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Sobre as compulsões e o dispositivo psicanalítico.

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Academic year: 2017

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RES UMOO artigo se insere num a pesquisa m ais am pla acerca das novas form as de padecim ento psíquico que se apresentam na atuali-dade. Essas form as, que têm na com pulsão um a figura-tipo, colocam em xeque a m odalidade de escuta, de entendim ento teórico e de intervenção clínica do psicanalista. Discutim os aqui os principais im -passes trazidos por esses pacientes ao dispositivo psicanalítico, pro-curando nele apontar algum as possibilidades de abertura ou trans-form ação.

Palavras - chave : com pulsão, subjetividade, dispositivo psicanalítico.

ABSTRACTOn the com pulsions and the psychoanalytical setting. The article is part of a w ider research about the new form s of psychical suffering as they appear in our present tim e. Those form s — com -pulsion is their prototype — inquire the psychoanalytical w ay of listening, of theoretical understanding and of clinical intervening. It is discussed here the m ain problem s brought to the psychoanalytical setting by those patients, looking for som e possibilities of opening or transform ation.

Ke y w o rds : com pulsion, subjectivity, psychoanalytical setting.

B

artleby, o escriturário, personagem de um a fam osa novela de Herm an Melville, responde às ordens de seu chefe sem -pre com a m esm a frase, pronunciada de form a calm a e serena: “Preferiria não.” Não faz nenhum a objeção às tarefas ou às re-gras do escritório; ele apenas as recusa, passiva e progressiva-m ente. Prefere não executar as tarefas para as quais foi contrata-do, prefere não sair do escritório fora do horário de trabalho e, após levar todos à exasperação — a ponto de m udarem de en-Psicanalista,

professora adjunta do Departam ento de Filosofia e Ciências Sociais da UNI-Rio. Mem bro do Espaço Brasileiro de Estu dos Psicanalíticos.

Jô Gon d a r

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dereço para im pedir a sua presença — é conduzido à prisão, onde prefere não falar, não andar e não com er, recusando-se, no lim ite, a viver. A despeito deste “não” que se repete e se alastra, Bartleby poderia ser descrito com o um hom em sem qualidades, ou, m elhor, um hom em que, no decorrer da história, despe-se progressivam ente delas. Não aparece em seu “preferiria não” o colorido de um desejo, de um a fantasia ou de um conflito, capazes de situar esta recusa1 com o afirm ação de um território subjetivo. Na verdade, Bartleby parece vazio de subje-tividade: um a figura de hom em genérico e tão próxim o de um a universalidade nua que sua recusa, na ausência de qualquer colorido desejante, só pode conduzi-lo à autodestruição, ao invés de tornar-se um a alternativa singular e viável.2

Qual a razão de introduzirm os a personagem de Melville num trabalho sobre as com pulsões? Se Bartleby se recusa a agir, e se as com pulsões são patologias do ato, não estaríam os incorrendo num contra-senso? Recom ecem os então a partir de um a outra ilustração na qual o ato ocupa o prim eiro plano para, em seguida, esclarecer em que m edida os dois exem plos nos perm item avançar no debate so-bre as com pulsões.

Num artigo publicado recentem ente na Folha de S. Paulo, Slavoj Zizek com enta o caso da texana Andrea Yates, ocorrido em junho deste ano. Considerada m ãe exem -plar, a ponto de deixar seu em prego de enferm eira para dedicar-se exclusivam ente aos filhos, e tendo colocado sua vida sem pre a serviço dos outros, Andrea surpre-ende a todos com um ato terrível: num dia com um , após a saída de seu m arido para o trabalho, ela enche a banheira e afoga um a a um a suas cinco crianças, entre seis m eses e 7 anos — crianças que, m uito provavelm ente, a olhavam perplexas durante a m etódica operação. Em seguida, ela cham a a polícia e o m arido, afir-m ando afir-m uito calafir-m aafir-m ente: “afir-m atei afir-m eus filhos”. Não há afir-m uitas dúvidas de que se trata de um a passagem ao ato, e a hipótese de Zizek é a de que esse ato surgiria com o resposta a um im perativo cujo cum prim ento é im possível. Não pretende-m os discutir aqui a pertinência de upretende-m a hipótese sobre upretende-m processo subjetivo baseada m eram ente em inform ações jornalísticas, com o ocorre no citado artigo. Para o que nos interessa, gostaríam os apenas de enfatizar a injunção que, segundo Zizek, estaria na raiz da passagem ao ato: “seja feliz e encontre sua realização dentro do inferno de sua casa, onde seus filhos a bom bardeiam com exigências im -possíveis de serem satisfeitas e onde todas as suas esperanças são frustradas” ( ZIZEK, 2001) . A hipótese é a de que a m ãe se encontraria num im passe, num dilem a decorrente da própria exigência de um gozo im possível. Diante desta, sua única

1 O term o “recusa” , aqui, deve ser tom ado da língua corrente, não estando associado ao

conceito freudiano de Verleugnung.

2 Esta personagem de Melville m ereceu um a acurada análise de Gilles Deleuze ( 1997) . As

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saída foi a de destruir os seres que encarnariam a injunção cruel e obstinada, e a sua própria condição de m aternidade.

Nesses dois exem plos, um tirado da ficção e outro da vida real, o que há em com um é um a m odalidade de recusa que não oferece lugar ao desejo. É verdade que em Bartleby esta recusa se dá sob a form a de um a quase petrificação, enquanto que na m ãe ela conduz ao m over-se e ao agir. Em am bos os casos, contudo, há um a recusa a obedecer as injunções, m as realizada de form a vazia, estando ausentes os argum entos ou atos que poderiam efetivam ente fazer objeção aos m andam entos. É com o se diante de um a lei experim entada com o im perativo categórico — im pe-rativo que não leva em conta os prazeres, desejos e inclinações singulares — a resposta do indivíduo fosse um a recusa igualm ente categórica, um a desobediên-cia que conduziria, paradoxalm ente, à obediêndesobediên-cia do im perativo, na im posição de m anter o desejo fora do cam po. Por esse m otivo, os atos de desobediência desse tipo flertam continuam ente com o abism o e a autodestruição. Deleuze os cham a de linhas de fuga suicidárias, devido à im possibilidade de se constituírem com o um a alternativa real, para além da pura e cega recusa.

Pensam os que este m odo de dizer não a um a lei experenciada com o tirânica e inegociável se encontra presente naquilo que se convencionou cham ar de “novos sin tom as” , ain da qu e possam os pergu n tar se eles são, de fato, tão n ovos assim . À prim eira vista, o que nos surpreende nesses distúrbios psíquicos — im plicados na bulim ia, anorexia, alcoolism o, toxicom ania, fenôm enos de pânico e disposi-ções m elancólicas — é a sua freqüência na cultura e, conseqüentem ente, na clínica atual, a ponto de constituírem um a espécie de figura-tipo da contem poraneidade. E o que está em questão, nessa figura-tipo, é a esfera do ato. Em outros term os: trata-se de form as de padecim ento que podem ser consideradas patologias do ato, tanto na sua vertente de inibição quanto na de realização.3 Por este m otivo, o pro-blem a das com pulsões ganha tanta im portância na atualidade: nelas, a patologia do ato aparece em sua form a m ais nítida.

Com efeito, o sujeito contem porâneo poderia ser descrito com o um sujeito com pulsivo, sem que se possa situá-lo num a estrutura clínica definida. Sujeito? Com relação às com pulsões, talvez fosse m elhor falarm os em atos aos quais não se associa um sujeito capaz de por eles se responsabilizar ou se engajar em suas con-seqüências. Ora, as com pulsões não são um elem ento novo na psicanálise. Mas até agora costum ávam os tratá-las com o fenôm enos pontuais no funcionam ento psí-quico. O que é novo, o que nos surpreende, não é apenas o aum ento da freqüência destes fenôm enos, m as a abrangência que conquistam em alguns territórios

subje-3 O problem a das com pulsões, no que diz respeito aos “ novos sintom as” , tem sido trabalhado

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tivos, cujos m arcos se delineiam de form a bastante diversa da velha e boa histeria, para a qual o dispositivo psicanalítico foi criado. Desse m odo, as com pulsões têm desafiado os psicanalistas e levado sua prática a um im passe, obrigando-os a re-pensar sua m odalidade de escuta, de entendim ento teórico e de intervenção clíni-ca, obrigando-os, enfim , a reconstruir um dispositivo capaz de acolher e trabalhar essa form a de funcionam ento psíquico. Tentarem os aqui m apear algum as dessas m udanças, a partir da hipótese que apresentam os — a com pulsão com o tentativa ( ainda que fracassada) de dizer não ao im perativo superegóico. Antes, porém , a hipótese precisa ser explicada, e esclarecidos os elem entos em jogo. Vam os então partir das com pulsões, conform e foram teorizadas por Freud.

Dissem os já que a com pulsão não é um fenôm eno novo na psicanálise. É sob dois m odos principais que ela se apresenta na obra de Freud. Por um lado, a com -pulsão (Zwang, em alem ão) rem ete diretam ente à neurose obsessiva (Zwangneurose) , ainda que, no interior desse quadro, ela apresente m atizes. Nas explicações que Freud apresenta sobre essa neurose, com pulsão não é sim plesm ente sinônim o de obsessão, m as diz respeito a um a peculiaridade de determ inados sintom as obses-sivos: trata-se de pensam entos ou atos que o sujeito realiza ainda que lhe pareçam um corpo estranho, pensam entos ou atos m ovidos por um a força irresistível con-tra a qual o sujeito gostaria de lutar. A com pulsão, nesse caso, resulta de um confli-to psíquico e de um a luta subjetiva entre duas injunções opostas, estando o sujeiconfli-to im possibilitado de escolher qualquer um a delas. Encurralado nessa hesitação exasperante, a resposta do sujeito é o ato com pulsivo — Freud o considera um a com -pensação da dúvida — que se produz com o um a espécie de “ vazam ento”: a im a-gem aqui seria a do suco de um a fruta que, de tão esprem ido, acabaria escoando pelos cortes feitos na casca ( HANNS, 1996) .

Mas a com pulsão tem em Freud um outro sentido im portante: Zwang alude tam bém ao que há de m ais radical na pulsão, isto é, sua irrefreável repetição. Mas, diferentem ente dos atos com pulsivos do neurótico obsessivo, a com pulsão à re-petição (W iederholungszwang) não poderia ser encarada com o o resultado de um con-flito, m otivo pelo qual não é necessariam ente experenciada, por quem a sofre, com o expressão de um a luta íntim a. Trata-se, na verdade, de um a característica fundam ental da própria pulsão, logicam ente anterior ao estabelecim ento de um conflito pulsional, ainda que essa anterioridade a torne o m otor de todo conflito e de toda form ação psíquica. Grosso m odo, poderíam os caracterizar a com pulsão à repetição com o um im pulso avassalador ao qual sucum be o sujeito, que passa então a justificá-lo por contingências da atualidade: é com o se ele tentasse organi-zar o im pulso cego segundo os ditam es de um a “cena”, buscando conteúdos capa-zes de preencher um a form a vazia, autônom a, e, em últim a instância, irredutível aos seus próprios conflitos.

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sentido — já que o que as m ove é a repetição pulsional; em contrapartida, deverí-am os distingui-las do prim eiro: não se trata de idéias ou atos com pulsivos, tais com o se apresentam na neurose obsessiva. Tudo indica que, nesta últim a, a com -pulsão im plica um cam inho m ais longo, envolvendo elem entos psíquicos m ais com plexos: encontram -se em jogo dois m andam entos opostos — funcionando com o ordem e contra-ordem — diante dos quais o indivíduo se vê num estado de hesitação, de dúvida, produzindose assim um intervalo de tem po no qual a com -pulsão não ocorre ( AMORIM e SANT’ANNA, 1999) . Por m eio desta hesitação, o obsessivo relativiza a obediência cega ao m andam ento, m antendo, ao m esm o tem -po, a crença de que seria possível escolher sim ultaneam ente a possibilidade a e a possibilidade b, ou, m ais rigorosam ente, que seria possível não escolher nem a nem b, para não ter que pagar o preço que se im põe a qualquer escolha. É justa-m ente esse elejusta-m ento de hesitação, fazendo obstáculo à obediência do justa-m andajusta-m en-to, que se encontra ausente nas com pulsões contem porâneas. É com o se fosse aí elim inado o intervalo de tem po que a dúvida im põe a este processo, produzindo-se então a com pulsão por um cam inho m ais curto: à injunção im possível produzindo-se produzindo-segue diretam ente, em resposta, a passagem ao ato ( Idem ) .

Quando falam os em realização pelo cam inho m ais curto, som os rem etidos à pulsão de m orte ou, m ais exatam ente à prática de um gozo destrutivo. O psicana-lista que trabalha com com pulsivos não dem ora a notar o quão fortem ente se apresenta, nesses pacientes, a aliança entre o supereu e a pulsão de m orte, redun-dando num a form a cruel de injunção superegóica: ao invés de funcionar com o barreira a um gozo m ortífero, o supereu o exigiria, desprezando por com pleto a esfera das inclinações subjetivas singulares. Tal qual o im perativo categórico for-m ulado por Kant, o for-m andafor-m ento do supereu ordenaria que o sujeito abdicasse de sua dim ensão desejante, agindo única exclusivam ente por dever. O que im plica, em term os psicanalíticos, que o sujeito se coloca com o objeto de gozo a serviço de um a lei cruel. Este carrasco íntim o é a grande personagem dos funcionam entos com pulsivos. O que querem os ressaltar, todavia, é que as com pulsões não se redu-zem a um a pura e sim ples obediência ao im perativo superegóico, que os com pul-sivos não são figuras da m oral kantiana, e que o em puxo ao gozo não pode ser diretam ente traduzível pelas ordens: com a, beba ou drogue-se. Pensam os, ao con-trário, que os atos com pulsivos são um a tentativa de fazer obstáculo ao cum pri-m ento da injunção cruel, ainda que essa tentativa fracasse: há neles upri-m lapri-m pejo de subjetivação que não chega a efetivar-se com o afirm ação de desejo.

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subjetivas singulares: raram ente se verá um a configuração pura de “novos sinto-m as” sesinto-m que aí tasinto-m bésinto-m se sinto-m esclesinto-m as forsinto-m ações sintosinto-m áticas sinto-m ais conhecidas; caberá à acuidade do analista distinguir a lógica subjetiva predom inante num a determ inada situação.

Um a das m aiores dificuldades encontradas na clínica desses pacientes reside na relação que estabelecem com seus sintom as, tornando-os inacessíveis à inter-pretação. Em seu sentido clássico, um sintom a é um a form ação de com prom isso entre um a instância recalcada e um a instância recalcante, por m eio da qual o in-consciente se expressa. O que significa dizer que esse sintom a fala, representando um sujeito e revelando algo sobre o seu desejo. Na situação analítica clássica, o paciente chegaria à análise queixando-se de seu sintom a; a partir disso poderia construir um a questão sobre si m esm o, endereçando-a ao analista. Com base nesta questão e neste endereçam ento, seria possível form ular-se, no cam po transferen-cial, um a interpretação, produzindo-se um a verdade a respeito do desejo.

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esta-ria representando um sujeito, ou dizendo algo sobre um desejo inconsciente. Esses sintom as não se produzem a partir de um a operação de recalcam ento, ou m elhor, não consistem num retorno do recalcado; eles se form am por um cam inho m ais curto, no qual um a satisfação pulsional, com forte tonalidade destrutiva, se exerce m ais diretam ente. Por este m otivo, estes sintom as resistem , com o o azeite à água, à intervenção clássica da clínica psicanalítica — a interpretação. Lem brem o-nos aqui das interpretações que Freud dirigia às suas histéricas: eram intervenções que procuravam revelar o sentido oculto de seus sintom as, apontando a verdade do desejo que por eles se expressava; as interpretações tinham por objetivo oferecer um pano de fundo fantasm ático a partir do qual os sintom as poderiam ser situa-dos no plano do sentido.

Todavia, não existe um pano de fundo fantasm ático a partir do qual se possa ler as com pulsões — ou o pânico, ou as atuações que alguns denom inam contra-fóbicas. Na verdade, o que aí se encontra em falta é justam ente essa tela protetora que articula as relações entre a subjetividade e o real. Faltam a fantasia e seus deri-vados — crenças, projetos, ilusões. Esses indivíduos apresentam um a falha brutal na dim ensão do im aginário, expressando-se em todos os níveis: na fantasia, na constituição de um sem elhante, na constituição da própria im agem corporal. É com o se o corpo fosse reduzido a um a m atéria da qual eles são m eros portadores, criando-se a necessidade de próteses de sustentação egóica, encontradas algum as vezes através de exercícios físicos ou de adereços que rasgam a pele. A ausência de fantasia os lança, sem m ediação, diante de um a diferença absoluta: esses pacientes parecem se encontrar ante o olhar siderante de Gorgó, a Medusa, recebendo um a luz e um a lucidez capazes de levar à cegueira e à petrificação. Seria preciso um outro olhar que pudesse fazer barreira à sideração que os petrifica: o olhar do analista m ostra-se, nesses casos, fundam ental para prom over um a costura do teci-do esgarçateci-do, favorecenteci-do a construção de um a tela fantasm ática e da própria im agem corporal — por esse m otivo, não é recom endável indicar-lhes o divã. Diante de tal funcionam ento, não é de se estranhar que as interpretações, com u-m ente pautadas na desconstrução do iu-m aginário, torneu-m -se aqui inoperantes, eu-m sua tentativa de partir o que já está fragm entado, ou de desm ontar aquilo que, ao contrário, precisaria ser construído.

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da lei, esta se apresenta ao indivíduo em toda a sua crueza e arbitrariedade: parece-lhe que aquilo que a lei proíbe é vetado em si m esm o, de form a violenta e inexpli-cável; do m esm o m odo, parece-lhe que aquilo que a lei obriga se torna um a fata-lidade inexorável. Em m uitas situações, esses pacientes dem onstram um excesso de lucidez: é com o se incessantem ente lhes fossem revelados a arbitrariedade e o sem -sentido da lei, im possibilitando qualquer ilusão de am paro ou garantia.

Ora, a form a clássica da interpretação não apela sim plesm ente para a descons-trução do im aginário; ela se exerce sob a form a de um corte cuja lógica é a da lei da castração. Mas foi justam ente esta que não pôde ser subjetivada por esses pacien-tes. A form a da lei por eles conhecida é a que se apresenta sob form a tirânica, cruel: a lei superegóica. Sen do assim , qu alqu er in terven ção do an alista qu e tom e por fu n dam en to a lei da castração será tradu zida por esses in divídu os n os term os de u m a ou tra lógica, aqu ela qu e os acossa: as in terpretações fu n cion arão, n es-se caso, com o palavras peres-secu tórias de ordem , fo rtalecen do o m an dam en to superegóico.

Mas estando descartada a interpretação, que m odalidade de intervenção clíni-ca seria eficlíni-caz, no clíni-cam po psiclíni-canalítico? Pensam os que na direção do tratam ento dos pacientes com pulsivos, algum as condições, m utuam ente im plicadas, são requeridas: o esvaziam ento do im perativo superegóico, fonte propiciadora de seus sintom as; a constituição de um a esfera im aginária e fantasística; e, o m ais im -portante, a assunção da dim ensão desejante, com um ente esm agada pelo supereu cru el. Neste ponto a sensibilidade clínica e a disposição para o risco, por parte do analista, são radicalm ente convocadas: com o criar as condições para que o desejo se afirm e, quando não há desejo?

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que abandonar a idéia de sujeito e seus derivados, trata-se de inseri-las num terre-no m ais vasto, capaz de abarcar diversas m odulações possíveis de subjetivação.

Retornem os então à hipótese que apresentam os sobre as novas form as de pa-decim ento: dissem os que as com pulsões seriam tentativas de dizer não ao im pera-tivo superegóico, sem que, contudo, pudessem dem arcar positivam ente um terri-tório subjetivo. Por elas se expressaria um lam pejo de subjetivação que não pôde configurar-se como afirmação de desejo. Contudo, ao valorizarmos as noções móveis e processuais, som os levados a reconhecer que, ainda que não haja desejo, existe aí um índice, um a fagulha, um lam pejo desejante que serviria de apoio a um traba-lho de construção, a partir do qual um a negação sem consistência poderia transm utar-se em afirm ação. Trabalho delicado, árduo, persistente: seria preciso in serir atritos n u m cam in h o liso, possibilitan do o in crem en to de m atizes, velam entos e ligações onde a satisfação pulsional costum ava se exercer num cir-cuito m ais direto. Nesse caso, as tonalidades pulsionais — encaradas com o parte de um processo de subjetivação — tornam -se a própria m atéria a partir da qual se exerce um trabalho.

Se trazem os as expressões pulsionais para o prim eiro plano, considerando-as virtualidades desejantes, a escuta e as intervenções do analista precisarão expan-dir-se, m ostrando-se distintas da m era escuta de palavras ou da produção de inter-pretações que inflam o supereu. Tornam -se extrem am ente im portantes a esfera do olhar e da voz, agindo m ais diretam ente no cam po pulsional. Da m esm a m aneira, é preciso que o analista esteja atento às m odalidades expressivas do paciente, aos brilhos e som bras do olhar, às suas m odulações de voz ou gestuais. Não para for-necer a elas um a interpretação, m as para discrim inar através delas os m om entos em que pequenas inflexões de desejo são capazes de se colocar em jogo.

Sob que bases poderíam os com preender esses ínfim os m ovim entos desejantes? Neste ponto, devem os recorrer a outros cam pos de conhecim ento nos quais essa experiência tem sido teorizada. O filósofo José Gil, dedicando-se à experiência estética ( GIL, 1996) , retom a de Leibniz a noção de “pequenas percepções”, noção que, para ele, não se aplicaria apenas à apreensão de um a obra de arte, m as a todos os “fenôm enos de lim iar”, aí incluindo-se a transferência analítica. As pequenas percepções nos perm itiriam valorizar as intensidades que extrapolam o dom ínio significante, intensidades que se m ostram presentes no tom e ritm o da voz, na expressão do rosto, no tônus e postura corporal, bem com o em alguns ruídos que o indivíduo produz sem perceber. Ao trazer essa noção para a clínica psicanalítica, Eliana Schueler Reis ( REIS, 2000) , nos propõe que a “atenção flutuante” não se reduza à escuta, e que inclua tam bém o que é percebido por um “olhar flutuan-te”,4 capaz de apreender pequenos gestos e atos que não estariam indicando um a

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cena fantasm ática ou um a representação recalcada; para aquém destas, eles seriam um índice de im pressões que não se registraram com o traços, m as que, todavia, buscam um cam inho para se m anifestar.

Caberia ao analista valorizar esses “fenôm enos de fronteira” com o lam pejos de subjetivação, apreendendo-os através das “pequenas percepções” que, para José Gil, im plicam na dissolução da percepção costum eira, objetivadora. Trata-se, por-tanto, de levar ainda m ais longe a atenção flutuante, envolvendo um a m aior dispo-sição do analista para abster-se da condição de sujeito, nela incluindo tam bém o seu cam po particular de percepções, norm alm ente selecionado segundo as signifi-cações que valoriza. Este refinam ento perceptivo acolheria de m odo m ais preg-nante os signos de subjetivação que ainda não instituíram com o traço, signos que se m anifestam através de im agens ou expressões fugidias, aparentem ente inócuas, e dificilm ente notadas pela percepção corrente. Sobre a base desses signos, todavia, poderiam ser construídas as relações transferenciais.

No tratam ento dessas novas form as de padecim ento, o cam po transferencial seria convocado para propiciar um traçado de consistência aos lam pejos de dese-jo, aqueles que o supereu não foi capaz de subm eter de todo. É neste cam po que as ínfim as m anifestações desejantes podem encontrar um a possibilidade de expres-são e de articulação, um reconhecim ento e um a legitim idade. A legitim idade tor-na-se aqui um a questão essencial, tratando-se de indivíduos que, alijados do di-reito ao desejo pelo im perativo superegóico, passam a desconhecer ou desm ere-cer, desde a raiz, suas próprias tentativas de exercê-lo. A fineza e delicadeza da escuta e do olhar buscariam , nesses casos, fazer ressoar e persistir os pequenos m ovim entos de subjetivação, fornecendo consistência ao desejar. O que aqui se coloca em pauta não é a desconstrução do dispositivo psicanalítico, m as a sua am pliação: seria preciso tornar m ais finas e m ais com plexas as regras da associa-ção livre e da atenassocia-ção flutuante, bem com o a proposta de abstenassocia-ção do analista, a fim de que possam abarcar essas novas m odalidades subjetivas.

Contudo, tal am pliação do dispositivo não deixa de ter conseqüências políti-cas. Voltem os agora à personagem de Melville, o escriturário Bartleby: sua recusa é vazia, seu não às injunções é solitário, faltando-lhe a consistência desejante que poderia transm utá-lo em afirm ação de um m odo de vida. Com o dizem Toni Negri e Michel Hardt, em seu recém -publicado Império:

“Em term os políticos ( ...) a recusa em si leva apenas a um a espécie de suicídio social ( ...) O que precisam os é criar um novo corpo social, projeto que vai além da recusa.

Nossas linhas de fuga, nosso êxodo precisam ser constituintes e criar um a alternativa real.” ( NEGRI & HARDT, 2000, p. 224)

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alternativas, pois elas só o são na m edida em que se articulam ao desejo. E se nele reside o com prom isso dos psicanalistas, seu trabalho com as novas form as de sub-jetivação passa a exigir m ais persistência e m ais delicadeza. Talvez nos anim em as palavras do poeta: “Onde não há jardim , as flores nascem de um secreto investi-m ento einvesti-m forinvesti-m as iinvesti-m prováveis.”5

Recebido em 10/ 10/ 2001. Aprovado em 12/ 11/ 2001.

5 Trata-se de um verso do poem a “ Cam po de flores” , de Carlos Drum m ond de Andrade.

BIBLIOGRAFIA

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GIL, J. A im agem nua e as pequenas percepções — estética e m etafenom enologia, Lisboa, Relógio d’Água, 1996.

GONDAR, J. “ A fobia e o véu rasgado” in Ágora, v. I, n.1, jul/ dez, Rio de Janeiro, UFRJ/ Contra-Capa, 1998.

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HARDT, M. e NEGRI, A. Im pério, Rio de Janeiro, Record, 2001.

REIS, E. S. “ De corpos, atos, afetos e palavras” , tese de doutorado em Saúde da Criança e da Mulher, defendida no IFF/ Fiocruz, 2000. ZIZEK, S. “ Violência em ancipadora” in Folha de S. Paulo, São Paulo,

Cader-no Mais, 19 de agosto de 2001.

Jô Gondar

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