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A retórica da Igreja Católica: O uso do discurso político no papado de João Paulo II

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A RETÓRICA DA IGREJA CATÓLICA: O

USO DO DISCURSO POLÍTICO NO PAPADO

DE JOÃO PAULO II

por

Rubens Lopes Junior

São Bernardo do Campo

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A RETÓRICA DA IGREJA CATÓLICA: O

USO DO DISCURSO POLÍTICO NO PAPADO

DE JOÃO PAULO II

por

Rubens Lopes Junior

Orientador:

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo

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A dissertação de mestrado sob o título ―A retórica da Igreja Católica: o uso do

discurso político no papado de João Paulo II‖, elaborada por Rubens Lopes Junior

foi apresentada e aprovada em 21 de março de 2011, perante banca composta por

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Jung Mo Sung

(Titular/UMESP) e Prof. Dr. João Décio Passos (Titular/PUC – SP).

_______________________________________ Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_______________________________________ Prof. Dr. Jung Mo Sung

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Ciências da Religião

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao professor Fernando Torres Londoño, a pessoa que acreditou em mim nos tempos de graduação e sem o qual nunca teria conseguido chegar onde estou hoje.

Agradeço também ao Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos, orientador e suporte para a redação desta dissertação, sem o qual certamente nunca conseguiria tê-la produzida.

Agradeço também aos demais professores do programa de pós-graduação pela contribuição, seja ela formal no cumprimento dos créditos, ou informal em conversas pelos corredores da Metodista.

Agradeço também a força e amizade dos colegas do programa, em especial aos

outros dois ―patetas‖: Altair Tio Leôncio e Jefferson Mineiro Uai Sô! Também ao Max e o Alex, ao Cláudio, à Helena, a Márcia e muitos outros que não caberiam aqui.

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“Pra que somar se a gente pode dividir?”

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RESUMO

LOPES JUNIOR, Rubens. A Retórica da Igre ja Católica: O uso do discurso político no papado de João Paulo II. Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, São Bernardo do Campo, 2011.

A retórica sempre esteve presente nas civilizações. Desde a Grécia Antiga até os dias de hoje ela é usada e estudada. Na religião, é uma formidável fonte de expressão. Foi através da retórica que o Papa João Paulo II conseguiu ganhar notoriedade e se envolver em casos muito além da religião no século XX. Ele foi considerado um papa que se utilizou do político e consolidou um novo status para a Igreja Católica. Assim, através da análise retórica da mediação da Santa Sé no Canal de Beagle em 1979 e da análise retórica das ações diplomáticas do Vaticano contra a invasão do Iraque em 2003, este trabalho mostra como se constrói a retórica religiosa, além das conseqüências que isso acarreta não só para a Igreja, como também para o mundo.

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ABSTRACT

LOPES JUNIOR, Rubens. The rhetoric of the Catholic Church: the use of political discourse in the papacy of John Paul II. Masters Dissertation, Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, São Bernardo do Campo, 2011.

The rhetoric has always been present in civilizations. From Ancient Greece until now, it has been used and studied. In religion, is a formidable source of expression. It was through the rhetoric that Pope John Paul II managed to gain notoriety and engage in cases far beyond religion in the 20th century. He was considered a Pope who used politics and consolidated a new status for the Catholic Church. Thus by analysing the rhetoric of mediation of the Holy see on Beagle Channel in 1979 and rhetorical analysis of Vatican diplomatic actions against the invasion o f Iraq in 2003, this work shows how the religious rhetoric is build, in addition to the consequences that this entails not only for the Church but also to the world.

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SUMÁRIO

Introdução... 150

Capítulo I - Os efeitos do discurso político na retórica relig iosa católica...15

1.1 A retórica religiosa católica e a construção do discurso político da Igreja Católica ...16

1.1.1 - O que é retórica? ...16

1.1.2 - O discurso político...24

1.2 – A retórica religiosa católica e a construção do simbólico ...29

1.2.1 – A retórica religiosa católica e a construção do simbólico ...29

1.2.2 – Secu larização, co mpetitiv idade e pluralis mo ...36

Conclusão ...44

Capítulo II - A Política e a Santa Sé no Papado de João Paulo II ...47

2.1 – O viés político do Vaticano...48

2.1.1 - A estrutura interna do Vaticano ...48

2.1.2 - A representatividade papal e a diplo macia da Santa Sé ...57

2.2 – O Papado de João Paulo II e a Igreja no Cenário Mundial...63

2.2.1 – A gênese e a formação do orador: João Paulo II ...63

2.2.1 – O papado e a queda do comunismo ...70

Conclusão ...78

Capítulo III - A retórica da Igreja Católica no papado de João Paulo II durante a mediação no canal de Beagle (1979) e invasão do Iraque (2003)...80

3.1 - O Caso do Canal de Beagle ...81

3.1.1 - Os Antecedentes da Situação Retórica no Canal de Beagle ...81

3.1.2 - O Problema Retórico no Canal de Beag le ...83

3.1.3 - Anatomia e Fisiologia do Ato Retórico no Canal de Beagle ...85

3.1.4 - As Contingências do Discurso no Canal de Beagle ...94

3.1.5 - A Interpretação do ato retórico no Canal de Beagle ...96

3.1.6 - O ju lgamento do ato retórico no Canal de Beagle ...98

3.2 – A invasão do Iraque... 100

3.2.1 - Os Antecedentes da Situação Retórica na invasão do Iraque ... 100

3.2.2 - O Problema Retórico na invasão do Iraque: Ações Diplo máticas do Vaticano no Conflito Entre os Estados Unidos e o Iraque... 103

3.2.3 - Anatomia e Fisiologia do Ato Retórico na invasão do Iraque (2003) ... 104

3.2.4 - As Contingências do Discurso na invasão do Iraque (2003) ... 113

3.2.5 - A Interpretação do ato retórico na invasão do Iraque... 114

3.2.6 - O ju lgamento do ato retórico na invasão do Iraque (2003) ... 122

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Introdução

Há muito tempo, na Grécia antiga, a Retórica já estava presente entre filósofos, poetas e oradores. A análise retórica é um método de análise do discurso embasada nos preceitos da filosofia e da retórica antiga. Quem quer persuadir através da retórica pode se utilizar do discurso para tal. Sabemos que há um longo tempo a humanidade se preocupa acerca do efeito das palavras, ocasionando o desenvolvimento da arte do discurso para interferir sobre suas crenças e atitudes das pessoas.

No início, a função da Análise Retórica era avaliar peças de oratória de pregadores religiosos e políticos. Nos dias de hoje, a Análise Retórica permite identificar elementos de persuasão presentes em qualquer tipo de comunicação, inclusive na religiosa. Um dos melhores meios de se utilizar da retórica é através da prática discursiva. Sabe-se que um discurso necessariamente está atrelado às condições sociais em que é produzido. Ele é o reflexo de uma época. Assim, esta dissertação busca mostrar os efeitos de um contexto secular e moderno na retórica católica no papado de João Paulo II. Mas por que João Paulo II?

É inegável que João Paulo II tornou-se uma das personagens mais conhecidas da segunda metade do século XX. Este Papa buscou um novo papel para a Igreja, principalmente nos anos 80, como conseqüência do seu engajamento com causas sociais através de construções retóricas. Em seus mais de vinte e cinco anos de papado, inúmeros fatos poderiam ser estudados acerca da construção retórica da Igreja Católica. Ele foi considerado por muitas pessoas como o ―Papa da mídia‖. Sua figura é exposta

em todo o mundo e não é somente relacionada com as questões católicas, mas muitas vezes com questões políticas. Sendo assim, como funciona a prática diplomática e discursiva da Igreja Católica através da retórica? Para tal, foram escolhidas duas práticas retóricas distintas em dois momentos diferentes deste papado (1978-2005): a Mediação de Beagle (1979) e a invasão do Iraque (2003).

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Estados Unidos e União Soviética porque o ―fantasma‖ do comunismo rondava aquela região. Metade dos Católicos do mundo estão na América Latina, o que torna uma região de extrema relevância para a Igreja. E é neste mesmo território abundantemente católico que a Igreja comandada por João Paulo II daria um grande passo em direção à visibilidade mundial através de uma construção retórica: o papel de mediação. Já aparece aqui um fato interessante, pois a mediação se dá entre dois países e não entre duas instituições religiosas. Chile e Argentina disputavam o controle do Canal de Beagle e quase chegaram a guerrear entre si. Tanto o governo chileno quanto o governo argentino encabeçados por ditadores militares, pediram formalmente ao Vaticano a mediação a fim de guiá-los em uma busca pacífica desta controvérsia.

No dia 11 de setembro de 2001 o mundo foi surpreendido com aviões comerciais sendo usados como armas no maior ataque terrorista da história dos Estados Unidos. Estima-se que morreram em torno de três mil pessoas decorrentes destes ataques. De setembro de 2001 até março 2003, João Paulo II entrou em uma ―batalha‖ diplomática

entre os Estados Unidos e o Iraque tentando evitar que os norte-americanos invadissem o país do Oriente Médio, fato que acabou por ocorrer no mesmo mês de março de 2003.

Nos dois casos escolhidos, João Paulo II se utiliza da retórica para intervir. Seu discurso é produzido à luz da doutrina católica. Entretanto, o mundo se encontra em um período onde a referencia religiosa não mais condiciona a vida das pessoas. Existem diversas expressões religiosas além da católica. Se um discurso é reflexo da condição em que é produzido e a doutrina católica se encontra em um período de questionamento e incerteza, como João Paulo II pode tornar-se uma das mais conhecidas figuras do século XX? Certamente isso só pode ser operado através do político.

Venho de um curso de graduação em Relações Internacionais. Neste meio, são escassos os estudos que buscam analisar a Igreja ou a própria religião como fator político que atua no cenário global. É comum entre especialistas em relações internacionais a temática religião figurar somente quando o assunto é o terrorismo e, muitas vezes equivocadamente, fundamentado no islamismo. Penso que neste meio a religião vai muito além deste fato.

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que vemos é que a religião se modificou, mas não sumiu nos dias de hoje. Poré m, penso que tal proposta de se analisar a Igreja Católica focando especificamente como se constrói e como funciona seu discurso em situações distintas seria de grande contribuição interdisciplinar: mostrar que a Igreja, com suas bases teológicas, consegue se posicionar diplomaticamente no cenário global em praticamente qualquer tipo de questão, sem necessariamente reforçar sua característica episcopal nem de se distanciar dela. Isto só é possível a partir de uma sólida construção retórica. Se não houvesse habilidade no uso da palavra, não haveria como se proceder tais construções.

Atualmente, vasculhando o banco de teses da CAPES, encontramos diversas teses e dissertações com a temática da retórica em si. Diversas teses e dissertações acerca do papel da Igreja, modernidade e secularização, e muitas outras sobre João Paulo II. Mas há pouca incidência de teses e dissertações que englobem a análise retórica acerca de fatos do papado de João Paulo II. Isto indica que esta dissertação pode ser de grande importância para a análise da retórica que envolve fatores políticos e religiosos.

A grande maioria dos termos que são utilizados nesta pesquisa são oriundos de renomados autores sobre retórica. Tereza Halliday é uma renomada autora, poeta, ficcionista, jornalista, tradutora, professora universitária e ensaísta. Ela oferece um rico método de análise de discurso em seu livro de 1988 intitulado Atos Retóricos, mensagens estratégicas de políticos e igrejas. Este método foi adotado nesta dissertação ao se analisar os discursos de João Paulo II.

Outro grande pensador sobre retórica é Chaim Perelman. Ele possui diversas obras, como Retóricas (2004) e Tratado de Argumentação: A nova retórica (2005), sobre o tema e mostra a dimensão da retórica nos dias de hoje. A retórica ganhou uma conotação negativa ao longo de sua existência, pois a persuasão é seu objetivo. Perelman acaba com a conotação pejorativa resgatando a função da retórica nas suas origens em Aristóteles.

Oliver Reboul, um pensador francês, segue a linha de argumentação de Perelman em seu livro chamado Introdução à retórica (2004). A principal contribuição deste autor está em uma exposição sobre as figuras de linguagem que são características da retórica. Um discurso pode ser persuasivo ou não. Para que se caracterize como tal, são necessárias algumas figuras específicas desse tipo de linguagem.

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retórica e do discurso é um reflexo do contexto social, o livro Discurso e mudança social (2001) de Norman Fairclough oferece uma grande contribuição da natureza do discurso. Como o papado de João Paulo II foi característico pelo uso do político, o discurso político também merece destaque. Para tal, o livro Discurso Político (2006) de Patrick Charaudeau oferece uma rica análise do funcionamento e criação do discurso político. Assim, termos da natureza da retórica e discurso político são frequentemente encontrados neste texto.

Só é possível fazer análise retórica de um texto se você tem acesso a este texto. A documentação utilizada para se concluir a proposta deste trabalho provém de fontes diferentes. Sobre o Canal de Beagle, João Paulo II proferiu discursos e alocuções em audiências públicas no Vaticano. Estes discursos foram encontrados na maioria em sua íntegra no site do Vaticano. Como se tratava de uma mediação a nível internacional, a versão definitiva da mediação e do tratado de paz encontra-se disponível na documentação da ONU, acessível também via internet. Esta ferramenta moderna de comunicação facilita o trabalho do pesquisador em casos como este.

Em relação à invasão no Iraque, a prática diplomática por parte da Santa Sé foi coberta pelo jornal do Vaticano, chamado de L’Osservatore Romano (Observatório Romano). Ele possui edições quinzenais em diversas línguas e, dentre elas, o português. Com um panorama cronológico dos eventos pré-invasão iraquiana, foi possível localizar nas edições deste jornal os discursos tanto de João Paulo II, como também dos cardeais que foram figuras presentes nestas práticas diplomáticas.

Essa dissertação está distribuída da seguinte maneira: no primeiro capítulo, tratamos do discurso político na retórica religiosa, para tal explanamos o que é retórica, discurso, e discurso político. Como a retórica é religiosa, é carregada de simbolismos. Neste mesmo capítulo é apresentado um panorama da retórica católica à luz da construção do simbólico que a envolve. Como a retórica é reflexo da realidade social, também é imprescindível e encontra-se presente no primeiro capítulo uma análise sobre as condições sociais da atualidade: secularização, pluralismo, desencantamento e modernidade.

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desta instituição, João Paulo II ganha destaque. Neste mesmo capítulo existe um breve bosquejo da sua história pessoal, até os tempos de Papa. Como foi um longo papado e com grande visibilidade, o político não poderia ficar de fora. Elegemos como o fator principal desta condição política a queda do comunismo no Leste Europeu. Portanto, neste capítulo existe uma reflexão sobre este fato marcante no mundo no final do século XX.

O terceiro capítulo desta dissertação foca especificamente a análise retórica. Foi utilizado o método proposto por Tereza Halliday (Atos retóricos, mensagens estratégicas de políticos e igrejas, 1988). Este método fornece uma sólida base de análise retórica dividindo a análise em seis partes diferentes, onde são considerados : os antecedentes retóricos, as limitações dos discursos, a anatomia do discurso, sua interpretação e o seu julgamento. Consequentemente, este capítulo oferece uma grande contribuição para além do discurso em si, pois foram exploradas as questões que envolvem o discurso: questões históricas e conceituais que estão diretamente ligadas às relações internacionais.

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Capítulo I

Os efeitos do discurso político na retórica religiosa católica

“Retórica é a arte de persuadir pelo discurso”

Olivier Reboul

Introdução

De que maneira o discurso político age sobre a retórica religiosa? Este primeiro capítulo trás à reflexão a retórica católica, privilegiando o período do pontificado do Papa João Paulo II à luz das teorias de autores especialistas em retórica. Para tal, a primeira parte deste texto faz um pequeno panorama histórico acerca da ―retórica‖,

desde suas origens na antiga Grécia até alguns dos pensadores contemporâneos, como Chaim Perelman e Tereza Lucia Halliday. Discutiremos acerca do conceito de discurso, passando por autores como Norman Fairclough e Eni Orlandi. Na análise do discurso político apoiaremos a nossa reflexão em autores como Patrick Charaudeau. Nele procuramos definir o que é e como se constitui o discurso político. Em um segundo momento, mostraremos como os grupos religiosos estruturam sua retórica através do discurso, focando a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e os efeitos da

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1.1 A retórica religiosa católica e a construção do discurso

político da Igreja Católica

A retórica sempre esteve presente no cotidiano das sociedades e possui diversas definições e usos. Entretanto, todas elas estão relacionadas à persuasão.

1.1.1

- O que é retórica?

A análise retórica é um método de análise do discurso embasada nos preceitos da filosofia e da retórica antiga. Há muito tempo a humanidade se preocupa acerca do efeito das palavras, o que ocasionou o desenvolvimento da arte do discurso, arte esta que interfere nas crenças e atitudes das pessoas. Na antiga Grécia, mesmo filósofos anteriores a Platão e Aristóteles, como Córax e Tísias (século V a.C.), refletiam sobre o poder persuasivo dos discursos, descrevendo seu funcionamento e seu poder de interferência em quem os ouvia. Surge assim a ―Análise Retórica‖.

Em seus primórdios, a retórica tinha por função avaliar principalmente peças de oratória de pregadores religiosos e políticos. Nos dias de hoje, a Análise Retórica permite identificar elementos de persuasão presentes em qualquer tipo de comunicação. De acordo com Luís Rohden1, a partir do conhecimento destes pensadores antigos e da

sistematização dos conhecimentos até então produzidos, Aristóteles desenvolve suas próprias reflexões, organizando um sistema retórico valorizado ainda hoje nos estudos sobre retórica e argumentação. Para Rohden, Aristóteles sistematiza os fundamentos da persuasão no discurso descrevendo a natureza e a origem dos diferentes argumentos e criando uma teoria do discurso voltada para o exercício da argumentação.

Segundo Halliday2, para Aristóteles existiam dois tipos de conhecimento: as ―verdades imutáveis‖ da natureza, conhecidas como theoria, que pertencia ao campo da ciência; e as ―verdades contingentes‖, conhecidas como phronesis, podendo ser considerada como a sabedoria prática. Para ele, as verdades contingentes eram frutos de um esforço de reflexão, uma ciência que não se limita ao conhecimento, e tinham por função melhorar a ação do homem. Aristóteles também procurou descrever claramente

1 ROHDEN, Lu ís. O poder da linguagem: a arte retórica de Aristóteles. Porto Alegre, EDIPUCRS,

1997. p.07-14.

2 HA LLIDA Y, Tereza. Atos Retóricos: mensagens estratégicas de políticos e igrejas. São Paulo,

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os fenômenos da ação humana por intermédio do exame dialético das opiniões dos homens sobre esses fenômenos. Para o filósofo grego, é a partir da opinião que se torna possível atingir o conhecimento. Portanto, a retórica é a faculdade de enxergar, de acordo com cada caso, o que é capaz de gerar a persuasão.

Quando uma prática discursiva consegue atingir seu objetivo, chamamos este fenômeno de construção retórica: fenômeno no qual seus participantes fazem uma leitura retórica da situação em questão e fazem parte propriamente desta construção, sejam como produtores, co-produtores ou receptores deste discurso. Para Chaim Perelman3, a retórica tem basicamente a função de adesão: O objeto desta teoria é o

estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento.Perelman4 afirma ainda que neste diálogo crítico o que se põe à prova é a tese de um interlocutor ou até mesmo uma hipótese que este possa sustentar.

Segundo Reboul5, quando um orador pretende convencer ou persuadir uma plateia utilizando o artifício do discurso, este orador emprega argumentos para falar à razão, busca fazer com que o ouvinte sinta que o discurso do orador possui uma ló gica. Assim, técnicas para manter uma organização discursiva e a expressividade das palavras com a finalidade de despertar a sensibilidade do auditório são extremamente utilizadas e fazem com que o ouvinte mantenha sua atenção na imagem criada de alguém com credibilidade e que porta a legitimidade suficiente para propor sua opinião. Por outro lado, a preocupação com a subjetividade também aparece nos estudos de linguagem e nas ciências sociais, fato que expõe a relevância desta característica na formulação e elocução do discurso. A subjetividade do discurso age tanto no que se refere ao orador, como ao que se refere aos ouvintes. Este aspecto do discurso acaba por criar uma relação de subjetividade e interdependência entre ambos os atores retóricos – oradores e ouvintes.

Lineide Mosca6 afirma ser possível verificar a mobilização das paixões de um auditório através das representações do comportamento deste público ou até mesmo através de ações ou situações que possam desencadear as emoções desejadas. Existem desde a antiguidade clássica três pilares que trabalham exatamente com a questão da

3 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica.

São Paulo, Martins Fontes, 1996. p. 05

4 Idem. Retóricas. São Paulo, Martins Fontes, 1997. p. 07

5 REBOUL, Oliv ier. Introdução à retórica. São Paulo, Martins Fontes, 2000. p. 36

6 MOSCA, Lineide A atualidade da Retórica e seus estudos: encontros e desencontros in Rhetoric.

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razão e paixão. Junto de mais um aspecto relacionado à imagem, são estes pilares que fundamentam a retórica: Logos, Pathos e Ethos. Segundo Reboul:

(...) a retórica, d iz Aristóteles, compreende três tipos de provas (pisteis) como meios de persuadir: os dois primeiros são o ethos e o pathos [...]; constituem a parte afetiva da persuasão. O terceiro tipo de prova, o raciocín io, resulta do logos, constituindo o elemento propriamente dialético da retórica. 7

À luz dos conceitos de autores especialistas em retórica, pode-se afirmar que o

ethos consiste na credibilidade, na imagem do orador. Seja qual for a fonte de sua credibilidade - cultural, estado social, capacidade intelectual - tais qualidades podem

levar um auditório a acreditar em uma ―verdade‖. Já o pathos é oriundo das paixões e emoções dos ouvintes. A forma como o orador desperta as emoções em seu público faz eco ao peso do pathos em seu discurso. O logos é o contraponto do pathos: representa a lógica, o racional do discurso. Embora aparentemente pathos e logos soem como antagônicos, ambos os conceitos fazem parte da retórica. Para Mosca8, a formação de um ethos está ligada a questões de identidade. Seja este ethos coletivo ou individual, ele encontra-se em um jogo de representações que se dá entre as partes envolvidas no processo de trocas comunicativas e de constituição das respectivas identidades. Trabalhando com representações de si próprio, o ethos também absorve representações do ouvinte, através de seu pathos.

Em nossa pesquisa trabalhamos com a ICAR, portanto, vale ressaltar neste momento que ethos, pathos e logos são pilares que funcionam muito bem quando se trata da Igreja Católica em sua hierarquia e retórica. Por exemplo, se ethos consiste em credibilidade, imagem do orador independente de sua fonte, um arcebispo, um cardeal ou até mesmo o Papa podem criar um ethos legítimo de uma determinada retórica na medida em que agem como porta-vozes da instituição, pois possuem credibilidade e criam uma identidade com seu auditório, muitas vezes os próprios fiéis9. Tal condição pode ser decisiva e levar um auditório a acreditar em uma ―verdade‖. Reboul10 afirma que uma construção retórica só é possível se houver um acordo prévio entre o orador e o

7 REBOUL, Oliv ier. Ib id. p.36 8 MOSCA, Lineide. Ib id. p.07

9Nos próximas páginas iremos discorrer sobre quem ―porta a voz‖ da ICAR e sobre a credibilidade desta

voz.

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seu auditório (seja ele qual for). Para ele, ―a regra de ouro da retórica é levar em conta o auditório‖, pois os argumentos mudam segundo o auditório. Entre o orador e o auditório

tem de necessariamente haver este acordo, o autor afirma que ―é impossível que um se dirija ao outro se não houver entre ambos um acordo prévio‖. É neste acordo que reside

o verossímil que trabalha a retórica, este acordo está na presunção que se tem. Para ele,

o ―verossímil é a confiança presumida‖.11

Se pensarmos em algum líder de alguma seita, à luz do que pensa a maioria de seus seguidores, a sua mensagem possui legitimidade, isto é, quem confere legitimidade a uma peça retórica e seu orador são os ouvintes. Porém, quando uma mensagem deste porte consegue chegar a um público distinto de seus seguidores, pela divulgação da informação por um veículo como a internet, por exemplo, esta mensagem não terá legitimidade nenhuma perante este público. Este público distinto não reconhece o

―profeta‖ desta seita como líder, o verossímil deste líder pode não o ser para o auditório, a verdade que para um é diferente do outro não possibilita este acordo prévio, o que faz com que sua mensagem não funcione em tais condições. Pode-se afirmar, então, que a retórica, como força que age sobre a vontade e o entendimento de um determinado grupo, combina as capacidades intelectuais e afetivas, tratando-as como indissociáveis, possibilitando a influência de aspectos subjetivos na construção de seus discursos.

Halliday12 trabalha ainda com condições e fatos que propiciam o acontecimento do fenômeno retórico: a Situação Retórica e Ato Retórico. Para ela, Situação Retórica abrange pessoas, eventos, objetos, entre outros , que se apresentam em situações nas quais certo tipo de discurso é capaz de influenciar o pensamento ou a ação de determinada audiência, acarretando uma modificação positiva para o orador deste discurso em questão. A autora denomina este orador como retor. Quando Halliday afirma que somos seres retóricos, pois usamos a linguagem como instrumentos de mudança, reforço ou adesão à valores, sentimentos, posicionamentos, o fazemos justamente porque respondemos aos ditames de uma situação. Essa autora afirma ainda

que quando um retor ―se importa‖ com certa situação ou meramente tem algum

interesse em modificá-la, é porque esta situação possui alguma instância plausível de ser modificada através do discurso. Isto só é possível porque somos seres simbólicos, um composto de realidade objetiva junto com a interpretação das pessoas que a vivenciam.

11 Idem, Ibid. p.165

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Sendo assim, é possível afirmar que a retórica é uma construção social que carrega em si um poder simbólico significativo13.

Por Ato Retórico, a autora entende como a transmissão de uma mensagem caracterizada como ação simbólica, para promover ajustes ao ambiente em questão. Seja tal transmissão por um retor ou através de um texto. Tal transmissão é uma tentativa intencional criada para superar obstáculos em uma determinada situação retórica, sobre uma determinada audiência, com uma determinada questão, buscando um determinado objetivo. Portanto, é elaboração de um autor humano com um propósito especifico. Daí ser importante salientar que se a retórica é a arte de influenciar um determinado auditório, tal discurso necessariamente tem que estar de acordo com argumentos de persuasão que sejam compreendidos pelo auditório. O público ouvinte deve ser capaz de acompanhar a linha argumentativa organizada pelo orador. Ou seja, a qualidade técnica da argumentação está relacionada ao grau de conhecimento, em determinado assunto, do auditório a quem se dirige.

Quem quer persuadir, se utiliza da retórica para tal fim. A retórica é ação do homem sobre outros homens, utilizando-se de estratégias de convencimento e de persuasão, visando mudar ou manter uma determinada situação ou um determinado ponto de vista ou atitude. Este retor faz uso de diversas técnicas de discurso para buscar seu objetivo, caminhando entre a razão e a paixão, seduzindo seu auditório para seu objetivo. Sob a perspectiva em que se coloca a retórica, é imprescindível contar com as reações dos destinatários (avanços, recuos, concessões, agressões, etc.). A argumentação só é tida como eficaz quando chega a persuadir o outro, não bastando a simples apresentação das provas e das razões.

Tereza Halliday14 aponta seis passos do método de Análise Retórica que permitem compreender o fenômeno retórico, descrevendo todos os componentes de uma situação retórica: as motivações implícitas e explícitas do emissor, as expectativas dos receptores e as contingências do contexto. A autora subdivide o fato cabível de a nálise retórica em seis momentos que acabam por se interligar uns com os outros e mostra seis passos para que seja feita uma análise retórica através das condições que expõe. A autora divide uma questão retórica em antecedentes da situação retórica; proble ma retórico; anatomia e fisiologia do ato retórico; as contingencias do discurso; interpretação do ato retórico; julgamento do ato retórico. Devido à clareza e praticidade

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deste método de abordagem, esta pesquisa utilizará este método de análise de situações retóricas pré-definidas no decorrer do papado de João Paulo II.

Vamos por partes:

a) Primeiro passo: Os antecedentes da situação retórica

Neste primeiro momento da análise retórica, é necessária uma pesquisa com o intuito de reconstruir os elementos históricos, políticos e culturais da situação escolhida para análise. São estes os elementos que caracterizam esta situação problemática como situação retórica. Para tal, as fontes de dados são de suma importância neste momento deste processo. Assim sendo, é possível afirmar que uma boa contextualização é o primeiro passo e um alicerce sólido para uma boa pesquisa de análise retórica. Assis da Silva15 se utiliza do método de Halliday na análise retórica do documento pontifício

Libertatis Conscientia, assinado pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger, ex-Santo Ofício, acerca das produções teológicas dos teólogos latino-americanos conhecidas como Teologia da Libertação. Se utilizando do método de Halliday, Assis da Silva faz um panorama dos acontecimentos acerca deste documento e chega à conclusão que o documento em si tornou-se o ápice da confrontação entre tais teólogos e o Vaticano. O autor contorna até o primeiro acontecimento-chave desta beligerância católica, a publicação de um livro de Leonardo Boff, o qual continha idéias e conceitos que poderiam ruir com dogmas milenares da Igreja e que despertou a necessidade de resposta do Vaticano. O caminho percorrido por Assis da Silva para demonstrar que a situação retórica tem de ser bem embasada e descritiva arrazoa a importância deste primeiro passo do método de análise de Halliday.

b) Segundo passo: O problema retórico

Neste momento é muito importante conhecer a natureza do problema retórico. O que é o problema retórico? Ou qual é o problema retórico? A dificuldade a se explanar seria o conflito ou desequilíbrio entre um público e um orador? Tal problema retórico é uma equação entre o que temos e o que queremos ter. Assis da Silva neste momento de sua pesquisa define a Libertatis conscientia como um ato retórico, um ato de comunicação, de caráter oficial, que se deu entre a Cúria Romana, naquele momento representado pela Congregação para a Doutrina da Fé, por meio de um documento assinado pelo seu porta-voz, Joseph Ratzinger, destinado a um grupo de teólogos

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produtores de um discurso que ganhou notoriedade com o nome de Teologia da Libertação. Assim, o problema retórico é um conceito que inclui todos os obstáculos enfrentados pelos comunicadores.

c) Terceiro passo: Anatomia e fisiologia do ato retórico

Aqui se identifica a forma como o discurso ganha corpo: vocabulários, figuras de linguagem, metáforas e slogans que constituem a própria estrutura do discurso. Segundo Halliday Faz-se necessário identificar cada parte do ato retórico, fazendo um levantamento de seu vocabulário, argumentos e figuras de linguagem, que constituem a anatomia do discurso16”. Assis da Silva continua sua análise retórica deste caso do conflito entre a Teologia da Libertação e a Congregação para a Doutrina da Fé, buscando elementos nos discursos de Leonardo Boff, nos encontros de Boff e Ratzinger e nos documentos oficiais do Vaticano. Ele aponta que uma primeira reação de Roma confronta a TDL, enquanto em um segundo momento a reação busca doutrinar tais teólogos, por exemplo. A primeira reação vinda de Roma chamava-se Libertatis nuntius, onde Assis da Silva afirma que ―o Vaticano não oculta o teor de advertência, de admoestação‖. Enquanto num segundo momento, o Libertatis constientia, segundo Assis da Silva, afirma que a ―Santa Sé procura, a partir de sua própria concepção teológica, ensinar o verdadeiro sentido da libertação na teologia‖.17

d) Quarto passo: As contingências do discurso

Neste ponto é necessário saber usar as limitações e restrições do discurso, as condições que lhe podem ser favoráveis também. Este quarto passo do método de Halliday mostra que a autora considera que todos os discursos tem suas limitações:

Toda mensagem ou ato retórico sofre limitações e restrições que contribuem para moldar-lhe o conteúdo e a forma.”18 Na sua análise retórica, Assis exemplifica que a Cúria via uma certa habilidade em Boff, na medida em que ele criou ―em torno de si um clima de mobilização nacional e internacional‖ graças ao qual se tornou capaz de inibir

―qualquer iniciativa de Roma em puni-lo‖ em um primeiro momento. Ou seja, tal

habilidade que Boff teria demonstrado fez parte naquele momento de sua retórica, pois ele conhecia as limitações de seu discurso e se precaveu, à sua maneira é claro, uma

16 HA LLIDA Y, Tereza. Ib id. p.126

(23)

possível represália da Santa Sé, afetando assim também a construção retórica da Congregação para a Doutrina da Fé. Portanto, saber até que altura pode alcançar seu discurso é de suma importância para o orador.19

e) Quinto passo: A interpretação do ato retórico

A interpretação do ato retórico para Halliday é a combinação dos fatores acima à luz de um marco teórico ou de acordo com a formação do analista. O ato retórico deve ser interpretado à luz de um arcabouço teórico/filosófico que contribua para uma visão mais profunda do discurso e suas circunstâncias”.20 Assis interpreta o documento do

Vaticano como uma estratégia de consenso entre a Cúria e a TDL. O Vaticano, diferentemente do primeiro documento, procurou identificar-se com as teses de Leonardo Boff. Fala em libertação, porém à luz de seus dogmas romanos, buscando assim manter a unidade da instituição. Procura-se aqui ressignificar a ―libertação‖ que

teria recebida outras significações por causa do cunho marxista.

f) Sexto passo: O julgamento do ato retórico

Este passo indica como avaliar um ato retórico segundo alguns critérios pragmáticos, estéticos ou éticos. O avaliador pode escolher um destes critérios ou a combinação deles para realizar sua análise. Bem como tal passo pode não ser concretizado, vez que o julgamento do ato retórico não é estritamente necessário. Assis da Silva, na sua análise, julga o ato retórico pela sua eficácia em condenar a TDL em seus excessos e chamar os seus defensores à ortodoxia da Igreja. Halliday21 afirma que neste momento da análise retórica, o pesquisador assume uma postura de juiz, um

avaliador do fenômeno retórico pesquisado e que isto implica em uma ―certa dose de subjetividade‖. Assim, a fim de minimizar tais riscos que permeiam este momento da

pesquisa, a autora defende que ―o julgamento do ato retórico deve obedecer a critérios previamente escolhidos e explicitamente anunciados. Ela exemplifica estes critérios como pragmáticos ou de efeitos, como estéticos ou de qualidade e critérios éticos ou de valor.

Por critério pragmático, Halliday encara a retórica como ação persuasiva, onde a avaliação do pesquisador busca enfatizar a relação do ato retórico com os seus

19 Nas pró ximas páginas o conceito de discurso será exp lanado e discutido mais profundamente. 20 Idem, Ibid. p.129

(24)

objetivos, questionando em até que ponto tal ato retórico foi eficaz em responder as necessidades do retor, as contingências da situação e de sua audiência. Este foi o critério usado por Assis da Silva no exemplo de análise retórica sucintamente exposta nos parágrafos acima.

Já o julgamento por critério estético é feito não por sua capacidade de mudar atitudes de ouvintes ou de tentar levar um auditório a ações específicas, mas sim é

julgado por sua ―natureza humanizadora, sua beleza, sua capacidade de ‗tocar‘ a alma

humana, reforçando valores e anseios universais‖.22 Halliday cita como exemplo o ―Discurso de Gettysburg‖ de Abraham Lincoln. Este discurso não foi eficaz em unir o

norte e o sul no período da Guerra Civil Americana, porém tornou-se um dos textos mais belos da língua inglesa.

Portanto, na avaliação do ato retórico por critérios éticos, há uma busca das conseqüências psicossociais no discurso. A avaliação reside no mundo dos valores. Por isso, afirma Halliday que o avaliador precisa estar munido de uma ―consciência apurada de seus próprios valores e dos valores prevalecentes na sociedade que foi palco do ato retórico. Assim, questionar até que ponto o ato retórico contribuiu para dignificar, mediocrizar ou degradar a condição humana se encaixam como artifícios válidos na hora da avaliação.

Assim sendo, o método de Halliday se mostra claro e conciso, e este será o caminho a ser utilizado para a proposta de análise retórica desta pesquisa.

1.1.2 - O discurso político

Como vimos anteriormente, a retórica é a arte da persuasão através da palavra. Uma palavra solitária, dita sem qualquer perspectiva pode até ter algum significado sem um contexto ou pano de fundo. Porém, esta palavra solitária não é capaz de exercer persuasão. A retórica busca a persuasão através da util ização de palavras e só funciona como instrumento de persuasão se inserida em um determinado contexto. Assim, o ato retórico somente terá efeito se utilizado junto de outras palavras, capazes de suscitarem emoções, seduzir ou até fomentar a racionalidade de seu ouvinte.

(25)

Para tal, outro meio de persuasão se mostra presente na prática retórica. Assim, um dos melhores dispositivos de enunciação destas palavras é através do discurso.

Para Fairclough23, discurso é um conceito de difícil definição porque existem muitas delas conflitantes e sobrepostas. O autor afirma que na lingüística, o discurso é usado para designar um diálogo falado, contrastando com textos escritos. Ele ainda

aborda que ‗discurso‘ engloba a interação entre falante e receptor ou leitor e escritor.

Diferentemente das definições anteriores, o autor ainda afirma que ‗discurso‘ pode ser usado para caracterizar determinadas situações sociais, como ‗discurso de jornal‘ ou ‗discurso de sala de aula‘. Citando Michel Foucault, Fairclough ainda mostra que discurso é usado na teoria e na análise social com referência aos diferentes modos de se estruturar as áreas de conhecimentos e efetivamente as práticas sociais. Seguindo sua linha de pensamento, o autor afirma ainda que os discursos, além de refletirem ou representarem entidades e relações sociais, constroem ou constituem tais realidades. Assim, discurso é um conceito que possui variadas definições e funções, porém em todas estas funções, discurso caracteriza-se pelo uso da palavra para se chegar a um determinado objetivo.

Por sua vez, Eni Orlandi24 afirma que discurso é a capacidade do homem de significar e significar-se sobre determinada situação. O discurso é a linguagem necessária entre o homem e a realidade natural e social em que faz parte. O discurso é o

movimento desta relação. ―E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de

curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim a palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando‖.25 Para Orlandi o discurso é um objeto sócio-histórico no qual o lingüístico

intervém como pressuposto, sendo indissociável do conceito de discursos questões de língua e ideologia. Para se trabalhar com discurso, é necessário compreender a língua não somente como estrutura, mas também como acontecimento.

Thomas Reese26 afirma que, à sua época, Paulo VI passava muito de seu tempo examinando documentos escritos e muitos relatórios da Cúria Romana. Já João Paulo II gostava de tomar conhecimento verbal de tais documentos e relatórios, se interando com diversas pessoas. Não seria exagero afirmar que tal fato pode ser indício de uma

23FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília, Ed itora Un iversidade de Brasília,

2001. p. 21-24.

24 ORLANDI, En i Puccinelli, Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, Pontes. 2003. 25 Idem, Ibid. p.15

(26)

inclinação pessoal de João Paulo II pelo discurso e a tradição oral. Reboul27 defende que um discurso de um orador é diferente de um texto, pois, segundo o autor, ―ninguém fala ‗como livro‘, mas como gente‖. Para ele o discurso oral deve ser mais lento que uma

leitura, pois o auditório não pode perder o fio da meada. O discurso oral deve procurar ser redundante e a linguagem não é exatamente a mesma escrita, pois exige frases mais curtas, expressões familiares e concretas, etc. As figuras, defende o autor, pesam nestas condições, pois para melhor articular um discurso oral pode-se, por exemplo, usar ―pra‖ em vez de ―para‖. Em correspondência com a idéia inicial do parágrafo, Reese defende

que ―experiências diferentes e personalidades diferentes resultaram em papas com estilos administrativos diferentes‖.28 Parece que esta tendência de João Paulo II pende em direção ao viés político na medida em que sua inclinação pessoal por discursos e tradição oral permeiam não só externamente ao Vaticano, mas também internamente entre o pontífice e seus imediatos.

Patrick Michel29 também vai por esse viés político ao afirmar que o papado de João Paulo II foi extremamente político, pois ele foi o último papa em condições de dar crédito a ICAR justamente pelo uso do político. As considerações de ambos os autores não atendem, certamente, a todos os aspectos episcopais e políticos no período deste papado, porém podem ser considerados como indicadores de que o fator político se fez presente nos anos deste papa eslavo a frente da milenar instituição Igreja Católica Apostólica Romana.

A noção de discurso, além de ser imprescindível passar pela idéia da ―palavra‖,

também parte do pressuposto de que é uma construção social assim como a construção retórica. É a partir desta visão de discurso como prática social que esta dissertação foi desenvolvida. Fairclough30 afirma que o discurso vai além das palavras, reflete uma situação social, engloba pessoas e situações. Daí a sua afirmação que ―a prática

discursiva é constitutiva tanto de maneira convencional como criativa: contribui para reproduzir a sociedade (identidades sociais, relações sociais, sistemas de conhecimento e crença) como é, mas também contribui para transformá-la‖. Ele exemplifica que as

identidades de professores e alunos, e também as relações entre estas identidades que estão localizadas no centro de um sistema de educação, estão sujeitas à ―consistência e a

27 REBOUL, Oliv ier. Ib id.p.69 28 Idem, Ibid. p.241

29

LUNEAU, René e MICHEL, Patrick (orgs.). Nem todos os caminhos levam a Roma: As mutações atuais do catolicis mo. Petrópolis, Vo zes, 1999. p.345

(27)

durabilidade de padrões de fala no interior e no exterior dessas relações de produção‖. Ele conclui dizendo que a ―constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de idéias na cabeça das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sócio-materiais, concretas, orientando-se para elas‖.

Como afirma o título deste capítulo, pretendemos mostrar especificamente os efeitos do discurso político na retórica religiosa. Patrick Charaudeau31 apresenta uma excelente reflexão acerca da natureza, procedimentos, regras e funções do discurso político como processo de influência social. Ele trabalha com a questão da ―construção

de identidades‖ como sendo ―instâncias‖ do contrato de comunicação do discurso político. Assim, as condições e estratégias de persuasão estão diretamente ligadas à constituição de identidades que se revelam como máscaras; o discurso político articula-se entre as dimensões psico-sociológicas, como a identidade, e os papéis sociais dos interlocutores, suas relações sociais e os objetivos, com as dimensões propriamente lingüísticas que o caracterizam.

A reflexão de Charaudeau sobre o discurso político parte do pressuposto que a política é um jogo de máscaras, um jogo de ser e parecer em que supostamente a pessoa não é enganada. A máscara é o símbolo da identificação, segundo o autor, que faz com que as pessoas confundam o ser e o parecer, pessoa e personagem. A identidade, portanto, torna-se a imagem co-construída, resultante deste jogo de máscaras. Como conseqüência deste jogo de imagens, o discurso político fornece assim algo que é de

fato dito, mas também oferece algo ―não-dito‖, porém um ―não-dito‖ que também diz.

Descomplicando esta idéia de dito e ―não-dito‖, Charaudeau defende que mesmo algo que não se diz ou um momento de silêncio no meio de um discurso, por exemplo, também tem algo a expor mesmo que não seja necessariamente citado. O fato de você omitir palavras também passa uma mensagem. Assim, o autor conclui que o discurso político diz e não diz ao mesmo tempo e este não-dito também exprime posições e conceitos que podem ter o mesmo valor (ou até mais) do que uma palavra propriamente dita.

O discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao pé da letra,

(28)

numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano.32

Charaudeau sustenta que a natureza do discurso político provém do binômio: linguagem e ação. Este discurso funcionaria então como sendo um fenômeno oriundo da relação entre uma verdade do dizer e uma verdade do fazer, algo parecido como uma verdade da ação, como por exemplo, uma palavra de decisão, e uma verdade da discussão, que pode se mostrar através de uma palavra de persuasão ou sedução. Assim, o autor expõe um duplo fundamento do discurso político: uma mistura entre a palavra que deve fundar o político (discursos de idéias) e aquela que deve gerar a política (discursos de poder). Nesse sentido ele ressalta a relevância do afeto na persuasão e faz

um adendo ao ―mentir verdadeiro‖, pois para ele todo político sabe que lhe é impossível dizer tudo em todo momento. Aqui o conceito de discurso de Charaudeau se alia à idéia de verossímil de Reboul quando há um acordo prévio entre as partes, e uma confiança é presumida.

Charaudeau ainda toma emprestado da retórica um dos termos-chave de sua análise: o ethos, a construção da imagem de si. Para ele o discurso político deve ser assim definido: ―uma forma de organização da linguagem em seu uso e em seus efeitos psicológicos e sociais, no interior de determinado campo de práticas‖.33 De acordo com

sua abordagem, é no encontro com o diferente (outro) que as identidades e recursos sociais são ou não utilizados e que o discurso se constrói de uma forma ou de outra. Isso somente se constitui a partir de um processo dinâmico de interação social no qual a natureza do próprio intercâmbio e do discurso a ser produzido vão sendo continuamente modificados. Conclui que o discurso político está diretamente relacionado à vida social como governo e discussão, é lugar de engajamento do sujeito, de justificar sua posição ou de influenciar o outro.

O discurso, principalmente o discurso político, segue – à sua medida – os preceitos da retórica. O objetivo é persuadir, convencer, aderir o ouvinte à sua idéia ou

―verdade‖. O discurso é uma prática há muito tempo presente na ICAR e no cristianismo desde seu início, senão o que dizer das homilias, dos evangelhos e das epístolas apostólicas, por exemplo. Portanto, a prática discursiva é um objeto de grande

(29)

interesse dos membros da ICAR e pretendemos mostrar que se faz presente e relevante no jogo político internacional, muito além das portas da Igreja.

1.2

A retórica religiosa católica e a construção do simbólico

A retórica religiosa católica não seria possível sem a construção simbólica que lhe envolve.

1.2.1

A retórica religiosa católica e a construção do simbólico

Conforme foi abordado nas páginas anteriores, retórica e discurso caminham lado a lado. ―Retórica é a arte de persuadir pelo discurso‖.34 Assim, pode-se

afirmar que discurso é um elemento usado na retórica e ambos os conceitos são claramente construções sociais. Eles produzem reações em grupos determinados de pessoas que aderem ou não à idéia do orador. Se tratando de retórica, tomaremos emprestado alguns conceitos de Halliday. O primeiro deles é que o emissor da mensagem é chamado de retor; o fato que gera a prática persuasiva é chamado de situação retórica; ato retórico é a alocução do orador. Quando nos referimos ao discurso político ou ao papel político de algum sacerdote, utilizaremos o conceito de Patrick Charaudeau. Buscaremos nos aproximarmos ao máximo da sua definição de discurso pensando nesta construção social como um ato de comunicação, vez que as construções retóricas da ICAR fizeram parte do objeto de estudo da pesquisa que resultou nesta dissertação.

Para Charaudeau35, um ato de comunicação pode influenciar opiniões, induzir a rejeições ou até mesmo a consensos. Este é um ato que se utiliza do simbólico e imaginário, ritualizado, que constrói imagens de atores e se utiliza de estratégia de

sedução e persuasão. Ele afirma que o discurso ―resulta de aglomerações que estruturam parcialmente a ação política‖ e exemplifica estas situações citando comícios, debates,

(30)

apresentação de slogans, reuniões, ajuntamentos, marchas, cerimônias, declarações televisivas como exemplos. Para ele, esta prática faz com que sejam construídos

―imaginários de filiação comunitária‖, porém em nome de um comportamento comum,

ritualizado até certo ponto, e não em função um sistema de pensamento, mesmo que um meio perpasse o outro.

Charaudeau mostra que ―o discurso político dedica-se a construir imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e sedução, empregando diversos procedimentos retóricos‖. É por meio da construção de imagens dos atores envolvidos em um discurso, seja para seduzir ou persuadir, que o discurso político mostra uma lógica de valores relativos não ao verdadeiro, mas ao preferível. Neste contexto, as premissas são proposições na maioria das vezes aceitas e, conseqüentemente, pertencentes ao âmbito do verossímil, plausível, mutável, contingente, questionável – algo muito semelhante, para não se dizer igual, à retórica. Ou seja, o discurso político se utiliza das impressões, aparências e ambigüidades com o objetivo de convencer e persuadir. Nesta perspectiva, o auditório não se importa com as provas de demonstrações lógico-dedutivas, mas sim nas provas argumentativas que consentem em distinguir o melhor ponto de vista. Sendo assim, a coerção fica fora de questão, pois este sistema permite ao auditório um aparente poder de decisão e participação.

Pierre Bourdieu36 desenvolve sistemas de disposições sociais de diversos grupos e classes através da língua. Situações rotineiras de interação lingüística dentro de um determinado grupo são reflexos de situações sociais; a religião se encontra neste meio também. Para ele, se existem funções sociais na religião, é porque os leigos não esperam dela justificativas para amenizar o sofrimento, a doença ou o abandono, mas esperam também justificativas de sua posição na estrutura social. Bebendo em Max Weber, Bourdieu afirma que sociologicamente a mensagem religiosa mais eficaz para um determinado grupo social é aquela que dá justificativa ao leigo de existir enquanto ocupante de uma determinada posição social. A harmonia existente na mensagem religiosa que consegue se impor e não contradizer com os interesses políticos de certa camada social é oriunda da visão sociológica da religião.

Ainda segundo Bourdieu, a concorrência pelo poder religioso consiste na busca do monopólio, legitimidade e imposição de bases e práticas duradouras na visão de mundo do leigo. Ou seja, na criação de um habitus religioso. A forma dessas interações

(31)

entre os protagonistas e os leigos depende dos interesses e da autoridade religiosa de cada um: a posição na divisão do trabalho, capacidade de manipulação e a posição do dominador na estrutura objetiva de tais relações. A diferença entre os agentes criadores do habitus, os profetas e a Igreja, se dá na burocracia, não existente no trabalho do Profeta e abundante na Igreja, imersa em uma forma institucionalizada. Entretanto, a profecia não tem poder para modificar, de modo duradouro, a conduta de vida e visão do leigo. A força de cada agente nesta busca pelo monopólio dependeria da autoridade conquistada no decorrer desta luta. Legitimidade religiosa é o resultado de lutas passadas por esse monopólio. Por isso, enquanto o profeta precisa provar a todo instante suas capacidades, o sacerdote possui uma autoridade de função que o dispensa de tal provação. Em caso de fracasso, o feiticeiro pode ser morto, já o sacerdote possui meios de escapar, como culpar seu deus ou os próprios fiéis. Sendo assim, aqui ganha sentido a expressão de Weber reinterpretada por Bourdieu que a história dos deuses segue a flutuação da história de seus servidores.

Desde que este objeto de estudos tornou-se a religião oficial do Império Romano, a Igreja Cristã organizou-se institucionalmente na sua forma católica, apostólica e romana. Graças à sua expansão e apoio político, o cristianismo foi durante séculos a religião hegemônica do Ocidente. No decorrer de sua história, a ICAR teve períodos de quedas e ascensões. Na Idade Média conquistou e manteve um enorme poder espiritual e político. Seu poder econômico era grande, não só por causa de suas propriedades, mas porque influenciava também as decisões políticas dos reinos e até interferia na confecção de leis. Conseqüentemente, ela possuía grande poder político e jurídico. Talvez o poder mais importante dentre estes fosse o poder social e cultural, pois era a Igreja quem estabelecia padrões de comportamento moral para a sociedade.

(32)

Bourdieu37 afirma ainda que ―as produções simbólicas devem suas propriedades mais específicas às condições sociais de sua produção e, mais precisamente, à posição

do produtor no campo de produção‖. Ora, se a ICAR não possui mais o mesmo poder de

outrora, ela não ocupa o mesmo status hegemônico na produção do simbólico. Porém, é possível afirmar o quanto ela é habilidosa na reprodução de seu capital simbólico adquirido. É claro que não falamos aqui de uma instituição qualquer, mas sim de uma instituição duradoura de quase 2000 anos de história, talvez a maior que já existiu nesta forma institucionalizada, que perdurou por tanto tempo.

Reinterpretando Weber, Bourdieu38 afirma que o sacerdócio estabelece o que

tem e o que não tem valor sagrado, criando um sistema de defesa através de dogmas e doutrinas discriminatórias. Quando o conteúdo da tradição encontra-se ameaçado, aumenta-se a produção (ou reprodução) de escritos canônicos. A concorrência com o feiticeiro, ou com outras forças religiosas e não religiosas em tempos de pluralismo religioso, impõe ao corpo sacerdotal a necessidade de ritualização da prática religiosa, como culto aos santos, por exemplo. Ou seja, a Igreja possui capital simbólico para lutar pelo seu lugar no campo religioso buscando deixar sempre presente e atual suas doutrinas bebendo em dogmas e preceitos antigos. Vale ressaltar que, para Bourdieu, a Igreja só existe quando se monta um corpo de profissionais distintos do mundo e burocraticamente organizados. Neste caso, o carisma se desvincula da pessoa e passa a fazer parte da instituição, da função e do lugar ocupado por esta pessoa na instituição; é o carisma de função. Deste modo, a Igreja é completamente contra o carisma pessoal, transformando esse carisma numa pratica cotidiana.

Bourdieu39 também afirma em outro texto que a ciência do discurso deve levar em conta as condições da formação da comunicação, pois a condição de recepção está ligada a condição de produção; novamente pode-se remeter à teoria retórica e sua idéia de um acordo prévio entre as partes. A produção seria conduzida pela estrutura do mercado, ou seja, pela autoridade lingüística dotada de tal poder de construção. Para ele, esse poder é simbolizado pelo spektron, que remete à condição de uma palavra que

merece ser acreditada, obedecida. ―O porta-voz é um impostor provido do cetro (skeptron)‖. 40

37 Idem. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São Paulo, EDUSP, 1996. p.133 38 Idem, A economia das trocas simbólicas. São Pau lo, Perspectiva. 1987 p.81-98

(33)

―(...) o porta-voz dotado do poder pleno de falar e de agir em no me do grupo, falando sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que existe somente por esta procuração. Grupo feito homem, ele personifica u ma pessoa fictícia, que ele arranca do estado de mero agregado de indivíduos separados, permitindo-lhe agir e falar, através dele, ‗como um único homem‘. Em contrapartida, ele recebe o direito de falar e de agir em nome do grupo, de ‗se tomar pelo‘ grupo que ele encarna, de se identificar com a função à qual ele ‗se entrega de corpo e alma‘, dando assim um corpo biológico a um corpo constituído. Status est magistrus, ‗o Estado sou eu‘.‖ 41

Tratando especificamente de linguagem religiosa, Bourdieu afirma ainda que a linguagem ritual pode não funcionar se as condições sociais de produção dos emissores e dos receptores legítimos não forem garantidas, e que essa linguagem se desconserta na medida em que o conjunto dos mecanismos que lhe asseguram o funcionamento e as

reproduções do campo religioso cessam de funcionar. ―O poder das palavras é apenas o poder delegado do porta-voz cujas palavras (...) constituem no máximo um testemunho,

um testemunho entre outros da garantia de delegação de que ele está investido‖.42 Para

Bourdieu o porta-voz age em nome do grupo, com o capital do grupo, não com o seu capital simbólico pessoal. Caminhando por esta linha de raciocínio e oriundo de uma visão política do discurso, a legitimação da retórica religiosa está no fato de que ele não precisa ser necessariamente compreendido, mas reconhecido. Bourdieu registra que o

―porta-voz autorizado consegue agir com palavras em relação a outros agentes e, por meio de seu trabalho, agir sobre as próprias coisas, na medida em que sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o manda to e do qual ele é,

por assim dizer, o procurador‖. 43

Acompanhando Bourdieu, podemos perguntar: Quem é o legítimo porta-voz da ICAR? Ora, o reconhecimento de um determinado discurso só é possível quando ele é feito pela pessoa autorizada, conhecida e reconhecida por suas habilidades, aptas à classe de discurso em questão, em uma situação legítima, enunciado da forma legítima. Por isso mesmo, no caso da ICAR, podemos pensar em pessoas autorizadas, no plural, até porque o capital simbólico adquirido pela instituição ao longo de sua existência permite que tanto o Papa como um Cardeal ou até mesmo um Bispo possam ter

(34)

legitimidade para enunciarem atos retóricos, principalmente diante de seus fiéis, ou até

mesmo de ―carona‖ na própria instituição, na medida em que falam ―em nome‖ desta instituição.

Assim, partindo do pressuposto de que a ICAR possui diversos porta-vozes distintos, ela está sujeita a seus porta-vozes enunciarem sobre uma mesma questão pontos de vista distintos, dependendo, é claro, da situação retórica em questão. Tal fato pode contribuir decisivamente para a aceitação ou não de um discurso. Se para Bourdieu basta que um discurso seja reconhecido como legítimo e não necessariamente compreendido, o que dizer quando retores legítimos de uma mesma instituição enunciam discursos distintos e praticam diferentes atos retóricos sobre uma mesma situação retórica? Isto pode contribuir facilmente para a perda de credibilidade e legitimidade da instituição. Porém, quando retores distintos produzem atos retóricos similares sobre uma mesma situação retórica pode também contribuir para uma mais fácil aceitação da situação retórica em questão. Essa questão reapareceu nas posições anunciadas em público por vários atores (bispos e cardeais) quando deu-se a discussão pública dos casos de pedofilia na ICAR em vários lugares do mundo. Somente em curto prazo o Papa está conseguindo articular uma só fala da instituição sobre tão delicado tema.

Thomas Reese44 afirma que na Santa Sé é feito o máximo para se evitar que surjam discursos distintos sobre uma mesma questão. O Vaticano é uma instituição burocrática, subdivida em diversas áreas as quais estão sob a ba tuta do pontífice. Pela dimensão desta instituição, tanto internamente como externamente, é inevitável que visões distintas apareçam. Assim, afirma Reese:

Segundo o Cardeal Cassidy, se dois prefeitos [de Congregações Distintas] não podem concordar, ―o certo seria nos dirigirmos ao Santo Padre. Mas em geral chegamos a um acordo. Estamos todos trabalhando para o mesmo chefe, e por isso precisamos encontrar uma maneira de podermos dizer as coisas juntos. A Santa Sé não pode falar com três ou quatro vozes. Ela tem de falar co m u ma voz, e por isso tem de ser elaborada. Em geral, isso requer tempo, mas acaba se chegando a uma decisão, a u m arranjo co m que todos podem finalmente concordar.‖45

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