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Homenagem: Evaristo de Moraes Filho

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Academic year: 2017

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onsiderado um livro clássico na fronteira de várias áreas de conhecimento, O Problema do Sindicato Único no Brasil

trafega com brilho entre as vi-sões da sociologia do trabalho, o Direito do trabalho e, mais especiicamente, a história social do trabalho. Isso porque é um dos primeiros livros a discutir uma questão central: a organização sindical brasileira. É um texto pioneiro, fundador e tem desempenhado um papel muito importante para uma grande parcela de especialistas das disciplinas que se dedi-cam à questão do trabalho no Brasil.

A primeira edição de O Problema do Sindicato Único no Brasil é de 1952, ou seja, completou cinqüenta anos há pouco. A segunda edição data de 1978 – e não casualmente. Ambas aparecem em momentos muito ricos do ponto de vista político e também da história dos trabalhadores. A primeira foi publicada durante o segundo governo de Getulio Vargas, sendo que naquele momento – especialmente a partir de 1953, quando o Ministério do Trabalho era ocupado por João Goulart – o país assistira a uma arti-culação e a uma participação maior dos sindicatos na vida política brasileira.

A edição seguinte acontece em 1978, quando vivíamos no Brasil exatamente

outro momento marcante, da rearti-culação do movimento sindical. Rear-ticulação a partir de greves e de uma movimentação que desembocará na formação tanto da Central Única dos Trabalhadores (CUT), como do Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse sentido, é um momento de nascimento e explosão do novo sindicalismo como uma forma de resistência ao regime militar. Então não é casual que a segunda edição desse livro seja publicada em uma ocasião tão signiicativa para a história do Brasil – es-pecialmente para a história dos trabalha-dores e do movimento sindical.

Na verdade, O Problema do Sindicato Único no Brasil foi escrito como uma tese de concurso para a então Universidade do Brasil, que mais tarde se transformará na Universidade Federal do Rio de Janei-ro, da qual o professor Evaristo participou até o período do regime militar, quando foi cassado e obrigado a deixar a univer-sidade. No momento em que foi escrito, o trabalho era muito inovador por discu-tir a questão da organização sindical – e não apenas a brasileira. O livro é dividido em duas partes – em uma, é discutida a questão da organização sindical de uma forma geral: o que são os sindicatos; por que eles se organizam nas sociedades mo-dernas; como eles devem ser entendidos

como instituições, como uma forma de organização de grupos de interesse.

O professor Evaristo trabalha em uma linha histórico-sociológica, discu-tindo exatamente as questões do sindi-cato – com uma literatura nacional e internacional. Nesse sentido, é um tra-balho muito bem fundamentado, com diversas notas.

A segunda parte do livro trata da questão do sindicato no Brasil. E aí o professor Evaristo trabalha bastante em uma dimensão histórica, porque ele vai acompanhar o que seria a trajetória da organização sindical brasileira da Proclamação – no período Republica-no – até o momento de elaboração da Constituição de 1946. Embora o livro tenha sido publicado em 1952, foi es-crito no período próximo à elaboração daquela nova Constituição que era, evidentemente, fundamental – como todas as Constituições que são produto de debates, de Assembléias Nacionais Constituintes – mas, sobretudo, por estar encerrando o período do Estado Novo, portanto, de um governo ditato-rial, um Estado de força. O professor Evaristo está exatamente nesse mo-mento de abertura e redemocratização do país, colocando essa trajetória do movimento sindical como algo

funda-A ORGfunda-ANIZfunda-AÇÃO

SINDICAL SEGUNDO

EVARISTO DE

MORAES FILHO

por Ângela Maria de Castro Gomes

Além de ser uma obra clássica,

O Problema do Sindicato Único

é um livro que volta a ter grande

centralidade para pensarmos as questões do movimento sindical hoje

H O M E N A G E M

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mental para entendermos a histórica política brasileira.

E o que é interessante no livro – e foi particularmente interessante para mim – é que nesse momento a geração não dispunha de uma literatura como a que há hoje. Eu entrei em contato com esse livro para fazer minha dissertação de mes-trado, que foi defendida em 1978, ou seja, no ano em que a segunda edição foi pu-blicada. Portanto, a primeira vez que li o livro foi em sua primeira edição. Mas para mim o conhecimento desse livro foi mui-to importante porque, após trabalhar com ele, eu conheci o professor Evaristo, mais ou menos à mesma época. Eu o conheci em São Paulo, em um seminário onde apresentaria o meu trabalho. Ele era um convidado muito especial que falaria para o movimento sindical e para os acadêmi-cos que trabalhavam com esse assunto. E estava lá com a

legitimi-dade e os méritos de um pioneiro na área, de um autor importante.

Eu o conheci nessa oportunidade, em que ele foi – e continua sen-do – muito gentil: o pro-fessor inclusive aceitou escrever um prefácio para o livro resultante de minha dissertação. Foi uma imensa honra

para mim e, desde então, mantive con-tato com ele.

Questão social, caso de polícia

Quanto à importância do livro para mim, especialmente – e entendo que para outros de minha geração –, é que nesse período duas teses eram muito vi-gentes (e de certa forma ainda são, pois não estão inteiramente afastadas do que se diz do campo da história e da sociolo-gia do trabalho). Uma delas é uma idéia muito repetida: praticamente, a questão do trabalho, a questão social passou a ter existência após 1930. Ou seja, du-rante os anos da primeira República a questão do trabalho era um caso de polícia e ponto inal. A segunda idéia é que a legislação trabalhista foi uma dá-diva de Vargas. E o professor Evaristo é um dos autores que já em 1950 estavam dizendo que não fora bem assim. Que os trabalhadores estavam se organizan-do durante a primeira República. Que

havia demandas e que já existia uma legislação do trabalho sendo discutida.

Para mim foi fundamental porque essa era uma das minhas teses centrais, tanto na dissertação de mestrado, como na tese de doutorado, que se seguiu – que também resultou em um livro, A Invenção do Trabalhismo, publicada em 1989. Portanto, uma tese em que traba-lhei no período dos anos 80. Defendi a idéia de que o movimento de organiza-ção sindical dos trabalhadores era um elemento fundamental para entender o processo de construção de leis do traba-lho no Brasil, juntamente com a partici-pação do Estado, com a participartici-pação dos patrões – sem dúvida nenhuma – mas que os trabalhadores também foram atores daquele processo. E a perspectiva de que a legislação fora uma doação do presidente Getulio Vargas, de que nada

existia a não ser um caso de polícia antes de 1930 – essa perspectiva foi bem articu-lada e divulgada como idéia do próprio governo Vargas, especialmente do perí-odo do Estado Novo, pós 1937.

Então esse livro de Evaristo de Mo-raes Filho foi particularmente impor-tante por causa dessa possibilidade de me embasar e me mostrar que pelo me-nos um autor importante e pioneiro dis-cutia essa questão. Portanto, não estava sozinha – e estava até muitíssimo bem acompanhada – ao procurar desenvol-ver essa tese e aprofundá-la no que dis-sesse respeito à questão da organização de uma legislação do trabalho no Brasil e as suas relações com a organização do movimento sindical.

Unicidade sindical e as centrais

Também é interessante lembrar que, ao discutir a questão da organização sin-dical brasileira, o livro mostra que ela tinha um modelo corporativista. Que uma das bases fundamentais desse

mo-delo era que o sindicato fosse único – ou seja, que cada categoria de proissional se organizasse na base em um único sindicato. Então ferroviário, bancário, marítimo, cada categoria tem um único sindicato. E o professor Evaristo endossa essa proposta, ele está discutindo a ques-tão do governo Vargas e questionando inclusive essa idéia da doação da legis-lação – mas também está defendendo essa forma, esse elemento fundamental que marca a organização sindical brasi-leira: a unicidade sindical pela base.

É bom lembrarmos que esse ponto continua existindo em nossa legislação até hoje. Mesmo na Constituição de 1988, quando mais uma vez a questão da organização sindical foi discutida e o problema da unicidade foi colocado em pauta e que ela pudesse ser questionada e até mesmo eliminada – que o modelo pudesse passar a ser da pluralidade sindical –, isso não ocorreu. Como também não ocorreu nenhum tipo de transformação mais recentemente – aí me reiro inclusive às idéias de uma reforma trabalhista do próprio governo Lula.

Recentemente tive-mos debates a respeito de questões que envolveram a organi-zação sindical no Brasil – mais preci-samente, que envolveram a extinção ou manutenção do chamado imposto sindical. O modelo de organização sin-dical fundado na unicidade é uma peça estratégica exatamente para a existên-cia desse imposto. Basta imaginarmos que, se o sindicato não fosse único, seria preciso disputar esse imposto na base. Há pouco assistimos a uma mu-dança dessa estrutura sindical no que diz respeito à cúpula.

No modelo original não poderia ha-ver centrais, não era possível reunir tra-balhadores de várias categorias em uma única instituição de cúpula sindical. Por exemplo, poderia haver a reunião de to-dos os marítimos, de toto-dos os bancários – mas não os marítimos junto com bancá-rios ou com ferroviábancá-rios. Não era possível ter o que chamamos de centrais sindicais – houve outros nomes e tentativas de or-ganização de centrais, claro, antes das

Corria a idéia de que antes de 30

a questão do trabalho era só um caso

de polícia e a legislação fora uma dádiva

de Vargas. Evaristo já em 1950 dizia

que não era bem assim

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que existem hoje. Mas isso era proibido por lei, embora muitas vezes existisse na prática. Aliás, como aconteceu no Brasil recentemente. As centrais – e mais de uma, no caso – já existem há mais de dez anos, praticamente há vinte anos e não legalmente, digamos, não previstas pelo modelo de organização sindical. Agora não, agora estão reconhecidas e previstas, portanto, legais.

Mas esse reconhecimento, que signi-icou uma pluralidade na cúpula, não mudou a base da organização sindical. O sindicato dos ferroviários, por exemplo, pode escolher a central W, P ou Z – são várias. Mas um ferroviário não tem esco-lha porque para ele só há um sindicato. E ele também não tem escolha e contribui por meio do imposto sindical para esse sindicato – obrigatoriamente, sendo ele ailiado ou não ao sindicato. Então foram mantidos alguns elementos que são cen-trais na montagem do modelo corporati-vo que já vem do período dos anos 30 e 40. E evidentemente não se mantiveram por questões de acaso, mas porque são de altíssimo interesse de lideranças sindicais – tanto de sindicatos, como de centrais, como de federações. E é preciso também enfatizar: não só de sindicatos de traba-lhadores, mas igualmente patronais. Isso porque é muito o dinheiro que vem dessa cobrança compulsória. Então na hora de acabar com o imposto sindical – o que signiicaria muito provavelmente atingir a unicidade – ele não acaba.

Um texto fundamental

Não houve mudanças entre os tex-tos das duas edições de O Problema do Sindicato Único no Brasil. O professor Evaristo escreve um posfácio onde faz algumas observações sobre o contexto em que escreveu o livro, além de pe-quenas correções – nada que possa ser considerado fundamental. Ou seja, ele mantém o texto do livro, o que é bom no sentido de que a obra manteve, por-tanto, as características do momento de sua produção nos anos 50. E, como todo livro clássico, nós relemos com tanto mais proveito quanto sempre relemos com os olhos do momento que estamos vivendo, das questões que a história po-lítica do Brasil e que o movimento sin-dical estão nos fazendo pensar.

Não trato aqui de O Problema do Sin-dicato Único por acaso. Além de ser um clássico e de ter sido fundamental para minha formação intelectual, esse livro volta a ter grande centralidade para pen-sarmos as questões do movimento sindi-cal hoje. E, especialmente, no que diz respeito a esses pontos tão duros que vêm dos anos 30 e 40, e que talvez o imposto sindical traduza da maneira mais para-digmática possível, para o bem – se é que há algum bem nisso – e para o mal.

Considero o professor Evaristo um intelectual ímpar, um exemplo que não teremos mais pela simples razão de que os campos de conhecimento se trans-formaram e a formação dos intelectuais

também muda. E, portanto, ele é um autor, um acadêmico, homem de um momento da história do pensamento social e político brasileiro. É desses homens que, por sua ética e sabedoria, têm o respeito de pessoas de áreas como o Direito; ao mesmo tempo, certamente é um dos mais festejados e respeitados autores da sociologia e da história social do trabalho no Brasil.

Ângela Maria de Castro Gomes é pro-fessora da Universidade Federal Flumi-nense e pesquisadora do Centro de Pesqui-sa e Documentação de História Contem-porânea do Brasil (FGV/CPDOC), onde coordena o Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. Este texto é transcrição de entrevista con-cedida à repórter Camila Mamede.

O advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho seguiu trajetória brilhante no exercí-cio da profissão. Nasceu no Rio de Janeiro em 5 de julho de 1914, filho de Antônio Evaristo de Moraes e Flávia Dias de Mora-es. Iniciou a vida escolar em 1921, ingres-sando na Escola Pública Nilo Peçanha, em São Cristóvão, onde concluiu o curso primário. Em 1925 entrou para o Ginásio 28 de Setembro, formando-se no curso secundário em 1932 – escolhido orador da turma. No ano seguinte, decidido a seguir a profissão do pai, entrou para a Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde Universidade do Brasil e, atualmente, Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro. Teve como profes-sor o notável Pontes de Miranda e, como colegas de turma, o historiador José

Ho-nório Rodrigues e Alzira Vargas, filha do presidente Getulio Vargas. Casou-se com Hileda Flores de Moraes, com quem teve dois filhos, Regina Lúcia de Moraes e An-tônio Carlos Flores de Moraes. Em 1939, matriculou-se na recém-criada Faculdade Nacional de Filosofia. Doutorou-se em Di-reito (1953) e em Ciências Sociais (1955). Durante a ditadura militar atuou na defesa de presos políticos. Em 1993, defendeu o ex-presidente Fernando Collor de Mello, absolvendo-o da acusação de corrupção – um dos seus casos mais célebres. Ocupou diversos cargos no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, onde se destacou na elaboração de legislação trabalhista, ten-do siten-do autor e relator ten-do Anteprojeto ten-do Código do Trabalho. Também foi membro da Comissão Afonso Arinos para redigir o

Anteprojeto da Constituição Brasileira. Em 15 de março de 1984 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, na su-cessão de Alceu Amoroso Lima, tomando posse a 4 de outubro daquele ano. Entre a vasta obra deixada pelo imortal desta-cam-se os títulos Profetas de um Mundo Que Morre, História do Positivismo no Brasil, Rui Barbosa e a Questão Social, Fundamentos do Direito do Trabalho, As Relações Humanas na Indústria e O Mé-todo da Ciência do Direito. O advogado fez parte de diversas entidades culturais no Brasil e no exterior. Entre outras hon-rarias, recebeu as medalhas Rui Barbosa (1949), Clóvis Beviláqua (1959), Mérito do Trabalho (1964), Teixeira de Freitas (1984), Mérito da Magistratura (1967) e Ordem do Rio Branco (2002).

A trajetória do jurista e acadêmico

Referências

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