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A música vocal como disciplina no primeiro currículo prescrito para a escola brasileira

No documento O NOVO VELHO (páginas 42-45)

O capítulo XIX do Regulamento nº 8 trata “Do objeto de ensino”. No Art. 117, tabelas apresentam a listagem das disciplinas e suas “lições” semanais, indicadas para cada aula (série). O conjunto dessas tabelas configura-se o primeiro currículo da instituição e também “o primeiro currículo prescrito no Brasil, uma vez que lista

3 Disponível em <http://bndigital.bn.br/projetos/200anos/antonioArrabia.html> Acesso em 29 de maio de 2016.

4 Grifo da autora.

todas as matérias lecionadas, os respectivos tempos semanais e a carga horária total do curso” (SANTOS, 2011a, p. 57). Portanto, afirma-se que a música, enquanto disciplina, faz parte da primeira prescrição curricular da história da educação no Brasil.

As duas primeiras tabelas indicam duas lições de Música Vocal semanais para a 8ª e 7ª Aulas, e quatro lições semanais para a 6ª Aula. É notável a comparação entre o número de lições semanais para cada disciplina, que, especificamente na 6ª Aula, apresenta um maior espaço para a música no colégio, em relação a História (duas lições semanais) e a Geografia, Aritmética e Língua Francesa (uma lição semanal).

A partir das tabelas seguintes, que mapeiam as Aulas 5ª, 4ª, 3ª, 2ª e 1ª, a Música Vocal não é inserida no currículo. Cabe pontuar que a listagem dessas tabelas de estudo é a primeira menção ao ensino de música nos dois documentos oficiais que marcam a fundação do CPII, já que o decreto de 02 de dezembro de 1837 nomeia as disciplinas que fazem parte dos estudos, porém observa-se que a música não está presente na seleção:

Art.3º - Neste Collegio serão ensinadas as Línguas Latinas, Grega, Franceza, e Ingleza; Rhetorica, e os princípios elementares de Geografia, História, Philosophia, Zoologia, Mineralogia, Botânica, Chymica, Phisyca, Arithimetica, Álgebra, Geometria e Astronomia” (BRASIL, 1837).

5 CONCEPÇÕES E CARACTERÍSTICAS METODOLÓGICAS DO ENSINO DE MÚSICA NA FUNDAÇÃO DO COLÉGIO PEDRO II

Jardim (2008), aponta que “temas largamente debatidos no campo da educação relacionados aos aspectos didático-pedagógicos e ao ensino-aprendizagem, só muito recentemente começaram a figurar como objetos de pesquisa, no campo da Música” (JARDIM, 2008, p. 32). A formação profissional consistente era a de músico instrumentista. Alguns músicos atuavam também como professores particulares de instrumento, ainda assim, não havia formação de educadores e questões pertinentes à prática pedagógica eram intuídas empiricamente ao longo do fazer docente. Os temas considerados necessários aos planejamentos de ensino de música envolviam aspectos técnicos, estruturais e formais da música, exclusivamente.

Esse modelo de educação musical se prolongou durante algum tempo, devido às ações pedagógicas que terminavam por reproduzir os mesmos processos pelos quais fora formado o professor, perpetuando a ideia de ensino e formação musical como domínio de prática instrumental.

O ensino de música no Brasil ocupava os seminários, em maior parte, e os cursos particulares, geralmente localizados nas casas dos próprios professores, até meados do século XIX. No Rio de Janeiro, nesse período destacavam-se as aulas particulares do Padre José Maurício Nunes Garcia5, que se tornou Mestre de Capela, dirigindo as atividades musicais da Capela Real após a vinda da família real portuguesa. Apesar de bastante pobre, sua escola era um dos principais locais de formação musical da época (MATTOS, 1994). Dentre seus alunos, alguns se destacariam mais tarde: Francisco Manuel da Silva (compositor do hino nacional brasileiro e autor do primeiro livro didático para o ensino de música no CPII) e Francisco da Luz Pinto (segundo professor de música do CPII).

Dória (1997) apresenta os primeiros professores do CPII em sua publicação. A respeito do professor de música, destaca-se o trecho a seguir: “Ao grupo dos primeiros nomeados para lecionar no estabelecimento pertenceu por último Januário da Silva Arvellos, professor de Música e como tal conhecido na época” (DORIA, 1997, p. 33).

No início, o ensino de música no CPII foi protagonizado por Januário da Silva Arvellos (1790-1844), compositor de renome na Corte. Garcia (2014, p. 84) alega que seu prestígio se encontrava nos cargos que ocupava, como suposto Mestre de Música da família Real e Mestre de banda da Guarda Municipal, atuando como compositor e também instrumentista na Capela Imperial.

Arvellos teve ligação próxima ao imperador D. Pedro I. Seu filho, homônimo, também se destacou como músico com grande atuação na música popular. A respeito do filho, afirma-se: “J. S. Arvellos foi um dos compositores mais populares do Segundo Império. Seu pai, cujo nome era igual ao seu (de origem espanhola), foi um compositor respeitado, professor de D. Pedro I”6. E, corroborando:

“Em 1858, publicou no Jornal do Commércio anúncio de cursos noturnos de piano e canto para comerciantes por um novo sistema prático adotado em Paris. No anúncio, curiosamente, referiu-se a si próprio como “filho do lº compositor brasileiro que foi mestre do Sr. D. Pedro I”7.

A atuação de Arvellos no CPII foi bastante curta. Por motivos de doença, ele deu aulas apenas entre 04 de maio e 31 de agosto de 1838. Seu desligamento oficial

5 Para a bibliografia aprofundada do Pe José Maurício Nunes Garcia, consultar MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – biografia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca nacional/ Departamento Nacional do Livro, 1994.

6 Disponível em: <http://casadochoro.com.br/acervo/cards/view/94>. Acesso em: 1 jul. 2016.

7 Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/januario-da-silva-arvellos-filho>. Acesso em: 1 jul. 2016.

deu-se somente em 19 de janeiro de 1839. Nesse ínterim, assumiu a função o segundo professor de música do CPII, Francisco da Luz Pinto (1798-1865), curiosamente trabalhando sem receber ordenados, com a designação de “Professor de Música” até 19 de janeiro de 1839, quando foi nomeado oficialmente “Mestre de Música”, só então passando a ser remunerado.

Francisco da Luz Pinto também nutria glórias em sua biografia. Foi músico e cantor de coro da antiga Catedral de Nossa Senhora do Rosário, onde o Pe. José Maurício era Mestre de Capela. Garcia (2014) relata que Francisco da Luz chegara a ser “um dos fortes candidatos ao mais alto cargo musical da instituição, o posto efetivo de Mestre de Capela, em 1860” (GARCIA, 2014, p. 87-88).

Sobre a atuação de Francisco da Luz no CPII, o mesmo autor informa que o professor exigiu um piano para sua aula, em um “aviso” datado de 20 de outubro, imposição que foi cumprida com a compra do instrumento a 31 de outubro de 1838.

A formação acadêmica, a notoriedade e a erudição nas áreas de Letras, Ciências, Políticas, Artes e até Religião foram critérios para a seleção do quadro docente inicial do CPII. No que diz respeito à seleção específica do professor de música, a formação acadêmica não poderia ter o mesmo peso que tinha nas demais áreas, devido à inexistência de ensino superior em música.

O debate a respeito da formação do professor de música levanta questionamentos, podendo-se contrapor em críticas e defesas duas identidades diferentes: a do professor de música e a do músico professor. A diferenciação entre as duas categorias leva em consideração que “existe uma distância entre saber fazer e ser capaz de transmitir o seu conhecimento, visto que, entre tocar e lecionar, o profissional mobiliza diferentes habilidades” (JARDIM, 2008, p. 31).

Na ocasião da fundação do CPII, conclui-se, portanto, que o perfil dos primeiros professores era de ‘músico professor’. Ainda que previamente pudessem ter atuado como professores em aulas particulares, o objetivo do ensino era a formação de músicos para comporem grupos musicais militares ou religiosos, o que difere do ensino de música para adolescentes e jovens em uma escola de formação básica, sem caráter utilitário (formação profissional), como era o CPII.

No documento O NOVO VELHO (páginas 42-45)