• Nenhum resultado encontrado

Economia solidária e relações de gênero na agricultura familiar: o caso do grupo produtivo mulheres decididas a vencer

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Economia solidária e relações de gênero na agricultura familiar: o caso do grupo produtivo mulheres decididas a vencer"

Copied!
101
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

DENISE CRISTINA MOMO

ECONOMIA SOLIDÁRIA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AGRICULTURA FAMILIAR: O CASO DO GRUPO PRODUTIVO

“MULHERES DECIDIDAS A VENCER”

(2)

DENISE CRISTINA MOMO

ECONOMIA SOLIDÁRIA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AGRICULTURA FAMILIAR: O CASO DO GRUPO PRODUTIVO

“MULHERES DECIDIDAS A VENCER”

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Administração, na área de Políticas Públicas.

Orientador: Washington José de Souza, Dr.

(3)
(4)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

ECONOMIA SOLIDÁRIA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AGRICULTURA FAMILIAR: O CASO DO GRUPO PRODUTIVO

“MULHERES DECIDIDAS A VENCER”

___________________________________ Denise Cristina Momo

Dissertação de Mestrado apresentada e aprovada em _____/_____/________ pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof.º Washington José de Souza, Dr.

Orientador - UFRN

_____________________________________ Prof.ª Anatália Saraiva Martins Ramos, Drª.

Examinador Interno - UFRN

_______________________________________ Prof. º Genauto Carvalho de França Filho, Dr.

Examinador Externo - UFBA

(5)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, fonte de minha existência, a Ele agradeço, por todas as conquistas em minha vida, e por me guiar no caminho da sabedoria.

Aos meus pais Angelo Pio e Leonor, que apesar de tantas dificuldades, me propiciaram condições de ser uma pessoa honesta e batalhadora, não impondo limites na busca de meus ideais.

Ao professor Dr. Washington José de Souza, que vem sendo muito mais do que um orientador, em seus exemplos de profissional dedicado junto a comunidade acadêmica, nas inúmeras oportunidades proporcionadas para meu aprendizado na área de Gestão Social, que muito vem contribuindo na minha formação como docente.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Administração PPGA/UFRN, pelos valiosos ensinamentos que contribuíram significativamente para minha formação.

Aos colegas da turma 33 em especial, a Elane e Fernando, em suas valiosas contribuições na elaboração de artigos e nas apresentações de seminários.

Aos amigos da Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Sociais e Solidárias (OASIS), em especial a Juarez, Abdon e Valdo, pelas inúmeras vezes que foram meu ombro amigo, pelo incentivo e pela ajuda no transcorrer da Dissertação.

Às principais protagonistas da pesquisa, as participantes do Grupo Mulheres Decididas a Vencer, que não mediram esforços para a realização desse estudo, abrindo a porta de suas casas, me acolhendo em todos os momentos que se fizeram necessários e participando com dedicação de todas as etapas da pesquisa.

Em especial a minha irmã Mariangela Momo, a qual foi muito mais que uma irmã, foi minha grande amiga em todas as fases da minha carreira de docente, a ela o meu eterno agradecimento.

A minha irmã Sadolange, e aos meus sobrinhos Stefano e Gabriel, pela ajuda com meu filho em tantos momentos que tive que me ausentar para desenvolver atividades profissionais e do mestrado.

(6)

(7)

RESUMO

A experiência da mulher no âmbito do trabalho produtivo altera relações intrafamiliares, permitindo-lhes maior liberdade, autonomia e independência. As desigualdades, socialmente construídas, de interiorização do papel da mulher, por sua vez, redundam em discriminações, dificuldades de inserção e valorização do trabalho feminino no mercado, inclusive com salários comparativamente inferiores em relação aos do homem, e dificuldades de acesso a serviços, além de cotidiano penoso no âmbito da esfera doméstica. A organização das mulheres em grupos produtivos ou Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) possibilita a organização socioeconômica e política promovendo mudanças consideráveis nas relações domésticas e sociais, posicionando, por exemplo, as mulheres em espaços públicos, em direção à emancipação. A pesquisa teve por objeto compreender as relações de gênero, no âmbito da agricultura familiar, a partir da inserção de mulheres em EES, no Assentamento de Mulunguzinho (Mossoró/RN). O referencial teórico está fundado nos conceitos de Economia Solidária, Gênero, Divisão Sexual do Trabalho e Empoderamento. A pesquisa tem caráter qualitativo e exploratório, realizada através de estudo de caso no Grupo de Mulheres Decididas a Vencer. Os dados secundários foram elaborados através de pesquisa bibliográfica

e os dados primários foram coletados através de entrevista semi-estruturada baseada no roteiro de entrevista aplicado as mulheres e respectivos cônjuges, pelo critério de participação da mulher em atividade produtiva de apicultura e caprinovinocultura. O estudo possibilitou concluir que a participação das mulheres em grupo produtivo de economia solidária alterou significativamente suas vidas e de seus familiares. O processo de organização do grupo, as formações recebidas, a produção de forma coletiva, a comercialização e a participação em mobilizações foram fundamentais para que as mulheres conseguissem socializar algumas das tarefas domésticas e de cuidados com os filhos. Essa constatação confirma o aspecto não econômico da economia solidária, transcendendo o valor monetário nas relações associativas, tendo como foco principal o bem estar dos indivíduos e a preocupação de como se dá a reprodução da vida de seus associados.

(8)

ABSTRACT

The Women’s experiences in the private sphere under the work’s field changes the family relationship allowing them more freedom, autonomy and independence. The inequalities, socially built, “homemade women’s obligations” results in discrimination, difficult to insert and recovery on female’s job in a job’s market, including low salary if compared with men’s and difficult to services’ access in addiction a difficult daily life and in domestic sphere. The women’s organisation in productive groups or economically solidary enterprises (ESE) torn possible the social economically organisations and politicians to promote deep changes in a domestically e socially relationship, positioning, for example, women’s in publics areas and in the rout of emancipation. The objective of this search are understand men and women relationship in the family agriculture’s field starts insert women in economically solidary enterprises (ESE) on Mulunguzinho’s settlement (Mossoró/RN). The theoretical framework is inspirited Economical Solidary concept kind division’s job and women’s empowerment. This search had a qualitative character and exploration through case’s study on “Mulheres decididas a vencer’s” group. The secondary information was create through theoretical framework and information collected through semi-structured interviews based in interviews applied for women and yours respective husbands by criterion for women participation on productive activities of beekeeping culture of goat and sheep. This study turns possible conclude that the women’s participations in productive groups in solidary economical change significantly their life and their family life. The group’s organisations process, the training was received, the collective production, the marketing and the mobilized participation to move it all was fundamental for women share with their families partners some homemade and take care with the children. This finding confirm a different aspect not economical in solidary economy overcoming the monetary value in associative relationship observing principally individuals well-being and the concern with the form of reproduction this way of life in the associated.

(9)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1- Razão do rendimento médio real do trabalho das mulheres em relação ao dos homens – 2003/2011...

15

Tabela 2- Pessoal ocupado nos estabelecimentos da agricultura familiar – Rio Grande do Norte – 2006...

27

Tabela 3- Características sócio-demográficas dos entrevistados em frequência e porcentagem...

52 Figura 1 - Atividades produtivas agrícolas/pecuárias realizadas por mulheres 32

Figura 2 - Atividades reprodutivas realizadas por mulheres... 33

Figura 3 - Tríade de Empoderamento... 49

Quadro 1 - Entrevistados... 51

Quadro 2 - Categorias e subcategorias de análise... 54

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AACC/RN... Associação de Apoio as Comunidades do Campo do RN ACI... Aliança Cooperativa Internacional

ANTEAG... Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão

CF8... Centro Feminista 8 de Março

CNES... Conselho Nacional de Economia Solidária CONAES... Conferência Nacional da Economia Solidária CONAB... Companhia Nacional de Abastecimento

COOAFAM... Cooperativa dos Agricultores e Agricultoras de Mossoró EES... Empreendimentos Econômicos Solidários

FBES... Fórum Brasileiro de Economia Solidária FEM... Fórum Econômico Mundial

FSM... Fórum Social Mundial

GOLD... Grupo de Oportunidades Locais e Desenvolvimento GTBES... Grupos de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária GTM... Genebra Terceiro Mundo

IBGE... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA... Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPEA... Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MAB... Movimento dos Atingidos por Barragens MST... Movimento Sem Terra

MTE... Ministério de Desenvolvimento e Emprego

OASIS... Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Sociais e Solidárias

ONUAA... Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação ONG... Organização Não Governamental

(11)

SENAES... Secretaria Nacional de Economia Solidária UNISINOS... Universidade do Vale do Rio dos Sinos

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

1.1 CONTEXTO E PROBLEMA... 11

1.2 JUSTIFICATIVA... 15

1.3 OBJETIVOS... 18

1.3.1 Geral ... 18

1.3.2 Específicos ... 18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA... 19

2.1 PENSAMENTO ECONÔMICO E RELAÇÕES DE GÊNERO... 19

2.2 RELAÇÕES DE GÊNERO NA AGRICULTURA FAMILIAR... 25

2.3 ECONOMIA SOLIDÁRIA E O EMPODERAMENTO DAS MULHERES... 36

3 METODOLOGIA... 51

4 RESULTADOS... 57

4.1 A TRAJETÓRIA DO GRUPO DE MULHERES DECIDIDAS A VENCER... 57

4.2 PERCEPÇÕES DE HOMENS E MULHERES SOBRE O TRABALHO FEMININO NA AGRICULTURA FAMILIAR... 65

4.3 EFEITOS DO TRABALHO DA MULHER NA DINÂMICA SOCIOECONÔMICA, NA VIDA E NAS RELAÇÕES INTRAFAMILIARES... 72 4.4 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NO CONTEXTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA ... 79 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 83

REFERÊNCIAS... 87

APÊNDICES... 93

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL... 93

APÊNDICE B – QUADRO DE RELACIONAMENTO ... 95

(12)

1. INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTO E PROBLEMA

A sociedade atual, centrada no sistema capitalista, imbuída de valores de mercado, gera dinâmicas de exclusão social, econômica e política atreladas ao seu funcionamento. Em contraposição na busca por alternativas frente aos valores e pressupostos da economia tradicional, proliferam-se iniciativas populares no campo da Economia Solidária que abriga, em seus princípios, a busca pela igualdade e pela participação econômica, política e cidadã. A Economia Solidária é, então um outro viés de economia, pois, está voltada para o bem-estar do indivíduo.

A economia capitalista tem em suas raízes a concepção de que somente é considerado válido o trabalho que gera valor monetário, produzindo lucro até um valor de rentabilidade desejada. As atividades que não são consideradas monetárias, que não geram valor de mercado, são relegadas ao trabalho não remunerado, chamado de trabalho invisível. Desta forma, apesar de sustentar o modelo capitalista de produção, com as atividades domésticas de cuidado da casa e dos filhos, as atividades tradicionalmente desenvolvidas no âmbito da casa, pelas mulheres, não são consideradas produtivas.

As atividades produtivas, não monetárias, desempenhadas pelas mulheres, são fruto de históricas construções sociais que foram posicionando-as como responsáveis por esse tipo de trabalho uma vez que a sociedade de mercado tem como pilar central o ganho monetário, o fator econômico é primordial para sua existência. Nesse tipo de sociedade, a preocupação com os indivíduos é apenas fator secundário. Para Polanyi (2000), a economia é plural, pois, existem formas distintas de produzir e distribuir riquezas - como a reciprocidade, a domesticidade e a redistribuição – tendo como foco principal a preocupação com a sobrevivência de seus membros. Por isso na sociedade de mercado, “Em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico” (POLANYI, 2000, p. 77).

(13)

simbólica na construção do masculino e do feminino e mostrar que essas construções não são naturais, mas, fruto das relações sociais. As lutas da organização feminina estão focadas na categoria de gênero, nas construções socialmente impostas para a condição da mulher na sociedade. O modo como as relações sociais ente homens e mulheres tem sido construídas geram desigualdades que podem ser identificadas no acúmulo de atividades desempenhadas pelas mulheres quando entram no mercado de trabalho, uma vez que continuam com a responsabilidade dos trabalhos domésticos e dos cuidados com a família. Historicamente, como demonstra Faria (2010), as desigualdades têm base em construção ideológica a partir de uma identidade focada na ideia de que o papel principal da mulher é ser “boa mãe” e sua realização se dá por meio dos afazeres domésticos e de práticas de cuidados.

A análise das trajetórias das mulheres demonstra mudanças que vêm ocorrendo no que é ser mulher desde princípios do século XXI, a partir da conquista do controle do corpo, no controle da natalidade, traduzindo importante ruptura na ideologia da responsabilidade da mulher somente no âmbito do lar. As gerações atuais de mulheres vêm conquistando novos espaços no mercado de trabalho, o que deverá ter repercussões nas gerações futuras. As mulheres estão se inserindo no mundo da cultura, da política e dos negócios e essa inserção está alterando as relações sociais a partir de vivências e posicionamentos que permitem novas perspectivas na construção de espaços de participação, controle social e gestão pública.

Apesar das mulheres terem avançado na conquista de espaço no mercado de trabalho, ainda não conseguiram a equidade de gênero no âmbito doméstico. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que, em 2007, 50,5% dos homens ocupados afirmaram cuidar dos afazeres domésticos, contra 89,6% das mulheres ocupadas que afirmaram cuidar dos afazeres domésticos. Por outro lado, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2007, demonstraram que houve aumento expressivo na proporção de famílias chefiadas por mulheres, passando de 24,9%, em 1997, para 33% em 2007, o que representa 19,5 milhões de famílias brasileiras. Esses dados demonstram que as mulheres, predominantemente, enfrentam duplas jornadas de trabalho, ficando responsáveis pela maioria das tarefas domésticas, além de trabalho remunerado fora de casa, ainda que, nos dias atuais, existam avanços na colaboração dos homens no trabalho doméstico.

(14)

pois, ainda “[...] é predominante, nas relações de gênero uma perspectiva demarcada pelo modo tradicional de divisão sexual de tarefas, que justifica e legitima para homens e mulheres a ausência masculina do espaço doméstico” (ALVES; PITANGUI, 1981, p. 19). Apesar de homens e mulheres hoje em dia ocuparem espaços iguais nos trabalhos fora de casa, prevalece a divisão sexual do trabalho na esfera doméstica. Ou seja, geralmente cabe somente à mulher esse tipo de trabalho.

O enfrentamento das desigualdades de gênero e a busca pela igualdade entre homens e mulheres fazem parte do processo histórico de lutas das mulheres no Brasil, história construída em diferentes espaços, de diferentes maneiras. As mulheres vêm questionando e buscando novos espaços, alterando gradativamente as relações de poder e a rígida divisão sexual de trabalho, tanto no âmbito doméstico e de cuidados dos familiares quanto na esfera do mercado de trabalho.

A Economia Solidária é vista como possibilidade concreta na transformação das relações sociais, incluindo relações de gênero, pois, tem como pressupostos a solidariedade e a cooperação entre seus membros (NOBRE, 2004), dimensões convencionalmente vinculadas ao universo feminino. A organização em grupos produtivos ou empreendimentos econômicos solidários possibilita a organização socioeconômica e política promovendo mudanças consideráveis nas relações domésticas e sociais, posicionando, por exemplo, as mulheres em espaços públicos, em direção à emancipação. Esses ambientes são responsáveis por criar espaços de interação democrática e equitativa, marcados pelo diálogo e por processos criativos e emancipatórios.

O crescimento do campo da economia solidária no Brasil demonstra a importância na transformação das relações sociais ocorridas, a partir da organização em empreendimentos autogestionários. Conforme dados do Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005/2007 (2009), foram localizados 21.859 Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) em 2.933 municípios do Brasil (correspondendo a 53% dos municípios brasileiros), com a maior concentração na região Nordeste (43,5%). A maior parte dos empreendimentos está organizada sob a forma de associação (52%), seguida de grupos informais (36,5%), organizações cooperativas (10%) e outras formas de organização (1,5%).

(15)

espaço democrático dentro dos grupos de economia solidária e em instâncias públicas proporciona situações de relações entre homens e mulheres mais igualitárias, criando novas práticas de gestão, nova cultura de trabalho e o exercício de práticas de justiça de interesse coletivo, onde homens e mulheres possuem os mesmos direitos e deveres (SPECHT, 2009).

A mulher tem predominância nos empreendimentos com menos de 10 sócios (58%) e o homem nos EES que possuem mais de 20 sócios (56% nos EES de 21 a 50 sócios e 59% nos EES com mais de 50 sócios). A participação exclusiva de mulher se dá em 3.900 empreendimentos, sendo que 2.100 são formados somente por homem (9%) e os demais (73%) são formados por homem e mulher. Há, portanto, presença de mulher na maioria dos empreendimentos, indicando possibilidades de inserção na esfera produtiva por meio da economia solidária (ATLAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL 2005/2007, 2009).

O crescimento do número de grupos produtivos organizados por mulher se dá mediante dificuldades das famílias com a subsistência, pela persistência do desemprego do marido e por dificuldades de acesso ao crédito e à propriedade (GUÉRIN, 2005). Frente a estes problemas a mulher se organiza em grupos produtivos para enfrentamento a processos de exclusão do sistema econômico vigente, saindo da invisibilidade dos serviços domésticos para a esfera produtiva.

Hoje os assentamentos rurais se inserem nessa realidade social, onde há poucas alternativas de geração de renda, situação agravada por crises, a exemplo da escassez de água na região Nordeste. Portanto, as mulheres assentadas possuem poucas alternativas de inserção no mercado de trabalho, restando-lhes os afazeres da casa e cuidado dos filhos e maridos. Esses fatos são vistos com naturalidade na agricultura familiar, pois, são relações sociais culturalmente impostas à condição de ser mulher passadas de geração para geração, hierarquizadas por forças de poder do homem sobre a mulher.

O Grupo de Mulheres Decididas a Vencer, objeto deste estudo, está inserido nesse

(16)

foram desenvolvidas atividades de horta. Embora essa atividade não mais exista, a atividade é frequentemente citada nas falas das mulheres que participam do Grupo.

Considerando estes aspectos, e, também, a possibilidade de aprofundar estudos na interface entre a economia solidária e a temática de gênero, ocorreu a oportunidade de explorar construções sociais impostas à condição de mulher a partir de sua inserção em grupo produtivo de economia solidária no contexto da agricultura familiar e, por essa razão, escolhe-se o título Economia Solidária e Relações de Gênero: O caso do grupo produtivo “Mulheres Decididas a Vencer”. É diante do exposto, que esta pesquisa adota o seguinte problema norteador:

De que modo atividades de produção e gestão de EES alteraram relações de gênero, no âmbito da agricultura familiar, em assentamento da reforma agrária, a partir de vivências do Grupo de Mulheres Decididas a Vencer?

1.2 JUSTIFICATIVA

Ainda hoje, as desigualdades de gênero são refletidas na sociedade brasileira em pequenas e grandes discriminações, em pequenas e grandes dificuldades enfrentadas pelas mulheres no cotidiano, na dificuldade de inserção no mercado de trabalho, na dificuldade de acesso a serviços, na dupla jornada entre o trabalho na esfera doméstica e na esfera de vida trabalho, entre outras. A inequidade de tratamento entre homens e mulheres é comprovada, por exemplo, pelas informações publicadas pelo IBGE (2012), em relação aos rendimentos recebidos pelas mulheres quando comparados aos dos homens. Dados de 2011 demonstram que as mulheres receberam de remuneração, em média R$ 1.343,81 representando 72,3% dos salários recebidos pelos homens. Essa inferioridade manteve-se por três anos, de 2009 a 2011. Os dados coletados pelo IBGE, também demonstram a insignificância da melhoria nos percentuais, com aumento de somente 1,5% da remuneração das mulheres em relação aos homens entre 2003 e 2011.

Tabela 1 - Razão do rendimento médio real do trabalho das mulheres em relação ao dos homens – 2003 – 2011*

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Razão da remuneração do trabalho entre homens e mulheres

70,8% 71,0% 71,2% 70,6% 70,5% 71,0% 72,3% 72,3% 72,3%

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego 2003-2011 (2012).

(17)

A inferioridade da remuneração recebida pelas mulheres é fato histórico de predomínio de relações de trabalho centradas no masculino. Os países de terceiro mundo, em processo de desenvolvimento, são os que mais reforçam esse modelo, que tem causado às mulheres desemprego, exclusão social, econômica e política, insegurança alimentar, dificuldade no acesso à educação e à saúde, dentre outros desafios. O capitalismo exibe histórico de opressão às mulheres, pois, em sua estrutura não torna monetário o trabalho na esfera doméstica, apesar de tal mão-de-obra agregar valor ao salário dos homens (GUERIN, 2003). É ilustrativo o fato de que, na luta por direitos trabalhistas, as mulheres protagonizaram a primeira greve norte-americana conduzida exclusivamente por mulheres, culminando no dia 08 de março como dia da mulher em nível internacional. No dia 8 de março de 1857, 129 tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton, em Nova Iorque, paralisaram as atividades reivindicando a redução da jornada diária de trabalho para 10 horas. As operárias foram violentamente reprimidas pela polícia, acuadas, refugiaram-se na fábrica, os patrões em conjunto com os policias atearam fogo no local onde as mulheres encontravam-se, o que causou a morte das tecelãs por asfixia (LOPES, 1993).

Diante desse cenário de exclusão, surge a economia solidária, baseada em iniciativas de solidariedade, autogestão e cooperação entre trabalhadores. A economia solidária é uma forma de organização que adota os valores da democracia econômica, prezando pelo trabalho coletivo, pela divisão do poder de decisão, pelos direitos iguais nas decisões, pela fidelidade na representatividade do grupo e pela igualdade entre os membros. Portanto, tem como objetivo a melhora da condição de vida de trabalhadores e trabalhadoras para além do aspecto da renda (econômico-financeiro) e, para isso, considera o ser humano de forma integral, sem distinção de gênero, raça ou classe social.

Neste processo de construção da economia solidária, vários grupos de mulheres têm se organizado no Brasil. Essa organização é pautada por características culturais, pois, as mulheres são responsáveis por manter as relações de reciprocidade junto à família e à sociedade, práticas expressas, em reuniões junto a clubes de mães, igrejas e comunidades dentre outras. Esse fator cultural explica a articulação das mulheres junto ao movimento da economia solidária, pois, tendencialmente são elas as primeiras a se organizarem devido às dificuldades materiais que enfrentam no acesso ao crédito e à propriedade (ANGELIN; BERNARDI, 2007).

(18)

autogestionária possibilita mudanças na totalidade das relações sociais. A economia solidária tem como desafio superar o imediatismo gerado por problemas econômicos, fomentando a elaboração de políticas públicas que venham a contribuir para a ruptura da divisão sexual do trabalho, bem como, proporcionar mudanças culturais, não só nas relações de trabalho, mas, também no compartilhamento, entre homens e mulheres, de responsabilidades pelo cuidado com o outro, passando a serem estas conjuntas (GUERIN, 2003).

É pretensão deste estudo contribuir com o debate acadêmico nesse aspecto da Gestão Social, através da compreensão do modo como a economia solidária influencia relações de gênero e mudanças socioeconômicas e políticas, quando as mulheres se organizam em grupos produtivos. Portanto, busca compreender como tal organização pode modificar e gerar melhorias na vida econômica, social e política, influenciando relações intrafamiliares e propiciando a busca da igualdade de gênero, contribuindo para a emancipação feminina através do empoderamento da mulher.

Outro aspecto da relevância acadêmica desta pesquisa, consiste no fato de existirem poucos estudos na temática de relações de gênero na economia solidária. Na área da Administração são abrangentes os estudos abordando a economia solidária na gestão de empreendimentos, ou, ainda, em relações de gênero no âmbito do mercado de trabalho. No entanto, ainda são insignificantes os estudos que se preocupam em discutir as implicações da economia solidária nas relações de gênero a partir da organização de mulheres em grupos produtivos autogestionários, no contexto da agricultura familiar, utilizando-se categorias capazes de incorporar as particularidades do tema.

A relevância acadêmica do tema também se dá pelo motivo da presente pesquisa estar inserida em estudo de maior amplitude, intitulado “Economia Solidária e Relações de Gênero: na reforma agrária, experiências do Grupo de Mulheres Decididas a Vencer” e

aprovado junto ao CNPQ através do edital 20/2010 – Relações de Gênero, Mulheres e Feminismo. Há, portanto, razões de oportunidade, uma vez que o referido estudo contou com dotação financeira específica.

(19)

para iniciar, junto aos reassentados, alternativas para geração de renda. Em função dessa trajetória, ao ingressar no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Rio Grande do Norte, teve a oportunidade de conhecer e se inserir no projeto de pesquisa supracitado, com ele colaborando no tempo em que desenvolvia a presente dissertação.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Geral

Compreender relações de gênero, no âmbito da agricultura familiar, a partir da inserção de mulheres em EES em um assentamento de reforma agrária.

1.3.2 Específicos

a) Identificar percepções (de homens e mulheres do assentamento) sobre o trabalho feminino nas esferas pública (mercado) e privada (doméstico);

b) Relatar efeitos socioeconômicos, na vida e nas relações das mulheres e seus familiares, a partir da organização em grupos produtivos;

(20)

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. PENSAMENTO ECONÔMICO E RELAÇÕES DE GÊNERO

Desde os primórdios da humanidade, o mundo produtivo, o mundo do trabalho, nas mais diversas culturas, pertenceu majoritariamente ao universo masculino. Cabia à mulher o trabalho doméstico e os cuidados com os outros membros visando à sobrevivência e continuidade da espécie. A divisão sexual do trabalho se constituiu e se consolidou durante a história da humanidade intensificando-se com mudanças na economia e nas formas de organização da sociedade feudal para as sociedades modernas/capitalistas. A divisão sexual do trabalho fez com que o trabalho da mulher, na esfera do lar junto à família, se tornasse invisível frente ao mercado. Dito de outro modo, o trabalho da mulher, não tinha valor monetário e não podia ser vendido nem trocado, portanto, chamado “trabalho invisível” (FARIA, 2010).

Essa invisibilidade se deve ao fato de que o trabalho da mulher durante muito tempo permaneceu no âmbito doméstico. Para melhor entendimento de como se dá a invisibilidade da mulher no trabalho doméstico se faz necessário estudar a maneira como se deu o pensamento econômico na economia clássica, neoclássica, marxista e feminista, com ênfase nas relações de gênero, uma vez que esta categoria de análise interessa a esta pesquisa. Faz-se necessário abordar o trabalho doméstico porque “Historicamente, os sistemas socioeconômicos têm dependido da esfera doméstica; têm mantido uma determinada estrutura familiar que lhe permitia garantir a necessária oferta de força de trabalho por meio do trabalho das mulheres” (CARRASCO, 2003 p. 19).

Conforme definição feita por Aristóteles, a ciência econômica deve ter preocupação com o trabalho da mulher, com espaços e formas como acontece. O termo economia foi originalmente definido por Aristóteles como oiko (casa, lugar) e nomia (regras, normas). Para

o filósofo a casa representa o espaço privado de reprodução e do trabalho invisível. A ciência econômica contribuiu para universalizar o pensamento, de que cabe a mulher o universo privado (tarefas domésticas e de cuidado) e ao homem o universo público (valor monetário). O campo da economia, todavia, tem seu princípio na Revolução Industrial, a partir da produção voltada para o mercado, para bens com valores de troca, ou seja, para a comercialização feita de forma monetária (SPECHT, 2009).

(21)

ascensão do capitalismo, que transformou a realidade social e econômica propiciando, as primeiras teses e reflexões em torno da ascensão do capitalismo industrial (QUINTELA, 2006).

Os pensadores da economia clássica reconheceram o trabalho desenvolvido pela mulher na esfera produtiva, mas, não conseguiram incluí-lo em seus modelos macroeconômicos. Adam Smith considerou como trabalho produtivo somente aquele que agrega valor a um objeto material ou cujo resultado gera uma mercadoria tangível. Portanto, a atividade desenvolvida pela mulher na produção de serviços foi abordada como não trabalho por não ter valor de mercado. Nessa concepção não haveria geração de riqueza, pois, o trabalho doméstico e de cuidados com a família não seria produtivo frente ao mercado (PEREIRA, 2006).

Na economia clássica, John Stuart Mill foi um dos poucos autores que argumentou contra a exclusão da mulher na esfera econômica. Com a ajuda de Harriet Taylor, criou a teoria da desigualdade de gênero. Partindo desse princípio criticou a subordinação das mulheres aos homens e as restrições impostas ao seu acesso ao emprego. Assegurou, através de sua teoria, que a perpetuação das restrições impostas à mulher pelo mercado de trabalho se deu devido ao medo que os homens tinham que a mulher rejeitasse o matrimônio como vocação principal, bem como também pelo temor de perder o poder sobre elas no casamento. Mill teve grande contribuição no pensamento econômico por ter sido o único economista da época que reconheceu a influência de gênero no processo de produção (PEREIRA, 2006).

A teoria neoclássica, predominante do pensamento econômico, passou a vigorar no final do século XIX. Essa teoria se distanciou do pensamento clássico que priorizou a organização da produção, o crescimento econômico e a distribuição da renda, centrando-se no intercâmbio e no mecanismo dos preços, reduzindo a economia ao estudo da inter-relação entre oferta e demanda de mercado. O trabalho doméstico ficou novamente excluído do pensamento dominante dessa corrente teórica (PEREIRA, 2006).

(22)

economia somente se daria se a mulher sacrificasse interesses pessoais para beneficiar filhos e empregadores, ainda que no âmbito doméstico (QUINTELA, 2006).

Portanto, a divisão sexual do trabalho seria útil para a economia porque a mulher daria sustentação, com trabalho invisível, para o homem ser produtivo, gerador de renda e valorizado no mercado de trabalho. Este pensamento econômico legitima a ideia de que o dinheiro representa o papel central da economia e que quem não tem o trabalho remunerado não é produtivo, não é importante, não é valorizado. Além de definir o trabalho da mulher como utilitário, a teoria neoclássica caracteriza a mulher como mãe de família, dona de casa, improdutiva e dependente do marido.

A corrente de pensamento econômico centrada na Escola Neoclássica concretiza e explica o viés endocêntrico que marginaliza, oculta e torna invisível a atividade das mulheres no âmbito doméstico. Essa corrente de pensamento nasceu em 1870, e vigora até os dias de hoje, uma vez que as relações econômicas, não permeadas por valor monetário, continuam sendo consideradas como não produtivas no âmbito da economia neoliberal. Estudos feitos pelo Programa das Nações para o Desenvolvimento (PNUD), em 1995, consideraram o trabalho doméstico como economia não monetária, apesar de levar mais tempo na consecução do que o trabalho considerado na economia monetária (QUINTELA, 2006).

Diferente do pensamento econômico neoclássico, a teoria marxista adota explicações nas diferenças de classes. Para essa teoria, as classes são diferenciadas, por um lado, pelos indivíduos detentores da propriedade do capital, e, por outro, pelos que possuem a propriedade da mão de obra. Apesar de não ignorar que outras categorias como proletariado, exploração, produção e reprodução tenham papel relevante na economia da sociedade, os estudos dessa teoria são focados na economia capitalista, caracterizada por relações mercantis orientadas à acumulação de capital, sem preocupação com as relações de gênero (CODAS, 2002).

Segundo Quintela (2006), os estudos da economia marxista tiveram como foco as noções de proletariado, de exploração, de produção e reprodução, como se esses aspectos fossem isentos das relações de gênero. Novamente, o trabalho doméstico não foi considerado nos estudos de Marx, acerca dos meios de produção no sistema capitalista, pois, ao abordar aspectos sobre a teoria da mais valia, Marx define o trabalho doméstico como não produtivo, por não remunerar a classe trabalhadora e não fazer parte do fluxo circular do valor de troca e do capital.

(23)

capitalista”. No sistema capitalista, o conceito de trabalho é restrito a atividade vinculada ao mercado. Esta redução ocorre desde a configuração inicial do capitalismo, que separou a esfera produtiva da esfera reprodutiva, sendo considerado produtivo somente o trabalho que gera valor de troca no mercado, “aquilo” que se pode vender ou trocar. A esfera reprodutiva deixa de ser trabalho, perante a visão capitalista, pois, não gera troca no mercado (FARIA, 2010).

Carrasco (2003 apud PICCHIO, 1994) evidenciou que a invisibilidade do trabalho no lar tem relação com a produção capitalista. A atividade de cuidado da vida humana, papel histórico da mulher, é interligada ao âmbito doméstico, e, menos, à produção para o mercado. No sistema capitalista, esta interligação permanece oculta para facilitar o repasse dos custos de produção para a esfera doméstica.

Dentro do contexto da economia capitalista surge a economia feminista, no final do século XIX, como campo que dá visibilidade à mulher como protagonista econômica. Para isso, considera o volume de trabalho feminino realizado na esfera doméstica e no cuidados com a família. A economia feminista é:

[..] um campo das ciências econômicas que compreende o estudo do pensamento econômico a partir da invisibilidade das mulheres no pensamento neoclássico e marxista, bem como a resignificação do trabalho de forma mais ampla, considerando o mercado informal, o trabalho doméstico, a divisão sexual do trabalho na família e fundamentalmente agregando a esfera reprodutiva como essencial a existência humana (NOBRE, 2002 apud SPECHT, 2009, p. 4).

As economistas feministas organizam suas lutas em diferentes perspectivas. Uma delas busca a ruptura da visão econômica centrada no mercado e na geração de renda e propõe a valorização da sustentabilidade da vida humana e do bem-estar, tanto na esfera produtiva, quanto na esfera reprodutiva. Para esta corrente, há o entendimento de que a reprodução e a produção são determinadas mutuamente, e, sendo assim, na sociedade capitalista, o mercado e os salários dependem dos trabalhos domésticos e dos bens e serviços produzidos pela mulher nessa esfera. Portanto, a atividade reprodutiva (como é o caso das atividades domésticas e de cuidados) deve ter valor econômico, ou seja, a produção mercantil não é autônoma e depende do trabalho não remunerado feito pela mulher no lar (FARIA, 2009).

(24)

Foram várias as mudanças sociais, culturais e concepções teóricas ao longo dos últimos séculos que permitiram outras formas de compreender o lugar e o papel da mulher no âmbito do trabalho e na sociedade. O movimento feminista teve papel crucial neste processo, como “[...] cenário de um debate social e político sobre a situação feminina que se re/constrói até os dias de hoje, pois mesmo as mulheres vivenciando distintas realidades sociais, reconhecem-se por pertencerem a uma condição digna de questionamentos e mudanças (BITENCOURT, 2011).

O surgimento do feminismo como movimento social surgiu no contexto das ideias iluministas1, em conjunto com as ideias transformadoras das Revoluções Americana e Francesa e se propagou, em primeiro momento, na busca pelos direitos sociais e políticos. O seu surgimento mobilizou mulheres de muitos países dos Estados Unidos, da Europa e, consecutivamente, de alguns países da América Latina, tendo seu ápice na luta pelo direito ao voto, denominado de movimento sufragista. No Brasil, Bertha Luz foi a representante da propagação da luta pela conquista ao voto, junto às mulheres de todo o país, através da criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino(COSTA A. A., 2005).

Após período de curta desmobilização, o movimento feminista insurge nos anos 1960, em conjunto com outros movimentos contestatórios a exemplo do movimento hippie

internacional, que questiona o modo de vida centrado na sociedade de consumo. Ressurge em torno da afirmação de que o pessoal é político, indo além de seu papel mobilizador e contestador, questionando os parâmetros conceituais do político. Com essa nova dinâmica, trouxe para a discussão política, questões vistas e tratadas somente como específico do privado, rompendo com a dicotomia público-privado, base de todo pensamento liberal, sobre as particularidades do político e do poder político. Conforme Costa A. A. (2005, p. 11),

O movimento significou uma redefinição do poder político e a forma de entender a política ao colocar novos espaços no privado e no doméstico. Sua força está em recolocar a forma de entender a política e o poder, de questionar o conteúdo formal que se atribuiu ao poder e as formas em que é exercido.

Nos anos de 1980, o movimento feminista, por meio de intelectuais, fez as primeiras análises de gênero, com o objetivo de mensurar diferenças entre os sexos e denunciar o uso de alguns poderes que tomam como base, para isso, a afirmação da diferença. Essas análises colaboraram para mostrar que a divisão social do trabalho não é neutra ou natural, mas, ocorre por meio de relações de poder que acabam por dividir o trabalho entre homem e mulher,

1 GOMES, A. S. (2011) O iluminismo surgiu no século XVIII, e, se constituiu como um movimento de ruptura

(25)

organizando diferentes aspectos da vida em sociedade no que diz respeito ao âmbito do masculino e do feminino. A categoria de análise “gênero” evidencia as relações entre homem e mulher como construções feitas a partir da sociedade e que são capazes de produzir certo tipo de opressão e de exclusão da mulher quanto ao direito à cidadania integral (GEABRA, 2000).

Para Scott (1995, p.21), a categoria “gênero” tem como núcleo central a interligação entre duas proposições. A primeira se refere a gênero como elemento constitutivo nas relações sociais baseada nas diferenças percebidas entre os sexos e institucionalizada através da transmissão dessas relações de geração a geração. A segunda proposição de gênero, como categoria, trata de relações de poder, que estão interligadas e são constitutivas de configurações e mudanças nas relações sociais.

O conceito de gênero, para Simone de Beauvoir, foi construído ao longo da história pela sociedade, passando-se ao entendimento de que a mulher não nasce mulher, mas, sim se torna mulher, e o homem não nasce homem, mas, sim, se torna homem. As diferenças no modo de ser, pensar e fazer entre homens e mulheres passam por aspectos culturais cujos sujeitos estão imersos desde o nascimento. São nas relações sociais, impostas pelo mundo preexistente ao sujeito, que se aprende a pensar que a mulher é movida pela emoção e o homem pela razão. Portanto, a sociedade é que define as qualidades do masculino e feminino, que diz o que é ser homem e ser mulher e que tipo de papel e de trabalho cada um deve desempenhar. A predominância do entendimento deste conceito, dessa forma, se dá em aspectos culturais e não biológicos (CAROLA, 2002).

Segundo Holzmann (2002), o conceito de gênero como categoria básica de análise trouxe contribuição aos estudos da divisão sexual do trabalho por demonstrar o processo histórico dessa divisão e evidenciar a construção hierárquica e interdependente nas relações sociais de sexo, ligada à dominação e à opressão, atravessando o conjunto da sociedade, e se articulando com as demais relações sociais.

(26)

[..] a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; esta forma é adaptada historicamente e a cada sociedade. Ela tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apreensão pelos homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas, militares, etc...).

A divisão sexual do trabalho é organizada através de dois princípios. Um dos princípios é o da separação entre o que é trabalho de homem e de mulher. O outro princípio é o da hierarquização, que considera que o trabalho do homem vale mais do que o trabalho da mulher. A base destes princípios esta na legitimação da ideologia naturalista, na qual se considera o gênero apenas como fator biológico, reduzindo práticas sociais a papéis sexuados. Em contraposição a este pensamento, a teorização feminista afirma que os papéis sexuados são construções feitas pela sociedade e não algo natural como entende a ideologia naturalista. Embora a divisão sexual do trabalho venha sendo construída historicamente, ela não é imutável (KERGOAT, 1996).

Segundo Faria (2010), construções sociais afirmam a naturalização das desigualdades dadas na divisão sexual do trabalho, considerando uma essência biológica na construção do masculino e do feminino. A complexidade do conceito “gênero” vai além da justificativa ideológica da reprodução simbólica, pois, faz parte das lutas da organização feminista que busca compreender como se transforma em desigualdade o trabalho entre homem e mulher. Exemplificando, as desigualdades se dão também com o acúmulo de atividades desempenhadas pela mulher quando entram no mercado de trabalho, uma vez que ela continua com a responsabilidade dos trabalhos domésticos e dos cuidados com a família. Essas desigualdades têm uma construção ideológica a partir de identidade focada na ideia que o papel principal da mulher é ser uma “boa mãe” e sua realização se daria por meio dos afazeres domésticos e com as práticas de cuidados.

2.2 RELAÇÕES DE GÊNERO NA AGRICULTURA FAMILIAR

Nos últimos anos, a agricultura familiar tem sido alvo de atenções de movimentos sociais, dos pesquisadores e do Governo, servindo de base para um modelo alternativo de desenvolvimento para a área rural, reduzindo os índices de pobreza bem como as diferenças de renda e o uso irracional dos recursos naturais.

(27)

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) os produtores rurais estão inseridos dentro da classificação da agropecuária em dois modelos: o patronal e o familiar. Esses dois modelos possuem características diferenciadas em relação à maneira de dirigir e executar o processo produtivo, ao tamanho da área produzida, à utilização do trabalho assalariado e à cultura adotada.

Vários modos de entender a agricultura familiar foram formulados durante o processo histórico, mas, no Brasil, o marco legal se deu em 24 de julho de 2006, com a Lei n. 11.326, que estabeleceu as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Rurais Familiares. A partir da promulgação dessa Lei o conceito de agricultura familiar ficou assim formulado:

Art. 3º. Para efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize predominante mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III – tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento (BRASIL, 2006).

Segundo Lamarche (1997, p. 15), “[...] a exploração familiar, tal como a concebemos corresponde a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho, estão intimamente ligados”. Através dessa leitura podemos dizer que a agricultura familiar é aquela em que a família é a proprietária dos meios de produção, mas também assume os trabalhos nos estabelecimentos produtivos, onde todos os membros colaboram nas atividades diárias, havendo, assim, uma interdependência entre família-produção-trabalho. “É importante insistir que este caráter familiar não é um mero detalhe superficial e descritivo: o fato de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem consequências fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente” (WANDERLEY, 1996, p.2).

A importância da agricultura familiar, como agregador de geração de renda, é comprovada pelos dados do Censo Agropecuário de 2006, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dos 5.175.489 estabelecimentos agropecuários, 84% são da agricultura familiar, empregando 74% da mão-de-obra, representando 12,3 milhões de pessoas. Em contraposição, a agricultura não familiar ou patronal, apesar de ocupar 76% da área produtiva na atividade agropecuária, emprega somente 4,2 milhões de pessoas.

(28)

produção, o feijão 70,0%, o milho 46,0%, o café com 38,0%, o arroz com 34%, o leite com 58% e o trigo com 21%, além dessas culturas possuíam 58% do plantel de suínos, 50% do plantel de aves e 30,0% de bovinos. No estado do Rio Grande do Norte, as atividades que mais geram renda para os pequenos agricultores são relacionadas com os bovinos de corte, leite de vaca, feijão-fraldinha, caupi, de corda ou macáçar em grão, milho em grão, aves, mandioca, suínos.

O Censo Agropecuário de 2006 revela dados expressivos da ocupação por mulheres na agricultura familiar, num total de 4,1 milhões de mulheres representado (um terço), enquanto os homens representam (dois terços) do pessoal ocupado. Em média um estabelecimento familiar possuía 1,75 homens e 0,86 mulheres ocupados de 14 anos ou mais (IBGE, 2006). Pode-se observar que essa realidade se reflete também no Estado do Rio Grande do Norte, conforme Tabela 1 onde demonstra o pessoal ocupado nos estabelecimentos por sexo na agricultura familiar. O percentual de mulheres de 14 anos ou mais que ocupam estabelecimentos de agricultura familiar representam 25,32% (um terço), e os homens 69,31% (dois terços).

Tabela 2 Pessoal ocupado nos estabelecimentos em 31.12.2006, por sexo - Rio Grande do Norte

Tipos de Agricultura Total

Sexo

Homens Mulheres

Total De 14 anos e mais Total De 14 anos e mais

247.507 185.060 177.460 62.447 57.414

Agricultura familiar - Lei n.

11.326 191.550 138.732 132.577 52.818 48.497

Não familiar 55.957 46.328 44.883 9.629 8.917

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

A agricultura familiar na região Nordeste brasileira é marcada por perdas, com baixa produtividade nas atividades agropecuárias, com meios de produção precários, resultando na baixa renda das famílias bem como em indicadores negativos. A precariedade em que vivem as famílias no contexto da agricultura familiar é configurada pela ineficiência do Estado em promover políticas públicas que superem o clima árido da região, garantindo água para o consumo humano e para a produção das famílias (GIRARDI, 2008).

(29)

total 27.505 famílias, estão assentadas no estado do Rio Grande do Norte onde o município de Mossoró possui a maior concentração de famílias assentadas do estado com 11% do total de assentados.

Nessa região, o clima é seco e as temperaturas elevadas e a falta de água fazem com que os sertanejos que vivem na área rural sofram com a escassez de água, prejudicando a atividade agropecuária. Na área rural a predominância da produção se dá pela agricultura de subsistência, ou de mercado local (o excedente da produção da agricultura de subsistência é vendido para os moradores locais, ou na cidade mais próxima). Além da agricultura de subsistência, a pecuária é a atividade econômica que gera renda para as famílias, com a criação de bovinos para a produção de carne, de caprinos, para a produção de leite, e de asininos para a montaria (GASPAR, 2011).

Estudo feito nos assentamentos da região potiguar, a qual inclui o município de Mossoró, demonstrou que 84% dos assentados desenvolvem como atividade econômica principal a agricultura de subsistência, devido a problemas enfrentados com a falta de água, além de outros problemas, como falta de apoio do Estado quanto à assistência técnica e linhas de crédito para a compra de sementes para o plantio. Dentre os principais produtos agrícolas cultivados se destacam o feijão, o milho e a mandioca. A pecuária é a segunda atividade econômica desenvolvida nos assentamentos, o gado bovino tem a maior representatividade (70%), usado para o corte ou para a atividade leiteira, seguido pelo rebanho caprino (30%). Em menor quantidade, podem ser citados os rebanhos de ovinos e suínos, destinados à comercialização. Os muares e os asininos são utilizados como meio de transporte e os galináceos são usados somente para o consumo e ainda não possuem caráter comercial (COSTA M.J., 2005).

A pesquisa ainda demonstrou que a maioria das famílias assentadas potiguar, sobrevive com menos de um salário mínimo (43% dos assentados), 28% vivem com uma renda mensal de um salário mínimo e 20% vivem com uma renda entre um e dois salários mínimos, apenas 2% dos assentados possuem renda acima de três salários mínimos, percentual bem inferior aos 7% dos assentados que vivem sem renda. Os assentados que não possuem renda, recebem ajuda dos parentes que são aposentados ou recebem outros ganhos. A baixa renda das famílias assentadas potiguares é insuficiente para a reprodução social dessas famílias (COSTA M.J., 2005).

(30)

sistema de autoridade familiar em diferentes contextos. As relações familiares são fruto das relações de produção e trabalho, entre os membros da família, em conformidade com a dinâmica da composição social (NEVES, 2012).

As relações familiares na agricultura familiar, quanto à percepção e presença das mulheres no campo, são marcadas pela divisão sexual do trabalho e pelas relações patriarcais. Essas relações definem as atribuições que as mulheres devem ter em suas vidas, entre elas a maternidade, o cuidado com os filhos, o cuidado da casa e a responsabilidade de afeto com toda família. O patriarcado na área rural é marcado pela organização da família por meio da hierarquia de gênero, centrando o poder dos homens sobre as mulheres e filho (as), ficando sobre a responsabilidade do chefe de família a tomada de decisão.

Segundo Safiotti (1987, p.16) o patriarcado é um “sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem”. O patriarcado é responsável pela geração de poder ao homem, ao sexo masculino enquanto categoria social, é regido pela hierarquização, onde as mulheres são subordinadas aos homens, e os mais jovens são subordinados aos homens mais velhos.

As relações patriarcais estão baseadas na visão da economia e do trabalho no espaço de mercado. Na visão econômica, somente existe valor de mercado o trabalho realizado na esfera produtiva, pois pode ser vendido, esse espaço é considerado masculino, pois gera valor monetário. O trabalho da mulher na esfera doméstica não é considerado monetário, sendo assim não tem valor econômico, sendo reconhecido como parte de um destino biológico vinculado à maternidade, ficando sob sua responsabilidade a esfera do lar. A hierarquização nas relações com o mercado de trabalho é responsável por acentuar as desigualdades de gênero.

Essas relações também são vistas no contexto da agricultura familiar, contribuindo para manter a posição de hierarquia dos homens sobre as mulheres. Na pequena propriedade, o homem é responsável pelo trabalho produtivo na pecuária, na agricultura, e em todas as atividades que se associam ao mercado. A mulher continua com a atribuição da reprodução (trabalho doméstico, cuidado de pequenas criações, trabalho desempenhado para o consumo, além da reprodução da família e os cuidados dos familiares), ou seja, atividades que não geram valor monetário, valor de mercado (NOBRE, et al. 1998).

(31)

como fundamentais à sobrevivência, portanto, considerados como trabalho produtivo com valor de mercado e, por isso, de responsabilidade do pai da família. Quando os filhos e a mulher desempenham atividades no roçado, são considerados somente como ajuda, não agregando valor aos produtos colhidos. O trabalho da casa é considerado como responsabilidade da mulher, mãe de família, e as atividades desenvolvidas em âmbito doméstico consideradas como “não trabalho” porque não podem ser trocadas no mercado e não possuem valor monetário. O trabalho da mulher, quando feito na esfera produtiva, como o cuidado de pequenos animais, a venda do leite, o cultivo de hortaliças ou a confecção de artesanato, é comercializado para a compra de outros bens que se fazem necessários na casa, como, por exemplo, roupa de cama, eletrodomésticos e roupa para os integrantes da família. Geralmente a mulher não participa da comercialização dos produtos agrícolas ou agropecuários, pois, é uma atividade considerada como do âmbito do masculino, como trabalho do homem (NOBRE, et al. 1998).

Percebe-se que nas relações sociais dos membros da família, há uma separação de papéis entre o espaço da casa e do roçado, como se não existisse uma articulação entre ambos, necessária para a subsistência de seus membros. Portanto é através da atividade do roçado, do ganho econômico que são obtidos os alimentos, que são preparados pelas mulheres, por meio das atividades que desempenham na casa, contribuindo para o sustento da família. A oposição criada entre casa e roçado fortalece as relações desiguais de gênero na agricultura familiar. Woortmann (1997) explica essas relações a partir de uma ideologia “camponesa”, que entende que o pai de família possui todas as condições para participar do processo produtivo, esse saber é um componente reforçador da hierarquia familiar.

A divisão social entre os sexos é vista como um processo inevitável, sendo imposta naturalmente, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de percepção,

de pensamento e de ação (BORDIEU, 2002). A divisão sexual do trabalho pode ser visualizada na pequena propriedade rural na definição das posições para cada membro da família, homens, mulheres, jovens, crianças e idosos. Comumente quem define as funções é o homem, “o chefe da família”, onde essas relações são naturalizadas pelo habitus, ou seja, são

passadas de geração para geração. Essa organização assume caráter patriarcal, gerando desigualdades entre os sexos, ao invadir naturalmente a vida das pessoas, sendo sustentadas, pelas relações de poder, onde o homem se sobrepõe a mulher.

(32)

e ser mulher passa a ser fomentada a partir dos cinco anos de idade, onde as meninas começam a seguir a mãe, aprendendo e contribuindo com o trabalho doméstico e os meninos a seguir o pai, nas atividades produtivas bem como nas horas de lazer. Os meninos têm folgas bem maiores que as meninas e podem brincar com outros meninos. As meninas e as moças são criadas para ficar em casa enquanto os rapazes para sair mais, são incentivados a ir mais longe. Ou seja, esses são apenas alguns exemplos das relações sociais que são construídas de forma sutil ao longo dos anos dos sujeitos no meio familiar e acabam por colaborar na divisão sexual do trabalho (NOBRE et al, 1998).

No Brasil, independentemente da localização geográfica da agricultura familiar, o paradoxo é o mesmo quando se trata da produtividade e do papel desempenhado pela mulher. Estudos realizados por Magalhães (2009) com famílias de origem italiana, no sudoeste do Paraná, demonstraram que a atividade leiteira, de responsabilidade da mulher, passou a fazer parte do universo masculino quando a produção de leite teve maior importância econômica. O ganho de escala do leite se deu por meio da criação de cooperativas que organizaram tecnicamente as famílias para conseguir aumentar e vender a produção. A venda de leite em grande escala, através de cooperativas, melhorou a vida das famílias dentro da agricultura familiar, mas não conseguiu ampliar a liberdade das mulheres ou modificar seu papel social de inferioridade em relação aos homens. As responsabilidades das mulheres foram mantidas no âmbito doméstico, acentuando assim as desigualdades.

Tal fenômeno ocorre em âmbito mais geral. A mulher, apesar de estar ocupando parte do trabalho produtivo na agricultura familiar, ainda é discriminada em relação à jornada de trabalho. Salvaro (2004), em seus estudos sobre jornada de trabalho de mulheres e homens em assentamento do Movimento Sem Terra (MST), identificou a dupla jornada de trabalho das mulheres. Apesar da carga horária da mulher ser diferenciada em relação a do homem, no que diz respeito às atividades de ordem produtiva, elas ainda são as responsáveis, praticamente exclusivas pelas atividades no espaço doméstico e no cuidado com os filhos. Essa agregação das tarefas extradomésticas em relação às tarefas domésticas, evidencia que não houve alterações significativas na configuração da divisão sexual do trabalho na área rural. Dito de outro modo, o papel da mulher na esfera produtiva não é determinante para modificar suas funções e a sua posição na família ou na sociedade.

(33)

trabalho produtivo, ainda são responsáveis pelo trabalho reprodutivo. A dupla jornada de trabalho também é reforçada pelo depoimento de uma assentada “A gente trabalha em casa e ainda vai ajudar na roça. À noite, eles vão assistir televisão e a gente continua fazendo as coisas” (OLIVEIRA, 2004, p.22). A figura demonstra ainda que a mulher é também a maior responsável pelo cuidado de pequenos animais como aves 82% e da horta com 57%, contribuindo com a renda familiar.

Figura 1 – Atividades produtivas agrícolas/pecuárias realizadas por mulheres

Fonte: OLIVEIRA et al. (2004, p.18)

Estudos feitos por Araújo (2003), em três assentamentos rurais do município de Baraúnas/RN, comprovam uma múltipla jornada de trabalho realizado pelas mulheres trabalhadoras rurais, pois além de serem responsáveis pelo trabalho reprodutivo no espaço da casa, o trabalho das mulheres também se estende aos quintais, no trabalho com os pequenos animais (galinheiros, chiqueiros de porcos, etc) e nas hortas que servem para complementar a alimentação (verduras, legumes e frutas), e como farmácia natural (cidreira, hortelã, poejo) e outras ervas medicinais que são usadas nas enfermidades dos familiares.

(34)

atividades: cozinhar, arrumar a casa, lavar e passar roupas. As mulheres (98%) também disseram ser responsáveis pelo cuidado das crianças, dos doentes e pela compra de roupas. Esses dados comprovam que algumas atividades são inerentes à condição de ser mulher, como a maternidade (no cuidado das crianças) no cuidado da casa e no cuidado com a família (doentes), e que as relações familiares, no contexto da agricultura familiar, estão acontecendo de maneira lenta.

Figura 2 – Atividade reprodutivas realizadas por mulheres

Fonte: OLIVEIRA et al. (2004, p.23)

O trabalho feito pelas mulheres no roçado é visto como ajuda aos seus maridos, não tendo reconhecimento, agravando a múltipla jornada de trabalho das mulheres. Quando as mulheres extrapolam o limite de seus trabalhos no cuidado da casa, considerado trabalho doméstico e no cuidado de seus quintais, chegando ao trabalho no roçado, esse trabalho não é considerado produtivo é visto como uma extensão de suas atividades domésticas, como obrigação por ser mãe de família, dona de casa e esposa. Essa situação tende a ser considerada permanente para a mulher e temporária para o filho, pois este vai suceder o pai no comando da propriedade.

Relato da pesquisa de Paulilo (1987, p. 64), em O Peso do Trabalho Leve, retrata a

dupla jornada do trabalho da mulher

A mulher acorda e levanta antes do marido. Prepara o café, tira o leite, encaminha o almoço e, às vezes, ainda põe a roupa de molho. Aí o marido levanta, e vão pra roça juntos. Voltam da roça o marido está cansado, claro. A mulher não, porque ela é feita de aço inoxidável (...) Eu já assisti – e me escandalizei – a esposa ter até que

(35)

Estudos feitos por Paulilo (1987), sobre as condições do trabalho feminino em diferentes regiões, ressaltam diferenças presentes, em atividades desempenhadas por homens e mulheres. No sertão da Paraíba, nos municípios de Pombal, São Bento, Brejo do Cruz, Catolé do Rocha e Riacho dos Cavalos, onde predominam a pecuária e a cultura do algodão, é considerado trabalho “pesado” a limpeza do mato e a criação de gado, as mulheres e crianças ajudam no plantio e na colheita das lavouras, e cuidam das atividades domésticas, além de ocupações artesanais. Já no brejo da Paraíba, nos municípios de Alagoa Nova, Areia, Pilões, Serraria e Arara, é considerado trabalho “pesado” o trabalho masculino, principalmente no trato com a terra, roçando e cavando. O trabalho “leve” considerado feminino, é plantar, adubar, arrancar o mato miúdo, para isso as mulheres ganham a metade, ou menos, do valor da diária de um homem, apesar de trabalharem o mesmo número de horas. O que define a relação de trabalho “leve” e trabalho “pesado” não é a dificuldade em desempenhar a atividade, mas sim a posição de quem o realiza na hierarquia familiar.

Segundo Brumer (2004), as relações de trabalho que acontecem entre homens e mulheres podem ser explicadas sobre dois aspectos. O primeiro aspecto se refere à constituição da unidade familiar de produção, que reúne todos os esforços dos membros da família, no sentido de viabilizar sua subsistência. Essa estrutura faz com que haja uma aproximação necessária entre a unidade de produção e a unidade de consumo. O segundo aspecto é explicado pela estrutura social paternalista, pois atribui ao homem o papel de responsável pela família. As atividades geralmente desenvolvidas pelas mulheres na esfera produtiva, na área rural, necessitam supostamente de qualidades inerentes a condição de ser mulher (adulta ou jovem) qualidades estas, que fazem parte da natureza de ser mulher ou são adquiridas no processo de socialização. Brumer (2004, p.212-213) trouxe a tona essas qualidades:

1)A capacidade de executar tarefas repetitivas, tediosas e intensivas;

2)A capacidade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo (uma característica de grande parte das atividades executadas no âmbito doméstico);

3)A possibilidade de associar ao trabalho suas responsabilidades na esfera da reprodução, trazendo os filhos junto com elas para a roça ou afastando-se de suas residências por pouco tempo;

(36)

períodos durante o ano, seja ocupando apenas alguns dias da semana ou algumas horas durante o dia;

5)Sua maior habilidade para execução de algumas tarefas que requerem dedos pequenos e ágeis, assim como a permanência em posição desconfortável (como trabalhar agachada) por bastante tempo;

6)A aceitação de uma remuneração relativamente inferior à paga a homens ou a trabalhadores envolvidos em outras atividades;

7)A maior docilidade (o que implica maior aceitação das exigências do trabalho e menor número de reivindicações).

As atividades reprodutivas inerentes a condição de ser mulher têm, como uma de suas características, a produção de bens e serviços não destinados à venda, mas sim para prover o consumo da família. Esse trabalho desempenhado no interior da unidade familiar não é assalariado, mas é fonte de recursos para a reprodução da força de trabalho, pois a mulher contribui economicamente, não só por realizar as atividades relacionadas ao âmbito doméstico não remunerado, mas também por transformar o salário do marido, através de seus esforços, em um meio de reprodução da família. Conforme Abramovay e Silva (2000, p. 349), “[...] cerca de 40% das mulheres ocupadas no meio rural seriam trabalhadoras familiares sem remuneração”. É evidente a desvalorização do trabalho feminino da mulher tanto na área urbana quanto na área rural, mas especialmente na agricultura familiar, sustenta-se a não remuneração do trabalho produtivo.

Segundo Boni (2005), outro motivo da desvalorização do trabalho feito pela mulher se deve pelo fato do marido/pai na maioria das vezes, ser o detentor da titulação da propriedade da terra e, além de ser anteriormente o único beneficiário do bloco de produtor, necessário para a comercialização da produção. Os direitos previdenciários (aposentadoria aos 55 anos, auxílio maternidade e auxílio doença) somente foram concedidos para as mulheres rurais a partir do ano de 1992, quando entra em vigor a Constituição de 1988, mediante a comprovação da atividade produtiva. Assim, as mulheres foram gradativamente inserindo seu nome junto ao marido no bloco de produtor rural, ou adquirindo bloco em seu nome. Em relação à titulação da terra, as mulheres apesar de serem casadas sob o regime de Comunhão Universal de Bens, ainda não se sentem proprietárias, apesar de terem os mesmos direitos que seus maridos.

Imagem

Tabela 2  – Pessoal ocupado nos estabelecimentos em 31.12.2006, por sexo - Rio Grande do  Norte
Figura 1  – Atividades produtivas agrícolas/pecuárias realizadas por mulheres
Figura 2  – Atividade reprodutivas realizadas por mulheres
Figura 3 : Tríade de Empoderamento de Friedmann
+2

Referências

Documentos relacionados

Quando os Cristais são colocados a menos de 20 cm do nosso corpo, com uma intenção real, eles começam a detectar o que está a mais no físico, no emocional, no mental e no

A solução, inicialmente vermelha tornou-se gradativamente marrom, e o sólido marrom escuro obtido foi filtrado, lavado várias vezes com etanol, éter etílico anidro e

O número de desalentados no 4° trimestre de 2020, pessoas que desistiram de procurar emprego por não acreditarem que vão encontrar uma vaga, alcançou 5,8 milhões

Desse modo, a narrativa ―fortaleceu extraordinariamente o sentimento de que existe uma história, de que essa história é um processo ininterrupto de mudanças e, por fim,

O objetivo deste trabalho foi avaliar épocas de colheita na produção de biomassa e no rendimento de óleo essencial de Piper aduncum L.. em Manaus

Os interessados em adquirir quaisquer dos animais inscritos nos páreos de claiming deverão comparecer à sala da Diretoria Geral de Turfe, localizada no 4º andar da Arquibancada

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Acreditamos que o estágio supervisionado na formação de professores é uma oportunidade de reflexão sobre a prática docente, pois os estudantes têm contato