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Capítulo I O Universo Artístico Particular de Tereza Costa Rêgo

2. O UNIVERSO ARTÍSTICO PARTICULAR DE TEREZA COSTA RÊGO 1 Histórico

2.2 Perfil Artístico

A minha pintura é muito sofrida, eu pinto, eu raspo, boto soda cáustica, lixo, é uma doidice.

(Tereza Costa Rêgo - Trecho da entrevista - Janeiro de 2011).

Recife tem a influência da pintura europeia trazida por Maurício de Nassau no século XVII e este é um fato determinante, até os dias atuais, na produção da arte pictórica pernambucana, que traz uma visualidade poética e original. É sob essa presença marcante que Tereza Costa Rêgo nasce artisticamente. Henri Matisse, Marc Chagall, Amedeo Clemente Modigliani contribuíram de forma especial, influenciando a produção poética e visual da artista. Sua produção é figurativa, se desenvolve a partir das décadas de 40 e 50. A partir de 1960 ela entrelaça arte, política e vida pessoal e segue incansável - sob a tortura e o exílio da ditadura militar brasileira - a criar e a lutar pelo país através do Partido Comunista do Brasil.

A experiência com a litografia ajudou a trabalhar com texturas. Ela atribui a sua participação na política e a experiência com a litografia, os dois grandes fatores que contribuem para o desenvolvimento da sua obra, que traz os conceitos muralista, modernista, barroco e fauvista.

“Essa loucura desses quadros grandes que eu faço mais com a mão que com pincel é um ato quase sexual para mim. A arte é uma coisa muito física, sangra” (CÓRDULA, 2009, p. 74).

A experiência com a pintura muralista vem da sua participação na campanha política de Miguel Arraes, seu fiel amigo, quando ela pintava muros com tintas de baixa qualidade. Ela ressalta a importância deste fato, que a possibilitou a soltar mais seu traço.

“[...] Eu comecei a perceber que a minha pintura solta era muito melhor do que a outra [...] Eu comecei a pintar em escala maior [...], as gravuras foram muito importantes para mim, porque essa textura que eu procuro [...] é um pátina” (Trecho da entrevista concedida em Janeiro de 2011).

O modernismo é um dos estilos que marcam a obra de Tereza Costa Rêgo. No modernismo, a defesa de um novo ponto de vista estético e o compromisso com a independência cultural do país, desenha um “estilo novo”.

Um dos aspectos curiosos do modernismo brasileiro foi sua doação, desde os primórdios, de uma espécie de tom menor, fruto de uma recusa do espírito alegórico que caracteriza o academismo. A valorização de um único olhar

acabou por supervalorizar determinados aspectos da produção modernista cuja teoria, na verdade, é muito mais vigorosa e determinante que a própria produção plástica. Esse olhar, que transforma a Semana de 22 num ícone e numa ruptura, não interessa e nem serve a determinados estados, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, cuja história ao longo de quatro séculos de colonização não pode ser esquecida. Olhar modernista debruça-se sobre o passado com o espírito do canibal, dele buscando extrair somente o que lhe interessa, recusando a sua verdade e seu papel histórico (Marcos de Lontra Costa) (Rêgo, 2000).

Tais esforços de redefinição da linguagem artística se articulam a um forte interesse pelas questões nacionais e políticas. A importância das vivências pessoais, políticas, sociais e artísticas estimulam e marcam a produção de suas narrativas visuais.

Podemos também notar que algumas características nos remetem ao estilo barroco. A obra da artista evoca as formas curvilíneas, a sensualidade, fortes contrastes, cores e conflitos (figura 7). Além dos atributos plásticos, a obra também se aproxima ideologicamente do barroco, pois o estilo é reflexo de conflitos dualistas entre o terreno e o celestial, a transgressão, o erótico e o sagrado, que são conceitos intrínsecos na obra da artista.

“Eu pinto sobre o preto [...] depois pinto todo de vermelho, aí eu raspo e vou começando a desenhar [...] eu sou muito espontânea [...]” - (Trecho da entrevista concedida em Janeiro de 2011).

Figura 07

O fauvismo também pode ser relacionado ao perfil artístico de Tereza Costa Rêgo, pois o uso exacerbado de cores fortes e o teor dramático nas obras é uma das características principais.

As cenas quase idílicas, tematizam a comunhão dos homens com a natureza e o amor. A liberdade dos corpos nus, o movimento sinuoso das linhas e as cores límpidas expressam a força da obra fauvista. Nesta perspectiva a obra da artista tem aproximação estreita com a obra de Paul Gauguin, sobretudo com a fase “Mulheres no Taiti”. Ambos procuram no microcosmo do povo, das mulheres e das cores a inspiração para a construção pictórica.

Tereza Costa Rêgo materializa essa afinidade com Gauguin em uma tela nominada D´apres Gauguin (Após Gauguin, livre tradução) - (figura, 08), pintada em 2004. “Nas telas de Tereza, o povo é agente passivo de uma exploração histórica. Ele se aglomera, acotovela e mantém acesa a esperança através dos cantos, das danças, das histórias contadas.” (Marcos Lontra), (CÓRDULA, 2009).

“O artista é a fórmula da maior inteligência; a ele chegam os sentimentos, as traduções mais delicadas. [...] Nossos cinco sentidos chegam diretamente ao cérebro, impressionados por uma infinidade de coisas.” Paul Gauguin.

(Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, 2007).

Figura 08

Tereza não pinta sobre a superfície branca original da tela. Tudo parte do negro (figura 09). O desenho surge independente, livre, aberto a todas as possibilidades. Depois da fase “escura”

de angústia, ela é guiada mais pela intuição e pelo instinto, do que pela razão. A escolha do fundo escuro passa por motivações estéticas: é um recurso utilizado para alcançar um efeito particular, marcado pela dramaticidade cena a cena. Os tons de vermelho e amarelo, insistentes em sua poética, saltam do quadro, criando nos contrastes e nas sobreposições um discurso extra. A poesia da brancura é mais raramente expressa, como, aliás, a do silêncio. A cor é sensualidade, “[...] belos vermelhos, belos amarelos, matérias que agitam o fundo sensual dos homens (DURAND, 1996, p.20). “Eu acho que vermelho é muito forte, eu não gosto de azul, eu não sei por que [...] eu acho uma cor muito perigosa, João Câmara diz que é a fuga da burrice atmosférica [...]” (Tereza Costa Rêgo - Trecho da entrevista – Janeiro de 2011).

Dificilmente alguém apreciará suas pinturas, olhando-as através de distâncias regulamentares. Segundo Pascal, os quadros não são bem julgados se vistos de muitos perto ou de muito longe: “Só há um ponto indivisível que seja o verdadeiro lugar. Os outros estão demasiadamente próximos, demasiado longe, demasiado acima, demasiado abaixo. A perspectiva determina esse ponto na arte da pintura (CÓRDULA, 2009, p.17).

Figura 09

O escritor Raimundo Carrero – no catálogo da exposição O Imaginário do Bordel – O Parto do Porto (2003) - revela um dos segredos da obra da artista: “Não se constrói uma obra de arte com plumas e lantejoulas, mas com dor e sangue”. A afirmação, contida no texto do catálogo, parece captar os escaninhos de um trabalho que se pauta na intensidade. A sua obra nasce do vigor com a vida que ecoa derramando nas telas os conflitos de dois mundos: o conservador e o libertário.

Surge-nos a proposição de que uma filosofia da imagem encontra ressonância na obra de Tereza Costa Rêgo. Observamos como a artista transgride para achar sua identidade artística e a partir das reflexões de Bachelard esclarecemos:

Uma filosofia da imaginação deve então seguir o poeta até o extremo de suas imagens, sem nunca reduzir o extremismo que é o fenômeno do impulso poético. “As obras de arte nascem sempre de quem afrontou o perigo, de quem foi até o extremo da experiência, até o ponto que nenhum ser humano pode ultrapassar. Quanto mais longe a levarmos, mais própria, mais pessoal, mais única se torna uma vida.” Mas é necessário ir procurar o “perigo” fora do perigo de escrever, do perigo de exprimir? Viver verdadeiramente uma imagem poética, é conhecer, em cada uma de suas pequenas fibras, um devir do ser que é uma consciência da inquietação do ser (BACHELARD, 1978, p.340).

Bruno Albertim e Olívia Mindêlo (2009) entrevistando a artista, nos dizem que entender alguns aspectos ajuda a ir mais fundo na obra, que trava um diálogo íntimo com a sua vida. A pintura de Tereza não é autobiográfica ou confessional, mas está longe de excluir o peso de sua vivência, mesmo quando ela usa a máscara da dramaticidade – aliás, sempre em cena.

“Todo pintor se pinta. Eu me pinto. Na mão, no gesto, no sentimento. Todo pintor se expressa. Quem diz que não, está mentindo”. Sobre isso, artista prefere deixar que os quadros falem por si. Tereza Costa Rêgo cria uma "Áura Mítica" em torno de si própria. “Sou mais bicho que gente.” Com esta afirmação, talvez a artista esteja criando uma forma metafórica de exacerbar o seu instinto criativo. A reiteração da figura feminina, sob diferentes estéticas, talvez seja uma forma de dessacralização do próprio mito feminino como ele é apresentado culturalmente. Com esta afirmativa, ela nos dá uma pista para compreender a sua identidade descaracterizada do feminino comum. Tereza Costa Rêgo transgride os padrões e as normatizações da cultura judaico-cristã onde foi criada.

Para que essa façanha fosse possível, eu precisei armazenar coragem que nunca tinha tido antes. Aí falava alto a minha família [...] E eu era jovem demais para um mergulho desse porte... e ainda havia o Recife, essa cidade cruel que me rejeitou quando pulei do piano da casa do meu pai. Então como na bíblia, corri sem olhar para trás, para não virar uma estátua de sal como Sara (RÊGO, 2003).

O seu perfil artístico nos transmite informações de vida, revelam um contexto sócio-político- cultural e ratifica o desenho como linguagem universal que expressa ideias e sentimentos. A artista transforma os dilemas humanos em telas, em arte, em poéticas visuais.