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O consumidor envergonhado: uma investigação das relações entre o sentimento de vergonha e os significados do consumo

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Academic year: 2017

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

O CONSUMIDOR ENVERGONHADO

UMA INVESTIGAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE O SENTIMENTO DE VERGONHA E OS SIGNIFICADOS DE CONSUMO

Tese apresentada ao Centro de Formação Acadêmica e de Pesquisa da EBAPE como requisito final para obtenção do grau de Doutor. Orientador Acadêmico: Prof. Dr. Eduardo André Teixeira Ayrosa.

JOÃO FELIPE RAMMELT SAUERBRONN

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV)

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS (EBAPE) CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA (CFAP)

CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

O CONSUMIDOR ENVERGONHADO

UMA INVESTIGAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE O SENTIMENTO DE VERGONHA E OS SIGNIFICADOS DE CONSUMO

TESE DE DOUTORADO APRESENTADA POR JOÃO FELIPE RAMMELT SAUERBRONN

E

APROVADA EM 31/03/2007

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Eduardo Aandré Teixeira Ayrosa

PhD em Administração

___________________________________________ Prof. Marcelo Milano Falcão Vieira

Ph.D. em Administração

___________________________________________ Profa. Sylvia Constant Vergara

Doutora em Educação

___________________________________________ Profa. Marie Agnes Chauvel

Doutora em Administração

___________________________________________ Prof. Sergio Carvalho Benicio de Mello

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Para Herbert, Regina, Luis e Maria com muitas saudades e muito orgulho.

Para Catarina e Frederico, meus queridos filhos que não têm vergonha de serem felizes.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Fernanda, que me deu apoio e compartilhou comigo todos os momentos dessa tese, na alegria e na tristeza. Fernanda me deu tudo e mais dois filhos queridos.

Agradeço aos meus pais Cristina e Guilherme e a Raffaela e Antonella, família querida e que mesmo seguindo suas vidas com muita determinação sempre me ofereceram tempo e carinho.

Agradeço ao meu orientador, Eduardo Ayrosa, pela condução nesse processo desde o mestrado e pela abertura ao mundo acadêmico. Pelas conversas, pelo suporte, pelas broncas, pela

disponibilidade permanente. Pela amizade.

Aos colegas e amigos da EBAPE, em especial Mariana, Isabel Sá, Isabel Cerchiaro, Fernando, Joaquim, Denise e Alessandra (que se propuseram a ler a versão final dessa tese. E leram!?!?

Muito obrigado!), Take, Rodrigo, Bill, Pepê. Pela amizade e pelo estímulo constantes. Pelos momentos inesquecíveis na sala dos doutorandos.

Aos professores da EBAPE, pelos momentos enriquecedores que ficarão para sempre. Em especial Marcelo Milano, Sylvia Vergara, José Antônio Puppim, Alexandre Faria. O meu muito

obrigado aos professores Deborah, José Antonio (in memoriam) e Luiz Alberto, que me trouxeram para a vida acadêmica e mudaram a minha vida. Aos funcionários da EBAPE, sempre prontos a nos ajudar com simpatia e boa-vontade, particularmente Joarez, Cordélia,

Ronaldo, Jose Paulo e Cássia.

Aos membros externos da banca examinadora, Sergio Benício e Marie Agnes Chauvel, pelo interesse na tese manifestado desde a qualificação através das contribuições e das colocações

precisas e pelo constante incentivo à vida acadêmica.

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RESUMO

O estudo das emoções no consumo é fundamental para a expansão do conhecimento da área de marketing. Pesquisadores de consumo de múltiplas tendências já perceberam a importância de se compreender mais profundamente os fenômenos emocionais associados ao consumo. Esta tese apresenta uma análise das relações entre o sentimento de vergonha e os significados de consumo. Utilizei uma abordagem de orientação sociológica, focada nas relações entre o indivíduo e o grupo na construção de seus sentimentos. Para poder penetrar no mundo dos sentimentos vividos pelos indivíduos, adotei uma perspectiva interpretativa para a pesquisa. Como conseqüência direta de minha opção epistemológica, foi necessária a utilização de uma abordagem metodológica capaz de alcançar os conjuntos de significados subjetivos dos indivíduos organizados dentro de um contexto social. Essencialmente, ficou demonstrado que o interacionismo interpretativo (DENZIN, 1989) ofereceu uma solução útil e consistente para os problemas de análise dos volumosos dados resultantes da abordagem qualitativa. A utilização do interacionismo interpretativo permitiu que eu permanecesse totalmente focado no fenômeno sob estudo devido às características progressivas ( step-like) da análise. Além disso, a abordagem adotada tornou possível o acesso às perspectivas dos participantes através de suas linguagens, atitudes e pensamentos. Como resultado, obtive uma interpretação mais rica e completa das relações de consumo que envolvem a vergonha. Foram construídos três casos que representam de forma abrangente as entrevistas capturadas. Estes três casos ofereceram indicações suficientes para a discussão acerca dos principais pontos levantados. Ficou claro que a vergonha pode agir de maneira a constituir e modificar o significado de consumo de bens e serviços e alterar a avaliação do consumidor com relação a estes. Além disso, o estudo da vergonha pode ter conseqüências práticas para o marketing uma vez que este sentimento está relacionado ao estímulo ou desestímulo do consumo, além de surgir como resposta para algumas experiências de consumo.

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ABSTRACT

Consumer researchers from multiple tendencies had already noticed the importance of understanding the emotional phenomena associated to consumption. Emotions are key components of the human behavior and help understand the consumer behavior as well. In my thesis I present an analysis of the relationship between the feeling of shame and the meanings of consumption. Following Bagozzi, Gürhan-Canli, and Priester (2002) proposal, I had adopted an approach focused on the social basis of emotions. Although people can experience emotions privately, some emotional responses emerge from interpretations triggered by social events. In order to access the feelings experienced by the individuals during consumption I had chosen an interpretative perspective for the research. As a consequence of my epistemological option it was necessary for me to use a coherent methodological approach. The interpretative interactionism had provided a very useful resolution to the problems of analyzing the voluminous data that results in a qualitative research. The use of the interpretive interactionism was very helpful not only during the data analysis but also during the writing process. Each chapter of my thesis present a phase of the method as proposed by Denzin (1989). I could remain fully focused on the phenomenon under study because of the progressive (step-like) character of the analysis. This method made it possible to reach the perspectives of the respondents through their languages, attitudes and thoughts. I had achieved a rich and complete interpretation of the consumption experiences related to the feeling of shame. Three cases broadly represent the data retrieved and present to the reader a close examination of the elements used on the interpretation process. It was clear that the feeling of shame could influence and change the meanings of consumption of goods and services and change the consumer evaluation about it. Such clarification can be useful to marketers and researchers interested in the unpredictability of the consumer behavior.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 10

VINHETA DE ABERTURA ... 14

1. INTRODUÇÃO ... 16

2. CONFIGURAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA TESE ... 20

2.1INTRODUÇÃOAODEBATEEPISTEMOLÓGICODAPESQUISA ACADÊMICAEMMARKETING ... 20

2.2UMACOMPREENSÃODOFENÔMENOEMOCIONALNOCONSUMO -COMOOMARKETINGTRATADASEMOÇÕES ... 23

2.3APRESENTAÇÃODAPROPOSTAEPISTEMOLÓGICADESTATESE ... 35

2.4APROPOSTADOINTERACIONISMOINTERPRETATIVO ... 38

2.4.1 A PERSPECTIVA DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO ... 39

2.4.2 OS CONSTITUINTES FENOMENOLÓGICOS DO INTERACIONISMO INTERPRETATIVO ... 43

2.4.3 O MÉTODO DO INTERACIONISMO INTERPRETATIVO ... 44

3. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ... 52

3.1RELEVÂNCIADOESTUDO ... 53

4. DESCONSTRUÇÃO ... 57

4.1DESCONSTRUÇÃODAVERGONHA ... 58

4.1.1 A ANTROPOLOGIA DA VERGONHA ... 63

4.1.2 A SOCIOLOGIA DA VERGONHA ... 64

4.2CONSUMOESIGNIFICADOS ... 66

4.3AVERGONHAEOSSIGNIFICADOSDECONSUMO-ESBOÇODEUMA TEORIADAVERGONHANOCONSUMO ... 70

5. CAPTURA, BRACKETING E (RE)CONSTRUÇÃO ... 77

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5.1.1 PRIMEIRA ETAPA DO PROCESSO DE CAPTURA E BRACKETING ... 82

5.1.2 SEGUNDA ETAPA DO PROCESSO DE CAPTURA E BRACKETING ... 85

5.2CAPTURA,BRACKETINGE(RE)CONSTRUÇÃO ... 89

CASO 1 Rogério e o deslocamento social ... 90

CASO 2 José, o Homem Funcional ... 94

CASO 3 Antonio, o bom consumidor ... 99

6. CONTEXTUALIZAÇÃO ... 104

6.1DISCUSSÕES ... 104

6.2SITUAÇÕESDECONSUMOENVERGONHANTES ... 115

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

VINHETADEENCERRAMENTO ... 118

7.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DESAFIOS DESTA TESE ... 119

7.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MÉTODO ... 122

7.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA VERGONHA NO CONSUMO ... 124

7.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA UTILIZAÇÃO PRÁTICA DESTA TESE PARA O MARKETING ... 127

7.5 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PROPOSTAS PARA ESTUDOS FUTUROS ... 128

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 130

ANEXO I - BREVE REVISÃO DAS PROPOSTAS METODOLÓGICAS DE TRABALHOS ANTERIORES ... 145

ANEXO II – ROTEIRO BÁSICO DE ENTREVISTAS – (ATÉ A QUINTA ENTREVISTA) ... 149

ANEXO III - ROTEIRO BÁSICO DE ENTREVISTAS – (APÓS A QUINTA ENTREVISTA) ... 151

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Jackson Pollock –“Convergence”, 1953... 12

Figura 02 – Modelo de Representação do Fluxo do Comportamento do Consumidor... 23

Figura 03 – Modelo Alternativo de Representação do Fluxo do Comportamento do Consumidor... 27

Figura 04 – O Modelo de Holbrook para as Emoções no Consumo... 28

Figura 05 – Etapas do Processo Interpretativo... 43

Figura 06 – Etapas de Pesquisa Consolidadas... 76

Figura 07 – Processo Integrado de Captura (duas etapas), Bracketing e (Re)Construção... 86

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Quadro Referencial - Cruzamentos Propostos Entre as Esferas

Individuais e Sociais do Consumo... 70

Quadro 02 – Perfil dos Entrevistados... 82

Quadro 03 - Etapas do Processo de Captura... 84

Quadro 04 - Sentimentos Ambíguos de Rogério com Relação ao Consumo –

Experiências de Consumo de Rogério Associadas ao Sentimento de Vergonha e Oposições Binárias Ligadas à Exposição do Consumo a Diferentes

Grupos... 91

Quadro 05 - Sentimentos de José com Relação ao Consumo - Experiências de Consumo de José Associadas aos Sentimentos de Vergonha e Orgulho e Suas Oposições

Binárias... 96

Quadro 06 – Antônio e o Consumo – Oposições Binárias Relacionadas ao Bom Consumidor... 101

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APRESENTAÇÃO

Entender como e porque os consumidores consomem não é um desafio atual. Desde o início foi uma preocupação dos economistas buscar adequar oferta e demanda, pois à medida em que se pudesse compreender o quê e quanto os consumidores demandariam estariam resolvidos os problemas de excesso ou carência de oferta (em nível agregado). A discussão sobre como os indivíduos compram e sobre as decisões das empresas frente a esses movimentos foi encontrar atenção mais particular no estudo da administração de empresas, mais especificamente na disciplina do marketing1. À medida que o corpo de conhecimento da disciplina de marketing foi sendo expandido, surgiu a preocupação de se observar o consumidor com mais atenção. A dedicação ao estudo do comportamento do consumidor revelou-se mais interessante e produtiva com a adição de conhecimento já desenvolvido em outras disciplinas, mais notadamente a psicologia, a sociologia e a antropologia. Desta forma, a disciplina do comportamento do consumidor, advinda do marketing, nasceu de maneira interdisciplinar, procurando acumular conhecimento sobre o indivíduo em sua vida de consumo.

Coincidentemente ou não, eu sou uma representação humana deste caminho, pois o trilhei em minha vida acadêmica. Graduado em economia, fui treinado desde cedo a dar mais importância ao nível agregado do consumo, mas sem desprezar as ciências sociais. Por sorte minha graduação foi realizada em uma escola que assume a

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economia muito mais como uma ciência social aplicada, do que como uma ciência a parte. De alguma maneira, a preocupação com a realidade social dos problemas econômicos esteve presente em minha formação e veio se revelar mais tarde quando busquei entender um pouco melhor o consumo durante o mestrado em administração pública.

Desde o curso de mestrado, meu interesse por estudos de consumo esteve ligado ao entendimento de como os indivíduos atribuem valor às coisas. Meus trabalhos sobre o consumo de esportes ou sobre o consumo das mulheres focaram o entendimento dos valores de consumo dos indivíduos. A cada trabalho concluído surgiam novos pontos a serem pesquisados. Havia sempre um componente a ser mais aprofundado e minhas interpretações a respeito do tema apontavam para a necessidade do entendimento das emoções associadas às decisões de consumo.

O estudo dos antecedentes emocionais de valores de consumo (apresentado inicialmente em Sauerbronn e Barros, 2005) foi o primeiro passo no caminho para alcançar o sentimento de vergonha. Ao trabalhar com as emoções envolvidas no consumo pude perceber que os consumidores assumiam a influência do sentimento da vergonha na formação de seus valores de consumo. A idéia de um sentimento condutor das relações sociais (lançada originalmente por Elias, 1990) pareceu bastante interessante a uma tese de doutorado. Estabeleci junto ao meu orientador Eduardo Ayrosa o desafio de entender as relações entre a vergonha, o consumo e o consumidor.

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Dada a restrita (e enviesada) literatura, surgiram minhas primeiras preocupações de doutorando: como poderíamos desenvolver um estudo sobre sentimento de vergonha e significados de consumo? Isto seria uma tese? Afinal, conforme foi muito bem assinalado por um amigo professor: “você vai mexer com ‘vergonha’, que está fora da administração, e que parece um polvo, com um pé na psicologia, outro na sociologia, outro na filosofia ...”.

Dificuldades apresentadas, desafios aceitos. Se a literatura da disciplina do marketing trata o sentimento da vergonha de forma superficial em listas de sentimentos, eu teria que navegar pelas diversas formas de outras disciplinas entenderem a vergonha para poder alcançar meu objetivo. Parti em busca de teorias que servissem a esta exploração e logo encontrei as obras de Elias (1990) e Heller (2003). O sentimento de vergonha era entendido dentro de um escopo social e meus estudos se voltaram para o aprofundamento desta visão. Encontrei a sociologia das emoções2, ramo da sociologia que desconhecia, e a partir desta disciplina encaminhei de maneira segura a minha proposta de aprofundamento da compreensão do consumo.

A sociologia das emoções ofereceu a base para o desenvolvimento de um conceito de sentimento de vergonha adequado para os estudos de consumo. Como resultado direto desta escolha foi necessário adotar um ponto de vista interpretativo3, que possibilitasse o aprofundamento do conhecimento sobre o sentimento da vergonha e o consumo.

2 A sociologia das emoções é um campo de estudo recente, mas reconhecido pelos sociólogos. Há,

contudo, aqueles que ainda não consideram a sociologia das emoções como um campo estabelecido, preferindo se referir aos problemas emocionais do indivíduo em sociedade como pertinentes à psicologia social. Esforços de alguns estudiosos (mais notadamente Susan Shott, Norman K. Denzin, Thomas Scheff e Theodore Kemper) têm sido bem sucedidos no sentido de consolidar o campo da sociologia das emoções.

3 O tratamento epistemológico: positivismo, pós-positivismo, interpretativismo. Pesadelos dos

acadêmicos de marketing não são tão graves aos pesquisadores de outras áreas das ciências sociais. A

academia de marketing ainda discute método como se existisse “o” método, enquanto outras áreas já

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VINHETA DE ABERTURA

Figura 01 – Jackson Pollock - “Convergence”, 1953. Fonte: http://www.globalgallery.com

Jackson Pollock foi o mais importante e famoso pintor norte-americano e criador do action painting. Esta técnica envolvia grande esforço físico do pintor que se dedicava a construir sua arte através da composição de camadas e mais camadas de cores colocadas em suas telas. Alguns consideram as obras de Pollock simplesmente uma grande confusão de tinta espalhada em enormes telas de pintura, mas outros olham com atenção e descobrem belos padrões e expressões de sentimentos através da sua mistura caótica de cores misturadas.

Em 1953, Jackson Pollock criou “Convergence”, o quadro reproduzido na figura

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quebra-cabeças foi considerado o mais difícil do mundo: não havia um assunto tradicional para ser recolocado em ordem e as pessoas não conseguiam entender a imagem contida na obra. Este quadro de Pollock refletia a imagem de sua familiar arte abstrata: uma cena multicolorida, sem ênfase em nenhum ponto e sem partes identificáveis em algum lugar da tela. Na verdade, há uma outra forma de construção na realidade do pintor inacessível para a racionalidade. Pollock costumava dizer que quando estava pintando era tomado de assalto e não estava consciente do que estava fazendo, como se a pintura tivesse uma vida própria.

A arte de Pollock inspirou meu trabalho de pesquisa durante o doutorado. Como pesquisador em busca de compreender as relações entre o sentimento de vergonha e o consumo, vivi o desafio de trabalhar com um tema tão complexo e, ao mesmo tempo, tão estimulante. Me coloquei mirando com atenção para meu quadro de pesquisa em busca de descobrir padrões em meio a sua desordem.

Parti para esta pesquisa com uma disposição muito maior para ser admirador do que ser cientista e, por conta disso, acredito que tenha conseguido perceber a beleza desta construção social, me embrenhando por entre suas camadas de cores sobrepostas, conhecendo um pouco mais a cada nova observação. Eu busquei convergência para meus pensamentos e tentei organizá-los nesta tese. Para Pollock, convergência é um processo unificador que elimina o caos e eu espero que ao fim desta tese o leitor consiga compartilhar comigo deste processo.

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1. INTRODUÇÃO

Os termos emoção, sentimento e afeto guardam diferenças entre si, apesar de serem utilizados muitas vezes de forma intercambiável. A origem etimológica do termo emoção vem do latim emotionen que significa pôr em movimento (derivado da junção das palavras ex– para fora – e motio– ação, movimento). Esta palavra foi herdada pelas línguas européias e passou a designar inicialmente agitação popular ou desordem, recebendo posteriormente o sentido de agitação da mente ou do espírito (STEARNS, 2004). Então, de maneira geral, emoção é aquilo que move o homem. Há, contudo, diferentes formas de se mover o homem e a discriminação destes estados de mobilização se dá a partir da definição de sentimentos (rótulos atribuídos a determinados estados emocionais). Os sentimentos são as manifestações específicas dos fenômenos emocionais e são distintos entre si. A suscetibilidade que o ser humano experimenta perante determinadas alterações do mundo externo ou em si próprio é o afeto, que pode ser positivo ou negativo (MOORE e FINE, 1992). Quando o indivíduo sente algo, o que ele demonstra são seus afetos.

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associados à satisfação do consumidor ou relacionados às respostas a estímulos de marketing. Na verdade, poucos esforços foram direcionados para uma explicação mais profunda da natureza complexa do processo emocional no consumo e para uma abordagem fenomenológica da resposta emocional associada ao consumo (BAGOZZI, GOPINATH e NYER, 1999).

O sentimento da vergonha também permanece relativamente inexplorado dentro da pesquisa de consumo (MATTA, PATRICK e MACINNIS, 2005). Este sentimento é uma expressão bastante singular de um grupo de sentimentos que envolvem a consciência de si (self-conscious) (LEWIS, 2004) e está presente em todas as culturas (ELIAS, 1991). A vergonha é um sentimento penoso associado à percepção de inferioridade ou incapacidade (MOORE e FINE, 1992) e pode surgir em situações de consumo.

Esta tese apresenta uma proposta de investigação da relação entre o sentimento de vergonha e os significados de consumo. O estudo da vergonha associada ao consumo pode ter conseqüências práticas para a área do marketing (e do comportamento do consumidor) uma vez que este sentimento está relacionado, em última instância, ao estímulo ou desestímulo do consumo. A vergonha pode agir de maneira a constituir e modificar os significados de consumo e alterar a avaliação do consumidor com relação a bens e serviços.

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social (PARKINSON, 1995). Desta forma, acredito que a utilização de uma perspectiva social das emoções e do consumo pode oferecer contribuições ao conhecimento sobre o consumo.

Minha posição epistemológica está alinhada à perspectiva de observação do sentimento de vergonha associado ao consumo. Esta posição traz conseqüências diretas sobre a forma com a qual tratei o problema e foi necessária a utilização de uma abordagem metodológica capaz de alcançar os conjuntos de significados subjetivos dos indivíduos organizados dentro de um contexto social. Essencialmente, a proposta de Denzin (1989) para o interacionismo interpretativo ofereceu uma solução útil e consistente para a organização da tese e para minha operação como pesquisador. O interacionismo interpretativo tornou possível o acesso às perspectivas dos consumidores através de suas linguagens, atitudes e pensamentos. Ao entender o indivíduo em ação e levá-lo a vasculhar seus sentimentos em situações de consumo, pude contar com mais recursos para a minha interpretação da vergonha no consumo. Como esta proposta parecia ser adequada, foi minha opção inclusive organizar a tese de acordo com as etapas propostas por Denzin (1989) para o interacionismo interpretativo.

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relevância deste estudo, tanto para a disciplina do marketing e seus praticantes quanto para os consumidores.

O capítulo 4 é uma revisão teórica e trata da desconstrução, sendo dividido em três seções. A primeira é dedicada a percorrer as múltiplas perspectivas a respeito do sentimento de vergonha e trazer este sentimento a uma base mais direta para o acesso do leitor. A segunda seção deste quarto capítulo trata de significados de consumo e tenta mostrar o que há por trás do ato de consumo. A última seção trata da conciliação entre vergonha e consumo e apresenta um quadro referencial para as relações entre o sentimento de vergonha e o consumo.

O quinto capítulo inclui as etapas de coleta e análise dos dados, a rigor pela proposta do interacionismo interpretativo, captura, bracketing e (re)construção. A característica reflexiva da pesquisa, onde coleta e análise se misturam é esclarecida neste capítulo. Para tanto, também são apresentados três casos representativos que buscam definir uma nova (re)construção sobre o sentimento de vergonha no consumo. De maneira intimamente imbricada, o sexto capítulo apresenta a contextualização do sentimento de vergonha no consumo a partir das experiências vividas. Ao fim procuro oferecer uma explicação de como o sentimento de vergonha se relaciona com os significados de consumo e realizo alguns comentários acerca de limitações desta tese e motivações para estudos futuros.

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2. CONFIGURAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA TESE

Com o objetivo de situar o leitor dentro de minha proposta, apresento inicialmente a configuração epistemológica da tese, de maneira a oferecer também uma orientação a respeito da abordagem metodológica proposta. Não quero, desta forma, declarar uma dedicação maior ao método, pois este não é meu objetivo. Mesmo não sendo a maneira mais ortodoxa de se compor um documento acadêmico, esta foi a forma com a qual me senti mais confortável em apresentar esta tese.

Em alguns campos do estudo da administração os pesquisadores parecem desfrutar de maior amplitude de opções epistemológicas e metodológicas. Esta pluralidade, contudo, não é vivenciada pelos pesquisadores de marketing (VIEIRA, 2000; SAUERBRONN e CERCHIARO, 2005). Desta forma, me parece necessário iniciar este capítulo com uma introdução ao debate epistemológica ainda presente na disciplina do marketing. Acredito que este caminho deixará o leitor oriundo de outras áreas sentindo-se um pouco mais próximo do que é discutido com relação à pesquisa acadêmica em marketing. Como conseqüência desta ambientação, surge a oportunidade para que eu apresente a proposta metodológica do interacionismo interpretativo que serve como estrutura para a tese.

2.1 INTRODUÇÃO AO DEBATE EPISTEMOLÓGICO DA PESQUISA ACADÊMICA EM MARKETING

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consumidor e torna-se tomador de decisões de consumo, os estudiosos de marketing ficam aflitos. Como num jogo de apostas, disparam seus instrumentos para medir, avaliar, construir modelos. Em parte, querem acertar sempre quais serão as escolhas do consumidor, pois as suas presunções científicas os permitem acreditar que serão capazes de estimular o consumidor a tomar determinadas decisões. Por outro lado, sabem que sempre haverá uma variável que escapará a seus processos.

Surge a (primeira?) inquietação do pesquisador de comportamento do consumidor: a determinação dessa variável imprecisa depende da capacidade do observador em se abster de seus instrumentos de medida e utilizar uma outra lógica cuja absorção negaria em parte os preceitos anteriores. O dilema do estudioso da área de marketing reside na sua limitada bagagem metodológica que não permite que ele vá muito longe, sob pena de se perder (para sempre!). Aceitar que existe algo que jamais será colocado em uma escala não faz parte do credo de muitos acadêmicos da área do marketing.

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quais não foram programados para captar e, por conseqüência, estes fatores deixarão de existir e a disciplina continuamente deixará de lado vários aspectos que podem ser importantes para ampliar a compreensão dos problemas relacionados às trocas entre compradores e vendedores (ZINKHAM e HIRSCHEIM, 1992; CHUNG e ALAGATARATNAM, 2001).

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A partir da observação alternativa dos problemas de marketing pôde surgir espaço para diversas formas de se entender e realizar pesquisa em comportamento do consumidor. A utilização de pontos de vista alternativos permitiu que diversas relações que não poderiam ser percebidas (ou aceitas) no passado fossem pesquisadas e trouxessem novas possibilidades para a compreensão do marketing. Conseqüentemente, novos problemas de pesquisa em marketing surgiram e isto tornou possível a consolidação da visão interpretativista dos problemas de consumo.

2.2 UMA COMPREENSÃO DO FENÔMENO EMOCIONAL NO CONSUMO - COMO O MARKETING TRATA DAS EMOÇÕES

No decorrer desta seção percorro os caminhos dos estudos das emoções dentro da disciplina de marketing. O leitor poderá perceber que o acervo teórico desta disciplina é apresentado de maneira descolada da cronologia do desenvolvimento da área, mas direcionada ao meu interesse – a partir do mainstream em direção a estudos com orientações alternativas. Acredito que a condução do leitor por estas páginas se torne mais segura dentro desta opção4.

Ao longo dos anos, os estudiosos de marketing têm se preocupado em gerar conhecimento que torne suficientemente consistentes as decisões dos praticantes da área. Desta forma, as pesquisas que exploram o comportamento de compra dos consumidores sempre pareceram mais interessantes e encontraram mais financiamentos e incentivos institucionais (HOLBROOK, 1985; BENTON JR., 1987). Os estudos sobre o comportamento de compra dos indivíduos procuram revelar preferências por características de produtos ou fatores determinantes para compra e consumo, contudo o

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foco destes estudos está nas decisões de compra e nas escolhas de marca, o que representa uma ampliação do domínio operacional em detrimento do domínio filosófico do marketing (BENTON JR., 1987). Tal linha de atuação construiu a reputação instrumental do marketing, o que é uma visão bastante restrita de seu campo (BROWNLIE et al. 1999).

Com o intuito de desenvolver estudos que servissem como apoio à tomada de decisão gerencial os pesquisadores de marketing encontraram na psicologia cognitiva amplas referências de atuação e, a partir de pressupostos desta disciplina, desenvolveram sólidas bases científicas para suas pesquisas. Comumente utilizada pelos pesquisadores da área, a figura do “homem-computador” é utilizada para explicar como o fenômeno emocional interfere no processo de tomada de decisão do homem (HOLBROOK e O´SHAUGHNESSY, 1984; HIRSCHMAN e STERN, 1999). Estendendo tal visão ao estudo do comportamento do consumidor, o ato de consumo é visto como séries de decisões racionais que se iniciam com o processamento informações que possibilitam a escolha de um produto e se transformam em decisões de compra.

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seriam independentes da capacidade cognitiva do indivíduo. De maneira conciliadora, Seamon, Brody e Kauff (1983) concluíram após a realização de alguns experimentos que os julgamentos cognitivo e afetivo são duas diferentes rotas pelas quais um estímulo pode ser acessado na memória. Estas contribuições foram importantes por que incentivaram o surgimento de abordagens alternativas à abordagem cognitivista e chamaram a atenção para a possibilidade de interação entre cognição e sentimentos.

A noção de um fluxo causal que caminha da cognição ao afeto e ao comportamento lançada por Howard (1969) domina a pesquisa sobre o comportamento dos consumidores e foi cooptada por inúmeros pesquisadores da área. Engel, Blackwell e Miniard (2000) propõem uma cadeia que começa com o processamento de informações, segue com a avaliação de alternativas e finaliza com a compra. As emoções são entendidas apenas a partir de suas manifestações externas, os afetos e consideradas exclusivamente como variáveis que auxiliam a compreensão das variações de escolhas de consumo. Toda a complexidade e variedade do fenômeno emocional são resumidas à representação do afeto e o comportamento do consumidor é concebido de forma muito restrita que se dá no sentido:

Figura 02 – Modelo de Representação do Fluxo do Comportamento do Consumidor

Fonte: Adaptado de Holbrook, 1986.

Utilizando estritamente a perspectiva da psicologia cognitiva, diversos estudos encontraram formas de modelar a relação cognição – afeto – comportamento. Batra e

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Silk (1984), Lutz, Mackenzie e Belch (1983) apresentaram propostas de respostas afetivas adicionais envolvendo as atitudes frente a anúncios como mediadoras interferentes entre a cognição no comportamento do consumidor. Ahtola (1985) e Batra (1985) propuseram a distinção entre os componentes hedonistas e utilitaristas do afeto, operacionalizando uma dupla influência afetiva, mesmo que submissa à capacidade cognitiva do indivíduo.

O método das ciências naturais foi trazido para as ciências humanas e possibilitou a criação de um suporte científico para a disciplina do marketing. Tendo em vista o projeto da disciplina do marketing em se tornar ciência, a construção de conhecimento na área acabou sendo obrigada a refletir esta demanda. Desta forma, modelos capazes de prever comportamentos e testes de relações tornaram-se o

mainstream da área. A adoção da perspectiva da psicologia cognitiva por parte dos pesquisadores da área foi uma conseqüência óbvia. Acadêmicos da psicologia passaram a encontrar melhores condições de pesquisa dentro de escolas de administração e reforçaram esta orientação da pesquisa acadêmica em marketing. De maneira respeitosa, a comunidade de pesquisadores da área aceita a perpetuação deste modelo de geração de conhecimento e auxilia na “defesa do território”. Constitui-se uma espécie de hierarquização do conhecimento, onde determinadas propostas (e métodos) têm mais importância do que outras, que são marginalizadas e tratadas como menos rigorosas e menos científicas.

A idéia de resumir o fenômeno emocional aos afetos diminui sobremaneira o papel das emoções no processo de consumo. Esta opção se dá por causa da maior facilidade de se trabalhar “cientificamente” com este conceito. Não desprezo o papel os

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simplificar demais o comportamento humano: a capacidade cognitiva do indivíduo o torna capaz de manifestar determinado afeto e um comportamento está associado a este afeto.

Os afetos são demonstrados externamente pelo indivíduo e são perceptíveis pelo próprio indivíduo e por terceiros e, desta forma, são mais facilmente transformados em dados quantificáveis. Dados quantitativos permitem avaliações estatísticas que capacitam o pesquisador a inferir probabilidades de determinados eventos ocorrerem. Segundo esta visão, também parece mais viável comparar as manifestações de afeto dos indivíduos do que seus sentimentos. Os sentimentos são internos e pertencentes ao mundo subjetivo e é muito difícil compará-los ou avaliá-los. Nem mesmo o indivíduo pode ter alguma certeza sobre seus próprios sentimentos. Além disso, é muito difícil para o indivíduo verbalizar seus sentimentos de forma clara ou classificá-los em uma escala de forma objetiva5. As dificuldades de se operar pesquisas fora do paradigma estabelecido na área afastam os pesquisadores de caminhos alternativos.

Sob o rótulo de sentimentos, uma ampla gama de aspectos emocionais se desenvolve dentro da mente dos indivíduos (SOLOMON, 2004; DIENER e LUCAS, 2004). A típica abordagem orientada para o desenvolvimento da base operacional do conhecimento de marketing apresenta, contudo, um conceito de emoção/sentimento que é limitada a: eu gosto x eu não gosto; é ruim x é bom; eu prefiro esta marca em relação a esta outra (BENTON JR., 1987; HOLBROOK, 1995) ou ainda: emoções positivas ou negativas (ESPINOZA e NIQUE, 2003 e 2004; LÁRAN e ROSSI, 2003) ou estados de tensão (COSTA e FARIAS, 2004) ou afetos negativos (ESPINOZA e ZILLES, 2004). Certamente esta visão pode ser útil para a área, uma vez que estes estudos servem de

5Alguns acadêmicos diriam: ‘estas manifestações inconscientes não nos interessam’, quando, na verdade

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orientação para as decisões operacionais de marketing, mas durante as experiências de consumo os indivíduos vivenciam muito mais emocionalmente do que isto, como defendem Holbrook (1995), Solomon (2004), Diener e Lucas (2004). Mesmo sendo os sentimentos tão relevantes para a compreensão do consumo, muito poucos estudos sobre as experiências de consumo e as emoções vivenciadas pelos consumidores foram desenvolvidos fora do paradigma estabelecido pela psicologia cognitiva.

Firat, Dholakia e Bagozzi (1987) distinguem compra e consumo e consideram as decisões de compra apenas uma parte da experiência de consumo, de maneira análoga a Holbrook e Hirschman (1982), Carù e Cova (2003). De acordo ainda com Ratneshwar, Mick e Huffman (2000) e Szmigin (2003), uma perspectiva mais ampla de observação e compreensão do consumo e dos fenômenos relacionados se torna mais clara quando o pesquisador se dedica ao enfoque da experiência de consumo. Desta forma, mesmo sendo a preocupação dos praticantes e gerentes, as decisões de compra não devem guiar a agenda de pesquisas sobre consumidores, conforme salienta Holbrook (1985) ao distinguir pesquisa de marketing – relevante para os praticantes, que deve refletir a perspectiva gerencial – e pesquisa do consumidor – que representa a perspectiva dos consumidores.

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Holbrook (1986) desenvolveu uma visão complementar à abordagem cognitivista da emoção no consumo. Com o intuito de propor um modelo mais amplo do que a representação cognição, afeto e comportamento, o modelo proposto envolve consciência, emoção e valor para a experiência de consumo. Desta forma, este modelo espera representar de forma mais ampla a natureza do comportamento do consumidor. Esta visão expandida é capaz de revelar a emoção como um ponto de sustentação da experiência de consumo.

Figura 03 – Modelo Alternativo de Representação do Fluxo do Comportamento do Consumidor

Fonte: Adaptado de Holbrook, 2006.

A conceptualização de Holbrook (1986) coloca a emoção como a ligação central de um sistema de interação de componentes que compreende um processo múltiplo e dinâmico representado pelo modelo consciência, emoção e valor, já mencionado. Ao confiar às emoções posição privilegiada dentro da construção de valores de consumo, Holbrook (1986) expõe de forma direta a sua percepção sobre a importância dos fenômenos emocionais para as experiências de consumo. A seguir, o modelo é apresentado de forma completa e seus componentes são explorados mais a fundo.

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Figura 04 – O Modelo de Holbrook para as Emoções no Consumo

Fonte: HOLBROOK, 1986.

Holbrook (1986) distingue entradas pessoais e entradas do ambiente, assim como Mehrabian e Russell (1974), mas o ponto diferencial deste modelo está no terceiro tipo de entrada, advinda da interação entre a pessoa e o ambiente. As entradas

pessoais compreendem as características gerais do consumidor, tais como características demográficas, sócio-econômicas, psicográficas, e os seus recursos, como tempo, energia, dinheiro (HOLBROOK e HIRSCHMAN, 1982). As entradas ambientais apresentam o contraste entre significado, um objeto, e signo, a unidade simbólica utilizada para designar este objeto (HOLBROOK, 1983). Estas entradas afetam o sistema na medida em que interagem, conforme representado na Figura 1 apresentada anteriormente.

Ao propor interações entre ambiente e indivíduo, e apresentar os significados e signos como fatores presentes nesta interação, o modelo de Holbrook (1986) aponta para uma direção diferente daquela mais freqüente na disciplina do marketing. As

Entradas Consciência Emoção Valor

Pessoa Interação Ambiente Caracteristicas Genéricas do Consumidor Recursos Situação Significado Estados de

Consciência Cognição

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emoções começam a ser entendidas como produtos das interações entre indivíduos e o ambiente social que os cerca. Esta perspectiva aponta para a ampliação do entendimento das emoções dentro das experiências de consumo e me fez procurar caminhos alternativos à visão interna ao indivíduo da psicologia, conforme apresento mais à frente.

A consciência do consumidor inclui não apenas as crenças sobre atributos de produtos, como no modelo cognitivista convencional, mas também uma variedade de fantasias, sonhos, pensamentos subconscientes e processos mentais inconscientes (HOLBROOK e HIRSCHMAN, 1982). A definição operacional de consciência utilizada por Holbrook (1986) é qualquer reação verbal ou não verbal a entradas de informação da pessoa, do ambiente, ou da interação entre pessoa e ambiente. A consciência precede e parcialmente determina a emoção dentro da experiência de consumo. Há uma relação de dependência entre emoção e consciência, mas não podemos deixar de observar o quanto as emoções podem afetar os processos perceptivos e a atenção que sustentam os estados de consciência.

Como construto central do estudo de Holbrook (1986) e fator mais interessante a este trabalho, a emoção, envolve um conjunto de componentes interativos dentre

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Para Holbrook (1986), o julgamento cognitivo (avaliação se o estímulo é positivo ou negativo) resulta em uma tendência (de aproximação se o estímulo for julgado positivo e de repulsa se o julgamento for negativo). Desta forma, os julgamentos cognitivos dos estímulos formam “rótulos” que são utilizados durante o processo de construção da experiência emocional.

Ainda assim, não pode ser negada a atuação das respostas fisiológicas, das

expressões comportamentais ou dos sentimentos em conjunto com a cognição. As

respostas fisiológicas são mudanças corporais que surgem como resposta a um estímulo e têm um papel bastante sensível na experiência emocional. As respostas fisiológicas a um determinado estímulo podem ser observadas a partir da atividade do sistema nervoso autônomo, aferida através da circulação sanguínea ou da transpiração do indivíduo, ou da atividade do sistema nervoso central e seus reflexos musculares ou a variação das ondas cerebrais.

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Conforme proposto por Holbrook (1986), o sistema que compõe a emoção inclui ainda um componente subjetivo e experiencial denominado sentimento. Este talvez seja o componente mais difícil de ser reconhecido pelos pesquisadores de marketing, justamente devido à sua subjetividade e à incapacidade humana de lidar com ela. Contudo, mesmo que seja difícil reconhecer o sentimento, não há dúvidas sobre sua capacidade de interação com os demais componentes do sistema emocional proposto neste modelo.

Durante a última etapa do modelo de Holbrook (1986) acontece a formação do

valor. Conforme apresentado, valor é uma experiência de preferência interativa e relativa e, partindo desta perspectiva, envolve a interação entre um sujeito (no caso, o consumidor) e algum objeto (um produto ou serviço). Tal experiência é relativa por ser comparativa, uma vez que é baseada na comparação entre objetos; é pessoal porque é diferente entre as pessoas; e é situacional, já que depende do contexto no qual a avaliação ocorre. O valor não pertence a um objeto, mas à experiência de consumo resultante de seu uso ou apreciação em determinado contexto social. Fica clara a interferência das emoções sobre a formação de valores de consumo na medida em que a atuação das emoções sobre os significados de consumo é explicitada de forma mais direta.

A perspectiva de Holbrook (1986) oferece alguns conceitos importantes para a proposta de compreensão do fenômeno emocional de consumo presente nesta tese:

(a) a centralidade da emoção dentro da experiência de consumo;

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(c) o conceito de emoção envolvendo sentimentos e cognição; (d) o sentimento como componente subjetivo experiencial;

(e) a interação do indivíduo com o ambiente como fonte de significados; e

(f) a idéia de valor de consumo como interativo, relativo, pessoal e contextual.

As indicações de interações entre experiências de consumo, indivíduo, emoções e ambiente social é particularmente interessante, pois indicam um caminho alternativo para pesquisa em consumo. Além disso, esta é uma indicação que fortalece a orientação deste trabalho em percorrer a compreensão do fenômeno emocional de consumo a partir de uma perspectiva mais próxima da sociologia. A clara relação entre ambiente social, emoções e valor de consumo apresentada por Holbrook (1986) dá suporte à tese de que há interferência das emoções nos significados de consumo (e, por conseguinte, nas formas de se valorar o consumo).

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Os sentimentos detêm uma grande parte de sua origem construída socialmente e não são simplesmente dadas em nossa constituição biológica. Apesar de deter alguma base biológica, as emoções incorporam uma grande parte de aprendizado que ocorre socialmente e que é moldado pela sociedade. O medo, por exemplo, não é só a sensação de frio na barriga, este sentimento envolve considerações sobre o perigo e sobre a origem e a capacidade deste perigo (SHOTT, 1979). A sociedade molda as crenças e expectativas dos indivíduos de muitas formas que são relevantes para as emoções (KEMPER, 1981; DENZIN, 1983). É a partir da capacidade de interação com o meio social que as pessoas aprendem, por exemplo, porque determinados eventos podem ser interpretados como amedrontadores, quais medos podem ser consideradas importantes e qual deveria ser o comportamento emocional do indivíduo em resposta a esta ofensa (NUSSBAUM, 1997).

A perspectiva utilizada nesta pesquisa pressupõe a construção social das emoções no consumo. Isto não significa a rejeição da perspectiva da psicologia cognitiva, mas uma abordagem complementar dedicada à percepção do fenômeno emocional de consumo a partir das interações entre o indivíduo e o ambiente sócio-cultural que o cerca. Os sentimentos devem ser vistos não só como expressões de processos internos, mas como complexos multidimensionais (pensamento, sentimento e ação) ou modos de comunicação culturais incorporados que surgem de relações de poder e interdependência (STURDY, 2003).

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capacita a estarem disponíveis para influenciar e serem influenciados por este mundo. Os significados das expressões humanas não são fixos e dependem das formas de organização das relações entre a expressão e o contexto no qual ocorrem. O significado de toda expressão humana é contextual e depende de certas categorias de interação humana (GARFINKEL, 1967; SCHEFF, 1990).

Surge a necessidade de se buscar um caminho que seja capaz de capturar e analisar os valores e significados emanados do mundo social. O consumo carrega uma série de símbolos e significados que dificilmente seriam percebidos e analisados sem a utilização de um método qualitativo de pesquisa com orientação interpretativista. A realidade em que estão inseridos os consumidores é socialmente construída e isto significa que o instrumento de pesquisa proposto precisa ter recursos capazes de compreender uma série de eventos e esforços oriundos das construções sociais que envolvem trocas entre consumidores e vendedores. Tais eventos não serão captados sem a participação direta do pesquisador, o que põe por terra o pressuposto positivista de afastamento. Os pressupostos positivistas não são adequados para este tipo de problema e podem ser inadequados para resolver outras questões similares.

Ao procurar observar experiências de consumo e as formas através das quais o sentimento da vergonha interfere na construção de significados de consumo, a proposta deste trabalho encontra na construção social da realidade (BERGER e LUCKMAN, 2004a e 2004b) e na perspectiva da sociologia das emoções (SHOTT, 1976; KEMPER, 1981 e 2004; DENZIN, 1983 e 1984; HOSCHILD, 1979) o arcabouço necessário para a exploração das relações de consumo.

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independentes da apreensão que o indivíduo tem deles e que se impõem a sua apreensão. A realidade da vida cotidiana aparece já objetivada, independente da participação do indivíduo. É neste ponto que a linguagem ganha importância, pois é utilizada na vida cotidiana como fonte dos significados dos objetos e determinante da ordem em que os objetos adquirem sentidos. Por conseguinte, é através da linguagem que a vida cotidiana ganha significado para o indivíduo: a linguagem marca as coordenadas da vida do indivíduo na sociedade e enche esta vida de objetos dotados de significação (BERGER e LUCKMAN, 2004a).

A opção pela observação dos fenômenos emocionais de consumo a partir de uma abordagem social se manifesta viável à medida que o fenômeno emocional é entendido desta forma por alguns pesquisadores das emoções. Partindo dos conceitos de Schott (1979), Hochschild (1979) e Kemper (1981), que enfatizam o componente social das emoções, Denzin (1983) propõe uma definição que engloba diferentes áreas, priorizando a característica interacional do fenômeno: “emoção é um processo social, interacional, lingüístico e fisiológico que busca seus recursos no corpo humano, na consciência humana e no mundo que rodeia a pessoa” (p.404). Para Denzin (1983), as

emoções não são apenas respostas a fatores fisiológicos, culturais e sociais, elas são processos interativos que podem ser mais bem entendidos como ações que envolvem o

self e outras interações. Esta abordagem desloca o foco de análise do fenômeno emocional para uma abordagem mais próxima da sociologia.

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repertório epistemológico (e metodológico) se reflete em sua produção e no descompasso entre o desenvolvimento da disciplina e os problemas aos quais se depara (HUDSON e OZANNE, 1988; BROWNLIE et al. 1999, no Brasil: CASOTTI, 1998). Ao incorporar novas propostas metodológicas em seu repertório, a pesquisa acadêmica em marketing pode alcançar novos horizontes, tornando-se capaz de gerar um corpo teórico próprio. Isto posto, a perspectiva do desenvolvimento de teorias de consumo nacionais próprias ganha ainda mais relevância. Assim, apresento a seguir a proposta metodológica a ser utilizada neste trabalho: o interacionismo interpretativo.

2.4 A PROPOSTA DO INTERACIONISMO INTERPRETATIVO

O interacionismo interpretativo é uma proposta metodológica voltada para os problemas vividos pelos indivíduos no mundo das experiências e seus contextos sociais. A sua denominação exibe seus antecedentes: o argumento do interacionismo interpretativo parte do interacionismo simbólico de Blummer e procura conciliar esta proposta à perspectiva interpretativa da fenomenologia associada à hermenêutica, criando, assim, estudos que fazem sentido para o mundo pós-moderno da experiência humana (DENZIN, 1989). Seu desenvolvimento parte do pressuposto que as ações humanas se dão em direção ao outro, com o outro e a partir do outro, em processos mútuos que resultam nas experiências interacionais mediadas por símbolos e pela linguagem. A partir das interações entre indivíduos passam a surgir relações entre os objetos e seus significados e estes significados sobrepostos passam a compor um repertório de sentidos para os objetos de acordo com os contextos das interações.

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baseados nas suas interpretações, nas suas interações sociais e nas formas com que estas pessoas constroem uma ordem social negociada e acordada. Para Denzin (1989), os indivíduos não só respondem ou se adequam ao mundo social, mas também podem contribuir para a sua construção.

Existem muitas abordagens interpretativas relevantes para a pesquisa social e, por conseqüência, para a pesquisa sobre consumo. Na verdade, o uso do interacionismo interpretativo ainda está restrito à estudos nas áreas de saúde (MOHR, 1997; ANDRADE e TANAKA, 2001), educação (WILLIAMS, 1997) e serviço social (DENZIN, 1987 e CHO, 1987), mas pode ser mais uma opção para o pesquisador da área na medida em que opera sobre determinadas condições que podem ser interessantes para alguns problemas de pesquisa da disciplina. As características deste método são muito bem desenhadas por Denzin e cabe à próxima seção apresentar as origens e particularidades desta proposta metodológica.

2.4.1 A PERSPECTIVA DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO

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Seguindo o trabalho de outros teóricos da Escola de Chicago, Blumer foi o responsável pela posição metodológica adotada pelo interacionismo simbólico e se tornou figura central para o desenvolvimento de ações empíricas baseadas nesta perspectiva. O princípio básico do interacionismo simbólico propõe que qualquer esquema social humano orientado empiricamente deva respeitar o fato de que, em primeira e última instâncias, a sociedade humana é constituída de pessoas engajadas em ações. O interacionismo simbólico dá conta da natureza da sociedade humana e da vida humana em grupo e dentro desta perspectiva, os grupos humanos são formados por seres humanos engajados em ações. Estas ações consistem em múltiplas atividades que os indivíduos realizam em suas vidas enquanto se encontram uns com os outros e lidam com a sucessão de situações a que são confrontados. Assim, os grupos humanos ou sociedades existem em ação e devem ser observados em termos de suas ações. A vida em grupo pressupõe necessariamente as interações entre membros do grupo ou, posto de outra forma, uma sociedade consiste de indivíduos interagindo.

A conformação da proposta metodológica do interacionismo simbólico surge do desconforto de Blumer frente ao modo com o qual as ciências sociais e a psicologia social tratavam as interações humanas. Para ele, as interações sociais desempenhadas pelos indivíduos detinham importância fundamental para a compreensão dos fenômenos sociais e deveriam ser contempladas pelas ciências sociais. Assim, Blumer considerou três premissas básicas para sua proposta:

1) os seres humanos agem sobre os objetos com base nos significados que aqueles objetos têm para eles;

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3) os indivíduos lidam com os significados e os modificam através de um processo interpretativo utilizado pela pessoa ao lidar com as coisas que encontra.

Parece claro como o processo de significação e ressignificação acontece no mundo do consumo, afinal, um produto como o automóvel pode assumir diversos significados para os consumidores, desde o simples meio de transporte até a explicitação de uma opção de vida. Decerto, o universo de consumo é um universo eminentemente simbólico que guarda importância fundamental para os significados de vida dos indivíduos (BELK, 1985; BAUDRILLARD, 1991).

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Dentro da perspectiva interacionista, os significados emergem do processo de interação entre pessoas. Conseqüentemente, o significado de um objeto se constrói a partir das ações de outros indivíduos sobre um indivíduo que considera o objeto: as ações dos demais definem a coisa para o indivíduo (BLUMER, 1998). Blumer propõe que os significados dos objetos são produtos sociais formados a partir das atividades executadas pelas pessoas em suas interações com outros indivíduos.

Enquanto o significado das coisas é formado no contexto das interações sociais e deriva da pessoa envolvida nesta interação, o uso do significado pela pessoa envolve um processo interpretativo dividido em duas etapas: a indicação do indivíduo a si mesmo das coisas sobre as quais ele age; e a interpretação. A primeira etapa envolve um processo social internalizado onde o ator interage consigo mesmo. Durante a interpretação o ator seleciona, checa, reagrupa e transforma os seus significados à luz da situação em que está inserido e da direção de sua ação. Este é um processo formativo no qual os significados são usados e revisados como instrumentos de formação e direcionamento das ações.

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2.4.2 OS CONSTITUINTES FENOMENOLÓGICOS DO INTERACIONISMO

INTERPRETATIVO

A fenomenologia surgiu no final do século XIX, como uma tentativa de desvelamento do inexplicável, do subjetivo e do irracional, tendo o filósofo Husserl como fundador. Do ponto de vista ontológico, para Husserl o mundo é experiencial e o subjetivo é a fonte de todas as objetividades (BURRELL e MORGAN, 1982). Assim, o fenomenologista não deve se preocupar com as realidades factuais, mas sim com a questão central do significado, da essência do fenômeno. Desta forma, julgamentos e pressupostos são colocados de lado, permitindo que o pesquisador possa descrever e clarificar a estrutura essencial do “mundo real” através da meditação sobre a essência da experiência (GOULDING, 1999; CARVALHO e VERGARA, 2002). A fenomenologia Husserliana é baseada no questionamento do senso-comum e das atitudes pré-concebidas, em busca das essências dos fenômenos.

O interacionismo interpretativo adota a posição de Heidegger e não parte de considerações sobre um eu abstraído do mundo externo e da comunidade humana, mas sim a partir da experiência cotidiana: a vida cotidiana é a vida do indivíduo. A fenomenologia de Heidegger suspende, assim, o exame dos determinantes subjacentes às crenças das pessoas, para procurar descrever as implicações, as intenções e os efeitos daquilo que os indivíduos dizem, fazem e acreditam que seja verdadeiro (GOULDING, 1999).

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a redução do sentido cotidiano das palavras faz com que os significados implícitos sejam revelados. Os elementos essenciais da linguagem são a expressão e a significação, mas a expressão por si só pode ser insuficiente como qualificação: o significado é associado aos fonemas da palavra (ANDRADE e TANAKA, 2001). Por conseguinte, é através da linguagem que a vida cotidiana ganha significado para o indivíduo: a linguagem marca as coordenadas da vida do indivíduo na sociedade e enche esta vida de objetos dotados de significação (BERGER e LUCKMAN, 2004a).

A proposta metodológica do interacionsimo interpretativo fica mais clara quando se trata de sua operação. Assim, dedico a seção seguinte para tratar da operacionalização da proposta do interacionismo interpretativo, descrevendo suas etapas e procurando situar o leitor para o caminho que adoto em seguida à apresentação deste método.

2.4.3 O MÉTODO DO INTERACIONISMO INTERPRETATIVO

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sua volta de forma particularmente crítica: os conceitos e questões básicos que o investigador traz ao estudo são parte da pesquisa. Estes conceitos e questões determinam a forma com a qual teremos uma compreensão antecipada sobre o objeto-problema. Todo questionamento é guiado antecipadamente pelo o que é observado.

A pesquisa interpretativa começa e termina com a biografia e o self do pesquisador (DENZIN, 1989) e depende de suas habilidades de participação, entrevista e escuta. A preparação do pesquisador é necessária para o processo interpretativo, mas não é suficiente para a construção de uma pesquisa de caráter interpretativo uma vez que cada perspectiva metodológica possui características próprias. A operacionalização metodológica do interacionismo interpretativo compreende seis etapas, que são interdependentes.

Formulação do Problema de Pesquisa

Desconstrução

Captura

Bracketing (redução fenomenológica)

(Re)Construção

Contextualização Figura 05: Etapas do Processo Interpretativo

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O primeiro passo é a formulação do problema de pesquisa e é determinante para a adequação e o sucesso do processo de pesquisa. Ao formular o problema de pesquisa o pesquisador tem de considerar as características do problema, da forma que lhe é revelado e suas convicções científicas. O interacionismo interpretativo tem uma proposta direta de atuação: examinar como (e não porque) experiências problemáticas são organizadas, percebidas e construídas pelos indivíduos em interação e como são construídos os significados associados a estas experiências. O pesquisador procura descobrir como a ação problemática (ou evento) em questão age sobre a organização e a construção de significados para as pessoas estudadas (DENZIN, 1989).

A utilização da proposta do interacionismo interpretativo pode ser interessante para os estudos de consumo por ser uma nova forma de tratar os problemas de consumo. Quando a perspectiva de entendimento do mundo do consumo é alterada, surgem problemas diferentes que exigem visadas diferentes. Assim, ao se deparar com novas perspectivas de pesquisa, o pesquisador pode contar com um suporte metodológico para estudar como os consumidores se apropriam dos significados sociais das mercadorias e simultaneamente os constroem. Tal proposta pode levar a uma expansão da compreensão sobre o consumidor e resultar em novas teorias mais adequadas inclusive à realidade relacional brasileira.

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A desconstrução lida com as formas as quais o fenômeno foi tratado no passado, mas é necessário que o pesquisador trate do fenômeno na situação presente para que seu estudo tenha sentido. Desta forma, o pesquisador precisa localizar e situar o que está sendo estudado dentro do mundo social e capturar o fenômeno em questão. Esta etapa tem função equivalente à revisão de literatura, mas inclui uma visão crítica que desafia a racionalidade e objetividade dos estudos realizados previamente. Descontruir significa percorrer o texto além de sua sonoridade metodológica. Significa mostrar que sua história pode ter sido ocultada ou excluída, apontar quais vozes foram impedidas de se manifestar, mostrar as oposições hierárquicas nas quais o texto está construído e examinar tanto o que foi falado, quanto o que foi deixado de lado (MOHR, 1997).

A captura, o passo seguinte, envolve a coleta de casos múltiplos e histórias pessoais que incorporem o fenômeno em questão e a localização das crises e epifanias nas vidas das pessoas estudadas. Assim, devem ser obtidas dos sujeitos em questão múltiplas histórias pessoais e auto histórias que envolvam o tópico investigado. Alguns momentos experienciados pelos indivíduos são únicos, marcam suas histórias de vida e atuam na configuração de seus arranjos de compreensão do mundo, suas racionalidades e emoções. Estes momentos colocam o indivíduo frente a seu mundo, reconstruindo-o e dando-lhe novos formatos a partir das novas interações presenciadas e suas relações com os resultados das interações anteriores. Tais momentos são as epifanias.

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Freqüentemente, estes momentos marcantes são experienciados como problemas pessoais que se tornam assuntos públicos posteriormente. Com a constituição de uma sociedade baseada no consumo, como propõem Douglas e Isherwood (2004) e Baudrillard (1991), as experiências individuais ou coletivas que ocorrem em situações de consumo passaram a ter importância central na vida dos indivíduos.

A partir da interpretação das epifanias de consumo eu busquei compreender os consumidores, seus sentimentos e as estruturas daí formadas. Para que isto fosse possível, durante a captura procurei conduzir as entrevistas de forma a extrair dos indivíduos entrevistados suas epifanias. Como resultado, consegui construir descrições mais detalhadas e profundas das vivências de consumo dos indivíduos entrevistados.

Durante a captura, o pesquisador tem de ser capaz de construir uma descrição densa das experiências coletadas junto aos indivíduos. Conforme proposto por Denzin (1989), a partir do conceito de Geertz (1989), a descrição densa procura resgatar os significados e experiências que ocorreram em situações no campo e capturar as interpretações que as pessoas dão aos eventos que foram registrados. O objetivo é reportar as interpretações da forma com que elas foram apresentadas durante a interação e assim, estabelecer as bases para uma interpretação densa. Muito mais do que descrever uma situação acessada, os elementos participantes e os interesses envolvidos nos fenômenos, a descrição densa procura deixar explícitas todas as estruturas superpostas, referências e implicações, através das quais o pesquisador pode compreender o fenômeno de forma mais completa.

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operar tanto na superfície quanto nas profundezas, em nível micro e macro: a tarefa é produzir descrições detalhadas que dêem conta das experiências vivenciadas pelos indivíduos.

Ao construir descrições detalhadas das experiências de consumo vividas, tem início o Bracketing ou redução fenomenológica. Nesta fase, o fenômeno é tratado como texto (ou como documento) e é confrontado em seus próprios termos, distante dos termos em que é interpretado na literatura existente. O fenômeno é retirado do mundo no qual está inserido e dissecado, de forma que seus elementos e estruturas essenciais sejam revelados, definidos e analisados.

O pesquisador atua como um fotógrafo que, por não ter certeza sobre qual a melhor regulagem de sua câmera para a obtenção de uma foto, estabiliza o aparelho e saca diversas fotos do mesmo objeto ou cenário. Cada foto, contudo, é tirada com uma configuração diferente da máquina, o que resultará em diversas leituras diferentes daquele objeto ou cenário. Ao comparar os resultados obtidos, o fotógrafo encontra a foto que melhor reproduza o cenário real, e pode até combinar várias fotos para obter os contrastes reais da imagem. Esta figura serve para definir o bracketing, o momento em que o pesquisador coloca o fenômeno sob séria inspeção.

O bracketing6 permite que o pesquisador liste os elementos constituintes de um fenômeno e proponha uma (re)construção do fenômeno a fase seguinte. O

6 É importante realizar uma distinção entre a proposta de bracketing levada a cabo por Denzin (1989) da

proposta original de Husserl. O bracketing, ou epoché, como define Husserl, é o momento em que o pesquisador coloca o fenômeno sob séria inspeção. A redução fenomenológica de Husserl (epoché), como propõe Thiry-Cherques (2004), consiste em explicitar o objeto tal como manifesto (noema) de uma determinada forma (noese). Assim, a realidade é “colocada entre parênteses”, as crenças, preconceitos ou

Imagem

Figura 01 – Jackson Pollock - “Convergence”, 1953.  Fonte: http://www.globalgallery.com
Figura 04  – O Modelo de Holbrook para as Emoções no Consumo
Figura 06: Etapas de Pesquisa Consolidadas  Fonte: Adaptado de Denzin (1989).
Figura  07  –  Processo  Integrado  de  Captura  (duas  etapas),  Bracketing  e  (Re)Construção
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Referências

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