RES UMO: A identificação projetiva foi concebida com o m odalida-de básica da com u n icação in con scien te. O trabalh o retom a esta prim eira form ulação para exam inar o papel prim ordial da com uni-cação na construção da m ente, segundo Klein e, de outro lado, do aparelho psíquico do Projeto para um a psicologia ( 1895) , em que Freud reserva a com unicação para o lugar de origem do trilham ento m nêm ico do desejo inconsciente.
Pa lavra s - c h ave: Pulsão, identificação projetiva, com unicação.
ABSTRACT: On com m unicat ion: betw een Freu d ( 1 8 9 5 ) an d Klein ( 1 9 4 6 ) . Projective iden tification w as con ceived as a prototype m ode of unconscious com m unication. The review of its first for-m ulation perfor-m its the investigation of the pivotal role of cofor-m for-m u-n icatiou-n iu-n th e cou-n stru ctiou-n of th e Kleiu-n iau-n m iu-n d au-n d, ou-n th e other hand, of the psychic apparatus as depicted in Freud’s Project ( 1895) w here he assigned com m unication to the original starting point of the m nem ic trajectory of the unconscious desire. Ke y w o rds: Drive, projective identification, com m unication.
S
e for julgado pelo alcance dos conceitos, o título “Acerca da com unicação. Entre Freud ( 1895) e Klein ( 1946) ” é, cer-tam ente, pretensioso. No elo a ser investigado visam os apenas alguns aspectos das noções envolvidas e, na ausência de m e-lhor opção, decidim os preservá-lo.A identificação projetiva abrange, na tradição kleiniana, um largo escopo de elem entos, entrelaçados entre si e que se unem em várias ordens ( descritiva, operacional e conceitual) . Já a idéia de com unicação sequer atingiu, em Freud, a notorie-dade de um conceito e, salvo nossa ignorância, a atenção a ela enquanto processo ou fenôm eno não ganhou m aiores con-siderações, com a exceção de m enções esparsas. Nossa inten-Psicanalista,
m em bro do Departam ento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae; professor no Program a de Pós-graduação em Psicologia e pesquisador do Centro de Psicanálise, am bos na Universidade São Marcos, SP.
ção não é de devolver-lhe a dignidade de um conceito ou restabelecer seu papel enquanto m oção propulsora de um processo, ao nosso ver central, que rege a construção do aparelho psíquico. Pretende-se, aqui, focar, no referido processo, aquilo que pode vir a lançar algum a luz sobre a “penum bra de associações” que cerca, no Projeto, de 1895, o tem a da com unicação. E isto, só na m edida que perm ite enxergar a relevância do processo de identificação projetiva no seio da prim eira apreensão de Freud em relação às condições de origem da com unicação entre sujeitos. Para tanto, restringirem os o espectro dos usos em pregados da noção da identificação projetiva.
KLEIN (19 4 6 ): A COMUNICAÇÃO NA IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA
Operacionalizar a teoria, m ostrar seu uso na prática clínica e, assim , pretender com prová-la porque descreve e explica seqüências clínicas ou um determ inado fenôm eno psíquico são, apesar da contradição nos term os, feições característi-cas de certa m aneira de exposição do trabalho analítico.1 Freud, ao dedicar um a série de escritos à técnica analítica, não deixou qualquer vestígio de sem elhante m odo de procedim ento. Suas “recom endações aos m édicos”, assim com o ou-tras sugestões técnicas espalhadas ao longo de sua obra, visam alertar sobre o que seria preciso e prudente evitar, m ais do que em itir qualquer juízo sobre com o aplicar ou operacionalizar conceitos. Um a coisa é descrever fenôm enos clínicos utilizando-se de conceitos, outra coisa é operacionalizar conceitos di-retam ente.
A identificação projetiva tornou-se, sobretudo a partir da contribuição de Paula Heim ann acerca da contratransferência ( 1950) , o exem plo insigne da referida tendência de operacionalizar elem entos da teoria. Contudo, é a própria descoberta deste processo com o operação — e isto duplam ente ( tanto no pró-prio mundo interno quanto fora dele, sobre e para dentro da m ente de um outro) — e seu contexto, que fornecem a justificação de tal prática. O universo m ental kleiniano foi m atizado, a partir de certo m om ento, em um a espécie de sede de várias séries de operações. A identificação projetiva e as fantasias inconscientes, subjacentes a ela, passaram a definir o cam po transferencial ( a “situação to-tal”) . O sujeito está, na acepção kleiniana, tanto acionado pelas fantasias in-conscientes — cujo palco alterna-se entre o seio, o ventre ou corpo m aternos — com o age no interior das m esm as, apesar de as fantasias serem todas articu-ladas, ou seja, desde o início da obra kleiniana, em torno do com plexo edipiano.
1 Consideração que é conexa ao questionam ento, levantado desde as controvérsias dos anos 40
As fantasias inconscientes kleinianas inscrevem -se concretamente em vários níveis — tanto afetivo quanto ideativo — , todos expressando pré-concepções ( Bion) que as m ontagens instintivas, predom inantem ente as de m orte, abrigam dentro de si.2 Essas características, entre outras, são conhecidas. O intuito em retom á-las objetiva deslocar a atenção das m odalidades operativas da identificação projetiva para sua prim eira form ulação, sua descoberta, que a situou m enos na ordem de um a operação — seja no interior do psiquism o seja no em prego técnico que passou a ter — e m ais com o processo im inente ao desenvolvim ento m ental. O que se aproxim a da circunscrição, feita por Bion, sobre a existência de um a identificação projetiva realista ou norm al enquanto expectativa ou apelo para e dentro de um outro — m odo básico de com unicação ou conhecim ento que ele articulou, tam bém , em torno de conhecidas im agens figuradas no par com ple-m entar conteúdo/ continente.
No artigo “Notas sobre alguns m ecanism os esquizóides” ( 1946) , Melanie Klein introduz a identificação projetiva em m eio a um a retom ada esquem ática de suas idéias e descobertas em relação à gênese do sujeito — nas defesas que desenvolve e os estágios que alcança e atravessa ( ela os reorganiza em novo contexto) . Esses surgem e resultam da articulação possível da violência que os instintos exercem sobre um ego “não integrado” dos inícios ( concepção que ela tom a em prestada de Winnicott) . Violência contrabalançada em parte por um a quota m enor, e portanto m enos expressiva, da libido, responsável pela instauração do objeto “bom ” e a conexa e dialética contribuição do últim o para a paulatina e progressiva integração do ego. Apesar do esforço em postular relações de objetos, de objetos bons e m aus, desde o início da vida, Klein se recusa a reduzir o desenvolvim ento do ego ao sim ples jogo introjetivo-projetivo de relações provenientes do object- seeking ( busca-objeto) de Fairbairn. Não há dúvi-da de que, em bora m antivesse, com o pano de fundo, as relações im plícitas aos estágios de desenvolvim ento da libido — segundo Abraham , porém sob a pró-pria m arca de suas idéias iniciais ( o apogeu do sadism o, etc.) — além do acervo atuante, de cunho edípico, da fantasia inconsciente que lhes é conexo, a intenção, neste m om ento ( KLEIN, 1946) , é recolocá-los num a nova ordem : de construção, desenvolvim ento e funcionam ento do ego ao longo do eixo consti-tuído pelas posições em m eio às quais ela descreve a em ergência de vivências entrelaçadas às operações defensivas do ego, próprias ao m undo das fantasias, prefiguradas nos conteúdos e m ontagens dos instintos.
2 A “ tentativa” de controlar ( o analista) , tão acentuada em trabalhos e escritos kleinianos,
Nas N otas, Klein m antém em suspenso, ou em purra para os bastidores, a concepção de relações de objeto enquanto m odalidades do decurso psicosse-xual da libido tais com o elaboradas por Abraham nas pegadas de Freud; não m ais insiste em que o desm am e é o m om ento de disparo das fantasias incons-cientes. As relações de objeto existem , segundo ela ( 1946) , desde o com eço, o que certam ente assinala um desvio do m odelo inaugurado por Abraham . Klein lança m ão de um arrazoado, descrito no plano fenom enológico, que discorre sobre as vicissitudes econôm icas e dinâm icas dos afetos inconscientes e sua organização em torno e, ao m esm o tem po, ao longo do eixo evolutivo de posi-ções psíquicas ( a intuição sobre as quais ela vem adquirindo desde 1934) . Entretanto, a fundam entação teórica da identificação projetiva não provém di-retam ente deste plano m as se nutre de um contexto m etapsicológico3 que ela pre-cisa, na intenção de servir de base e fonte de origem do alcance e form ação das posições e de processos subjacentes — sem pre conduzidos, fom entados e, so-bretudo, im ersos no bloco de fantasias inconscientes, enunciadas desde o início da obra kleiniana.
Postula, no início da vida, um ego não integrado, confrontado com a vio-lência do instinto de m orte e que, portanto, acarreta ansiedades psicóticas. O enfoque, aqui, é m ais no ego do que nos instintos e nas ansiedades que geram : a não-integração prim ordial do ego o expõe, m ediante a ação do instinto de m orte, a duas tendências diam etralm ente opostas, integração e despedaçam ento, que se alternam um com o outro. As três operações defensivas, entrelaçadas um a na outra — cisão/ fragm entação do ego, idealização/ onipotência ( com a conexa fuga para o “bom ” objeto) e a denegação da realidade psíquica ( persecutória) , encontram sua razão de ser no esforço da m anutenção da frágil integração do ego ante a força do instinto de m orte. O fracasso no esforço de reunião e integração do ego ( pela libido e a correlata visada do “bom ” objeto) , leva à fragm entação do objeto e do ego. Mas resta ainda, ao ego, o recurso da busca de in tegração através d a identificação n o co n tin en te d en tro d o q u al as p ar tes despedaçadas do ego foram expelidas ou projetadas.
Além de incluir os elem entos relativos à fantasia inconsciente assim com o todas as dim ensões dinâm icas, psicológicas e fenom enológicas e suas finas e notáveis elaborações em torno de configurações clínicas, com o o controle ob-sessivo e as inibições na criatividade e no luto, o consagrado trabalho de 1946 nos perm ite, neste recorte m etapsicológico, depurar o desenho básico da co-m unicação inerente à identificação projetiva: a coco-m unicação decorre da
identi-3 Restrinjo novam ente o term o para a definição encontrada no livro Inconsciente ( FREUD, 1915)
ficação própria à tendência narcísica de integração que o ego incipiente deses-pera-se em resgatar em m eio às am eaças desintegradoras do instinto de m orte que o obriga à fragm entação e à projeção das respectivas partes expelidas. Trata-se, obviam ente, de um estado fusional e narcísico. Entretanto, a m oção integradora se apoia nas forças de reunião da libido e em torno do objeto “bom ”. Por outro lado, Klein atribui aos ciclos incessantes, de projeção/ ataque e identificação, da posição esquizoparanóide, a aproxim ação progressiva do sujeito ao conflito, ou seja, à percepção de que o alvo diz respeito ao m esm o objeto sobre o qual o ego se apóia enquanto objeto “bom ” para sua consolida-ção. A culpa gerada perm ite a entrada na posição depressiva.
Essa seria a dim ensão m ais global do indício desta tendência do ego à integra-ção que, aliás, não im plica, sem pre e necessariam ente, um a condiintegra-ção precária que conduz o ego à identificação projetiva. Entretanto, observe-se com o a coerên-cia do arrazoado apresentado por Klein prescinde do efeito com unicativo exerci-do pela identificação projetiva — aspecto que passou ao prim eiro plano nas considerações feitas a este conceito na herança kleiniana. Nas N otas, tudo se passa no nível ontogenético — um processo no qual as identificações projetivas dar iam lugar, progressiva e paulatinam ente, à consciência depressiva — ao passo que, nas descrições posteriores ( com o as de Bion) , qualquer atividade de identificação projetiva, m esm o no caso obtuso de fenôm enos bizarros ( o olho que espia o sujeito de dentro de um gram ofone) com unica, ou seja, abriga a de-m anda de ude-m a ação por parte do objeto. Apesar da Klein não indicar esta pos-sível via de apelo, pode-se supor que a m oção integrativa do ego equivale a um a busca de coesão, através da identificação, alhures ( à distância, dentro do objeto) . Tendência criada e inscrita nas relações internas que com põem o “m isterioso” ego incipiente, organizadas, quem sabe, em torno de necessidades, inerentes ao estado de desam paro no qual se encontra este ego incipiente.4 Mas, surge im e-diatam ente a questão relativa à natureza do desencadeamento que tal apelo provo-ca no objeto, naquele que serve de receptáculo desta identifiprovo-cação projetiva. O texto de Melanie Klein não levanta essa questão e tam pouco um a possível resposta.
ORIGENS DA COMUNICAÇÃO NO PROJETODE UMA PS ICOLOGIA
Cinqüenta anos antes, Freud, em 1895, colocara a com unicação no ponto de origem daquilo que considera a unidade básica do m undo psíquico: o traçado m nêm ico do desejo. Ao se referir à ação específica solicitada pela urgência pulsional, ele observa:
4 Em vista das conhecidas operações psíquicas descritas por Melanie Klein, as m odalidades de
“O organism o hum ano é, no início, incapaz de efetuar esta ação específica que não pode ser realizada sem um a ajuda alheia, e sem que um a pessoa sensível ao estado da criança,
esteja pronta a atendê- la neste m om ento [ grifo nosso] . A pessoa é alertada por um a
descar-ga desencadeada pela via das alterações internas. Esta via adquire com isso a função secundária de extrem a im portância, de com unicação, e o desam paro inicial do ser hum ano torna-se, assim , a fonte originária de todos osm otivos m orais.” ( FREUD, 1895/ 1966, p. 318)5
Antes de discorrer sobre a com unicação, vale explicitar o projeto do eu em que Freud a situa: Freud não postula, com o Klein, um eu incipiente, subm etido desde os prim eiros estágios de desenvolvim ento às tendências alternantes de integração e despedaçam ento, regidas pela ação dos instintos. Para ele, o eu é para ser construído com o conseqüência indireta da ação específica. O eu do Projeto se constitui à im agem de um a rede com plexa de inscrições de memória ( recalcada) de vivências de satisfação e de dor. Qual é a origem e o caráter dessas inscri-ções? São trilham entos, precipitados de vivência. A ação específica, despendida com as exigências pulsionais, com preende um a interação com plexa: as descar-gas sensoriais e m otoras, de início em desordem ( o choro e o espernear) , ad-quirem , com a ajuda alheia da ação específica ( a am am entação, por exem plo) , formas reflexivas junto ao corpo do outro. Form as reflexivas, em m eio à dor de anseio e a descarga de prazer de satisfação, dotando o sujeito de im agens de movimento ( Freud) de si, significando a apropriação da vivência. A retenção — função secundária, em contraposição à prim ária ( da descarga pulsional; cf. cap. I, parte I do Projeto) — tributária da im perm eabilidade parcial da transm issão de energia que m ove a exigência pulsional, perm ite o desenho, a facilitação: registro do que ocorre no meio, entre o im pulso e a satisfação. O psíquico nasce pois com o um desvio da pura necessidade, lá onde ( nas interfaces dos corpos) chegam as “notícias” ( FREUD, 1895) de obtenção de prazer, m otor e sensório — na interação, no “brincar” dos corpos. As im agens de m ovim ento são essas se-m entes da instauração daquilo que Freud designara, se-m ais tarde, de referências auto-eróticas m ediadas pelos “ m ovim entos” do corpo, psíquicos, da m ãe.6 O que im plica que novas necessidades pulsionais seguirão a rota das vias de facilitação estab elecid as. Ou seja, as p u lsõ es acen d erão , co m o alu cin ação
5 Cap. XI, “ Vivências de satisfação” , parte I do Projeto.
6 A diferen ça é qu e o au to-erotism o do in ício dos Três ensaios sobre a sexualidade ( 1 9 1 5 ) , é
( percursora do pensam ento) , não o tão propalado seio da acepção kleiniana m as as vivências correspondentes, as im agens de m ovim ento. São essas que regem a alucinação de desejo.
No Projeto, a rede am pliada dessas experiências constituirá o estofo recalcado do eu em construção. Vale notar, então, que o eu não se desenvolve, em Freud de 1895, a partir de um pressuposto ego inicial. O eu se constitui na expansão da rede de precipitados de experiências com o objeto, possibilitando canalizar, em parte, as m oções das necessidades pulsionais em vias de desejo, am pliadas, através da dor e da frustração do real, no pensar. O que nos perm ite voltar, após essa revisão sum ária, à questão da com unicação.
Se a com unicação se encontra no ponto de origem deste processo, a questão é quem com unica, já que o eu nasce com o conseqüência da com unicação? Freud é m uito claro, aqui: é o desamparo de origem que comunica. Com unicação que desen-cadeia um a via de alterações internas no adulto. O desam paro, porém , faz suspei-tar da existência de um eu que sofre deste estado. Entretanto, esta lógica, psicoló-gica, deve ser m antida em suspenso.7
Interessante com parar essa fina distinção freudiana com as observações de um notável psicanalista, D.W. Winnicott: o bebê, recém -nascido, não tem com o lidar com as pulsões pois as sente com o violência vinda de fora, a ser contida e utilizada só com o estabelecim ento dessa grade psíquica que Winnicott deno-m ina de relações do eu ( WINNICOTT, 1958/ 1965) , construídas em m eio à adequa-da providência de cuiadequa-dados m aternos. As pulsões em anam , diz Freud, de células nucleares, situadas fora do grupo psíquico ( Manuscrito G, 1895) . Este últim o se constitui pelos registros de vivências prim árias de satisfação, correspondentes às relações de eu de Winnicott [ novam ente, trata-se do “conjunto da vivência” ( Freud) e não de saciação da necessidade] . Winnicott entende o psíquico com o “ elabora-ção im aginativa... da vivência física” ( 1949/ 1958, p. 411) , assem elhando-se, no Projeto, à transform ação, m ediada pelo objeto, de sensações — oriundas da descarga ( de prazer) m uscular e sensória — em im agens de m ovim ento.
E, para voltar à com unicação no Projeto, surge a seguinte pergunta: o que do desam paro convoca a sensibilidade atenciosa do adulto? Com o? Freud precisa, no decorrer da prim eira parte do texto de 1895, que não é o desam paro em si que desem penha tal papel m as vários aspectos associados e decorrentes das vivências de dor. Um a introdução se faz aqui necessária quanto à econom ia da dor: ape-sar de Freud distinguir, no prim eiro m om ento, as vivências de dor das de satis-fação, as prim eiras não são desvinculadas m as fazem parte das cadeias do arco
7 O suposto ego dos inícios não é um eu psíquico sobre qual instauração Freud esforça-se em
com plexo que com põe as últim as. As exigências pulsionais, assim com o outros estím ulos, sensórios e objetais, que se abatem sobre o lactente, constituem , de ponto de vista econôm ico, um excesso. O que na vivência, isto é, no contato, signi-fica dor. A dor desperta algo que diverge, sutilm ente, da tendência de descarga, do princípio de prazer. A dor provoca, segundo Freud, a fuga: o recuo (Projeto) — o desinvestim ento e o recalcam ento ( Cap. VII de A interpretação dos sonhos) . Tendência essa, de retração — tributária de um a im perm eabilidade parcial — , de conten-ção da descarga, perm ite o arm azenam ento da experiência em trilhas energéticas: traços m nêm icos da vivência de satisfação.
O contato na dor da violência ( pulsional, sensória e objetal) dispara, então, o encadeam ento dos prim eiros trilham entos, inscrições, junto à ação específica proporcionada pelo adulto. A ação específica é m ediada, porém , pela comunica-ção: a percepção da dor nos m ovim entos desordenados que acom panham o grito do bebê tem , segundo Freud, o valor de simpatia, propiciando a identificação; desper-ta, no adulto, um a via regressiva, rem etendo-o e fazendo-o voltar sobre as pe-gadas de origem de seu próprio grito e desam paro de outrora.8 A com unicação é esta incitação e disparo do reviver, rêverie ( Bion) , identificação ( em patia, Freud) ou preocupação prim ária ( Winnicott) . Adquire-se tal função em prol de sua aliança com a origem , com o disparo prim eiro, de outrora, das pulsões do próprio adulto. A aliança do desam paro com a com unicação é o que designa-m os de hudesigna-mano-origedesigna-m , diz Freud, dos designa-m otivos designa-m orais.
Contudo, a dim ensão com unicativa, o hum ano, tem um a função auxiliar, secundária, segu n do Freu d, em relação ao psíqu ico, à in scrição da vivên cia. A com unicação serve de escada para esse outro plano, o psíquico, que, para Freud, diz respeito a um a apropriação do corpo, conseqüência de registro da vivência durante, isto é, ao longo do arco reflexo em que se executa a ação específica.
A descarga de prazer, m otora e sen sór ia, ú n ica passível de facilitação, de trilham ento, é coextensiva e concom itante à apropriação reflexiva junto ao outro das im agens de m ovim entos do próprio corpo. O que acrescentará ao valor da em patia o da sustentação, do holding com em orativo ( na voz e no brin-car) : presença figurativa ( Winnicott) . Percursor do que, no conhecim ento do “outro sem elhante” ( Freud) , im pregna as percepções dos m ovim entos do outro com distinto valor ( além do em pático) : o imitativo,9 reflexivo, auto-erótico ( im a-ginativo e representativo) e, portanto, pré- e inconsciente, porque constitui um desvio do referido plano da com unicação. Com o term o imitação Freud designa certa ressonância, fruto da evocação pré e inconsciente, a partir da percepção dos “m ovim entos” ( em oções, fala, m ovim ento) do outro, com o se os últim os
fossem indícios que “m e tom am num lem brar-se de vivências parecidas”; um em barque num a via regressiva que, desta vez, não diz respeito às vivências de dores oriundas dos prim eiros disparos pulsionais m as aos palcos, im agens de m ovim entos, das vivências de satisfação.
INTERVALO: S OBRE O US O DO TERMO COMUNICAÇÃO
Estas considerações revelam que, se for analisada sob o enfoque term inológico, a idéia de com unicação pode adquirir sentidos até m esm o opostos. Privilegia-m os o vértice genealógico, ePrivilegia-m que a coPrivilegia-m unicação brota do valor originário de apelo, deslocando-se e evoluindo, com o trabalho histórico do objeto, para a troca, obtendo a form a própria de ressonância, im plicando o intervalo, a ins-tauração tópica de cada sujeito.
COMUNICAÇÃO E VIDA PS ÍQUICA: CONTINUIDADE E RUPTURA
O m odelo de com unicação que esboçam os a partir do Projeto aponta para um a passagem entre dois planos distintos, na qual o objeto é convocado a desem pe-nhar a função fundam ental de m anejo: da dor dos anseios, das quantidades, às tensões cujo ritm o dota as últim as de qualidades de prazer, tornando-se auto, apropriação im aginativa dos próprios m ovim entos. O “acionam ento” do objeto é feito ao m odo associativo da m esm a m aneira em que, no aparelho psíquico do indivíduo, um resto diurno é capturado na via regressiva em direção às inscrições inconscientes, em coerência com a via de uso da pulsão para o trilhar m nêm ico. Entretanto, é preciso enfatizar neste despertar do objeto para a via regressiva dentro dele m esm o, duas m odalidades de rêverie que Freud evoca em relação ao conhecer do outro sem elhante ( FREUD, 1895) . A prim eira, em pática — m aciça e prim itiva — , refere-se à preocupação e à identificação com a dor e o desam paro do bebê que se desdobra, nas relações hum anas, na com unica-ção, na compreensão mútua ( 1895) . A segunda, derivada da prim eira, porém distin-ta, recai na via regressiva de m odalidades de inflexão reflexiva — auto — sobre cenas infantis, da descarga de prazer, da com em oração reflexiva, da fala e do desejo. Valor imitativo ( Freud) , term o pouco apurado m as que evoca um holding que devolve ao outro algo seu, um a apropriação im aginativa de seu corpo — espaço e m ovim entos, vivências.
Enquanto a prim eira é im ediata, age diretam ente, a segunda requer o inter-valo, no jogo entre presença e ausência, im plicando a distância; o adulto estando, na vivência, separado do bebê. Reserva que perm ite, na via das alterações inter-nas, a volta regressiva, no adulto, sobre suas próprias cadeias representativas, fazendo em ergir sentidos para os gestos espontâneos e exploratórios do bebê. Nesta sustentação do brincar, da crescente apropriação, pelo bebê, de vivências ( m ovim entos) , resulta a condição de desinvestim ento progressivo da alucina-ção; instaura-se a tópica, o recalcam ento, em paulatina aquisição da capacidade de lidar com a ausência, resultando na expansão e am pliação do pensar.10
1 0 É com esta cadeia, que vai das vivências de satisfação ao surgim ento e am pliação do pensar,
Reportar-se à reserva e à distância no regim e psíquico do adulto — ao estar separado — im plica a m atriz edípica. Lem bro, a este respeito, da condição que Bion estabeleceu para que o bebê seja depositário da função alfa: a m ãe, diz ele, precisa am ar o pai ( o hom em ) ou, o que é equivalente, am ar a criança enquan-to ente separado dela ( BION, 1962) .11
Nestes com entários, privilegiei a dim ensão “m etabólica”, dom inante no Projeto em detrim ento do que concerne ao narcisism o e ao eu com o instância. A distin-ção, na via regressiva, de “alterações internas” ( FREUD, 1895) , entre o valor em pático da com unicação e o reflexivo, dem onstram sua im ensa relevância no debate atual acerca do trabalho analítico. A presença e a continência, de um lado, e a reserva na atividade representativa do trabalho regressivo da escuta, no analista, têm ocupado o centro das discussões sobre a técnica.12 A escola inglesa, kleiniana, tende a dar m aior ênfase à prim eira; a francesa à segunda. O inter-subjetivism o corre o perigo de negligenciar a últim a, ao ponto de m inim izar a m atriz representativa da sexualidade infantil ( e fantasias) , exilan-do-a da via regressiva, inerente à transferência.
Quanto ao clássico artigo de Klein, a descrição da identificação projetiva tende a se verter para o regim e da com unicação. Certo esforço poderia encon-trar pontos de convergência entre, de um lado, o desem penho da libido, segun-do Klein, em relação ao objeto e na força de reunião segun-do ego e, de outro lasegun-do, o princípio de prazer que rege, no Projeto as trocas em direção à apropriação do corpo, de si. A busca, por exem plo, de reunião na identificação dos pedaços expelidos, projetados para dentro do objeto, se traduziriam (rêverie) , no adulto, com o apelo, convocando-o, no deslocam ento da via regressiva de sua própria história m nêm ica, a “conter”, “entender”, fornecendo ao lactente o espaço para alcançar essa dem anda. Entretanto, falta a esse contexto descritivo toda a casca-ta m nêm ica, regressiva, do aparelho psíquico freudiano. Ao invés disto, são as categorias funcionais — continência, função alfa, barreiras de contato, etc. — que passam a ocupar o prim eiro plano desta corrente. Operações essas, ações específicas que Freud, com o Bion e outros, destinara à apropriação progressiva de funções do pensar e da ação.
O esforço de fazer convergir Klein e Freud pode incorrer, no entanto, num a redução porque é passível de borrar as fronteiras que separam distintos contex-tos m etapsicológicos da apreensão clínica. Em Klein, com o vim os, o enfoque sobre o trabalho no objeto prim a pela sua ausência: M. Klein reconhecia a im
-1 -1 Cf. Learning from experience, cap. XII.
1 2 A reflexividade im aginativa, m etafórica e representativa — a regressão às próprias “coisas” —
portância do objeto m as não se interessou, em suas form ulações teóricas, em discorrer sobre o seu papel. Seus seguidores fizeram m elhor, sobretudo Bion. Mas há m ais um a observação relevante a se fazer em relação ao artigo de 1946: o ponto de saída tenta articular a violência pulsional com um ego não integra-do, herdaintegra-do, na origem dos desfiladeiros e destinos das identificações projetivas, é fadado a desem bocar nas conhecidas atribuições de tendências inatas no inte-rior das relações de objeto. O que deixa pouco lugar para as inscrições originá-rias, de cenas infantis e sua im portância clínica na via regressiva propiciada pelo cam po transferencial.
Recebido em 26/ 11/ 2001. Aprovado em 11/ 3/ 2002.
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Daniel Delouya