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Jornalismo, literatura e sociedade em Lima Barreto

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Jornalismo,

literatura e

sociedade

em Lima Barreto

UFRN

UFRN

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CI ÊNCI AS SOCI AI S

JORNALI SMO, LI TERATURA E

SOCI EDADE EM LI MA BARRETO

ANTÔNI O ANDRÉ ALVES

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JORNALI SMO, LI TERATURA E

SOCI EDADE EM LI MA BARRETO

Disser t ação apr esent ada ao Pr ogr ama de Pós-Gr aduação em Ciências Sociais da Univer sidade Feder al do Rio Gr ande do Nor t e, ár ea de Concent r ação Cult ur a e Represent ações, como r equisit o par cial à obt enção do t ít ulo de Mest r e em Ciências Sociais.

Or ient ador : Pr of . Dr . Alexsandr o Galeno Araúj o Dant as

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JORNALI SMO, LI TERATURA E

SOCI EDADE EM LI MA BARRETO

Banca Examinadora

Pr of . Dr . Alexsandr o Galeno Ar aúj o Dant as (UFRN)

Or ient ador

Pr of . Dr . Edgar d de Assis Car valho (PUC/ SP)

Examinador Tit ular

Pr of . Dr . Or ivaldo Piment el Lopes J únior (UFRN)

Examinador Tit ular

Pr of a. Dr a. Mar ia da Conceição Xavier de Almeida (UFRN)

Examinador a Suplent e

Pr of . Dr . Gust avo de Cast r o e Silva (UnB)

Examinador Suplent e

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acumulada por el hombre, por que est a exper iencia es el mat er ial con el que er ij e sus edif icios la f ant asia. Cuant o más r ica sea la exper iencia humana, t ant o mayor ser á el mat er ial del que dispone esa imaginación.

Lev Semenovich Vygot sky

Ent r e a loucur a e a sabedor ia não exist e f r ont eir a nít ida. Edgar Mor in

Exist e um parent esco pr of undo ent r e a ar t e de um lado, a f ilosof ia e a ciência de out r o.

Cor nelius Cast or iadis

A lit er at ur a dever á ser o f er ment o par a desobst r uir a imaginação j ornalíst ica e um meio de evit ar que ela se t r ansf or me em mer o exer cício r et ór ico do cot idiano.

Alex Galeno

A missão da lit er at ur a é f azer comunicar umas almas com as out r as, é dar -lhes um mais per f eit o ent endiment o ent r e elas, é ligá-las mais f or t ement e, r ef or çando desse modo a solidar iedade humana, t ornando os homens mais capazes par a conquist a do planet a e se ent ender em melhor , no único int uit o de sua f elicidade.

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Agr adecer é est ender as mãos, deixar f lor escer um sor r iso e, se alguma

lágr ima f ur t iva t eimar em não se esconder , semear á pér olas pelo caminho. Cada

uma dessas pérolas é of er ecida a quem, de uma f or ma ou de out r a, aplainou

caminhos e iluminou hor izont es, como o or ient ador dest e t r abalho, Prof . Dr .

Alexsandr o Galeno, companheiro de j or nada, combat ent e do bom combat e. Pérola

especial se dest ina, de bom gr ado, à Prof ª Dr a. Conceição Almeida, pr ódiga em

r epar t ir o conheciment o com t er nur a e sabedor ia. Duas pér olas são ender eçadas

a Lina Vieir a e a Er ivone, cuj a most r a de solidar iedade desvaneceu obst áculos

que t eimavam em at r avancar minha j ornada. Out r a, levada por uma bor bolet a,

ser vir á par a envolver mais ainda t odos os que f azem o Gr upo de Est udos da

Complexidade (GRECOM/ UFRN). Por f im, uma pér ola, não apenas de

agr adeciment o, mas imer sa nas águas de um sent iment o que per f uma o sem-f undo

humano e most r a que viver vale a pena. Est a, com cer t eza, se abr igar á num

pedacinho do coração de Ger lúzia, most r ando o t ecer em conj unt o daquilo que nos

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Est e t r abalho t em como obj et ivo abor dar a r elação ent r e j or nalismo, lit erat ur a e sociedade em Lima Bar ret o, not adament e no r omance Recordações do escr ivão I saías Caminha e em vár ias de suas cr ônicas, det ect ando a noção de super f icialidade que esse aut or vê na at ividade j ornalíst ica, apesar de t ambém dela r et ir ar o seu sust ent o, e apont ar que a lit er at ur a t r az a par t icular idade de se apr esent ar como um labor at ór io vivo par a as ciências sociais. Os element os t eór ico-met odológicos ut ilizados t r açam um cor pus at r avés de um pr ocesso int er at ivo no qual camadas adicionais de t ext os do aut or são submet idas à análise. Como supor t e t eór ico é t r abalhada a noção de magmas de signif icações sociais, idealizada por Cor nelius Cast or iadis.

(9)

This wor k has as obj ect ive appr oaches t he r elat ionship among j our nalism, lit er at ur e and societ y in Lima Bar r et o, especially in f ict ion book Recordações do escr ivão I saías Caminha and in sever al of t heir chronicles, det ect ing t he super f icialit y not ion t hat aut hor sees in t he j our nalist ic act ivit y and t o point t hat t he lit er at ur e br ings t he par t icular it y of pr esent ing as an alive labor at or y f or t he social sciences. The used t heor et ical-met hodological element s dr aw a cor pus t hr ough an int eract ive pr ocess in which addit ional layer s of t he aut hor ' s t ext s ar e submit t ed t o t he analysis. As t heor et ical suppor t is wor ked t he not ion of magmas of social signif icances, idealized by Cornelius Cast or iadis.

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ESTAÇÃO I - I TI NERÁRI OS SUBURBANOS ... 12

ESTAÇÃO I I - O PRI SI ONEI RO DAS TEI AS DA REPÚBLI CA VELHA ... 25

ESTAÇÃO I I I - ENTRE O J ORNALI SMO E A LI TERATURA ... 53

ESTAÇÃO I V - LI MA BARRETO E A REI NVENÇÃO DO COTI DI ANO ... 81

ESTAÇÃO V - CONVERSA COM LI MA BARRETO ... 103

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A amanuensa ... 37

A der r ubada ... 91

A Maçã e a polícia ... 110

A mat emát ica não f alha ... 48

A polícia subur bana ... 93

A polít ica republicana ... 107

A quest ão dos t elef ones ... 89

Ao Caio M. de Bar r os ... 102

Henr ique Rocha ... 109

Her ói ... 85

Hist r ião ou lit er at o ... 102

Lei de impr ensa ... 80

Leit ur a de j ornais ... 97

Liga de Def esa Nacional ... 76

Lit er at ur a e polít ica ... 70

O “muambeir o” ... 108

O cedr o de Teresópolis ... 90

O Conselho Municipal e a ar t e ... 83

O meu conselho ... 102

O r epór t er e o j úr i ... 75

Os j or nais dos est ados ... 70

Os nossos j or nais ... 75

Os pr ópr ios nacionais ... 36

Os ux or icidas e a sociedade br asileira ... 40

Padres e f r ades ... 101

Pr ocur em a sua J osef ina ... 107

Quem será af inal? ... 110

Quer eis encont r ar mar ido? – apr endei!... ... 85

Sobr e o maximalismo ... 37

Sobr e o nosso t eat r o ... 106

Tenho esper ança que... ... 98

Um conselho ... 84

Uma coisa puxa a out r a ... 69

Uma sur pr esa da Exposição. ... 36

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Capa – Lima Bar ret o em 1919, por Hugo Pir es. Ext r aída de: FARACO, Car los.Lima

Bar r et o: uma lit er at ur a af iada. I n: BARRETO, Lima. Vida e mor t e de M. J .

Gonzaga de Sá. São Paulo: Át ica, 1997.

Capa – Rio de J aneir o: Avenida Beir a-Mar , const r uída pelo pr ef eit o Per eir a Passos (per íodo administ r at ivo 1903-1906). Ext r aída de: BUENO, Eduardo.Br asil: uma hist ór ia. 2. ed. São Paulo: Át ica, 2003. p. 277

Divisão das Est ações – Car icat ur a aut ogr af ada pelo ir mão do escr it or , Car lindo de Lima Bar r et o. Ext r aído de: BARRETO, Lima. Toda Cr ônica. Apr esent ação e not as Beat r iz Resende, or ganização Rachel Valença. Rio de J aneiro: Agir , 2004. [volumes I ]. p. 56

I magem 1 – Lei Áur ea. Ext r aída de: BUENO, Eduar do.Br asil: uma hist ór ia. 2. ed. São Paulo: Át ica, 2003. p. 219 ... 27

I magem 2 – J oão Henr iques, pai de Lima Bar r et o. Ext r aída de: FARACO, Car los.

Lima Bar r et o: uma lit er at ur a af iada. I n: BARRETO, Lima.Vida e mor t e de M. J . Gonzaga de Sá. São Paulo: Át ica, 1997. ... 29

I magem 3 – Amália August a, mãe de Lima Bar r et o. Ext r aída de: FARACO, Car los.

Lima Bar r et o: uma lit er at ur a af iada. I n: BARRETO, Lima.Vida e mor t e de M. J . Gonzaga de Sá. São Paulo: Át ica, 1997. ... 31

I magem 4 – I mpr essor a Alauzet . Ext r aída de: ht t p:/ / t r ibunadonor t e.net / f ot os/ hist or ia_impr essor a.j pg ... 43

I magem 5 – Rot at iva Mar inoni. Ext r aída de: ht t p:/ / www.clg-ner uda-br et igny.ac-ver sailles.f r / pages/ envir onnement _inf os_college/ sor t ie_museear t met ier s.ht m ... 44

I magem 6 – Vila Quilombo, casa de Lima Bar r et o. Ex t r aído de: BARRETO, Lima.

Toda Cr ônica. Apr esent ação e not as Beat r iz Resende, organização Rachel Valença.

Rio de J aneiro: Agir , 2004. [volumes I ]. p. 44 ... 46

I magem 7 – Fot o de Lima Bar r et o no Livro de r egist r o de ent r ada de pacient es do Hospício Nacional (26.12.1919). Acer vo do Museu da Memór ia Psiquiát r ica, I nst it ut o de Psiquiat r ia da UFRJ . Ext r aído de: BARRETO, Lima. Toda Crônica. Apr esent ação e not as Beat r iz Resende, or ganização Rachel Valença. Rio de J aneir o: Agir , 2004. [volumes I I ]. p. 6 ... 59

I magem 8 – Fot o de Lima Bar r et o. Ex t r aída de: FARACO, Car los. Lima Bar r et o: uma lit er at ur a af iada. I n: BARRETO, Lima.Vida e mor t e de M. J . Gonzaga de Sá. São Paulo: Át ica, 1997. ... 101

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(14)

É pr eciso compar t ilhar a palavr a, por que a palavr a compar t ilhada é um país

e uma memór ia. Compar t ilhar a palavr a é f azer lit er at ur a. Também é f azer

j or nalismo. J or nalismo e lit er at ur a, desde que andam j unt os, ora se f undindo, or a

se dist anciando, não mais conseguimos sobr eviver na ausência desses dois ramos

da palavr a, por que vivemos ent r e palavr as e elas nos conduzem na via-sacr a da

exist ência, nos f azem aj oelhar diant e do que pensamos e do que out r os podem

pensar . Da mesma f or ma que um galo1lança o cant o, recolhido por out r o galo, que

o lança a out r o, e est e out r o a mais out r o, as palavr as t r azem a possibilidade de

t r aduzir a nossa imaginação, de ser passapor t e a um mer gulho no oceano do

imaginár io. Nesse mundo, vast o mundo, os que lut am são impr escindíveis por que

r iem, chor am, se angust iam, se ent er necem... enf im, amam e, t alvez por isso,

at r avessam o Rubicom que separ a a r azão da loucur a – ou a loucur a da r azão. Lima

Bar r et o f oi um desses. Escr it or . J or nalist a. Homem de imaginação e de ação,

cuj o olhar sobr e a sociedade univer saliza, à maneir a dos gr andes escr it ores, o

f azer lit er ár io. Fez lit er at ur a. Fez j or nalismo. A loucur a j ogou-o no r edemoinho

da aposent ador ia por invalidez, mas não impediu que t ambém haur isse par cos

r ecur sos or iginados do f azer lit er ár io e out r os poucos da at ividade j or nalíst ica.

Lit er at ur a e j or nalismo se mist ur am em seus escr it os, embor a nem sempr e de

f or ma har moniosa. Lima Bar r et o deplor a a super f icialidade do j or nalismo, a

est r eit eza int elect ual de muit os j ornalist as. É homem cuj o f azer lit erár io e cuj a

pena j or nalíst ica o t r ansf or mar am numa das mais f ascinant es per sonagens da

int elect ualidade brasileir a do início do Século XX. É umcar t ógraf o do imaginár io,

expressão idealizada por J ur emir Machado da Silva par a qualif icar escr it ores e

1N ETO, J oão Cabr al de Melo.Tecendo a manhã. I n: O melhor da poesia br asileir a. Rio de J aneiro: Livr ar ia

(15)

r omancist as e cr onist as t êm a nar r at iva ent r e suas f er r ament as, est ão, por isso,

no selet o gr upo que r eúne os melhor escar t ógraf os do imaginár io4.

I maginár io é algo que não t em f undo e que é humano, demasiado humano. É

um sem-f undo humano, t er mo que se f az pr esent e no pensament o do f ilósof o

gr ego Cor nelius Cast or iadis, r et omado por Cast or Bar t olomé Ruiz5par a designar

a r iqueza do imaginár io, cuj a car act er íst ica essencial é a cr iação. O imaginár io é

algo present e na r ealidade do escr it or ; a sociedade com a qual lida o j ornalist a é

inst it uída imaginar iament e.

Car t ógr af o do imaginár io, Lima Bar r et o apont a seu olhar sobr e a sociedade

e sua pena t ambém car t ogr af a r egiões f or madas por imensos cont inent es

imaginais e habit adas pelas f amílias dos que pensam e r epr esent am,

per igosament e, a vida e as idéias6. As implicações desses cont inent es imaginais

est ão pr esent es nest e t r abalho. Far t o mat er ial se of er ece, saído pr incipalment e

de obras como Recor dações do escr ivão I saías Caminha e t ambém de vár ias de

suas cr ônicas, not adament e 35 delas, as quais univer salizam t ópicos que dizem

r espeit o não apenas ao car ioca ou aos br asileir os do início do Século XX, mas

t ambém às inquiet ações nossas de cada dia, pr incipalment e as que t r at am da

super f icialidade no j or nalismo. As cr ônicas de Lima Bar r et o est ão reunidas em

dois alent ados volumes, or ganizados pelas pesquisador as Beat r iz Resende e

Rachel Valença7. Tr at a-se de valioso mat er ial de pesquisa, o qual é ut ilizado com

a pr odigalidade necessár ia nest e t r abalho. As cr ônicas t r at am de assunt os

ligados à imprensa, à lit er at ur a, à sociedade e à r ealidade sócio-econômica vivida

2SI LVA, J ur emir Machado da.Tecnologias do imaginár io. Por t o Alegr e: Sulina, 2003. p. 7 3I dem, p. 8

4I bidem, p. 51.

5 5RUI Z, Cast or Bar t olomé.Paradoxos do imaginár io. São Leopoldo (RS): Edit ora Unisinos, 2003. p. 23 6GALENO, Alex.Ant onin Ar t aud: a revolt a de um anj o t er rível. Por t o Alegr e: Sulina, 2005.

(16)

Além de ganha-pão, int egr am sua r azão de viver . Por isso geram inquiet ações que

j ogam nesse t or velinho de buscas a necessidade da r ealização de um est udo

acer ca da lit er at ur a, do j or nalismo e da sociedade em Lima Bar ret o, enf at izando

o br ilho e a r apidez do pensament o para se ent ender melhor os mecanismos que

f azem uma sociedade se moviment ar . Ninguém melhor do que ele, obr igado que é

pelas cir cunst âncias a vivenciar a r ealidade das redações, meio no qual se vive de

pequenas invej as e rancor es, de censur as f ar isaicas e vir t udes t ar t uf escas8.

Necessár io lembr ar que Lima Bar r et o é um homem que conhece apenas a

impr ensa em sua f or ma gráf ica, não t em acesso ao conheciment o do lead – a

conhecida pir âmide inver t ida, car act er izada pela f ór mula dos cinco W e um H

(Wher e/ Onde, When/ Quando, What / O que, Who/ Quem, Why/ Por quê? e

How/ Como), idealizada pelos amer icanos e acat ada por gr ande par t e dos

j or nalist as ocident ais. O que dir ia Lima Bar r et o a r espeit o do lead e da at ual

past eur ização da not ícia, element os que prendem o pr of issional de imprensa e o

j ogam, mais ainda, no poço da super f icialidade? Não conhece o lead e t ambém

ignor a o r ádio e a t elevisão, veículos nos quais o j or nalismo est á pr esent e. No

caso do r ádio, a pr imeir a t r ansmissão r adiof ônica br asileir a ocor re em 7 de

set embr o de 1922, como I nf or ma Sér gio Cabr al9. Naquela t r ansmissão f oram

ut ilizados oit ent a apar elhos r ecept or es inst alados na Exposição do Cent enár io da

I ndependência do Br asil, no Rio de J aneir o, e t ambém em pr aças públicas de

Nit er ói, São Paulo e Pet r ópolis. For am t r ansmit idos o discur so do pr esident e

Epit ácio Pessoa e algumas óper as apr esent adas no Teat r o Municipal e no Teat r o

Lír ico. Lima Bar r et o mor re em 1° de novembr o desse mesmo ano. Se escut ou a

t r ansmissão, não há regist r o em suas cr ônicas. Também não vive t empo suf icient e

8Sobr e o maximalismo. Toda cr ônica. Vol. I . p. 462

(17)

r esume na leit ur a dos j or nais escr it os. A not ícia é r ecor t ada, colada numa f olha

de papel e lida por um locut or , o que f az do r ádio mero apêndice ou coadj uvant e

do j or nal. Algumas vezes o responsável pelo r ecor t e da not ícia nem se dá ao

t r abalho de lê-la, o que f az o locut or comet er vár ias gaf es, lendo pér olas como

cont inua na página 5,leia mais na página 8e muit as out r as.

Lima Bar r et o é um homem que compar t ilha a palavr a, divide seu

conheciment o, socializa suas opiniões, não t eme r epar t ir sua visão de mundo.

Missivist a pr ódigo, chega a t r ocar cor respondências com quat r o nor t e-r

io-gr andenses, ent r e t ant os br asileir os com quem t r oca idéias at r avés de car t as.

Em sua coluna no J or nal Tr ibuna do Nor t e, per iódico exist ent e em Nat al (RN), o

j or nalist a Woden Madr uga inf or ma haver consult ado o volume de n° 105 dos

Anais da Bibliot eca Nacional, do ano de 1985, no qual se encont r a boa par t e do

ar quivo do escr it or10. É nesse volume que est ão cont idos os nomes dos quat r o

missivist as pot iguar es. Dois são polít icos, Geor gino Avelino e Dioclécio Dant as

Duar t e. O t er ceir o é o escr it or J aime Adour da Câmara, e o quar t o o hist or iador

Tobias Mont eiro do Rego. Woden Madr uga r elat a que nessas cor r espondências,

as quais compreendem o per íodo de 1916 a 1921, é t r at ada vast a gama de t emas,

como idéia de pát r ia, f or mação de nacionalidade, cet icismo, f é, ciência e

lit er at ur a, assunt os t ambém abordados em cr ônicas elabor adas por Lima Bar r et o.

O j ornal f az par t e da vida de Lima Bar r et o, ao escrever mat ér ias e depois

cr ônicas e ar t igos. Trat a-se de r ico mat er ial par a se analisar magmas de

signif icações que mar cam a ligação j or nalismo-lit er at ur a t ant o acer ca da

sociedade car ioca quant o da br asileira do f inal do I mpér io e início da República,

most r ando que o j ornalismo, apesar de t ambém se const it uir em meio de

10MADRUGA, Woden.O ar quivo de Lima Bar r et o. I n: J ORNAL TRI BUNA DO NORTE, 29/ 10/ 2006. Nat al:

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pessoas obr igadas a desempenhar as mais simplór ias f unções e habit ar os

subúr bios, com seus cor t iços e f avelas. Também desf ilam nesse cenár io

f uncionár ios públicos, polít icos e seus cabos eleit or ais, j ornalist as e t ant as

out r as per sonagens ur banas.

Lima Bar r et o desper t a int er esse exat ament e por nos most r ar , at r avés de

sua obr a, que j or nalismo e lit er at ur a se ent r ecr uzam, per mit indo que a nat ur eza

cr iador a do imaginár io pr oduza um leque indef inido de r epr esent ações por meio

das quais a pessoa e a sociedade se inserem no mundo e o t r ansf or mam11. Por

t r at ar -se de lit er at ur a de elevado quilat e, a obr a de Lima Bar ret o t ambém t r az a

par t icular idade de ser uma espécie de labor at ór io vivo par a as ciências sociais, ao

apr esent ar a sociedade em suas mais var iadas manif est ações. Uma obr a lit er ár ia

não t r az apenas o amálgama das impr essões de seu aut or , mas da sociedade em

que ele vive e cont a, à sua maneir a, as vivências dos que f azem essa sociedade.

Vivências que se t or nam apanágio daqueles que pr ocur am discer niment o a

r espeit o dos homens e suas buscas na compr eensão do mundo que os abar ca,

mundo no qual se mist ur am a pr ecisão do cient ist a, o cot idiano do j or nalist a e a

per enidade do j ogo de palavr as manipulado pelo escr it or . Edgar Mor in r essalt a a

exist ência de t r ês cult ur as: Podemos chamar à pr imeir a cult ur a humanist a, à

segunda cult ur a cient íf ica e à t erceir a cult ur a de massa12. Na cult ur a humanist a

há t ent at ivas de sínt ese e r ef lexão sobr e os gr andes problemas humanos. Tr at

a-se de uma cult ur a ensaíst a. Na cult ur a cient íf ica, o conheciment o a-se est r ut ur a

at r avés das t eor ias lógico-mat emát icas, ao passo que na cult ur a de massa a

quant idade de inf or mações t em cr esciment o const ant e e desor denado. Na

11RUI Z, Cast or Bar t olomé. Obr a cit ada. p. 45

12Sociologia: a sociologia do micr ossocial ao macr oplanet ário. Tr adução Mar ia Gabr iela de Br agança, Mar ia

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essas t r ês cult ur as.

O dia-a-dia de uma sociedade pode, ent ão, se f azer límpido, cr ist alino, sob

a pena do gr ande escr it or , por que sua mat ér ia-pr ima é o que se desenr ola sob o

seu olhar , suas impr essões, suas aspirações. Quem não sent e o f ar f alhar dos

vest idos das mulheres r et r at adas por Balzac? A expect at iva do j ogador diant e

de uma r olet a, descr it a por Dost oievski? As angúst ias e esper anças dos

oper ár ios que povoamGer minal, de Émile Zola? Com Lima Bar r et o nos indignamos

com a post ur a ser vil de det er minados j ornalist as, sent imos as agr ur as de quem

vive no subúr bio de uma gr ande cidade e as imposições do pr econceit o r acial. Um

cor t ej o f únebr e, acompanhando o caixão de um pobr e que passa numa r ua de

per if er ia com calçament o pr ecár io e se dest inando a um cemit ér io que só r ecebe

def unt os sem vint ém, é uma most r a do labor at ór io vivo que int er essa às ciências

sociais. Essa é uma car act er íst ica da lit er at ur a, a de propor cionar meios par a se

decif r ar os enigmas que saem, aos borbot ões, das esf inges que povoam cidades e

campos.

A lit er at ur a desper t a int er esse, sim, às ciências sociais. Wolf Lepenies

cont a que Mar x e Engels af ir mam t er aprendido mais com Balzac do que com

t odos os hist or iador es e economist as pr of issionais.14 Balzac aj uda Taine a

compreender o que as ciências sociais podem e não podem f azer, escr eve

Lepenies. 15 Lukács r ef or ça essa af ir mação de Lepenies. Pr imeiro, pela

honest idade balzaquiana em t r azer nos seus livr os a r ealidade impost a pelo modo

de pr odução capit alist a, no qual a sociedade e seus int egr ant es são ar r olados.

Tr at a-se, escr eve Lukács r ef er indo-se ao r espeit o que Mar x e Engels nut r iam

13I dem. p. 123

(20)

ver dadeir ament e gr andes16. Lembr ando a condição de Balzac, de monar quist a

convict o, complement a Lukács:

(...) a r ealidade, t al como ela é e t al como ela se manif est a na sua essência (...) est á acima de t odos os seus desej os pessoais mais car os e mais ínt imos. A honest idade do gr ande ar t ist a consist e pr ecisament e no f at o de que, quando a evolução de um per sonagem ent r a em cont r adição com as concepções e ilusões por amor das quais ele se engendr ar a na f ant asia do escr it or , est e o deixa desenvolver -se livr ement e at é as últ imas conseqüências, e não se incomoda com a anulação das suas mais pr of undas convicções pela cont r adição em que f icam f ace à aut ênt ica e pr of unda dialét ica da r ealidade.17

Lit er at ur a e pr át ica cient íf ica caminham, apar ent ement e, dissociadas. A

vida int elect ual de t oda a sociedade ocident al est á cada vez mais dividida ent r e

dois gr upos polar es, sint et iza C. P. Snow18. Num pólo est ão os cient ist as e no

out r o, os lit er at os. Snow lament a esse f r acionament o:

Os sent iment os de um pólo t or nam-se os ant i-sent iment os de out r o.

Essa polar ização é pur a per da par a t odos nós. Par a nós como pessoas, e par a a nossa sociedade. É ao mesmo t empo per da pr át ica, per da int elect ual e per da cr iat iva.19

16LUKÁCS, Geor g.I nt r odução aos escr it os est ét icos de Mar x e Engels. Tr adução Leandr o Konder. I n:

Ensaios sobr e lit er at ur a. Rio de J aneir o: Civilização Br asileira, 1965. p. 37

17LUKÁCS. Obr a cit ada. p. 37

18As duas cult ur as e uma segunda leit ur a. Tr adução Ger aldo Ger son de Souza, Renat o de Azevedo Rezende

Net o. São Paulo: Edusp, 1995. p. 20

(21)

pr of undo sobr e a condição humana20. Logo, as obr as da lit er at ur a univer sal são

capazes de expr imir o que se t r aduz no âmago do ser humano e se concr et iza no

mecanismo que f az moviment ar uma sociedade. Compr eender melhor , essa é a

chave que a lit er at ur a nos of er ece. Vej amos: pode at é ser – par a alguns –

dif icult oso ent ender a sociedade burguesa eur opéia do Século XI X, se apenas

consult ados os vet ust os t r at ados sociológicos. Por ém, esse ent endiment o pode

ser pr azer oso lendo-se as obr as de Balzac e St endhal. Pode-se chegar à idênt ica

conclusão acer ca da vida car ioca t ambém do Século XI X, se vivenciar mos os

amor es, desamores e t r amas polít ico-econômicas de Bent inho, Br ás Cubas, o

conselheir o Air es e Quincas Bor ba, per sonagens que se moviment am at r avés da

pena de Machado de Assis. Também se pode f azer semelhant e af ir mação quando

est udada a obr a de J osé Lins do Rego, par a compr eender mos a sociedade dos

coronéis nor dest inos e a economia que se moviment a com a cana-de-açúcar no

Nor dest e br asileir o. Ou ent ão, par t indo desse mesmo J osé Lins do Rego,

apr eender acer ca do messianismo religioso ou do cangaço nor dest inos, t ão bem

descr it os emPedra Bonit aeCangaceir os. Assim é a lit er at ur a. Não é preciso que

nos est endamos acer ca dos ex emplos e do que pode cor r obor á-los, nesse

ent r ecr uzament o lit er at ur a/ sociedade, um ent r ecr uzament o que t ambém se

f or t alece com a pr esença do j or nalismo, essa at ividade que, mesmo vilipendiada

algumas vezes, se t or nou de gr ande impor t ância no cot idiano da humanidade.

Fazer lit er at ur a é f azer ar t e, por isso é pr eciso

ent ender a vida como uma obr a de ar t e, a ser simult aneament e r ecuper ada pelo imaginár io e f abr icada pelas mat er ialidades. Viver a vida como obr a de ar t e

20A cabeça bem-f eit a: repensar a r ef orma, repensar o pensament o. Tr adução Eloá J acobina. 10. ed. Rio de

(22)

O escr it or -j or nalist a per passa, dest a f or ma, a sociedade, car t ogr af ando-a.

Só que esse car t ogr af ar não é f eit o sem conf lit os, t ant o de f or o ínt imo quant o

pr of issional. Enquant o o escr it or pode, se quiser , abusar da imaginação, o

j or nalist a est á pr eso à f or ma de como divulgar melhor o f at o not icioso.

Necessit a, como ensinam os manuais de j or nalismo, usar f r ases br eves, palavr as

cur t as, t er pr ef er ência pelo vocabulár io usual, est ilo dir et o e usar adj et ivos

apenas se f or necessár io22. I st o é o que det er minam os modernos manuais de

j or nalismo. O f azer j or nalíst ico vivido por Lima Bar r et o – ant es por Balzac e

Maupassant – é o do f lor eio das palavr as, da pr olixidade, do nar iz-de-cer a que

t ão bem marcam o j or nalismo brasileir o das pr imeir as décadas do Século XX.

Fala-se, nest e t r abalho, de j ornalismo, lit er at ur a e sociedade em Lima

Bar r et o, ut ilizando-se f er r ament as t eór icas f or j adas por pensador es como

Cor nelius Cast or iadis, Ant onio Candido e Edgar Mor in. Pensador es que most r am

que as gr andes obr as lit er ár ias não se r ef er em apenas ao homem e à sua própr ia

vida, mas à univer salidade do homem, àquilo que t ambém o f az um ser imer so na

complet ude da cult ur a, por que indivíduo, sociedade, cosmo encont r am-se

mut uament e implicados na t ot alidade da nat ur eza, aqui ent endida como a

t ot alidade inat ingível da vida23. I st o nos possibilit a ext r air do f azer lit er ár

io-j or nalíst ico de Lima Bar r et o um magma de signif icações, algo que nos per mit a

per cor r er essas signif icações e ver if icar nelas uma ident idade e um sent ido.

Cast or iadis def ine magma como algo de onde é capaz de se r et ir ar , ou mesmo

const r uir , organizações conj unt ist as em númer o indef inido, mas que não pode

21CARVALHO, Edgar d de Assis.Enigmas da cult ur a. São Paulo: Cort ez, 2003. p. 50

22AMARAL, Luís.J or nalismo: mat ér ia de primeir a página. 3. ed. Rio de J aneiro: Tempo Br asileir o; For t aleza:

UFCE, 1982. p. 49

(23)

nossa vida, de nossa língua, ou sej a, t udo o que pode ef et ivament e ser dado –

r epr esent ação, nat ur eza, signif icação – é o modo de ser do magma25. Por t ant o,

um magma est á ligado à coexist ência de f r agment os de múlt iplas organizações

lógicas e sua organização é aplicada t ant o à psique quant o nas f or mas da

imaginação r adical se expr essar26. Par a ext r air sua noção de magma, Cast or iadis

t ambém r ecor r e à mat emát ica, pr incipalment e na sear a dos conj unt os. Uma f r ase

cont ida numa car t a de Cant or a Dedekind, com dat a de 28 de j ulho de 1899,

chama a at enção de Cast or iadis, par a ele sur pr eendent e e impor t ant e: Toda

mult iplicidade é ou uma mult iplicidade inconsist ent e ou um conj unt o27. Essas

mult iplicidades chamam a at enção do f ilósof o a par t ir do moment o em que se

aper cebe da impor t ância daquilo que denomina de imaginár io r adical.

A const at ação de que o psiquismo humano não pode ser “explicado” por f at or es biológicos, nem consider ado como um aut ômat o lógico ainda que muit o r ico e complexo; e t ambém, sobr et udo, de que a sociedade não pode ser r eduzida a det er minações r acionais-f uncionais quaisquer que sej am (...) indicava que er a pr eciso pensar de maneir a dif er ent e, par a poder compr eender a nat ur eza e o modo de ser específ ico desses domínios, o psíquico de um lado, o social-hist ór ico de out r o.28

O social-hist ór ico, no dizer de Cast or iadis, é algo que int egr a os domínios

do homem, é uma cr iação humana. Nele est á ex plícit o que psique e sociedade são

24CASTORI ADI S, Cor nelius.A inst it uição imaginária da sociedade. Tr adução Guy Reynaud. Rio de J aneir o:

Paz e Ter r a, 1982. p. 388

25CASTORI ADI S. Obr a cit ada, p. 389

26FRANCO, Yago.Magma: Cor nelius Cast or iadis – psicoanálisis, f ilosof ia, polít ica. Buenos Aires: Edit orial

Biblos, 2003. p. 11

27CASTORI ADI S, Cornelius.As encruzilhadas do labir int o I I : os domínios do homem. Tr adução J osé Oscar

de Almeida Mar ques. 2. ed. Rio de J aneir o: Paz e Ter r a, 2002. p. 407

(24)

signif icações sociais. Par a Cast or iadis, a psique, ao socializar -se, incor pora o

magma de signif icações imaginár ias sociais, af ir mação que t r az sér ias implicações

no est udo da sociedade, por que est a, como af ir ma o pensament o cast or iadiano,

sobr evive gr aças a essa incor por ação. A psique ser ia, por t ant o, t ambém um

magma de r epresent ações, desej os e af et os, element os que const it uem a

mat ér ia-pr ima ut ilizada pelo escr it or em suas buscas de expr essar a condição

humana e, conseqüent ement e, car t ogr af ar a lit er at ur a univer sal. Capt ar , enf im,

r ealidades. Ao analisar mos o moment o hist ór ico vivido por Lima Bar ret o, at r avés

de seus escr it os, podemos per ceber ou mesmo sent ir a r ealidade vivida por ele,

com suas ligações ent r e lit er at ur a, j or nalismo e sociedade.

Est udioso das ligações ent r e sociedade e lit er at ur a, Ant onio Candido nos

most r a como essas duas r amif icações da cult ur a se ent r elaçam e, com base em

Cast or iadis, podemos af ir mar que se a sociedade é inst it uída de f or ma imaginár ia,

a lit er at ur a é vast o campo de expressão do simbólico. Toda sociedade que se

inst it ui leva em cont a o t r abalho das signif icações imaginár ias na sua f unção de

sancionar a r ealidade que os ser es humanos são capazes de const r uir . Se

f azemos o simbólico emergir , lembramos que par a Cast or iadis t udo o que se nos

apr esent a, no mundo social-hist ór ico, est á indissociavelment e ent r elaçado com o

simbólico29. Nesse palco desf ilam os at os humanos, t ant o individuais quant o

colet ivos, indispensáveis à sobr evivência de qualquer sociedade, como o t r abalho,

o consumo, a guer r a, o amor , o nascer e o mor rer . Tudo isso é t r at ado pela

lit er at ur a, a qual desempenha um papel f undament al, no dizer de Mor in30.O ser

humano sempr e f oi concebido de modo mut ilado, cont inua Mor in, acr escent ando:

Diz-se homo sapiens, dot ado de r azão, mas o homem é t ambém delir ant e.

29CASTORI ADI S, Cornelius.A inst it uição imaginár ia da sociedade. Obra cit ada. p. 142

30MORI N, Edgar.Educação e complexidade: os set e saberes e out r os ensaios. Mar ia da Conceição de

(25)

Ao f alar mos sobre lit er at ur a, j or nalismo e sociedade em Lima Bar r et o,

per cebemos que o olhar at ent o do escr it or / j or nalist a se moviment a como se

est ivéssemos num t r em que liga o subúr bio ao cent r o da cidade, it iner ár io

per cor r ido sem gr ande pr essa. São f eit as par adas em algumas est ações, nas

quais t omamos um gole de caf é da mesma f or ma que I saías Caminha em sua

pr imeir a viagem ao Rio de J aneir o. Est amos na Pr imeir a Est ação, início do nosso

t r aj et o. Na pr óxima Est ação, a Segunda, discor r e-se acer ca de umPr isioneiro da

República Velha, na qual o pr ot agonist a ser á Lima Bar ret o, sua obr a e seu t empo.

Na Ter ceir a Est ação se enf at iza a ligação Ent r e o j or nalismo e a lit er at ur a,

abordando-se a visão de Lima Bar r et o sobr e o j ornalismo e suas ligações com as

de aut ores como Balzac e Maupassant . Tr at a-se ent ão de um (des)encant o da

pr át ica j or nalíst ica na lit er at ur a. Mais na f r ent e, na Quar t a Est ação, t r at a-se de

Lima Bar ret o e a reinvenção do cot idiano, compr ovando-se que a lit er at ur a

t ambém é uma espécie de labor at ór io vivo par a as ciências sociais. Conver sa com

Lima Bar r et o, a Quint a Est ação, é uma ent r evist a imaginár ia cuj as r espost as são

r et ir adas de sua obr a.

Tomemos assent o nest e t r em subur bano.

(26)
(27)

Eu conheço um gr it o de angúst ia, e eu posso escr ever est e gr it o de angúst ia, e eu posso ber r ar est e gr it o de angúst ia, quer ouvir ? "Sou um negr o, Senhor , sou um... negr o!"

Oswaldo de Camargo

Per gunt e ao cr iador Quem pint ou est a aquar ela.

Livre do açoit e da senzala Pr eso na misér ia da f avela.

Hélio Turco, J urandir e Alvinho Samba- enr edo da Mangueir a - 1988

Uma mulher de cabelos lour os e sor r iso de f ada madr inha, como aquelas

dos cont os de f adas, causou prof undo alumbr ament o num menino de set e anos. A

par t ir de ent ão, durant e sua vida, que durou pouco mais de 43 anos, o menino

nunca esquecer ia aquele sor r iso e a impor t ância daquele moment o, no qual a

mulher pr ot agonizar a um dos at os mais t er nos e, sobr emaneir a, mais eloqüent es

da hist ór ia do Br asil. Também não esquecer ia os f ogos de ar t if ício f est ej ando a

dat a, a missa campal em São Cr ist óvão e os desf iles est udant is1. O menino se

chamava Af onso Henr iques de Lima Bar r et o, havia per dido a mãe Amália August a

Bar r et o, no ano ant er ior , e a mulher er a, nada mais nada menos, do que a Pr incesa

I sabel, que exercia a f unção de r egent e imper ial em subst it uição ao imper ador

Pedro I I , em viagem à Eur opa. Er a 13 de maio de 1888 (dat a nat alícia de Lima

Bar r et o, nascido em 1881, numa sext a-f eira), dia da assinat ur a da Lei Áur ea, a lei

da abolição da escr avat ur a, espécie de car t a de alf or r ia gener alizada, t alvez a lei

de r edação mais concisa da hist ór ia brasileir a, com apenas dois ar t igos. O

pr imeir o ar t igo dizia o seguint e: É declar ada ext int a a escr avidão no Brasil; ao

passo que o segundo ar t igo complet ava: Revogam-se as disposições em

(28)

cont r ár io2. O Lar go do Paço, nas pr oximidades do Palácio I mper ial no Rio de

J aneir o, est ava apinhado, a dat a er a o cor oament o das aspir ações de homens

como J osé do Pat rocínio e Luiz Gama, ambos com sangue af r icano cor r endo

f or t ement e em suas veias. O Br asil se liber t ava, f inalment e, da escr avidão

of icializada, garant ida por lei, e f or malizava uma t ent at iva de sepult ar o est igma

causado pela ignomínia do cat iveir o, com seus pr econceit os e discr iminações. Em

t r ês séculos de escr avidão o país r eceber a mais de 4,5 milhões de escr avos e, na

dat a da assinat ur a da Lei Áur ea, er am mais de 700 mil cat ivos exist ent es

of icialment e em t odo o t er r it ór io nacional 3. Por lei a escr avidão est ava

sepult ada, t odos os br asileir os se t or navam, a par t ir de ent ão, iguais em seus

dir eit os (é clar o que, ex cet uando mulheres

e analf abet os, sem dir eit o a vot o). Só que a

r ealidade ult r apassava – como ainda

ult r apassa – os dit ames da legislação e a

indif er ença às det er minações legais

cont inuava acent uada, como se alguns

r abiscos pudessem sepult ar , à guisa de

decr et o, ost at us quode uma população.

I magem 1 - A Lei Áur ea acabou com a escr avidão of icializada, por ém a discr iminação e o pr econceit o cont ra os negr os cont inuam at é hoj e.

Mesmo com a abolição, na vida pr át ica a cor da pele r ever ber ava de f orma

at r oz sobr e os ar canos da condição humana, dif er enciando as pessoas e

(29)

lhes os benef ícios do par aíso ou as t or pezas inf er nais. A f alt a de condições

adequadas ao apr imor ament o prof issional e int elect ual j ogou os r ecém-liber t os

numa espécie de abismo sócio-econômico. Analf abet os e despr ovidos de

conheciment os t écnicos que possibilit assem seu apr oveit ament o em at ividades

ur banas, levas e mais levas de ant igos escr avos f or am alij adas de seu t r abalho

nas f azendas e enxot adas par a as gr andes cidades, como o Rio de J aneiro e

Salvador . O Rio de J aneir o, ent ão capit al br asileir a, viu seus mor r os ser em

povoados por ex-cat ivos e suas f amílias, t r ocando a misér ia das senzalas pela não

menos depr iment e pr ecar iedade das f avelas. Assim descr eve o hist or iador

Eduar do Bueno a sit uação dos ex-escr avos:

O Br asil imper ial - e, logo a seguir , o j ovem Br asil r epublicano – negou-lhes a posse de qualquer pedaço de t er r a par a viver ou cult ivar , de escolas, de assist ência social, de hospit ais. Deu-lhes, só e sobej ament e, discr iminação e r epr essão.4

Da assinat ur a da Lei Áur ea à proclamação da República houve um int er valo

de pouco mais de um ano. Do início da República Lima Bar ret o não t er ia boas

r ecor dações. Seu Pai, J oão Henr iques de Lima Bar r et o (f ilho do por t uguês

Henr ique de Lima Bar r et o, com uma negra), per der a o empr ego na Tipogr af ia

Nacional exat ament e no dia 15 de novembr o de 1889. Tipógr af o exper ient e e

dot ado de uma capacidade int elect ual que lhe per mit iu at é mesmo r ealizar a

t r adução de uma obr a t écnica, oManual do apr endiz composit or, de J ules Claye,

J oão Henr iques f izer a as honr as da casa ao imper ador Pedr o I I quando est e, j á

nos est er t or es da monar quia, chegara a f azer uma visit a à Tipogr af ia Nacional,

inst it uição na qual o pai do f ut ur o escr it or exer cia a f unção de mest r e de

composição. J oão Henr iques cont ava com a prot eção de um impor t ant e

(30)

monar quist a, o Visconde de Our o Pret o, com quem t ambém mant inha r elações de

compadr io. I nst it uída a República, decaído o pr est ígio do compadr e e perdido o

empr ego na Tipogr af ia Nacional, J oão Henr iques passou bom t empo

desempr egado at é obt er a colocação de almoxar if e da Colônia de Alienados da

I lha do Gover nador , par a onde se mudou com a f amília em 18935. Foi nesse local

que Lima Bar r et o passou boa par t e da adolescência, vivendo numa casa com

t elhado quat r o águas e por t a de ent r ada cer cada por seis lar gas j anelas, sendo

t r ês de cada lado. A pint ur a da casa, que um dia f or a branca, est ava encar dida.

Uma única ár vor e se localizava nas pr oximidades

de uma j anela lat er al, enquant o, mais dist ant e,

vár ias out r as ár vores cer cavam o imóvel como

par a pr ot egê-lo ou mesmo suf ocá-lo. Em algumas

de suas cr ônicas, elabor adas anos mais t ar de, o

escr it or f alar ia com cer t a saudade dos t empos

vividos na I lha do Governador.

I magem 2 - J oão Henr iques pr ocur ou dar uma esmer ada educação ao f ilho Lima Bar ret o

J oão Henr iques não poupar a esf or ços par a dar uma boa educação ao f ilho

e, at é o f inal da adolescência, seus est udos f oram r egulares. Concluídos os

exames pr epar at ór ios par a ingressar na Escola Polit écnica, onde cur sar ia

engenhar ia, Lima Bar r et o f oi aluno do f ilósof o posit ivist a Teix eir a Mendes, que

abr ir a a pr imeira escola de Filosof ia do país e minist r ava um ensino enciclopédico

dest inado a alunos de cat orze a vint e e um anos6. Mesmo absor vendo as idéias de

um seguidor de August e Comt e, Lima Bar r et o não chegou a se t or nar posit ivist a.

Ao cont r ár io, t empos depois, est udant e da Escola Polit écnica, ir ia ader ir a uma

5BARRETO, Lima.Toda crônica. Apr esent ação e not as Beat r iz Resende; organização Rachel Valença. Rio de

J aneir o: Agir, 2004. Volume I , p. 42.

6BARBOSA, Francisco de Assis.Pref ácio. I n: BARRETO, Lima.Recordações do escr ivão I saías Caminha. Rio

(31)

r eação cont r a o comt ismo. Tiver a um colega de nome J osé Oit icica, um dos

maior es anar quist as da hist ór ia br asileira, e gost ava de ouvir um t alent oso

pr of essor de Lat im, Vicent e de Sousa, f undador da Feder ação Oper ár ia e

ent usiast a das idéias apregoadas pelo socialismo. Lima Bar r et o nunca se deixar a

levar por nenhuma or t odoxia, nem a posit ivist a e nem a anar quist a. Anos mais

t ar de aplaudir ia ent usiast icament e a Revolução Russa de 1917:

(...) os nossos sabichões não t êm nem uma espécie de ar gument o par a cont r apor aos apr esent ados pelos que t êm medit ado sobr e as quest ões sociais e vêem na r evolução r ussa uma das mais or iginais e pr of undas que se t em ver if icado nas sociedades humanas. Os dout or es da bur guesia limit am-se a acoimar Lenin, Tr ot ski e seus companheir os de vendidos aos alemães.7

Numa coisa o posit ivismo exer ceu impor t ant e papel na vida do f ut ur o

escr it or , que f oi o int er esse pelas obr as f ilosóf icas de aut or es como Descar t es,

Condillac, Condorcet , Kant , Spencer e Comt e, lidas na Bibliot eca Nacional e na

Escola Polit écnica. Descar t es exer cer ia a maior inf luência, com o Discur so do

Mét odo. A dúvida met ódica ser ia uma t ábua r asa par a se chegar a uma cer t eza,

inst r ument o essencial par a um escr it or.

Na Escola Polit écnica um colega ir oniza seu nome:Vej am só! Um mulat o t er

a audácia de usar o nome do r ei de Por t ugal!8O nome Af onso f oi escolhido pelo

pai do escr it or par a homenagear um amigo, o senador Af onso Celso, que se

t or nou padr inho do menino. A vida de est udant e na Escola Polit écnica não é f ácil.

É r eprovado em Mecânica e em Química, sent e a má-vont ade de pr of essores e

colegas, é uma espécie de est r anho no ninho, um ambient e f r eqüent ado por

7BARRETO, Lima.Toda Cr ônica. Volume I . Apr esent ação e not as Beat riz Resende, or ganização Rachel

Valença. Rio de J aneiro: Agir, 2004. p. 459

8FARACO, Car los.Lima Bar r et o: uma lit erat ur a af iada. I n: BARRETO, Lima. Vida e mor t e de M. J . Gonzaga

(32)

j ovens de f amílias r icas, br ancos e com sobr enomes conhecidos.A host ilidade do

meio era a pedr a no meio de seu caminho, coment a Car los Far aco, acr escent ando:

Resolveu est ilhaçar essa pedr a em mil f r agment os ver bais e lançá-los cont r a os

poder osos. Foi assim que começou a f icar conhecido ent r e os est udant es.9 Esses

f r agment os ver bais são as pr imeir as colabor ações em j or nais est udant is, comoA

Lant ernae A Quinzena Alegr e. Ut iliza pseudônimos como Alf a Z e Moment o de

I nér cia. São os pr imeir os passos na at ividade j or nalíst ica. O cur so de engenhar ia,

na Escola Polit écnica, t eve que ser abandonado. O pr incipal mot ivo desse

abandono f oi o enlouqueciment o do pai J oão Henr iques, em 1902, f at o que obr iga

o f ilho a t omar as r édeas da lut a pela

sobr evivência f amiliar. Tinha agora sob os seus

cuidados os ir mãos menor es, a companheir a do pai

e os f ilhos dela, além de um agregado, um velho,

que mor ava f azia anos com a f amília. A f amília

muda-se const ant ement e par a localidades

subur banas.

I magem 3 - Lima Bar r et o per deu a mãe Amália August a quando t inha seis anos de idade

Lima Bar ret o, meses depois que assume o papel de ar r imo de f amília,

ingressa at r avés de concur so na Dir et or ia do Expedient e da Secr et ar ia da

Guer r a, set or do Minist ér io da Guer r a. Sua pr imeira colabor ação na impr ensa

per iódica vem pouco ant es de assumir o empr ego de f uncionár io público. Obt ida

cer t a est abilidade, embor a de par cos r ecursos, começa a dar início à elabor ação

da pr imeir a ver são de Clar a dos Anj os, obr a na qual o f ôlego do gr ande escr it or

ainda não passa de mero sopr o de cr iat ividade e descuidos de est ilo, def iciências

que vão sendo f ilt r adas ao longo do t empo com Recor dações do escr ivão I saías

(33)

Caminha, Tr ist e f im de Policar po Quar esmae Vida e mor t e de M. J . Gonzaga de

, est a t alvez a sua melhor obr a, além de uma inf inidade de cont os – como os

magist r ais O homem que sabia j avanês e A nova Calif ór nia – e crônicas, muit as

cr ônicas. Embor a t enha sido o pr imeiro r omance de Lima Bar ret o, Clar a dos

Anj ossó é publicado anos após a mor t e do escr it or .

Lima Bar r et o t inha como colega de t r abalho no Minist ér io da Guer r a

Domingos Ribeir o Filho, homem de bom copo e boa conver sa, presença assídua

nos caf és do cent r o do Rio de J aneir o, locais f r eqüent ados por est udant es,

boêmios, j or nalist as e ar t ist as. Domingos o apr esent a a alguns j or nalist as, abr e

caminho par a que Lima Bar r et o, com seus novos cont at os, t enha acesso à gr ande

impr ensa, da mesma f or ma que I saías Caminha, f igura cent r al deRecordações do

escr ivão I saías Caminha, e Lucien de Rubempré, per sonagem balzaquiana de

I lusões per didas. Assim Lima Bar r et o t em aber t as as por t as do Cor r eio da

Manhã, o mais impor t ant e j ornal car ioca. Como j or nalist a, acompanha com mais

pr oximidade as mudanças ocor r idas na cidade e no país, per cebe as velhas

est r ut ur as do I mpér io cedendo espaço aos dit ames da República e consider a

muit as dessas mudanças piores do que as exist ent es nos t empos do imper ador

Pedro I I . O f iccionist a t em ao seu dispor f ar t o mat er ial e mescla a r ealidade

com a f icção; desnuda a Pr imeir a República, denuncia f avor eciment os polít icos e

t oma par t ido nas quest ões que mar cam o cot idiano dos br asileiros. O par t ido dos

opr imidos, dos per seguidos, dos deser dados da sociedade é a sua causa. Engaj

a-se em pr ol da mar ginália. Leva essa mar ginália para a-seus r omances, coloca-a em

dest aque nos cont os, esmiúça seu cot idiano nas cr ônicas. E, assim, f az da

lit er at ur a e do j or nalismo f er r ament as que podem ser ut ilizadas par a se

ent ender melhor as engr enagens que moviment am uma sociedade.

Ao est udioso da Pr imeir a República br asileir a, ou mesmo quem se int er essa

(34)

impor t ância singular , como bem apont a Fr ancisco de Assis Bar bosa, um dos

pr incipais pesquisador es de sua obr a10:

Escr it or eminent ement e memor ialist a, a pont o de se t or nar dif ícil, senão impossível, delimit ar na maior ia dos seus r omances e cont os as f r ont eir as da f icção e da r ealidade, ele anot ou, r egist r ou, f ixou, coment ou e cr it icou t odos os gr andes acont eciment os da vida r epublicana, melhor dit o, da Pr imeir a República, desde o seu advent o at é o começo da sua agonia.

Ent r e os gr andes acont eciment os da Pr imeir a República est ão a

insur r eição ant if lor ianist a, a campanha cont r a a f ebr e amar ela, a ação do Bar ão

do Rio Br anco no I t amar at i, a polít ica de valor ização do caf é, o gover no do

Mar echal Her mes da Fonseca, a par t icipação do Br asil na Pr imeir a Guer r a

Mundial, o advent o do f eminismo, as pr imeir as gr eves oper ár ias, a Semana de

Ar t e Moder na, o f ut ebol e o j ogo do bicho.11Lima Bar r et o vê t odos esses f at os

de uma f or ma peculiar , dif er ent ement e de out r os escr it or es de sua época,

muit os deles r ebuscando ou ex agerando nas t int as da super f icialidade. Sua pena,

com a per spicácia que lhe dot a o j or nalismo, e com a sensibilidade que lhe municia

a lit er at ur a, per cor r e a ment alidade bur guesa e acompanha o dr ama do povar éu

na vida republicana das pr imeir as décadas. Um dr ama cuj os t ent áculos envolvem

quest ões que se est endem desde a f alt a de emprego à desqualif icação par a

ar r anj á-lo, t ambém o dist anciament o do gover no e sua ausência de esf or ços par a

comunicar -se com a população; o descaso da municipalidade com a per if er ia e os

dissabor es causados por quest ões como o analf abet ismo além, é clar o, dos

pr econceit os e das discr iminações. Não esquece t er nascido numa época em que

havia escr avidão e que a conj unt ur a sócio-econômica de sua cidade, o Rio de

J aneir o, se agr avava cada vez mais desde os últ imos anos do I mpér io.

(35)

A Abolição e a cr ise da economia caf eeir a que se lhe seguiu (...) desencadeou uma enor me mobilização (85.547 pessoas) da massa humana out r or a pr esa àquela at ividade e que em boa par t e ir ia af luir par a a cidade do Rio, f undindo-se ali com o j á volumoso cont ingent e de escr avos r ecém-liber t ados, que em 1872 chegar a a const it uir 18% (48.939 pessoas) da população t ot al da capit al do I mpér io. Vêm somar -se a essa mult idão os sucessivos magot es de est r angeir os, que a pr evidência dos pr opr iet ár ios pr essagiosos da Abolição e as vicissit udes eur opéias ar r ast ar am vacilant es par a o por t o do Rio.12

Nicolau Sevcenko13, aut or dessas inf or mações, t ambém apont a que em

apenas uma década, de 1890 a 1900, a população do Rio de J aneir o cresceu numa

escala impr essionant e, at ingindo quase 3% a cada ano. Cidade envolvida por um

r elevo acent uado e com vár ias r egiões pant anosas, t r ansf or mou-se em minadour o

de molést ias como var íola, t uber culose, malár ia, f ebr e t if óide, lepr a, escar lat ina

e f ebre amar ela. Ademais, havia car ência de mor adias e aloj ament os, o

abast eciment o de car nes e out r os gêner os aliment ícios er a pr ecár io e o

saneament o básico prof undament e def icit ár io. J unt o a isso, o desempr ego se

t or nava crônico devido à gr ande of er t a de mão-de-obr a excedendo a demanda do

mer cado. Quem ainda per cebia salár ios viu o poder de compra de seus

r endiment os decr escer assust ador ament e. A sit uação dos ex-escr avos er a a pior

de t odas. Sem dinheir o e sem inst r ução, ainda t inham de supor t ar um dos males

mais cr uéis que um ser humano pode devot ar a out r o: o do pr econceit o. Se na

Monar quia a escr avidão er a uma r ealidade e os negros vist os como inf er ior es aos

br ancos, a República, ao ser inst aur ada pouco depois da Abolição, f ica às volt as

com t ão gr ave pr oblema. A escr avidão havia sido ext int a legalment e, mas o

sent iment o de inf er ior idade ou de super ior idade cont inuava pr evalecendo ent r e

12SEVCENKO, Nicolau.Lit er at ur a como missão: t ensões sociais e criação cult ur al na Pr imeir a República. São

Paulo: Companhia das Let r as, 2003. p. 72

(36)

as pessoas. Os negr os est avam livres do j ugo escravist a, isso era f at o, mas não

haviam se liber t ado da discr iminação r acial, pr oblema que per sist e at é nossos

dias, como bem apont a Edward Telles: A noção popular sobr e r aça é t r ansmit ida

at r avés de est ereót ipos da mídia, de piadas, das r edes sociais, do sist ema

educacional, das pr át icas de consumo, dos negócios e pelas polít icas do Est ado.14

Na República nascent e ser negr o é est ar suj eit o a uma sér ie de agr ur as.

Os pr imeir os anos da República t êm em Rui Bar bosa uma f igur a ímpar .

Or ador t alent oso, most r a-se incapaz de ger ir a economia r epublicana e se t or na

r esponsável por um dos maior es cr imes comet idos cont r a a memór ia brasileir a.

Pr incipal idealizador da pr imeir a Const it uição Republicana, apr ovada em 1891, Rui

Bar bosa é um f r acassado minist r o das Finanças ao baixar uma sér ie de decr et os

que f icou conhecida pela alcunha de Encilhament o. Essa polít ica se car act er izou

pela emissão de dinheir o com last r o soment e em bônus gover nament ais – e não

por f undos de r eser vas. O país t inha car ência de papel-moeda, pois a quant idade

de dinheir o que cir culava na economia er a insuf icient e par a pagar salár ios e

cumpr ir out r as obr igações. Além disso, a polít ica gover nament al t ambém liber ava

cr édit o par a a cr iação de sociedades anônimas. Com essa sér ie de decret os, o

gover no esper ava incent ivar a pr odução, int enção que f oi por água abaixo, por que

muit as dessas sociedades ex ist iam apenas no papel. A polít ica do Encilhament o

f oi engolida pela especulação. J á o cr ime comet ido por Rui Bar bosa cont r a a

memór ia brasileir a consist iu no despacho de 14 de dezembr o de 1890. Nesse

document o, o ent ão minist r o das Finanças det er mina que t odos os livr os e

document os r elat ivos à escr avidão exist ent es no Minist ér io das Finanças f ossem

r ecolhidos e queimados. Rui Barbosa esper ava, com essa det er minação, evit ar

pagament o de indenizações aos senhor es de escr avos, por que gr ande par t e dos

cat ivos adquir idos por eles er a mer cador ia que ent r ar a no país ilegalment e. A

14TELLES, Edwar d.Racismo à br asileir a: uma nova perspect iva sociológica. Rio de J aneiro: Relume Dumar á,

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medida de Rui Bar bosa f oi apr ovada pelo Congr esso Nacional at r avés de uma

moção f elicit ando o gover no r epublicano15.

Foi, por t ant o, com essa espécie de aut o-de-f é abolicionist a que o Br asil comemor ou os t r ês anos da mais t ar dia emancipação de escr avos no hemisf ér io ocident al. Embor a pr agmát ica – e muit o mais ver ossímil do que a ver são of icialesca de que os document os f or am queimados par a “apagar qualquer lembr ança do t r ist e per íodo escr avocr at a” – a medida f oi t or pe.16

Apesar desse “aut o-de-f é”, Lima Bar r et o vê a f igura de Rui Bar bosa com

pr of undo r espeit o. Em nenhuma de suas mais de quat r ocent as cr ônicas o t r at a

com descaso ou indif er ença. I roniza, é ver dade, mas at r avés de uma ir onia que

não macula a sua imagem, ao cont r ár io de out r as f igur as de nossa hist ór ia,

execr adas por Lima Bar ret o. Na cr ônicaUma sur pr esa da Exposição, publicada na

Revist a Car et a, em 11/ 11/ 1922, apesar de reconhecer sua capacidade int elect ual,

sobr evalor iza seus dons or at ór ios: Aqui, ent r e nós, o Rui Bar bosa é mais popular

como or ador do que por out r a coisa.17

Duas f igur as são t r at adas por Lima Bar ret o com pr of undo desprezo. Uma

é o Bar ão do Rio Branco, r esponsável pelo Minist ér io do Ext er ior dur ant e boa

par t e da República Velha, vist o por Lima Bar r et o como uma f igur a

lament avelment e int ocável, acima do bem e do mal, podendo f azer o que bem

quiser sem pr ecisar dar sat isf ações a ninguém. Ao abor dar , na cr ônica Os

pr ópr ios nacionais18 acer ca do pr oblema ger ado pela ut ilização de imóveis

públicos par a f ins par t icular es, o escr it or apont a que o maior escândalo vem do

minist r o:

15BUENO, Eduar do.Br asil: uma hist ória – A incr ível saga de um país. São Paulo: Át ica, 2003. p. 229 16I dem

(38)

O maior escândalo dessa ocupação indébit a f oi dado pelo Senhor bar ão do Rio Br anco que, sem lei, aut or ização, ar t igo de r egulament o, t r ansf or mou o palácio do I t amar at i em sua r esidência. Ninguém nada disse, por que o Senhor Rio Br anco podia per pet r ar t odos os abusos, t odas as violências da lei, impunement e.19

Lima Bar r et o acusa o Barão do Rio Br anco de t r ansf or mar o I t amarat i

numa espécie de “cor t e”, na qual abolet a amigos e apaniguados. Denuncia, na

cr ônica A amanuensa, seu pedant ismo, sua presunção e pr osápia.20 Também

pedant e, na ót ica do cr onist a, é o escr it or Coelho Net o, f igur a que ser á melhor

det alhada no pr óx imo capít ulo.

Se Lima Bar r et o t em uma paixão, um sent iment o de amor e de t er nur a, é

dedicado à sua cidade, o Rio de J aneir o. Dedica ao Rio sua capacidade de análise,

discut e seus pr oblemas, pr opõe soluções. Mas não esquece o Br asil. Pr eocupa-se

com as dif iculdades vividas pelas populações de localidades mais dist ant es. Na

cr ônica Sobre o maximalismo, publicada em 01/ 03/ 1919 na Revist a

Cont empor ânea, vê alt ernat ivas par a saneament o dos gr aves pr oblemas

sócio-econômicos do país, pr incipalment e par a o int er ior por que, vist os com ser iedade,

os pr oblemas do int er ior r esolvidos diminuir iam, em muit o, os da capit al.

Vej amos:

(...) há a par t e de engenhar ia: dessecament o de pânt anos, r egular ização de cur sos d’água, et c.; há a par t e social, no f azer desapar ecer a f azenda, o lat if úndio, dividi-lo e dar a pr opr iedade dos r et alhos aos que ef et ivament e cult ivam a t er r a; há a par t e econômica, consist indo em bar at ear a vida, os pr eços do vest uár io, et c., cousa que pede um combat e decisivo ao nosso capit alismo indust r ial

(39)

e mer cant il que enr iquece doidament e, empobrecendo quase t odos; há a de inst r ução e muit os out r os que agor a não me ocor r em.

Em r esumo, por ém, se pode dizer que t odo o mal est á no capit alismo, na insensibilidade mor al da bur guesia, na sua ganância sem f r eio de espécie alguma, que só vê na vida dinheir o, dinheir o, mor r a quem mor r er , sof r a quem sof r er .21

A cor da pele f oi uma espécie de decalque impr egnado na exist ência de

Lima Bar r et o. Net o de escr avos, sent iu na alma a f or ça ger ada pelo pr econceit o,

pr oblema que o envolveu dur ant e t oda sua exist ência, per seguindo-o onde quer

que f osse. Por t as lhe f or am f echadas, como as da Academia Br asileira de Let r as,

inst it uição f undada por Machado de Assis, mulat o e car ioca como Lima Bar r et o,

mas cuj a escr it a elegant e e er udit a dot ada de f ina ir onia, o dif er encia do

segundo. A Academia Br asileir a é uma cópia da Fr ancesa, at é o número de

cadeir as é igual (40 membr os ef et ivos e per pét uos), muit as delas ocupadas por

milit ar es, médicos e polít icos, deixando escr it or es de f or a. Nos pr imeir os anos, a

Academia não vê com bons olhos os lit er at os boêmios, pr ef er e os que f r eqüent am

a Conf eit ar ia Colombo, est abeleciment o localizado no cent r o do Rio de J aneir o

f r eqüent ado por boa par t e da int elect ualidade, da polít ica e das ar t es car iocas.

Em let r as, t emos a nossa Academia Br asileir a – é ver dade. É uma bela senhor a, gener osa, piedosa, r eligiosa; mas t em um def eit o: só est ima e j ulga com t alent o os seus f ilhos legít imos, nat ur ais, espúr ios e, mesmo, os adot ivos. Q uem não sugou o leit e da academia ou não f oi acalent ado por ela, quando de colo, a r abugent a mat r ona não dá mér it o algum. Daí, a f alt a de f or malidade mar cada nos f elizes aut or es, velhos e novos, consagr ados, cuj os nomes não são acint osament e omit idos nos j or nais.22

21Obr a cit ada. p. 464

(40)

Machado de Assis, o f undador da Academia Br asileir a de Let r as, er a o que

se pode chamar dehomem educado, vest ia-se com sobr iedade e car act er izava-se

pela disciplina t ant o no t r abalho como f uncionár io público quant o no t r at o com as

pessoas. Educado e cor t ês, sem muit a af et ação, f oi aut or de obras que f izer am

dele o maior escr it or br asileiro. Menino pobr e e aut odidat a, Machado de Assis

f oi exemplo clar o daquilo que se pode chamar de pessoa que subiu na vida. Não

enr iqueceu, mas obt eve um padrão de vida r azoavelment e bom, além da est ima e

do respeit o que lhe dedicavam os mais bem aquinhoados cidadãos do Rio de

J aneir o. Com sua Car olina, mulher amada, vive um longo casament o, at é t ornar -se

viúvo.

Lima Bar r et o não t inha a f ina ir onia de Machado de Assis, escr it or dot ado

da capacidade de obser var a condição humana sem imiscuir -se em seus dit ames.

Seus livr os est ão r eplet os desse dist anciament o e dessa aparent e sut il

indif er ença – ou ir onia – diant e da condição humana. O últ imo t r echo do Quincas

Bor baé ex emplar :

Eia! chor a os dous r ecent es mor t os, se t ens lágr imas. Se só t ens r iso, r i-t e! É a mesma cousa. O Cr uzeir o, que a linda Sof ia não quis f it ar , como lhe pedia Rubião, est á assaz alt o par a não discer nir os r isos e as lágr imas dos homens.23

Lima Bar ret o, ao cont r ár io, não é mer o obser vador do espet áculo do

mundo. É par t e int egr ant e desse espet áculo. Coloca-se na planície, nela e dela

escr eve. É t ambém prot agonist a e, dest a f or ma, engaj a-se nas causas que acha

cor r et as, cr it ica f erozment e as que acha incor r et as e, cidadão nascido nos

últ imos anos do I mpér io, sent e as agr ur as das pr imeir as décadas da República. O

(41)

Br asil é o país de J ecas Tat us, per sonagem cr iada por Mont eir o Lobat o que

car act er iza o homem da zona r ur al, ignor ant e e doent e, e t ambém o simplór io

mor ador da cidade, igualment e adoent ado e ignorant e. É no Rio de J aneir o do

desempr ego, das doenças, da f alt a de saneament o básico e do pr econceit o r acial

que Lima Bar r et o se moviment a, at r avessa r uas subur banas, anda de bonde, sobe

mor r os, f r eqüent a bot equins, j unt a-se à escór ia, gost a de escut ar melodias sob

acompanhament o do violão, inst r ument o pr oscr it o por boa par t e de uma

população que pr ef ere os hábit os f r anceses e a f inesse de um piano. Também

bebe cachaça e envolve-se em discussões que acabam em br igas. Solt eir o at é

mor r er , não encont r a sua Carolina, como Machado de Assis; esporadicament e

abr aça ou se deixa abr açar por aquelas mulher es que as chamadas pessoas de

bempr ef er em olhar com cer t o asco. Sua visão acer ca do casament o é bast ant e

avançada par a a época.Em ger al, na nossa sociedade bur guesa, t odo o casament o

é uma decepção, escr eve na cr ônica Os uxor icidas e a sociedade br asileir a24. É, sobr et udo, uma decepção par a a mulher25, complet a. Lima Bar r et o não acr edit a

em f idelidade, em monogamia e muit o menos na indissolubilidade do casament o.

Vej amos o que diz a r espeit o:

Por economia de esf or ço sent iment al, por hábit o, pelas aquisições que a mar cha da sociedade t em t r azido à nossa “psique”, somos levados insensivelment e à monogamia e a viver dur ant e a vida t oda com uma única mulher ; mas não é ger al e não o pode ser , por não ser o espont âneo da nossa or ganização, quer a f isiológica, quer a psicológica. Est a ent ão é que r eage poderosament e sobr e a mulher par a levá-la ao adult ér io.26

24Toda cr ônica. Vol. I I . p. 471 25I dem.

(42)

Exist em t r ês espécies de casament o, conf or me Lima Bar r et o def ine na

cr ônica Procur em a sua J osef ina27. A pr imeir a é o de f or t una, a segunda o de

int er esse e a t er ceir a, o pr imit ivo (ou nat ur al). Ode f or t unaé quando se pr ocur a

na mulher o dinheir o, ao passo que o de int er esse é quando o homem vê na

mulher , pelo seu nasciment o ou por suas relações de f amília, um bom meio de

subir e br ilhar28. O pr imit ivo é ir onizado por Lima Bar ret o ao ser , em r aros casos, desej ado pelos homens, mas o é, sempr e, pelas mulheres. Fica dif ícil,

dessa f or ma, a um homem como Lima Bar ret o encont r ar umaCar olinano Br asil do

início do Século XX. J unt e a isso a f alt a de dinheiro no bolso, a condição de

mulat o, as despesas como ar r imo de f amília e o pr oblema de alcoolismo. Seu modo

de vest ir -se t ambém não se par ece nada com o de um dândi e não t em a

sobr iedade de quem se paut a pela f leuma. De vez em quando é r ecolhido a uma

casa de saúde ment al. Mulat o, alcoólico e louco. Todos os r equisit os par a não

encont r ar a esposa ideal e para dar er r ado no Br asil da Pr imeira República, a

qual, aliás, não vê com bons olhos.

Lima Bar r et o par ece t r azer , em seu f azer lit er ár io, um cer t o desleixo

gr amat ical. Um desleixo que se coloca f r ont alment e cont r ár io ao que cer t os

escr it or es da época quer iam que f osse a lit er at ur a, um sor r iso da sociedade ou

um manancial que f izesse per cor rer as límpidas águas do est ilo. Est udiosos de

nossa lit er at ur a como Manuel Cavalcant i Pr oença e Ant ônio Houaiss não vêem

Lima Bar r et o como um desleixado do ver náculo, como lembr a Fr ancisco de Assis

Bar bosa29. É admir ável o acer vo de palavr as, expr essões e modismos de

inspir ação nit idament e br asileir a, com que Lima Bar r et o enr iqueceu o por t uguês

do Br asil, acrescent a30. Cer ca de t r ês anos ant es de mor r er , Lima Bar ret o f oi

candidat o à Academia Br asileira de Let r as, na vaga deixada por Emílio de

27I bid. p. 441 28Obr a cit ada. p. 441

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