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Aspectos da qualidade de vida de pacientes com coinfecção HIV/tuberculose.

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Academic year: 2017

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Aspectos da qualidade de vida de pacientes com coinfecção

HIV/tuberculose*

Larissa de Araújo Lemos

1

, Alexsandra Rodrigues Feijão

2

, Elucir Gir

3

, Marli

Teresinha Gimeniz Galvão

4

Resumo

Objetivo: Investigar a qualidade de vida de pacientes com coinfecção HIV/ tuberculose e apreender as mudanças impostas para viver simul-taneamente com estas doenças transmissíveis. Métodos: Pesquisa com abordagem qualiquantitativa, realizada em ambulatório especializado em Fortaleza, Brasil, entre 2009 e 2010, com 34 coinfectados. Para coleta de dados foi utilizada uma escala de qualidade de vida, denominada HAT-QoL que possui 42 itens e questões abertas para possibilitar perceber as mudanças em face das doenças. Resultados: A maioria dos participantes tinha tuberculose na forma pulmonar, eram homens, com pouca escolaridade. A qualidade de vida mostrou-se prejudicada nos domínios relacionados às questões econômicas, sexuais e de sigilo. Ainda, foi evidenciado, que a coinfecção impõe mudanças no cotidiano que corroboram e ampliam o comprometimento da qualidade de vida. Conclusão: Vivenciar a coinfecção, mesmo com terapêutica adequada, produz alterações na vida dos infectados, cujas repercussões podem ser amenizadas com intervenções que promovam a saúde.

Descritores: HIV; Tuberculose; Qualidade de vida

ABsTRACT

Aim: To investigate the quality of life of patients with HIV and tuberculosis co-infection and grasping the changes imposed in order to live with both transmissible diseases simultaneously. Methods: Qualitative-quantitative research, undertaken at a specialized outpatient clinic in Fortaleza, Brazil, between 2009 and 2010, involving 34 co-infected patients. For data collection, a quality of life scale called HAT-QoL was used, which consists of 42 items, as well as open questions to perceive the changes the disease causes. Results: Most participants suffered from pulmonary tuberculosis, were male and their education level was low. Quality of life was impaired in those domains related to economic, sexual and secrecy issues. It was also evidenced that the co-infection imposes changes in daily life that underline and further harm quality of life. Conclusion: Experiencing co-infection, despite appropriate treatment, causes changes in the patients’ lives, whose repercussions can be mitigated through health-promoting interventions.

Resumen

Objetivo: Investigar la calidad de vida de pacientes con coinfección VIH/ tuberculosis y aprender los cambios impuestos para vivir simultáneamente con estas enfermedades transmisibles. Métodos: Investigación con abordaje cualicuantitativo, realizado en consultorio externo especializado en Fortaleza, Brasil, entre 2009 y 2010, con 34 coinfectados. Para la recolección de datos fue utilizada una escala de calidad de vida, denominada HAT-QoL que posee 42 items y preguntas abiertas para posibilitar la percepción de los cambios frente a las enfermedades. Resultados: La mayoría de los participantes tenía tuberculosis pulmonar, eran hombres, con poca escolaridad. La calidad de vida se mostró perjudicada en los dominios relacionados a las preguntas económicas, sexuales y de sigilo. Aun, fue evidenciado, que la coinfección impone cambios en el cotidiano que corroboran y amplían el compromiso d ela calidad de vida. Conclusión: Vivenciar la coinfección, inclusive con terapéutica adecuada, produce alteraciones en la vida de los infectados, cuyas repercusiones pueden ser amenizadas con intervenciones que promueban la salud.

Descriptores: VIH; Tuberculosis; Calidad de vida

Autor Correspondente: Marli Teresinha Gimeniz Galvão. Endereço: Rua Alexandre Baraúna, 1115, Rodolfo Teófilo

* Trabalho realizado no Hospital São José de Doenças Infecciosas – HSJ – Fortaleza – (CE), Brasil.

1 Pós-graduanda (Mestrado) do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Ceará – UFC – Fortaleza (CE), Brasil. 2 Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

3 Doutora em Enfermagem. Professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 4 Doutora em Doenças Tropicais. Professor Associado, Universidade Federal do Ceará – UFC – Fortaleza (CE), Brasil.

Quality of life aspects of patients with HIV/tuberculosis co-infection

Aspectos de la calidad de vida de pacientes con coinfección vih/tuberculosis

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Introdução

No mundo, aproximadamente, 33 milhões de pessoas estão infectadas com o HIV e 2,2 bilhões com o Myco-bacterium tuberculosis. Estudo realizado sobre tuberculose

(TB) afirma que esta doença, ainda é uma importante

causa de morbidade e mortalidade e sofrimento entre as pessoas com HIV e seus familiares. Desse modo, a

coinfecção pode acarretar forte impacto na evolução da epidemia de ambas as doenças, constituindo-se em um desafio para a saúde pública(1).

Conforme estimativas, o Brasil apresenta, anual-mente, 110 mil casos novos. Dessa forma, destaca--se como o País com a maior incidência de casos na América Latina e entre os 16 países com mais casos

de TB no mundo(2).

Em âmbito mundial, a infecção pelo HIV tem mo-dificado a tendência epidemiológica da TB nas regiões mais pobres. Em virtude da prevalência global do HIV surgem implicações no controle da TB, sobretudo em países onde há índices elevados da doença(1,3).

Mediante o avanço da terapia antirretroviral contra a AIDS, é possível ampliar a expectativa de vida dos por-tadores do HIV, bem como melhorar sua qualidade de

vida(4,5). Cabe salientar que a qualidade de vida de pessoas

infectadas pelo vírus não está relacionada apenas à pos-sibilidade de vida mais longa, visto que o convívio com o HIV expõe o portador a situações de discriminação, abandono, segregação, estigmatização, falta de recursos sociais e financeiros, ruptura nas relações afetivas e alte-rações na sexualidade(5).

O interesse na avaliação da qualidade de vida inclui também os indivíduos portadores da tuberculose, pois, mesmo sendo uma doença curável, o período de duração do tratamento e a quantidade de medicamento ingerida podem acarretar comprometimento na qualidade de vida

desses pacientes(6).

A Organização Mundial de Saúde atribui ao termo qualidade de vida “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”(7).

Nesta perspectiva, qualidade de vida compreende diversos aspectos da vida do indivíduo, incluindo os físicos, psíquicos e sociais. Sendo assim, deve-se levar em consideração a melhoria do bem-estar subjetivo, a sensação de vitalidade, a melhoria de vínculos afetivos

e sociais(8). Assim, a denominação qualidade de vida

vem sendo utilizada como sinônimo de estado de saúde, estado funcional, bem-estar psicológico, satis-fação com a vida e de suas necessidades e avaliação da própria vida(5).

Objetivou-se investigar a qualidade de vida de pacien-tes com coinfecção HIV/TB e apreender as mudanças

impostas para se viver concomitantemente com estas doenças transmissíveis.

Métodos

Estudo transversal, do tipo exploratório, seguindo-se abordagem qualiquantitativa, realizado no ambulatório especializado do Hospital São José de Doenças Infec-ciosas (HSJ), em Fortaleza, Ceará.

O número de pacientes foi obtido com base no total de notificações da coinfecção HIV/TB no HSJ, onde em 2009 foram notificados 136 casos de coinfectados.

Desses pacientes, 29 abandonaram o tratamento (taxa

de abandono=21,3) e 37 faleceram para óbito (taxa de óbito=27,2), permanecendo em seguimento 70 pacien-tes coinfectados. Obteve-se uma amostra intencional de 34 coinfectados, que correspondeu a 48% do total

de pacientes em acompanhamento (n=70). Durante a

coleta de dados, houve quatro recusas de participação

no estudo.

Os participantes foram recrutados por meio de amos

-tragem por conveniência, ou seja, à medida que compare-ciam ao serviço para atendimento em saúde, no período de 6 meses, entre novembro de 2009 e abril de 2010.

Neste estudo, os critérios de inclusão adotados foram: indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os gêneros, com infecção pelo HIV e diagnós-tico de tuberculose, que possuíssem condições físicas e cognitivas de responderem à entrevista.

Os dados foram captados mediante entrevista em ambiente privativo, utilizando-se instrumento semiestru-turado cujas variáveis foram: dados sociodemográficos, epidemiológicos, clínicos e questões abertas no intuito de apreender as mudanças impostas para se viver

simul-taneamente com o HIV e a TB.

Para investigar a qualidade de vida, empregou-se

a escala denominada HIV/AIDS – Quality of Life, (HAT-QoL) instrumento específico para avaliar a qualidade de vida de indivíduos infectados pelo HIV, originalmente escrito em lingua inglesa(9) e validado no

Brasil(5). Possui 42 itens, divididos em nove domínios, a

saber: atividades gerais, atividades sexuais, preocupação com sigilo sobre a infecção, preocupação com a saúde, preocupação financeira, conscientização sobre o HIV, satisfação com a vida, questões relativas à medicação e confiança no profissional. Para cada item, existem cinco opções de respostas, cujos valores variam de 1 a 5. Os indivíduos podem obter uma pontuação de 42 a 210 no

total do instrumento.

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de vida, considerando-se prejuízo na qualidade de vida os índices inferiores a 75 do valor de uma escala métrica de avaliação.

Os dados foram analisados pelo software Statistical Package for Social Sciences –(SPSS 15.1), e as variáveis so-ciodemográficas e clínicas foram tratadas por frequência relativa, média e mediana. Para descrever os índices dos domínios da HAT-QoL foram usados a média, o desvio padrão e percentis. Foi utilizado – ainda, o Teste de Kolmogorov-Smirnov para a análise de normalida-de. Para as correlações entre os índices dos domínios, trabalhou-se com os coeficientes de correlação linear r de Pearson para as variáveis cuja distribuição obedeceu à

lei de normalidade. Foram consideradas estatisticamente

significantes as correlações com p < 0,05.

Com vista à análise das questões abertas, seguiu--se o recomendado para análise de conteúdo(10),

constituído de três passos: 1) agrupamento das falas; 2) exploração dos depoimentos, visando a agregar e enumerar as falas, a fim de obter categorias temáticas; e tratamento dos resultados e categorização, associando os conteúdos semelhantes. Foram construídas duas categorias: Impacto na qualidade de vida e Alterações no estilo de vida.

Em observância ao exigido, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com Protocolo nº 035/2009. Os sujeitos foram esclarecidos sobre o estudo sendo formalizada sua participação por meio da assinatura do Termo de Consentimento Li-vre e Esclarecido.

resultados

Nesta pesquisa, 34 coinfectados pelo HIV/TB, a maioria era do gênero masculino (88,2%), sendo ob-servada maior proporção de idade (38,2%) entre 18 e 29 anos e 70,6% reportavam 6 a 11 anos de escolarida-de. No tocante à situação civil, 58,8% eram solteiros. Quanto à situação de emprego, 35,3% encontravam-se desempregados e 61,8% dispunham de renda familiar de um a dois salários mínimos. Em relação ao tempo de conhecimento da infecção pelo HIV, predominam os indivíduos que obtiveram o diagnóstico em um período inferior a 1 ano (58,8%). Relacionado à apresentação clínica da TB, 64,7% dos pacientes tinham a forma pul-monar. Identificou-se história de doenças oportunistas em 32,4% dos pacientes, como as neoplasias, sífilis,

herpes zoster, neurotoxoplasmose, pneumocistose, hepatites e pneumonia (Tabela 1).

Os valores descritivos e nível descritivo (p) do teste de normalidade dos índices dos domínios da HAT-QoL constam nos dados da Tabela 2. Para a análise do domínio confiança no profissional, cuja média obtida foi 78,4, na presente pesquisa, optou-se por avaliar o

médico em virtude de ser este o profissional com quem os pacientes tiveram maior número de consultas em nível ambulatorial. Cabe ressaltar que este domínio não denotou prejuízo na qualidade de vida do coinfectado pelo HIV/TB.

tabela 1. Distribuição das variáveis sociodemográficas dos

pa-cientes com coinfecção HIV/TB. Fortaleza, 2010

Variáveis Pacientes

n(%)

Gênero

Masculino

Feminino

30(11,8)

4(88,2)

Idade (anos) ≤ 29 30 – 39 ≥ 40

13(38,2)

12(35,3) 9(26,5)

escolaridade (anos de estudo)

0 – 5 6 – 11

10(29,4) 24(70,6)

situação civil Casado/vive junto Solteiro

Separado/viúvo

9(26,5) 20(58,8)

5(14,7)

renda mensal (salário mínimo)

Sem renda

1 – 2 ≥ 3

6(17,6) 21(61,8) 7(20,6)

ocupação Empregado

Desempregado/aposentado

10(29,4) 24(70,6)

tempo de conhecimento da infecção pelo

HIV (anos) ≤ 1 2 – 5 6 – 9

20(58,8)

5(14,7) 9(26,5)

apresentação clínica da tuberculose Pulmonar

Extrapulmonar

Mista

22(64,7) 10(29,4)

2(5,9)

doenças oportunistas

Sim

Não

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tabela 2. Distribuição dos valores descritivos e nível descritivo (p) do teste de normalidade dos índices domínios da escala de

qua-lidade de vida HAT-QoL, entre pacientes com coinfecção HIV/TB. Fortaleza, 2010

domínios Média dP Mínimo p25 Mediana p75 Máximo Valor

de p

Atividades gerais 56,5 18,6 25,0 39,3 57,1 71,4 89,3 0,858

Atividade sexual 52,5 19,4 0,0 41,7 50,0 66,7 83,3 0,813

Preocupação com o sigilo 36,0 28,4 0,0 10,0 30,0 55,0 100,0 0,492

Preocupação com a saúde 56,7 21,3 10,0 40,0 55,0 70,0 100,0 0,731

Preocupação financeira 41,7 25,6 0,0 23,5 40,6 59,4 93,8 0,616

Conscientização sobre o HIV 72,0 27,5 16,7 47,9 83,3 100,0 100,0 0,119

Satisfação com a vida 58,8 19,3 3,1 46,9 62,5 75,0 84,4 0,623

Questões relativas à medicação 73,0 14,0 31,3 67,2 75,0 81,3 93,8 0,683

Confiança no profissional 78,4 21,4 0,0 66,7 83,4 91,7 100,0 0,256

DP= desvio padrão; p25= percentil 25; p75= percentil 75.

de trabalhar e à situação econômica. Cabe ressaltar ainda, que a correlação desses dois domínios confiança no profissional e satisfação com a vida são facilmente compreendidas, poiso

apoio do profissional de saúde é, em parte, responsável pelo incentivo ao estabelecimento e à manutenção de cuidados que o paciente destina a si próprio.

Na análise das correlações entre os domínios da HAT--QoL, o domínio atividades gerais correlacionou-se com preocupação financeira, satisfação com a vida e confiança no profissional (Tabela 3). Conforme sugere a correlação entre os dois primeiros, a preocupação com o cumprimento das atividades rotineiras está intimamente ligada à incapacidade

tabela 3. Distribuição das correlações entre os domínios da HAT-QoL, entre pacientes com coinfecção HIV/TB. Fortaleza, 2010

Índices atividades gerais

atividade sexual

Preocupação com o sigilo

Preocupação com a saúde

Preocupação

financeira Conscientização sobre o HIV

satisfação com a vida

Questões relativas à medicação

Confiança no profissional

atividades gerais 1,0000 0,158 0,909 0,166 0,034 0,100 0,000 0,144 0,014

atividade sexual - 1,0000 0,739 0,120 0,417 0,633 0,016 0,020 0,884

Preocupação

com o sigilo - - 1,0000 0,016 0,718 0,039 0,686 0,012 0,745

Preocupação

com a saúde - - - 1,0000 0,037 0,008 0,153 0,648 0,487

Preocupação

financeira - - - - 1,0000 0,200 0,477 0,990 0,587

Conscientização

sobre o HIV - - - 1,0000 0,045 0,826 0,060

satisfação com

a vida - - - 1,0000 0,032 0,001

Questões relativas

à medicação - - - 1,0000 0,002

Confiança no

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Ainda como observado, a atividade sexual correlacio-nou-se com satisfação com a vida e com questões relativas à medicação (Tabela 3). Essa correlação justifica-se pelo fato da AIDS impor mudanças nos relacionamentos sexuais, sobretudo, porque a maioria dos sujeitos deste estudo foi contaminada pelo HIV por via sexual.

O domínio preocupação com o sigilo sobre a infec-ção correlacionou-se com a preocupainfec-ção com a saúde e conscientização sobre o HIV (Tabela 3). Houve correlação inversamente proporcional de preocupação com o sigilo da infecção no que se refere ao domínio das questões relativas s medicações. Assim, este resultado demonstrou que a imposição do sigilo aumenta a dificuldade dos indivíduos infectados em aceitar o diagnóstico. Portanto, esta situação poderá acarretar prejuízo à adesão aos medicamentos.

A correlação entre preocupação com a saúde, preocu-pação financeira e conscientização sobre o HIV (Tabela 3) sugere, neste caso, que a aceitação do diagnóstico pode faci-litar o convívio com a doença, e que as questões financeiras são intrínsecas à manutenção de hábitos de vida saudáveis.

Houve ainda correlação entre conscientização sobre o HIV e satisfação com a vida (Tabela 3). Diante desse resultado, depreende-se que, quando os pacientes cons-cientizam-se sobre suas doenças, passando a aceitá-las e enfrentá-las, demonstram maior satisfação destes com a vida a despeito daqueles que não aceitam seu diagnóstico. Para corroborar as diferentes alterações na qualidade de vida dos coinfectados, os depoimentos abstraídos com base nas questões abertas reforçam as dificuldades de se viver com o HIV e TB, conforme mostram as categorias apresentadas a seguir.

Impacto na qualidade de vida

Em face do conhecimento do diagnóstico da coinfec-ção, o indivíduo reage de diversos modos, desde a indi-ferença ao desespero. Nesse âmbito, o desejo de morrer ou mesmo a ideia de suicídio, algumas vezes, perpassa os sentimentos vivenciados após o resultado sorológico positivo, sobretudo quando o diagnóstico da coinfecção é descoberto concomitantemente. Os depoimentos re-velaram essas contradições:

“Às vezes me preocupo, tenho uns ataques, mas sei que é

psicológico, fico meio depressivo, tenho a sensação que estou com febre, mas na realidade não estou”.

“Fiquei deprimida, mas agora estou melhor, às vezes choro, me preocupo com meus filhos. Tenho muito medo do que poderá acontecer comigo, por causa do HIV”.

Contudo, após o impacto inicial da descoberta os sentimentos negativos, muitas vezes, desaparecem, sobretudo quando os portadores recebem apoio dos profissionais de saúde, e, em especial, dos familiares e amigos. Os depoimentos seguintes retratam essa situação:

“Não é porque tenho essa doença que vou ficar triste. Levo a vida normal, mas no início fiquei deprimido”.

“Fiquei triste no primeiro momento [descoberta do diagnóstico], mas depois superei e até arranjei um parceiro, estamos juntos até hoje, isso me ajuda muito”.

Apesar do choque, ao se descobrir infectado pelo HIV, alguns pacientes relataram ser indiferentes ao diag-nóstico, especialmente nos casos em que já havia suspeita de infecção. Às vezes, o portador sequer tem a noção da gravidade da doença, sobretudo pela pouca instrução, de tal forma que, para alguns, a primeira preocupação surge em virtude das possíveis dificuldades econômicas e das prováveis consequências para o tratamento. Esta reação pode indicar também uma fuga da realidade ou uma negação à doença, ou seja, uma forma de disfarçar

ou mesmo ocultar seus sentimentos.

“Acho minha vida excelente, mesmo com a coinfecção”. “Vivo bem, financeiramente e com saúde, as doenças não influenciaram em nada”.

alterações no estilo de vida

A maioria dos participantes revelou a ocorrência de várias modificações em seus hábitos de vida. A desco-berta do diagnóstico da coinfecção e o convívio com este geram novos comportamentos e sentimentos diante da vida, conforme demonstrado pelos depoimentos:

“[...] não saio muito de casa como antes, diminuí o contato com meus amigos”.

“Deixei de lado minha vida social, me afastei dos amigos, deixei de sair, minha vida social mudou bastante, acho que me afastando das pessoas me protejo contra o preconceito”.

As principais mudanças no estilo de vida em face do diagnóstico referem-se à redução de comportamentos de riscos, bem como à diminuição ou cessação de

ativida-des noturnas de lazer, consideradas pela maioria como

inapropriadas para pessoas em situação de doença. O depoimento a seguir constata essa afirmação:

“Parei de beber e de fumar, saio menos de casa. Deixei o empre

-go, pois me sinto cansado e não tenho disposição para trabalhar”.

Outra alteração significativa nas atividades cotidianas é a ingestão de vários medicamentos (antirretrovirais e anti-tuberculostáticos), os quais, por si só, podem trazer diver-sos efeitos colaterais, comprometendo a qualidade de vida desses indivíduos, como demonstrado nos depoimentos:

“Me sinto muito mal quando tomo os remédios, são vários e os efeitos colaterais são horríveis, já falei até com o médico para mudar os remédios.”

“Quando comecei a tomar os remédios tive que parar de tra

-balhar, pois passava mal. Deixei de sair por causa dos remédios, tenho medo do preconceito.”

(6)

“A tuberculose é ruim, pois a gente fica abatido, emagrece e perde o apetite, mas depois que a gente começa a tomar os remédios fica melhor. O pior mesmo é esse vírus [referindo-se ao HIV] que não tem cura.”

“Não estou bem depois que descobri o diagnóstico. Acho que estou com síndrome do pânico”.

dIsCussão

Neste estudo, houve predomínio de pacientes do gê-nero masculino, este achado é corroborado por estudos que apontam maior acometimento da coinfecção HIV/

TB em homens(11-13). Uma combinação de fatores

bioló-gicos e sociais pode ser responsável por esta diferença entre homens e mulheres, em decorrência, sobretudo, de distinções fisiológicas, comportamentais e culturais.

Já a faixa etária predominante de casos de coinfecção seguiu os mesmos padrões de diversos de estudos, que também evidenciaram a predominância em indivíduos adultos jovens, compondo, assim, parcela significativa da população economicamente ativa(12-14). A elevada

frequência da coinfecção em adultos jovens pode estar relacionada ao estilo de vida adotado, que podem estar

mais expostos ao Mycobacterium tuberculosis e ao HIV(14).

No presente estudo, a análise dos aspectos relaciona-dos ao estado de saúde do paciente denota a necessidade de prestar-lhes minuciosa atenção, visto que a infecção

pelo HIV pode ser considerada um dos principais fa

-tores de risco para o desenvolvimento da TB ativa com base em uma infecção latente(12-15). Em contrapartida,

a TB pode acelerar o curso da infecção pelo HIV e o diagnóstico torna-se frequentemente difícil. Ademais, a infecção pelo HIV altera a infecção por TB, sua ma-nifestação clínica, duração do tratamento e tolerância aos tuberculostáticos(1,16).

Ainda conforme a literatura, pacientes com coinfec

-ção HIV/TB possuem menores índices de qualidade de vida quando comparados a portadores do HIV sem a TB. Portanto, a ocorrência de duas doenças estigma-tizantes pode diminuir a qualidade de vida, afetando o bem-estar físico, social e psicológico desses pacientes(17).

Outros autores apontam a necessidade de uma atenção especial a respeito da qualidade de vida de portadores do HIV, por se tratar de uma condição capaz de acarretar inúmeras consequências biopsicossociais que influenciam na qualidade de vida desses indivíduos(4-18).

Vale ressaltar, que a terapia antirretroviral diminui o surgimento das infecções oportunistas e seus sintomas, mas não isenta da ameaça de morte, do estigma da doença e dos efeitos colaterais das medicações. Sendo assim, ao mesmo tempo em que se amplia a sobrevida desses in-divíduos, é cada vez mais relevante para os profissionais de saúde conhecer e propiciar o aumento da qualidade de vida dessa clientela. Essa avaliação permite comparar

o impacto global da doença e de diversos tratamentos com o bem-estar do paciente como um todo(8).

As pessoas ao tomarem conhecimento de seu diagnós-tico, experimentam conflitos relacionados à sexualidade. Portanto, a AIDS impõe mudanças nas atividades sexuais, tendo em vista que as condições sob as quais os pacientes se encontram em virtude da doença, proporcionam aver-são ao relacionamento sexual. Assim, eles se esquivam das relações, a despeito do desejo sexual(19).

Mesmo após a descoberta do diagnóstico, grande parte dos indivíduos soropositivos para o HIV o omite pelo maior tempo possível, na tentativa de evitar o isolamento social ao qual poderia estar submetido, caso se declarasse ser portador do vírus. Além do que as experiências relata-das pelos pacientes são corroborarelata-das por outro estudo que constatou que os pacientes, na vigência do HIV, sentem-se obrigados a manter sigilo para evitar perder o emprego, pois, frequentemente, precisam ausentar-se para realização de acompanhamento em saúde e exames periódicos(20).

Geralmente, a preocupação com a saúde é uma atitude esperada e desejável de qualquer pessoa, especialmente, do indivíduo portador do HIV. Entretanto, quando ex-cessiva, ela pode gerar prejuízo à qualidade de vida. Deste modo, é preciso intensificar as orientações e os cuidados no intuito de evitar demasiada preocupação com a saúde. Esse achado é condizente com pesquisas que verificaram semelhante prejuízo na qualidade de vida, provavelmente, pelo peso das preocupações com a saúde em suas vidas(4,5).

Nesta perspectiva, os motivos que desencadeiam nos indivíduos a preocupação com a saúde são muitos, dentre estes, destacam-se os fatores econômicos, sociais e culturais e, ainda, o nível de conhecimento e a capaci-dade de compreensão sobre a doença e o tratamento(21).

O presente estudo constatou que a baixa renda e a baixa escolaridade, apresenta influenciam nas condições de vida dos indivíduos com coinfecção HIV/TB.

A qualidade de vida, as relações sociais e atividades de lazer

são consideradas importantes, sobretudo para a continuidade

da terapêutica de pacientes soropositivos para o HIV. Nestes casos, há forte relação entre a não adesão e a presença de depressão e apoio social insatisfatório. Diante da coinfecção com a TB, amplia-se a necessidade de apoio social aos por-tadores do HIV. Essa informação implica a sistematização da observação quanto à tomada de medicações, existência

de sintomas de depressão com falta de interesse e a inclusão

de pessoas no acompanhamento em saúde dos pacientes(22).

No referente ao medo inicial, após conhecimento da infecção, pode-se explicá-lo, talvez, pelo fato de que

tanto a AIDS como seu tratamento ainda são pouco

(7)

aGradeCIMentos

Artigo derivado de Pesquisa financiada pelo CNPQ, Processo 479237/2010-7.

ConClusão

Ao longo do estudo foi possível identificar com-prometimento nos domínios da escala de qualidade de vida relacionados à preocupações financeiras, atividades sexuais e preocupação com o sigilo sobre a infecção. Houve correlações entre diversos domínios sugerindo que a qualidade de vida é resultante de uma combinação

de fatores biopsicossociais.

Outros aspectos que prejudicam a qualidade de vida dos portadores da coinfecção HIV/TB diz respeito às questões econômicas, medo da divulgação das doenças, preocupação com a própria saúde e com a sexualidade. Ainda, observou-se um impacto no cotidiano para se viver com a coinfecção manifestada por medo e tristeza. Conforme se identificou, as alterações nos hábitos de vida, como redução de hábitos nocivos à saúde, foram medidas adotadas para enfrentar as doenças.

Neste prisma, este estudo visa contribuir para a melhoria da qualidade de vida de pessoas que convivem com a coinfecção, bem como subsidiar os profissionais de saúde no estabelecimento de intervenções capazes de promover o controle da infecção pelo HIV e a cura da TB.

referênCIas

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tabela 1 . Distribuição das variáveis sociodemográficas dos pa- pa-cientes com coinfecção HIV/TB
tabela 3 . Distribuição das correlações entre os domínios da HAT-QoL, entre pacientes com coinfecção HIV/TB

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