é de que, como a liberdade de expressão serve de fundamento para o exercício de outras liberdades, esta ocupa uma posição de preferência em relação aos direitos fundamentais individuais e os direitos da personalidade.

E finaliza, votando no sentido da procedência do pedido, de modo a que, mediante a

110 interpretação conforme a constituição do artigo 289 do Código Penal seja afastada a incidência do mencionado dispositivo legal sobre as manifestações e eventos públicos realizados em defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica.

No julgamento da ADPF em questão, por óbvio, não se discutiu acerca da inconstitucionalidade do art. 287 do Código Penal, no entanto, em alguns momentos do voto do Exmo. Ministro Marco Aurélio é possível perceber o seu descontentamento com a tipificação do crime de apologia, tendo em vista ser crime de opinião. Nesse sentido, o Ministro, Aurélio (2011) aduz que a liberdade de expressão renega a fundação de órgãos de censura pelo Estado, bem como a adoção de políticas discriminatórias, em face a certos pontos de vista. Dessa forma, assevera que os crimes de opinião possuem natureza demasiadamente suspeitas, tendo em vista que, de alguma forma, reprimem a livre propagação de ideias.

O Ministro, Aurélio (2011, p. 190) assegura ainda que “a possibilidade de questionar políticas públicas ou leis consideradas injustas é essencial à sobrevivência e ao aperfeiçoamento da democracia” de modo que “o artigo 287 do Código Penal atua

exatamente nesse espaço

constitucionalmente protegido, mas não é preciso declarar a não recepção do preceito pela Carta Federal de 1988”.

O Ministro afirma que o Pacto de São José da Costa Rica, ora convenção interamericana de direitos humanos, interiorizado no ano de 1992 ao direito brasileiro, propaga a intangibilidade do princípio da liberdade de expressão. De acordo com o Ministro, Aurélio (2011, p.190-191):

Referida liberdade, nos termos do Pacto, não pode sofrer peias. Apenas se admite a responsabilidade civil pós-fato. É o binômio: liberdade-responsabilidade, característica das sociedades livres, em oposição às sociedades paternalistas e tuteladas. O artigo 13 da Convenção estabelece:

"1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideais de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões”.

Dessa forma, o Ministro afirma que o que se retira dos trechos citados da convenção é que a liberdade de expressão não pode ser restringida pela via legislativa, de modo que somente é cabível ao Estado adotar as medidas para posterior responsabilização, após os excessos cometidos. Posteriormente, afirma que artigo 13 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de forma clara prevê as hipóteses de restrição à liberdade de expressão. Assim, conclui o Ministro, após a explanação do art. 13, o seguinte, Aurélio (2011, p. 191):

[...] a conjugação dos preceitos conduz à conclusão de que somente são legítimos os crimes de opinião quando relacionados ao ódio nacional, racial ou religioso bem como a toda propaganda em favor da guerra. Fora disso, o reconhecimento de que a emissão de opinião pode configurar crime deve ser considerado proscrito pelo referido Tratado.

111 Dessa forma, conclui que a liberdade de expressão protege as manifestações que causam incomodo tanto aos agentes públicos, quanto aos privados, de modo que tais manifestações são capazes de acarretar modificação de opiniões. Afirma, finalmente, que obstar o trânsito livre de ideias é contrariar conteúdo primordial da liberdade de expressão.

2.10 A FINALIDADE DO DIREITO PENAL EM