A EVOLUÇÃO DA QUÍMICA BRASILEIRA
Peter Rudolf Seidl
Departamento de Processos Orgânicos - Escola de Química da UFRJ - 21949-900 - Rio de Janeiro - RJ
EVOLUTION OF CHEMICAL RESEARCH IN BRAZIL. The recent evolution of chemical research in Brazil is analyzed. Progress has been substantial according to principal indicators. The contribu-tions of the Brazilian Chemical Society are pointed out.
Keywords: chemical research; indicators; Brazilian Chemical Society.
A Sociedade Brasileira de Química completa 20 anos em 1997. Para comemorar a data e, ao mesmo tempo, fazer um balanço do papel da SBQ na Química brasileira no período foi solicitado o presente trabalho sobre “A Evolução da Química Brasileira”. O assunto será abordado principalmente a partir da pesquisa em química nas universidades brasileiras, onde a atu-ação da SBQ é mais significativa.
O tema foi objeto de um trabalho encomendado pela Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, realizado no iní-cio de 1988, cobrindo a evolução da química no Brasil desde seus primórdios até o período imediatamente anterior1. Um tra-balho recente realizado pelo Prof. J.M. Riveros para o Minis-tério da Ciência e Tecnologia e Banco Mundial2 proporciona uma atualização de algumas das análises contidas no primeiro documento, introduzindo outros importantes elementos.
ANTECEDENTES
À Ciência e Tecnologia era reservado um importante papel no desenvolvimento econômico e social pretendido pelos Go-vernos que sucederam a Revolução de 1964. O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), lançado em 1968, tinha como objetivos a reorganização econômica e financeira e a mo-dernização institucional que permitiriam o crescimento acelera-do acelera-do País na década de 1970-19803. Seus principais instrumen-tos para a área de ciência e tecnologia eram os Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT). O pri-meiro destes planos, lançado em 1973, previa um investimento vinte vezes maior do que o verificado em 19684.
O investimento maciço de recursos era acompanhado de outras medidas. O antigo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) foi completamente reestruturado e transferido para a esfera da Secretaria de Planejamento, sua sede sendo mudada para Brasília. Outros órgãos federais de grande importância para a área como a Financiadora de Estudos e Projetos -FINEP, a Coordenação do Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior- CAPES, a Secretaria de Tecnologia Industrial STI, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -EMBRAPA foram igualmente reorganizados e fortalecidos. Foi instituído o regime de tempo integral nas universidades federais e o fortalecimento de empresas nacionais passou a ser uma das prioridades do Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico - BNDE.
A comunidade científica acompanhava estes eventos com uma crescente apreensão. As mudanças no CNPq, ocorri-das ao longo do ano de 1975, mostraram claramente que a estrutura de poder do órgão estava passando das mãos de velhos colegas para as de jovens tecnocratas perfeitamente afinados com as diretrizes do Governo Federal. As deci-sões quanto a concessão de bolsas e auxílios passaram a
ser tomadas por “Comitês Assessores”, escolhidos pela Di-retoria do CNPq.
As inquietações da comunidade científica eram manifesta-das através da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciên-cia - SBPC. Suas reuniões transcorriam em um ambiente de relativa liberdade para a época. A Reunião Anual de 1976, realizada em Brasília, serviu de palanque para que vários polí-ticos de oposição manifestassem suas críticas ao Governo. Em 1977 delineava-se um clima de confrontação que levou o Go-verno a tentar impedir a realização da Reunião Anual. Foram negadas instalações para a realização do evento e funcionários públicos foram proibidos de participar.
As reuniões anuais da SBPC serviam também para um en-contro de venerados químicos do meio acadêmico para discutir medidas para “reerguer a Associação Brasileira de Química”. A ABQ era dirigida por industriais pouco receptivos aos anseios de professores e o CNPq havia retirado o seu apoio a publicação dos Anais da Associação. A sua Regional mais for-te, a do Rio Grande do Sul, havia declarado a sua independên-cia e a mais influente, a do Rio de Janeiro, estava desmobili-zada. Inevitavelmente as discussões acabavam com a sugestão de providências logo esquecidas. Foi neste contexto que nas-ceu a Sociedade Brasileira de Química.
O “PROBLEMA” DA QUÍMICA
O PAEG teve vários desdobramentos na área de ciência e tecnologia. No presente contexto, um dos mais importantes foi o resultado de um grupo de trabalho designado pelo Conselho Deliberativo do então Conselho Nacional de Pesquisas, divul-gado em 1968, que delinea as diretrizes para a pesquisa indus-trial no Brasil5. O documento contém uma série de propostas concretas para fomentar a pesquisa industrial como fator de desenvolvimento econômico e social.
Matemática, ou as Ciências Biológicas2. Esta constatação veio a ser repetida várias vezes. A Comissão para o Plano de Go-verno (COPAG) para a Nova República, por exemplo, resumia o quadro da seguinte maneira7:
“o que se observa no Brasil em termos de Ciência e Tecno-logia, em todo o campo da química, é o desempenho conside-rado deficiente, principalmente quando compaconside-rado ao de ou-tras ciências exatas e disciplinas tecnológicas, notadamente a Física e alguns ramos da engenharia”.
Tal “problema” existe? Quais seriam suas causas e conse-qüências? Alguns dados quantitativos e qualitativos podem ser úteis na análise da evolução recente da química brasileira.
INDICADORES
A partir da década de 60, um número crescente de trabalhos tem sido publicados sobre a organização e estrutura da ciên-cia8. No Brasil, a evolução das pesquisas na área de informática documentária realizadas desde 1968 no antigo Instituto Brasi-leiro de Bibliografia e Documentação - IBBD (atual Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IBICT) e a conseqüente implantação de novos serviços automatizados levou esse Instituto a desenvolver estudos para a implementa-ção de um Banco de Dados em Ciências e Tecnologia9. Em comum acordo com o Diretor do então Departamento Técnico-Científico do CNPq o projeto foi testado na área de Química. Detalhes sobre a metodologia e rotinas de trabalho foram ob-jeto de uma tese de mestrado10 e seus resultados foram publi-cados em Química Nova11.
Análises patrocinadas por órgãos governamentais sobre “Pesquisa Fundamental e Pós-Graduação” ou “Avaliação e Perspectivas” atualizaram dados desta natureza em 1973, 1976, 1977 e 198112. Extensos trabalhos sobre a evolução da pesqui-sa em química no Brasil têm sido publicados em Química Nova13,14. Uma análise recente da ciência brasileira15 cobre o crescimento da produção científica brasileira e inclui análises bibliométricas da evolução de artigos publicados permitindo a comparações com outras áreas do conhecimento.
A implantação do Cadastro de Pesquisadores em Química permitiu a identificação de 655 pessoas que pudessem ser clas-sificadas nesta categoria em 1974, incluindo integrantes de cen-tros de pesquisas. Destes apenas 339, ou cerca de metade, possuíam o doutorado11. Comparados aos dados sobre os EUA, ficava patente a enorme defasagem entre os dois países. Uma análise das publicações revelava que estas estavam crescendo mas ainda eram relativamente baixas. Chamava a atenção o fato de que o número de publicações no exterior estava cres-cendo mais rapidamente do que no País e o baixo número de livros e patentes11.
A evolução desses indicadores revela um aumento substan-cial no período. Um estudo preparado pelo Comitê Assessor de Química do CNPq estimou o número de doutores em química que atuavam em programas de pós-graduação em torno de 900 em 199316, ou seja cerca do triplo do verificado 20 anos an-tes11. O número de publicações no exterior também sofreu um aumento comparavel, já que passou de 129 em 197311 para quase três vezes o número em 199215.
CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS
O apoio sem precedentes que a ciência e tecnologia recebe-ram do Governo ao longo da década de 1970 e o início da dé-cada de 1980 tiveram um grande impacto para a química. Nos setores ligados às empresas estatais (como o Petróleo e a Petro-química) ou segmentos confinados à burocracia estatal (como o de Química Fina) os laços entre o sistema de C&T e o setor produtivo resultaram em avanços consideráveis de produtivida-de e competitividaprodutivida-de. A comunidaprodutivida-de científica foi fortemente beneficiada pelo apoio aos programas de pós-graduação3.
O crescimento da Química no período foi considerável. Em-bora a taxa de aumento no número de doutores não tenha al-cançado o da Física17 a figura 1 revela uma boa correlação entre esses valores. O incremento no número de publicações também é significativo. As figuras 2 a 5 mostram que o núme-ro de publicações em Química acompanhou a evolução de ou-tras áreas do conhecimento. Inexistem, portanto, argumentos
Figura 2. Evolução das publicações em Química no período de 1970-79 (Adaptado da referência 13).
Figura 4. Evolução das publicações em Engenharia no período de 1970-79 (Adaptado da referência 13).
Figura 5. Total da produção científica anual nas diferentes áreas de conhecimento (Referência 15).
consistentes para invocar qualquer “problema” na área de química. Enquanto a economia estava em expansão e a maioria das empresas importava menos com a origem da tecnologia empregada em suas atividades do que seu custo e confiabilida-de3, o profissional de química encontrava emprego ao nível de graduação, sendo pouco estimulado a continuar seus estudos. Quando o Governo investiu na pós-graduação e pesquisa a química respondeu à altura de qualquer das outras áreas do conhecimento que foram incentivadas.
A CONTRIBUIÇÃO DA SBQ
Uma análise da evolução da pesquisa química no período seria incompleta sem uma devida apreciação do papel desem-penhado pela Sociedade Brasileira de Química. O trabalho de Riveros aponta as contribuições da SBQ no sentido de editar periódicos, realizar congressos, e elaborar propostas para o de-senvolvimento da química como área básica2. Não obstante o vigoroso crescimento em termos qualitativos e quantitativos de Química Nova, o alto nível dos trabalhos apresentados em en-contros sobre tópicos como síntese orgânica ou química inorgânica ou a participação de seus associados em comitês de órgãos de fomento, a principal contribuição da SBQ à evolução da pesquisa em Química foi provavelmente de outra natureza.
À época da fundação da SBQ a pesquisa acadêmica em quí-mica passava por um importante momento. O ambicioso pro-grama de colaboração internacional entre o CNPq e o National Academy of Sciences dos Estados Unidos, orientado especifi-camente para a área de química, com objetivos amplos de pro-duzir um salto qualitativo em áreas de pesquisa consideradas de vanguarda na época2, estava chegando ao seu fim. Seu prin-cipal legado foi uma nova safra de jovens pesquisadores, ansi-osos por trabalharem em novas áreas e vencerem as barreiras hierárquicas e administrativas que restringiam o seu progresso em instituições tradicionais1.
em 1977 era uma séria ameaça à formação de novos quadros. O desafio de integrar os químicos nas posturas que vinham sendo assumidas pela SBPC e a oportunidade de utilizar os estímulos governamentais para montar os novos programas de pós-gradua-ção fora das instituições tradicionais no Rio de Janeiro e São Paulo encontraram na nova Sociedade justamente o que vinha faltando: vigor e determinação.
Os novos líderes, muito deles oriundos do Programa CNPq-NAS, estavam muito bem preparados. Escolheram o Governo e a Associação Brasileira de Química como os culpados de todos os males a serem atacados. Encontraram formas de prestigiar seus velhos mestres enquanto assumiam o poder de fato. Criaram a Sociedade Brasileira de Química para canalizar o ímpeto e forne-cer o veículo para mudanças. A transição estava assegurada.
A SBQ proporcionou a saída para o que poderia ter se trans-formado em um perigoso choque de gerações. A vitalidade da pesquisa em química é, em grande parte o resultado da criação da SBQ.
AGRADECIMENTOS
À M. N. dos S. Sucupira e A.R. Sucupira pela assistência na preparação do manuscrito e ao CNPq pela Bolsa de Produ-tividade Científica.
REFERÊNCIAS
1. Seidl, P. R.; Potencial de Pesquisa Química em Universi-dades Brasileiras; CETEM/ABQ; Rio de Janeiro, 1991; pp 37-40.
2. Riveros, J. M.; Uma Visão Atual da Química no Brasil;
mimeo; PADCT/MCT, 1994.
3. Schwartzman, S.; Krieger, E.; Galembeck, F.; Guimarães, E.A.; Bertero, C. O.; Ciência e Tecnologia no Brasil: Uma
Nova Política para o Mundo Global; Fundação Getúlio Vargas; São Paulo; 1993; pp 13-19.
4. Presidência da República, PBDCT - Plano Básico de De-senvolvimento Científico e Tecnológico; Fundação IBGE; 1973; p 14.
5. Presidencia da República, Conselho Nacional de Pesqui-sas; A Pesquisa Industrial no Brasil como Fator de De-senvolvimento; Rio de Janeiro, 1968; pp 9-27.
6. The National Research Council; The Brazil Chemistry Program An International Experiment in Science Education;
National Academy of Sciences; Washington, EUA; 1979. 7. Cagnin, M. A. H.; Paniago, E. B.; Mimeo enviado ao
Presi-dente da Associação Brasileira de Química, CNPq; Brasília. 8. de Meis, L.; Leta, J.; O Perfil da Ciência Brasileira;
UFRJ, Rio de Janeiro; p 39.
9. Chastimet, I. Relatório de Projeto Piloto para Implemen-tação de um Banco de Dados em Ciência e Tecnologia: Recursos Humanos e Bibliografia na Área de Química,
mimeo, Rio de Janeiro, 1974.
10. Chastimet, I.; Tese de Mestrado, Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação, Rio de Janeiro, 1974. 11. Seidl, P.; Medeiros da Fonseca, A. F.; Gomes, H. E.;Cardoso
Lima, I. M.; Quím. Nova1979, 2, 91.
12. Seidl, P.; Potencial de Pesquisa Química em Universidades Brasileiras; CETEM/ABQ; Rio de Janeiro, 1991; pp 40-51. 13. Cagnin, M. A. H.; Quím. Nova 1987, 10, 223.
14. Cagnin, M. A. H.; Quím. Nova 1993, 16, 161.
15. de Meis, L.; Leta, J.; O Perfil da Ciência Brasileira; UFRJ; Rio de Janeiro, Capítulo 4.
16. CNPq, Química: Proposta Orçamentária para 1993;
Mimeo; Brasília, 1993.