Passados mais de 2 (dois) anos desde o primeiro caso de coronavírus identificado na cidade chinesa de Wuhan, os aprendizados e adaptações a esta situação pandêmica ainda estão sendo construídos. Peters et al. (2022) afirmam que a pandemia trará impactos de longo prazo às organizações, e que “as especificidades desses impactos, no entanto, permanecem incertas”
(PETERS et al., 2022, p. 191, tradução nossa). Portanto, há a necessidade de maior atenção e monitoramento sobre os movimentos que agora se iniciam num cenário de retorno às atividades.
Mesmo com vários picos da crise epidemiológica, o aparecimento frequente de novas variantes do vírus e parcelas populacionais ainda não imunizadas, determinados serviços já retornaram aos postos presenciais de trabalho e, aparentemente, a readaptação não tem sido tão fácil como se esperava, conforme afirma Nasciutti (2020), ao dizer que:
Ainda vivemos sob o impacto de tantas rupturas bruscas, mas sabemos que
“voltar ao normal” não só será dificilmente exequível quanto indesejável - posto que foi “do normal” que surgiu toda essa crise reveladora da fragilidade em que o planeta se colocou - e que é fundamental que novos caminhos e novas formas de viver sejam pensados (NASCIUTTI, 2020, p. 83).
Ainda tratando sobre os impactos percebidos pelos trabalhadores remotos durante a pandemia, Chafi, Hultberg e Yams (2022) realizaram um estudo buscando 1) “identificar os
benefícios e desvantagens do trabalho remoto durante a pandemia do ponto de vista dos funcionários e de líderes”; e 2) “Mapear desafios esperados e potenciais de cenários de trabalho híbridos para informar a criação de ambientes de trabalho futuros sustentáveis” (CHAFI;
HULTBERG; YAMS, 2022, p. 3, tradução nossa). Ao entrevistarem servidores públicos na Suécia, os autores identificaram oportunidades e desafios percebidos pelos trabalhadores, cujos resultados versam sobre os principais aspectos percebidos pelos trabalhadores em função do trabalho remoto emergencial, vivenciados na pandemia e podem ser visualizados no Quadro 1, a seguir:
Quadro 1 - Adoção do trabalho remoto: oportunidades e desafios identificados
Oportunidades do trabalho remoto Desafios do trabalho remoto
• Uso de novas ferramentas digitais que melhoram a colaboração da equipe
• Desenvolvimento acelerado de habilidades digitais
• Maior autonomia, flexibilidade e empoderamento
• Desenvolvimento acelerado de estratégias de autoliderança
• Maior produtividade individual
• O tempo economizado no deslocamento pode ser usado para mais reflexão e aprendizado
• Maior facilidade em integrar o exercício físico e as caminhadas na jornada de trabalho
• Trabalhar ao ar livre na natureza
• Mais tempo de qualidade com a família, animais de estimação, amigos
• Pegada de carbono reduzida
• Navegando pela incerteza
• Desafios com a mudança de mentalidade e cultura do trabalho de escritório para o trabalho remoto
• Suporte técnico, infraestrutura e ferramentas digitais insuficientes devido a sistemas de TI antigos, medidas rígidas de segurança cibernética e obstáculos na aquisição de novos sistemas de TI
• Habilidades digitais limitadas e muitas novas ferramentas para aprender
• Lidar com sobrecarga cognitiva e exaustão de reuniões consecutivas
• Disponibilidade e notificações constantes
• Estabelecendo limites em termos de tempo de trabalho
• Má ergonomia da estação de trabalho e pré-condições de escritórios domésticos
• Automotivação na ausência de estimulação e significado
• Falta de apoio na tomada de decisão e feedback sobre a progressão do trabalho
• Estabelecer bons hábitos (para resolver a falta de pausas e atividade física limitada)
• Equilibrando a produtividade específica da tarefa com criatividade, aprendizado e desenvolvimento
Fonte: Adaptado de Chafi, Hultberg e Yams (2022)
Chafi, Hultberg e Yams (2022) reforçam outro aspecto além dos impactos da pandemia sobre a realização do trabalho em si: os aspectos sociais. Para os autores “o ambiente de trabalho social foi um dos aspectos mais afetados negativamente pelo trabalho remoto” (CHAFI;
HULTBERG; YAMS, 2022, p. 8, tradução nossa), baseados nos resultados obtidos de sua pesquisa, que podem ser visualizados no Quadro 2.
Quadro 2 - Aspectos sociais do trabalho remoto
Oportunidades do ambiente de trabalho Desafios do ambiente de trabalho
• Novas formas de socialização (atividades sociais online, trabalhar ao ar livre, etc.)
• Colaborar com pessoas de outras partes da organização, que antes era mais difícil devido à distância geográfica
• Reuniões mais estruturadas
• Coesão em grupos geograficamente distribuídos e maior inclusão e participação
• Tornar-se mais proativo na reserva de tempo para compartilhamento coletivo de conhecimento e coffee-breaks online (coisas que aconteceram espontaneamente no escritório)
• Mais possibilidade de ajustar diferentes formas de colaboração às diferentes necessidades dos membros da equipe
• Difícil de entender o que está acontecendo com os colegas, como eles se sentem
• Desconexão da própria equipe, de outros grupos e da organização devido a interações espontâneas limitadas
• Sentir-se desconectado do gerente ou excessivamente micro gerenciado (dependendo do gerente)
• Captar insights sutis sobre os aspectos organizacionais devido ao aumento do uso da comunicação escrita
• Menos tempo dedicado à formação de equipes e fazendo coisas divertidas juntos (o trabalho remoto é mais orientado a objetivos e tarefas)
• Construir confiança e relacionamentos é mais difícil, especialmente com novos funcionários
• Menor compreensão e visão geral do que os outros na equipe estão fazendo
• Feedback limitado na equipe
• Ferramentas e habilidades insuficientes para colaborações online e atividades criativas
• Compartilhamento de conhecimento limitado, que aconteceu organicamente no escritório
• Ter uma noção do público/participantes (especialmente em reuniões maiores)
• Frustrações com reuniões online: conexões de internet ruins, higiene das reuniões ou
• familiaridade limitada com as ferramentas Fonte: Adaptado de Chafi, Hultberg e Yams (2022)
Embora os resultados sejam extremamente válidos, tais análises, porém, não podem ser demasiadamente generalizadas, visto a necessidade de se estudar as particularidades de cada trabalhador e o ambiente/organização em que estão inseridos. Peters et al. (2022) relatam que as experiências dos trabalhadores remotos eram diferentes de acordo com algumas variáveis como o local onde “trabalhava e morava, idade, sexo, raça, educação, nível de treinamento, experiência de trabalho e demandas domésticas, bem como sua indústria, ocupação e demandas específicas de trabalho” (PETERS et al., 2022). Buscando esse olhar mais particular, a seguinte sessão expõe os resultados de algumas pesquisas sobre as experiências e impactos em docentes e as perspectivas para um possível período de retorno às atividades presenciais.