ANTÍGENO DA H E P A T I T E B N A SÍNDROME D E DOWN
ROBERTO DE ALMEIDA MOURA*; BENJAMIN JOSÉ SCHMIDT**;
ARON J . DIAMENT***; STANISLAU K R Y N S K I * * * *
A descoberta do antígeno australiano (hoje conhecido como antígeno da hepatite B ou simplesmente HBAg), começou, em 1961, com uma investi-gação sistemática do soro de pacientes que tinham recebido grande número de transfusões, na esperança de encontrar anticorpos contra algum com-ponente estranho eventualmente presente no sangue dos doadores. Usando a técnica de dupla difusão em ágar (técnica de Ouchterlony), Blumberg e c o l .3
-4
, procuraram anticorpos precipitantes que poderiam ter se desenvol-vido nesses pacientes contra determinantes antigênicos presentes no soro dos doadores e que fossem estranhos aos receptores ou então antígenos que precipitassem anticorpos induzidos nos receptores provenientes de materiais exógenos (p.ex.: microrganismos) eventualmente presentes no sangue dos doadores. Esses autores descreveram um sistema complexo de especifici-dades antigênicas hereditárias, de baixa densidade (beta-lipoproteínas), o
sis-tema Ag, análogo ao dos grupos sangüíneos6
. Logo após à descoberta do anticorpo antilipoproteína, Blumberg1
demonstrou a presença de anticorpos precipitantes que reagiam contra um antígeno diferente das lipoproteínas, en-contrável no soro de alguns pacientes. Esses anticorpos apareciam freqüen-temente em pacientes com hemofilia e em outros que tinham recebido
grande número de transfusões5
. Como o antígeno foi identificado pela pri-meira vez num aborígene australiano foi chamado de antígeno australiano ou antígeno Austrália, ou ainda, antígeno Au. O anti-soro correspondente foi denominado de anti-Au.
Logo após esta descoberta tornou-se evidente que o antígeno estava estreitamente relacionado a um vírus de hepatite ou poderia estar direta-mente localizado em tal vírus. As evidências para esse tipo de interpretação vieram de vários tipos de observações, estando entre elas as seguintes: a) o antígeno HBAg é raro em pessoas normais mas é freqüentemente
contracto em pacientes com hepatite viral 8
>9
e não está associado a outras doenças hepáticas 3
>1 2
.1 4
; b) alguns pacientes que tinham recebido sangue de doadores com antígeno HBAg tiveram hepatite e passaram a apresentar o antígeno no soro 2
> 8
, o que indica que o antígeno comporta-se como agente infeccioso; c) o antígeno HBAg ocorre em cerca de 30% dos pacientes
com síndrome de Down (mongolóides) hospitalizados2
, nos quais há uma hepatite crônica anictérica demonstrada por biopsia e por meio de taxas elevadas de transaminase glutâmica-pirúvica (TGP).
Devido a essa percentagem de presença de HBAg tem havido especula-ções de ordem etiológica para a síndrome de Down que seria indiretamente induzida por essa infecção viral. No sentido de verificar a presença de antí-geno HBAg, propusemo-nos a analisar os soros de um grupo de crianças com síndrome de Down, juntamente com os soros de seus familiares.
M A T E R I A L E MÉTODOS
Para o e s t u d o de c r i a n ç a s a p r e s e n t a n d o a síndrome de D o w n , u t i l i z a m o s o soro de 30 c r i a n ç a s m a t r i c u l a d a s n o Centro de H a b i l i t a ç ã o d a A s s o c i a ç ã o de P a i s e A m i g o s dos E x c e p c i o n a i s de São P a u l o ( A P A E ) e c o n s e g u i m o s t a m b é m a m o s t r a s de soro de i r m ã o s n o r m a i s de 28 d e s s a s c r i a n ç a s , b e m c o m o de 19 m ã e s , n u m t o t a l de 77 soros. Os s a n g u e s f o r a m colhidos, s e p a r a d o s c o m a s s e p s i a e c o n g e l a d o s a t é a r e a l i z a ç ã o das provas.
A d e t e r m i n a ç ã o da p r e s e n ç a de H B A g foi f e i t a p e l a t é c n i c a da c o n t r a i m u n o e l e -troforese u t i l i z a n d o o e q u i p a m e n t o "Austigen" de p r o c e d ê n c i a da firma H y l a n d , D i v i s ã o dos L a b o r a t ó r i o s T r a v e n o l , Califórnia, U.S.A.. A p ó s e l e t r o f o r e s e de 60 m i -n u t o s a 30 mA, as p l a c a s de á g a r f o r a m l a v a d a s e m á g u a d e s t i l a d a , d u r a -n t e 15 m i n u t o s , s e n d o a s l i n h a s de p r e c i p i t a ç ã o lidas c o m a u x í l i o do " i m u n o - i l u m i n a d o r " H y l a n d .
R E S U L T A D O S
Os soros dos 30 c a s o s de s í n d r o m e de D o w n ( c u j a s idades v a r i a r a m e n t r e 2 e 16 a n o s ) , b e m c o m o de 28 i r m ã o s n o r m a i s d e s s a s c r i a n ç a s e de 19 de s u a s m ã e s f o r a m n e g a t i v o s p a r a H B A g .
DISCUSSÃO
Os casos de síndrome de Down estão intimamente ligados à história do HBAg. Logo após a descoberta de Blumberg e c o l .1
de um novo antígeno que apareceu no soro de um aborígene australiano, outros estudos sugeriram
a relação desse antígeno com algumas formas de leucemia 2
> 3
. Como já se conhecia o fato de que pacientes com síndrome de Down (mongolóides) têm alta freqüência de leucemia, novas pesquisas passaram a relacionar o HBAg com a síndrome de D o w n1 8
. Em seguida, a lepra lepromatosa1 1
e hepa-tite 1 4
>1 5
, inclusive hepatites associadas à síndrome de D o w n2 0
passaram a
ser também relacionadas ao HBAg. Blumberg e col. 7
>1 0
.1 4
Krugman e G i l e s1 3
deram grande impulso ao estudo etiológico da he-patite viral, determinando a existência de dois vírus, hoje conhecidos como vírus da hepatite A e vírus da hepatite B. Seus trabalhos foram executados na Escola Estadual de Willowbrook, para retardados mentais, em Staten Is-land, New York e, pela primeira vez, foi reconhecida a natureza endêmica das hepatites. Mediante técnicas de imunodifusão e de fixação de comple-mento esses autores demonstraram que, de 621 pacientes internados entre 1965 e 1970, escolhidos ao acaso entre mais de 5.000 internados, 15 a 30% apresentavam reações positivas para HBAg.
Blumberg e col., na Colônia Estadual de Nova Lisboa (New Jersey) tinham anteriormente revelado a incidência de 25% de HBAg positivos em pessoas com síndrome de Down e apenas 5% em pacientes com "epilepsias". Baseados nisso, esses autores tinham concluído que a alta incidência de HBAg na síndrome de Down não seria apenas devido à internação dos doen-tes mas também resultava de uma infecção de origem materna. Esses dados foram baseados em uma única amostra de sangue de cada paciente e não estavam relacionados com a epidemiologia da hepatite naquela colônia ou em outras instituições onde os pacientes pudessem ter estado previamente in-ternados.
Os trabalhos de Krugman e G i l e s1 3
mostraram uma incidência geral de HBAg em 18,6% de homens mongolóides e 15% de homens com outras deficiências mentais. Ambos os grupos estavam em Willowbrook há seis anos e tinham tido a mesma oportunidade de exposições à hepatite. Entre crian-ças com síndrome de Down obtiveram 43% de positividade para HBAg e apenas 24,4% de positividade em crianças com outras causas de retarda-mento mental. Os autores justificaram essa diferença pelo maior contato das crianças mongolóides em Willowbrook, pois eram atendidos em ambula-tório antes de serem internados e os próprios internamentos eram mais precoces.
Além disso, Szmuness e col. verificaram que a probabilidade de doentes internados em instituições para retardados mentais se tornarem crônicas é maior se a primeira exposição à infecção se der precocemente na vida.
Hoje sabemos que o HBAg persiste no sangue de pacientes com síndrome de Down, especialmente em grandes instituições, onde é mais provável a propagação da infecção.
RESUMO
SUMMARY
Hepatitis B antigen in Down's syndrome
The authors have shown the absence of HBAg in the blood of 30 pa-tients with Down's syndrome treated in ambulatory conditions (age from 2 to 16 years), as well as in 28 brothers or sisters and in 19 of their mothers. After discussing the old concept of relationship between Down's syndrome and HBAg, the authors confirmed the observation t h a t in non-institucio¬ nalized patients with the Down's syndrome, the incidence of HBAg is si-milar to the whole population.
R E F E R Ê N C I A S
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