UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
O GÊNERO JOKE EM ATIVIDADES DE INGLÊS:
Uma proposta intercultural de ensino-aprendizagem para o Ensino Médio
PAULO RODRIGO PINHEIRO DE CAMPOS
NATAL
PAULO RODRIGO PINHEIRO DE CAMPOS
O GÊNERO JOKE EM ATIVIDADES DE INGLÊS:
Uma proposta intercultural de ensino-aprendizagem para o Ensino Médio
Dissertação apresentada ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, área de concentração: Linguística Aplicada.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Graça Canan
NATAL
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Campos, Paulo Rodrigo Pinheiro de.
O gênero joke em atividades de inglês: uma proposta intercultural de ensino-aprendizagem para o ensino médio / Paulo Rodrigo Pinheiro de Campos. – 2013.
137 f.: il. -
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, 2013.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Graça Canan.
1. Língua inglesa – Estudo e ensino. 2. Aprendizagem por atividades. 3. Ensino médio. I. Canan, Ana Graça. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
PAULO RODRIGO PINHEIRO DE CAMPOS
O GÊNERO JOKE EM ATIVIDADES DE INGLÊS:
Uma proposta intercultural de ensino-aprendizagem para o Ensino Médio
Dissertação apresentada ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, área de concentração: Linguística Aplicada.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Graça Canan
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Graça Canan – UFRN
Presidente
___________________________________________________________________________ Prof. Dr. José Roberto Alves Barbosa – UERN
Examinador Externo
___________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Janaína Weissheimer – UFRN
Examinadora Interna
___________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Selma Alas Martins – UFRN
Suplente
A Cristo, que me sustenta, e a Ian Miguel, meu
filho amado, um novo vigor para a conclusão
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me guiar e abençoar.
A Renia, minha esposa, pelo amor, carinho, paciência, encorajamento e alegria.
A meus pais, meus heróis, por abnegarem de si em meu favor – minhas conquistas são suas
também.
Aos familiares e amigos, por serem compreensivos e torcerem por mim.
À professora Ana Graça Canan, pela oportunidade ímpar e por me garantir autonomia.
À professora Janaína Weissheimer, pelas sugestões valiosíssimas.
Ao professor José Roberto Alves Barbosa, pelas contribuições tão ricas.
À professora Selma Alas Martins, por contribuir para a realização desta pesquisa no momento
da qualificação.
Ao professor João Gomes da Silva Neto por todas as oportunidades acadêmicas, incluindo
iniciação científica e especialização, e pela amizade.
À professora Sandra Sassetti Fernandes Erickson, por aumentar a qualidade de minha
graduação.
À UFRN e ao IFRN, instituições de estudo e trabalho sérios e de amadurecimento
With the fruit of a man’s mouth his stomach will be satisfied;
He will be satisfied with the product of his lips. Death and life are in the power of the tongue, And those who love it will eat its fruit.
RESUMO
Nossa pesquisa surgiu do interesse de alinhar a prática de sala de aula de Inglês como Língua Estrangeira (ILE) a discussões atuais no âmbito do processo de ensino-aprendizagem de Línguas Estrangeiras (LEs). Tendo em vista a necessidade de integrar o desenvolvimento linguístico ao desenvolvimento de noções atreladas à prática da cidadania, adotamos uma perspectiva cultural. Percebemos as jokes como um solo fértil para a discussão de aspectos culturais em sala de aula. Com base nesses fatores, nossa pergunta de pesquisa é: como explorar os aspectos culturais de jokes com vistas à elaboração de atividades de ILE que objetivem o desenvolvimento da competência intercultural e a interação? Portanto, nosso objetivo geral é explorar os aspectos culturais de jokes na elaboração de atividades de ensino-aprendizagem de ILE e nossos objetivos específicos são: (I) estudar direcionamentos oficiais (LDB, 1996; PCNEM, 2000; PCN+EM, 2002; OCEM, 2006) referentes à cultura no ensino-aprendizagem de LE; (II) selecionar 05 (cinco) jokes e analisá-las enfocando seus aspectos culturais; (III) identificar possíveis interpretações das jokes; (IV) elaborar atividades de ILE que privilegiem os aspectos de cultura das jokes analisadas. Esta investigação é descritiva e documental e apoia-se no paradigma qualitativo (CHIZZOTTI, 2010; FLICK, 2009; CHAROUX, 2006; BOGDAN; BIKLEN, 1994; 1992). O corpus é constituído por jokes provenientes de sítios da Internet e por documentos oficiais (LDB, 1996; PCNEM, 2000; PCN+EM, 2002; OCEM, 2006). Para a elaboração das atividades, privilegiamos a abordagem por conteúdos (Content-based instruction – CBI), em uma versão mais fraca, em que os conteúdos são aspectos culturais nas jokes, e empreendemos uma reflexão sobre métodos, abordagens e perspectivas, em que se incluem noções sobre o pós-método e sobre o CBI, que falam ao ensino-aprendizagem de ILE. Temos por aporte teórico discussões sobre abordagem e metodologia de ensino-aprendizagem de LE (BELL, 2003; KUMARAVADIVELU, 2003; WESCHE; SKEHAN, 2002; PRABHU, 1990), a perspectiva cultural (KRAMSCH, 1998, 1996, 1993; BYRAM; FENG, 2004), alguns trabalhos em Linguística sobre piadas (POSSENTI, 2010, 1998; CHIARO, 1992); noções sobre implícitos (MAINGUENEAU, 2004, 1996; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012) e sobre ambiguidade (KEMPSON, 1977; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012; TRASK, 2011), tendo a adoção de tais categorias emergido da análise de algumas jokes.
ABSTRACT
Our research has arisen from the interest of aligning English as a Foreign Language (EFL) classroom practice to current discussions in the ambit of learning and teaching Foreign Languages (FLs). Because of the need to integrate the linguistic development to the development of notions clung to the practice of citizenship, we have adopted a cultural perspective. We have noticed jokes as a fertile ground for discussing cultural aspects in classroom. Considering such factors, our research question is: how to explore cultural aspects in jokes for the elaboration of EFL activities which aim for the development of intercultural competence and interaction? Therefore, our general goal is to explore cultural aspects in jokes for the elaboration of EFL teaching and learning activities and our specific goals are: (I) to study official suggestions (LDB, 1996; PCNEM, 2000; PCN+EM, 2002; OCEM, 2006) regarding culture at foreign languages teaching and learning, (II) to select 05 (five) jokes and analyze them focusing on their cultural aspects, (III) to identify possible interpretations for jokes; (IV) to elaborate EFL activities which grant a privilege to jokes’ cultural aspects. This investigation is descriptive and documental and relies on qualitative paradigm (CHIZZOTTI, 2010; FLICK, 2009; CHAROUX, 2006; BOGDAN; BIKLEN, 1994; 1992). The corpus is constituted by jokes taken from Internet sites and by official documents (LDB, 1996; PCNEM, 1998; PCN+EM, 2000; OCEM, 2006). For the elaboration of activities we have chosen a weaker version of Content-based instruction (CBI), in which contents are cultural aspects in jokes and we have undertaken a reflection on methods, approaches and perspectives, among which there are notions about post-method and CBI, which talk to EFL learning and teaching. For theoretical support we have some discussions about FL methods and approaches (BELL, 2003; KUMARAVADIVELU, 2003; WESCHE; SKEHAN, 2002; PRABHU, 1990), a cultural perspective (KRAMSCH, 1998, 1996, 1993; BYRAM; FENG, 2004), some works in Linguistics about jokes (POSSENTI, 2010, 1998; CHIARO, 1992); notions about implicit (MAINGUENEAU, 2004, 1996; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012) and about ambiguity (KEMPSON, 1977; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012; TRASK, 2011), having the adoption of such categories emerged from the analyzes of some jokes.
LISTA DE SIGLAS
AD Análise do Discurso
CBI Abordagem por conteúdos (Content-based instruction)
ILE Inglês como Língua Estrangeira
LE(s) Língua(s) Estrangeira(s)
OCEM Orientações Curriculares para o Ensino Médio
PCN+EM Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais – Ensino Médio
PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 13
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 19
1.1 O ENSINO-APRENDIZAGEM DE CULTURA EM SALA DE AULA DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ... 19
1.1.1 Privilegiando o componente cultural ... 19
1.1.2 Por que ensinar cultura? ... 22
1.2 AS JOKES COMO FERRAMENTAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE ILE .. 23
1.2.1 Jokes e cultura ... 25
1.2.2 Jokes e estereótipos ... 27
1.3 CATEGORIAS DA ANÁLISE DO DISCURSO PARA A ANÁLISE TEXTUAL DAS JOKES ... 28
1.3.1 A noção de implícitos e as jokes ... 29
1.3.2 A noção de cena de enunciação e as jokes ... 33
1.3.3 A noção de competências ... 35
1.3.4 A noção de ambiguidade ... 37
1.4 ALGUMAS NOÇÕES PERTINENTES A NOSSA ABORDAGEM E PERSPECTIVA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE ILE ... 39
1.4.1 Metodologia de ensino, contexto e cultura ... 39
1.4.2 Sobre métodos e abordagens ... 48
1.4.3 Aprofundando noções sobre a abordagem por conteúdos (CBI) ... 52
1.4.4 Aprofundando noções sobre o pós-método ... 57
1.5 UMA REVISÃO HÍBRIDA ... 63
2 METODOLOGIA DA PESQUISA... 70
2.1 DISCURSO, CULTURA E GLOBALIZAÇÃO: UMA PROPOSTA PARA A INVESTIGAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA EM FAVOR DO ENSINO DE ILE . 71 2.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA – INTERESSES, QUESTIONAMENTO E DADOS ... 72
2.3 O CARÁTER QUALITATIVO DA PESQUISA ... 75
2.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 78
3.1 CULTURA E DOCUMENTOS OFICIAIS ... 80
3.2 ANÁLISE DAS JOKES E PROPOSTA DE ATIVIDADES ... 85
3.2.1 Análise da Joke 01 e atividades decorrentes ... 87
3.2.2 Análise da Joke 02 e atividades decorrentes ... 96
3.2.3 Análise da Joke 03 e atividades decorrentes ... 103
3.2.4 Análise da Joke 04 e atividades decorrentes ... 111
3.2.5 Análise da Joke 05 e atividades decorrentes ... 119
3.2.6 Sugestões adicionais de atividades relacionadas às jokes ... 127
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 129
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa decorre de um incômodo profissional gerado ao constatar a
dificuldade dos professores de língua em alinhar suas aulas a concepções de
ensino-aprendizagem que se mostram mais adequadas à contemporaneidade e suas exigências
sociais. Como consequência desse incômodo, em uma atitude responsiva a algumas
necessidades da sociedade em que vivemos e atuamos profissionalmente (MOITA LOPES,
2009), surgiu-nos o interesse de desenvolver uma pesquisa no campo da Linguística Aplicada
que leva em consideração concepções de ensino-aprendizagem que dialogam com as
demandas da atualidade e assim, desejamos mediar uma reflexão que inclua tais concepções e
demandas no contexto social real em que empreendemos nossa investigação (id.). Este
trabalho apresenta reflexões teóricas mais gerais sobre ensino-aprendizagem de Inglês como
Língua Estrangeira (ILE) na atualidade sem perder conexão com pontos pertinentes à sala de
aula de iniciantes do Ensino Médio Integrado no câmpus do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) em Macau. Dessa feita, repetidas vezes
discutiremos questões mais amplas de ensino-aprendizagem de ILE, caminhando para uma
aproximação de nosso contexto de atuação profissional, o que se torna mais latente na
proposta de atividades com jokes.
Selecionamos a Língua Inglesa, pois na maioria das escolas públicas brasileiras é
adotada como componente curricular e porque o pesquisador almejou uma pesquisa
responsiva ao contexto social em que atua profissionalmente. O IFRN adota também o Inglês
como uma língua estrangeira (doravante LE) oferecida aos alunos de nível médio. Tal adoção
decorre da influência do idioma na sociedade contemporânea, nas relações comerciais, na
produção de ciência e de cultura e, consequentemente, decorre do grande potencial de
inclusão que a proficiência em Inglês oferece.
Sabemos, contudo, que propiciar o desenvolvimento da referida proficiência não é
tarefa simples. Um ensino puramente formal ou a grande valorização de aquisição de hábitos
linguísticos destacados de um contexto social, uma interação e uma mediação (POLATO,
2008) parecem separar os alunos de um uso efetivo do Inglês em contextos extraescolares.
Além dessa falha didática, soma-se o fato de que o ILE nas escolas regulares no Brasil é
encarado como um componente curricular secundário (CELANI, 2009). Isso aponta para uma
pública regular. E apesar dessa descrença, nossa pesquisa lança-se na discussão de métodos,
metodologias de ensino e abordagens que percebemos aproximar-se das claras exigências da
vida contemporânea no tocante ao domínio de uma LE. Os panoramas relatados por Celani
(2009) e Polato (2008) levam-nos considerar que a sociedade, em que se incluem os alunos,
descrê no desenvolvimento da proficiência de ILE na escola pública não somente por causa
dos resultados que esta apresenta, mas também por causa do tratamento do ILE em sala de
aula como uma língua isolada de contexto social extraescolar. Por conseguinte, a descrença
dos alunos e, quiçá, dos professores de ILE pode ser um entrave para uma mudança da
configuração do ensino-aprendizagem de ILE e sua adequação às demandas da atualidade.
Indo além da formação de profissionais fluentes e proficientes, é central neste estudo a
formação de cidadãos de consciência crítica sobre ações e visões de mundo existentes a sua
volta, incluindo as suas, cidadãos que interagem com o outro no mundo e que compreendem
tanto esse outro quanto o mundo do qual fazem parte e constroem. Interessa-nos também que
essa interação com o outro e o mundo, guiada pela consciência crítica desses alunos, extrapole
as fronteiras locais e nacionais.
Neste percurso investigatório alinhamo-nos a produções teóricas que consideramos
mais próximas das necessidades de nossos alunos. Apegamo-nos a uma concepção de língua
como cultura e, portanto, uma visão de língua como prática social contextualizada glocal
(KUMARAVADIVELU, 2006) e historicamente, língua que se (re)estrutura e se presta a
funções de acordo com as demandas da (re)organização dinâmica das sociedades. Tal
concepção parece-nos uma condição para que o ensino-aprendizagem de Inglês constitua-se
como uma via de conscientização crítica dos alunos e de extrapolação de fronteiras, no que
diz respeito à interação e compreensão do outro. Segundo Kramsch (1996, p. 6)1,
Apesar dos avanços feitos pelas pesquisas nas esferas do intercultural e multicultural, o ensino de línguas ainda está operando com uma concepção relativamente limitada, tanto de língua como de cultura. A língua continua a ser ensinada como sistema fixo de estruturas formais e funções discursivas universais, uma via neutra para a transmissão de conhecimentos culturais.2
Livrar-se dessa concepção relativamente limitada de língua e de cultura implica uma
mudança de postura do professor. Que esse deixe de ser somente um perito em Língua Inglesa
ou em áreas de estudo dessa língua e assuma inteiramente sua responsabilidade social e
política, tornando-se um agente de mudança social (KRAMSCH, 1996, p. 8). Ainda em
1
Nesta dissertação, as traduções de citações em Língua Inglesa são traduções livres do pesquisador.
2
conformidade com Kramsch (1996), acreditamos que professores e alunos devem ser
responsáveis pelo que dizem e por isso precisam desenvolver certa vigilância linguística e
circunspeção discursiva (id.), no sentido de que tanto estes quanto aqueles devem zelar pela
ética. Enfatizamos também que o compromisso com a ética e o respeito pesará em nossa
pesquisa de forma tríplice, pois somos, além de pesquisadores, professores e aprendizes em
nível de pós-graduação. Destacamos que o referido compromisso aponta para uma noção
sociocultural cada vez mais abrangente, mesmo porque a globalização não retrocede, avança.
E à medida que avança, conhecemos diferentes realidades e visões de mundo, frente às quais
devemos nos posicionar. Para incluir essa noção sociocultural às práticas dos professores e
dos alunos, dentro e fora do ambiente escolar, apresenta-se como alternativa que o professor
de ILE propicie aos aprendizes um letramento intercultural crítico (id.). Para tanto, nesta
pesquisa priorizamos o componente cultural na sala de aula de ILE.
Ao refletirmos sobre como proporcionar um letramento intercultural crítico no
ensino-aprendizagem de ILE, as jokes3, termo em Inglês comum para designar o gênero textual piada,
se apresentaram como uma ferramenta. As jokes são textos que se constroem em uma
complexa relação entre língua, discurso e cultura, veiculando humor e refratando construções
socialmente estabelecidas, como preconceitos, estereótipos e identidades. Chiaro (1992, p.
77), ao tratar da tradução de jokes, declara que “língua e cultura parecem ser indivisíveis e
sem conhecimento sociocultural partilhado entre quem conta a joke e quem ouve/lê, um
código linguístico comum será de pouca ajuda.”4 A partir das considerações de Chiaro,
reforçamos que, se uma joke for traduzida, no papel ou mentalmente, ou ao menos se ela for
pensada, seu componente cultural será inerente à língua de origem em que ela foi contada.
Logo, se pensarmos o ensino de língua como cultura (Cf. KRAMSCH, 1996), as jokes
mostrar-se-ão como um recurso eficiente.
Escolhemos as jokes por se tratar, primeiramente, de um gênero que depende de
referências culturais para ser produzido e compreendido. Marcuschi (2008) considera que
nossa inserção social e nosso poder social dependem, em boa parte, do domínio e
manipulação de gêneros textuais. Segundo o mesmo autor, “a vivência cultural humana está
sempre envolta em linguagem e todos os nossos textos situam-se nessas vivências
estabilizadas em gêneros” (id. p. 163). Acessaremos a cultura, portanto, pelo gênero joke,
3
Adotamos o termo em Inglês por se tratarem de textos em autênticos nesta língua e por nosso trabalho estar voltado para o ensino-aprendizagem de ILE.
4 “Language and culture seem to be indivisible and, without shared sociocultural knowledge between sender and
propiciando a inserção social de alunos de ILE em outras comunidades discursivas
(KRAMSCH, 1996).
Aprofundando-nos no âmbito do gênero joke, temos o que assevera Chiaro (1992):
I. O conceito do que as pessoas acham engraçado parece ser cercado por fronteiras linguísticas, geográficas, diacrônicas, socioculturais e pessoais5 (p. 5);
II. O termo jogo de palavras evoca uma gama de chistes que variam de trocadilhos e spoonerisms até gracejos e histórias engraçadas6 (p. 4);
III. Se o jogo de palavras pretende ser bem sucedido, ele deve agir no conhecimento que é compartilhado entre locutor e interlocutor7 (p. 11).
Além do componente cultural, a joke é um gênero humorístico que apresenta
geralmente uma linguagem não complexa e uma extensão não padronizada, comumente curta.
O aspecto humorístico é considerado como facilitador da interação entre alunos, texto e o
professor, já que o humor tende a diminuir a tensão na sala de aula e é inseparável da
pretensão discursiva das jokes, o que pode facilitar também a compreensão e a interpretação
desses textos. Vale salientar que nosso interesse está no caráter textual, discursivo e cultural
das jokes, não no lúdico, sendo que este último aspecto, apesar de não abordado neste estudo,
não deve ser cerceado da interação que cada aluno tiver com o texto.
Enfocar uma sala de iniciantes no estudo de ILE no nível médio do IFRN se deve à
necessidade de delimitar nossa pesquisa e ao fato de o pesquisador que empreende este
trabalho ser professor de Inglês na referida instituição de ensino, como já indicado. Nossa
pesquisa projeta-se não somente para o quadro atual de ensino-aprendizagem de ILE nessa
instituição, mas para um futuro próximo.
Apesar de nosso contato estar limitado às turmas do câmpus em Macau, pensamos que
nossa pesquisa será também útil para o ensino-aprendizagem de ILE em outros câmpus do
IFRN, em ambos os currículos com que lidamos, e, de alguma forma, útil para outras
realidades de sala de aula que não as do IFRN. Desejamos produzir inteligibilidade sobre o
desenvolvimento de atividades com piadas voltadas para a interação em Língua Inglesa
considerando uma turma de iniciantes (com 30 [trinta] alunos, em média), que uma média
aproximada de alunos em uma turma de 3º ano no IFRN/Câmpus Macau.
5 “The concept of what people find funny appears to be surrounded by linguistic, geographical, diachronic,
sociocultural and personal boundaries” (CHIARO, 1992, p. 5).
6
“The term word play conjures up an array of conceits ranging from puns and spoonerisms to wisecracks and funny stories” (id. ibid. p. 4).
7 “If word play is to be successful, it has to play on knowledge which is shared between sender and recipient”
Tendo em vista o contexto brevemente descrito, propomo-nos a responder a seguinte
pergunta de pesquisa: como explorar os aspectos culturais de jokes com vistas à elaboração de
atividades de ILE que objetivem o desenvolvimento da competência intercultural e a
interação? A partir dessa pergunta, traçamos os seguintes objetivos:
• Geral:
Explorar os aspectos culturais de jokes na elaboração de atividades de
ensino-aprendizagem de ILE.
• Específicos:
a) Estudar direcionamentos na LDB (1996), nos PCNEM (2000), nos PCN+EM
(2002) e nas OCEM (2006) referentes à cultura no ensino-aprendizagem de
Línguas Estrangeiras;
b) Selecionar 05 (cinco) jokes e analisá-las enfocando seus aspectos culturais;
c) Identificar possíveis interpretações das jokes;
d) Elaborar atividades de ILE que privilegiem os aspectos de cultura das jokes
analisadas.
Ensinar cultura pelo trabalho com um gênero socialmente estabelecido constitui uma
forma de aproximar mais os alunos de LI de situações de uso real do idioma. Ora, a interação
por meio de jokes e o contato com diversas culturas se dão intensamente também fora da
escola. Entretanto, retomando uma constatação de Kramsch (1996), mesmo com o alcance das
pesquisas nas esferas intercultural e multicultural, o ensino de língua continua embasado em
uma concepção limitada tanto de língua como de cultura. A autora expressa:
A cultura é incorporada [no ensino de línguas] somente ao ponto que ela reforça e enriquece, e não [ao ponto em] que ela põe em questão limites tradicionais do eu e do outro. Na prática, professores ensinam língua e cultura, ou cultura na língua, mas não língua como cultura8 (KRAMSCH, 1996, p. 6).
A mesma autora registra que desde os anos noventa existe o anseio de que o ensino de
línguas se alinhe ao pensamento corrente das produções no campo da linguística e das
ciências críticas e sociais (id.). Em busca desse alinhamento, que acreditamos ser mais
proveitoso tanto para os alunos quanto para o professor, concordamos com Bhabha quando
afirma que o ensino de línguas deve privilegiar o processo social de enunciação. Tal processo
8 Culture is incorporated only to the extent that it reinforces and enriches, not that it puts in question, traditional
é dialógico e utiliza o componente cultural do ensino de línguas para construir um “terceiro
espaço” no momento de ruptura ou disjunção entre as suposições e expectativas dos
interlocutores (KRAMSCH, 1996). Podemos afirmar que esse “terceiro espaço” consiste em
uma conscientização e em um posicionamento decorrentes do encontro entre diferentes
culturas – a cultura do aluno e a(s) cultura(s) da língua-alvo. Sendo assim, ao aprender outra
cultura, o aluno é conduzido a (re)pensar suas práticas sociais e as práticas do outro, não com
seu ponto de vista cultural, nem com o ponto de vista cultural do outro, mas com um ponto de
vista formado pelo confronto de diferentes culturas. Nesse ponto a língua-alvo serve de
instrumento para adentrar a outra cultura e também para a construção de um novo
posicionamento.
Esta pesquisa tem por base pesquisas e teorias que falam conforme as exigências da
atualidade e que visam um ensino de línguas mais abrangente e eficiente. Esforçar-nos-emos
por criar inteligibilidade sobre o trabalho com aspectos culturais de jokes em atividades de
ensino-aprendizagem de ILE, com o intuito de produzir um conhecimento útil tanto a
professores quanto a pesquisadores que atuam no contexto escolar do IFRN e também aos que
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Em nossa Fundamentação Teórica procedemos à discussão que caminha por tópicos
mais específicos à nossa pesquisa, como a cultura em no ensino-aprendizagem de LEs, o
gênero textual jokes e algumas categorias da Análise do Discurso de linha francesa.
Prosseguimos, então, com a discussão de tópicos mais abrangentes na área do
ensino-aprendizagem de LEs.
1.1 O ENSINO-APRENDIZAGEM DE CULTURA EM SALA DE AULA DE INGLÊS
COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
De acordo com Kramsch (1993), a academia subestima os recursos cognitivos e afetivos
da cultura popular da sala de aula de línguas. O sistema educacional sempre incluirá as
necessidades dos aprendizes percebidas planejando novos cursos, adotando diferentes
estratégias, elaborando outros materiais. Segundo a mesma autora, os professores já
perceberam que essa é uma batalha perdida: os cursos sempre serão revisados, as pesquisas
sempre revelarão novas possibilidades de aprendizagem e os materiais nunca serão
completamente satisfatórios, pois os aprendizes sempre encontram novas formas de fazer
hipóteses, de compreender, correta ou erroneamente, o material cultural, de expressar seus
significados individuais pela LE (id.). A sociedade e os indivíduos constantemente travam
uma batalha entre si para decidir quem vai impor seus significados sobre commodities e fatos.
Tendo em vista essa dinâmica sempre além da investigação acadêmica, decidimos dar voz aos
aprendizes nas atividades propostas, os quais, como já indicado, poderão expor seus pontos de
vista individuais e os de sua comunidade, confrontando-os um com o outro e confrontando-os
com os de seus pares na sala de aula e com os da cultura-alvo representada nos exemplares de
jokes selecionados.
1.1.1 Privilegiando o componente cultural
Para Kramsch (1996), ensinar cultura não é uma atitude de conformação com a
coisas poderiam ter sido e como elas ainda podem ser. Portanto, aprender a cultura de falantes
nativos de Inglês não implica adotar tal cultura, nem repudiá-la.
Segundo Kramsch (1993, p. 233),
[…] aprender uma língua é aprender a exercitar tanto uma voz pessoal quanto social, é um processo tanto de socialização em uma dada comunidade de fala quanto de aquisição de letramento como um meio de expressar significados pessoais que põem em questão aqueles da comunidade de fala [...] A língua que está sendo aprendida pode ser usada tanto para manter práticas sociais tradicionais quanto para trazer mudança nas práticas reais que trouxeram esta aprendizagem9.
Por meio do desenvolvimento da prática de interação em ILE pretendemos, portanto,
propiciar que os aprendizes compreendam melhor sua cultura e a cultura-alvo, podendo
socializar-se satisfatoriamente nesta e quiçá melhor naquela, mas sem serem sufocados pelas
imposições de uma ou de outra comunidade, e sim podendo expressar significados pessoais,
mesmo quando em oposição aos das comunidades em que é membro discursivo, nos termos
de Kramsch (1996), o que dá liberdade para que o aprendiz rompa com algumas tradições e
costumes que não considere democráticos e saudáveis à convivência com o outro, por
exemplo.
As Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais
de 2002 (doravante PCN+EM, 2002) indicam que o ensino de ILE deve capacitar os
aprendizes a fazer uso do patrimônio cultural nacional e internacional, de forma que eles
possam contextualizar esse patrimônio cultural respeitando pontos de vista diferentes do seu.
Não se trata de uma mudança brusca em atitudes e práticas sociais. Propiciar que um aluno se
torne um cidadão consciente de diferentes realidades, mais crítico, portanto, e que considera
várias perspectivas ao pensar e repensar as próprias práticas e as práticas do outro é um
trabalho paulatino que muitas vezes implica em mudança de posicionamento. Essa mudança
se inicia ao admitir-se que não somos todos iguais, ao compreender-se que um determinado
grupo de pessoas pode não ser aquilo que dizem dele. Tal mudança começa quando
percebemos que somos únicos e diferentes, entendendo que, em circunstâncias diferentes,
tanto eu poderia ser como o outro, quanto o outro poderia ser como eu (KRAMSCH, 1996).
Kramsch (id.) aponta cultura sob duas diferentes perspectivas, a primeira proveniente
das humanidades e a segunda, das ciências sociais:
(I) [...] a forma com que um grupo social representa a si mesmo e a outros através de suas produções materiais, sejam elas obras de arte, literatura, instituições sociais,
9 “[...] learning a language is learning to exercise both a social and a personal voice, it is both a process of
artefatos da vida cotidiana e mecanismos para sua reprodução e preservação através da história (KRAMSCH, 1996, p. 2). 10
(II) [...] as atitudes e crenças, formas de pensar, de se comportar e lembrar compartilhadas pelos membros de uma determinada comunidade [...]11(Cf. Nostrand apud id. ibid.).
Tais definições serviram também para auxiliar nosso olhar sobre o caráter do
componente cultural integrante das jokes, o que teve implicação, embora indireta, para a
seleção das mesmas e para a identificação, interpretação e descrição do significado dos
aspectos culturais. Contudo, essas definições não são suficientes para à prática de sala de aula,
pois esta requer uma aproximação mais interativa com a cultura, aproximação que propicia
mudanças (FRANÇA, 2008).
Kramsch (op. cit.) considera que o forte vínculo entre cultura e ensino de línguas se
deve ao caráter mediador da língua. Para ela, uma das maiores formas de manifestação
cultural é a língua. A autora vai além e aponta para a necessidade de o professor considerar a
construção social da cultura pela língua (id.). Esse forte vínculo entre língua e cultura endossa
nossa tentativa de utilizar as jokes como uma ferramenta de aprendizagem de ILE para os
alunos no contexto em que atuamos como professor.
Ensinar e aprender Inglês para uso efetivo no mundo globalizado, em que se inclui o
mercado de trabalho, requer mais que o decorar de fórmulas e estruturas gramaticais. Quando
pensamos numa pesquisa e num ensino-aprendizagem de ILE responsivos ao contexto social
em que atuamos (MOITA LOPES, 2009), é preciso incluir a necessidade de mudanças sociais
e, para tanto, ensinar aos alunos como usar o código linguístico de outras pessoas também
estando conscientes do contexto cultural delas (cf. KRAMSCH, 1996). “A própria natureza da
linguagem exige que se considere seu uso social, e não apenas sua organização”, como bem
coloca Polato (2008, p. 78). Considerar a cultura no trato com jokes em ILE é uma maneira de
incorporar o contexto de sua produção/enunciação, o que permite aos alunos compreender o
uso que os sujeitos fazem da língua ao agirem na sociedade (id. ibid.). É nessa perspectiva
cultural ampla e responsiva ao nosso contexto social de pesquisa e atuação profissional que
exploramos o potencial linguístico-comunicativo de jokes autênticas em Inglês como
ferramenta de aprendizagem no ensino médio do IFRN.
10 “[…] the way a social group represents itself and other through its material productions, be they works of art,
literature, social institutions, or artifacts of everyday life, and the mechanisms for their reproduction and presenrvation through history” (KRAMSCH, 1996, p. 2).
11 “[…] the attitudes and beliefs, ways of thinking, behaving and remembering shared by members of that
1.1.2 Por que ensinar cultura?
Mesmo estando em uma instituição com um perfil reconhecidamente marcado pela
busca de uma formação técnico-profissional de qualidade, percebemos a necessidade de
proporcionar uma maior consciência sobre alguns fatores culturais quanto à formação
humanística desses aprendizes (cf. LIMA, 2012). Almejamos uma formação mais ampla, que
contemple o aluno como cidadão, valorizando suas identidades variadas (PAIVA, 2010) e
desenvolvendo habilidades e competências que não são da área técnica, estritamente, mas que
permearão também sua vida profissional.
Segundo Kramsch (1998, p. 8), a língua tem uma ligação íntima com “[...] a cultura da
imaginação que governa as decisões e ações das pessoas muito além do que pensamos”.12 A
língua expressa, incorpora e simboliza a realidade cultural (id.). É sobre essa visão de cultura,
que percebemos como intrínseca à língua, que pretendemos basear nossas aulas de ILE, com o
intuito de formar um cidadão que vive em sociedade e exerce sua profissão de forma ética e
responsável, cujas decisões e atitudes sejam baseadas em reflexões livres de preconceitos,
mesmo quando o preconceito já esteja incorporado em determinados modos de pensar de sua
comunidade.
Reconhecemos que a linguagem se organiza em estrutura e sem essa estrutura não
estaríamos aqui sequer falando de língua, nem sequer falando qualquer coisa. Mas a língua
abrange muito mais: propomos atividades apoiadas numa perspectiva de língua que diz e
refere enquanto signo (caráter semântico) e com a língua que faz enquanto ação
contextualizada (caráter pragmático) (KRAMSCH, 1993). Essas dimensões estão intimamente
ligadas à cultura (id.), pois tanto a negociação de significados quanto as ações que praticamos
tem por base crenças, valores, ideologias e imagens que fazemos do outro, sendo esse outro
um ou mais indivíduos, entidades, instituições.
Que noções de cultura vislumbramos? São elas: “cultura com ‘c’ minúsculo”, que se
refere a hábitos, costumes, comportamento e crenças de um grupo de pessoas, e a “cultura
como discurso social”, que se refere ao conhecimento social e às habilidades de interação
demandadas para se interagir na língua (cf. CANAN, 2007). As culturas que contemplamos
são as apresentadas pelos textos selecionados, em suas várias relações com os significados
presentes no contexto de produção dos referidos textos e os significados possivelmente
encontrados pelos alunos, respeitando as variadas visões de mundo advindas de suas
12
comunidades discursivas. Pretendemos, dessa forma, não somente propiciar o
desenvolvimento da apreciação de culturas ligadas à Língua Inglesa, mas também
propiciarmos aos nossos alunos um exercício de apreciar as culturas dos próprios colegas de
classe que provêm de comunidades discursivas distintas (KRAMSCH, 1993), isto é, a
comunidade em que nasceram e habitam, embora os alunos sejam membros de uma
comunidade de fala em comum (comunidade escolar).
Nossa sala de aula apresenta-se heterogênea ao considerarmos o fato de que nosso
corpo de aprendizes do IFRN/Câmpus Macau é constituído, principalmente, por residentes de
06 (seis) municípios, sendo que tais municípios, como no caso de Macau, apresentam vários
distritos representados por alunos do câmpus, como o centro de Macau, Papagaio, a COHAB,
Barreiras, Diogo Lopes, dentre outros. Portanto, por mais que um professor ou pesquisador
elabore atividades envolvendo o componente cultural, deve-se estar sempre atento ao
desenvolvimento das atividades pelos alunos, já que pode haver várias interpretações de uma
mesma joke, incluindo, talvez, algumas não autorizadas pelo texto e vários posicionamentos
frente a uma interpretação, de acordo com cada indivíduo e com as associações que esse
indivíduo fizer a cada tema, tendo por base a visão de mundo de sua comunidade discursiva
(id.).
1.2 AS JOKES COMO FERRAMENTAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE ILE
Tendo em vista nosso interesse em pensar atividades para a sala e aula de ILE
incluindo uma perspectiva (inter)cultural, lançamos mão das jokes, para investigar as
peculiaridades desse gênero que percebemos como pertinentes a sua utilização no
ensino-aprendizagem de ILE. Não nos aprofundamos na investigação do gênero per se, mas da joke
enquanto ferramenta de ensino-aprendizagem de ILE.
Destacamos que concebemos as jokes como um gênero textual e concordamos com a
noção de gênero trazida por Trask (2011, p. 123):
Uma variedade de texto historicamente estável, dotada de traços distintivos evidentes. [...] O fato fundamental a respeito de um dado gênero é que ele tem alguns traços distintivos, prontamente identificáveis, que o opõem marcadamente a outros gêneros, e que esses traços permanecem estáveis por um período de tempo considerável. Na maioria dos casos, um gênero particular também ocupa um lugar bem definido na cultura do povo que o utiliza.
Como já indicado, nosso interesse com as jokes vai além de seu uso em eventos
informais, como numa festa ou confraternização de colegas de trabalho; não se trata de
elemento de incitação na pré-tarefa. O papel desse gênero é central para a elaboração de
atividades, a partir de seus aspectos culturais. No entanto, apesar de as jokes dependerem de
cultura para ser produzidas e compreendidas, umas bem mais do que outras, não percebemos
tal gênero textual como sendo privilegiado de cultura, como se fosse mais cultural do que
outros (POSSENTI, 1998). Concordamos com Possenti (id.) quando afirma que o que
caracteriza as jokes como tal não é o ser cultural, nem o seu tema, nem mesmo conter uma
crítica social. Outros gêneros textuais podem também fazer isso. Além do mais, nem todas as
jokes contém uma crítica social relevante. O que faz um texto ser uma joke é muito mais
como ele se apresenta, a maneira de dizer o que diz, ou seja, sua forma (id.). Isso nos remete
ao que diz Netto (2012) sobre a instrução centrada na forma, que discutiremos mais adiante
(cf. seção 1.4.2).
Ao apontar para a obviedade e consequente irrelevância de se afirmar que as jokes são
culturais, Possenti (1998) argumenta que esse traço não distingue as jokes de quaisquer outros
textos. O autor sugere que para algum estudioso adentrar o domínio da cultura nas jokes “é
necessário explicitar quais fatores culturais são relevantes para quais aspectos das piadas [...]”
(id. p. 42). Possenti (id.) insiste na necessidade de realizar análises linguísticas de jokes, o que
faz em seu livro. Aproximamo-nos de sua sugestão identificando aspectos culturais que
consideramos relevantes para a compreensão das jokes e empreendemos uma análise
linguístico-discursiva desses textos, atentos a seus jogos de linguagem.
As jokes são um gênero potencialmente produtivo por veicularem discursos
subterrâneos, muitas vezes proibidos, e por ocorrerem “num solo fértil de problemas [...],
solos cultivados durante séculos de disputas e preconceitos” (id. p. 37). Esses discursos
reprováveis, que em muitos gêneros textuais camuflam-se, nas jokes são explicitados,
conferindo-lhes uma riqueza para o trabalho em sala de aula em que se busca uma formação
reflexiva dos aprendizes.
Apesar de apresentar uma organização simples, muitas vezes de fácil compreensão,
interpretar uma joke, como qualquer outro texto, demanda certo trabalho do leitor/ouvinte
(POSSENTI, 1998). O discurso humorístico lida frequentemente com a justaposição de
sistemas de referência (id.), com os jogos de linguagem (POSSENTI, 2010), exigindo que o
leitor/ouvinte “perceba a diferença entre a mais provável interpretação do texto e a esperta
seleção alternativa do interlocutor” (op. cit. p. 56). Interpretar uma joke nem sempre é tarefa
fácil: mesmo que não haja exclusividade dos sentidos, há sentidos preferenciais e, mesmo
[...] de que um determinado conjunto de enunciados, por mais que tenha relações
interdiscursivas, pertence a ou caracteriza um certo discurso[...]” (POSSENTI, 1998, p. 91).
Quer pela temática, quer pelo material linguístico das jokes, que não se separam nem
no dia a dia nem em nossa análise, tais textos que comumente não pretendem ser sérios,
podem ser um material descontraído para um trabalho leve e com seriedade em sala de aula de
ILE.
1.2.1 Jokes e cultura
O gênero joke, oral ou escrito, geralmente não tem autor determinado. As jokes
retomam temas cruciais para uma sociedade, os quais provêm de discursos profundamente
arraigados, de acordo com Possenti (2002). Para ele, as jokes
[...] opõem dois discursos, que podem ser caracterizados como positivo/negativo [...] Assim, [...] as jokes fazem aparecer, ao lado de um estereótipo básico, assumido pelo próprio grupo (um traço de identidade?), o estereótipo oposto (id. p. 159).
Com base nessas considerações entendemos que as jokes lidam com mais de um
discurso e, de acordo com o autor, esses discursos se contrapõem. Por isso, é possível afirmar
que uma condição indispensável para entender integralmente a cultura de uma comunidade é
entender o discurso dessa comunidade. Quanto ao acesso à produção discursiva de uma
comunidade, Kramsch (1996, p. 3) declara:
A cultura, na análise final, é sempre um direito linguisticamente mediado de ser sócio de uma comunidade discursiva, que é tanto real como imaginada. A língua atua num papel crucial não só na construção da cultura, mas na emergência de mudanças culturais13.
A partir das considerações desses dois autores, concluímos que a joke é um gênero
textual que pode também nos propiciar o acesso à cultura do outro – muitas vezes, via
contraposição de discursos interiores à cultura-alvo, de que resultam estereótipos e
simulacros. Contudo, tal acesso não se faz por mera decodificação linguística. Entendemos
que a joke requer um vasto número de competências e habilidades para ser compreendida,
dentre as quais Chiaro (1992) destaca conhecer a língua em uso e dispor de um vasto conjunto
de informações socioculturais partilhadas, em que se inclui o conhecimento enciclopédico:
Portanto, o interlocutor de uma joke deve compreender o código no qual ela é apresentada e, apesar do reconhecimento da língua ser, com certeza, o mais básico denominador comum requerido para a compreensão de uma joke, esse
13 “Culture in the final analysis is always linguistically mediated membership into a discourse community, that is
reconhecimento parece incluir uma grande quantidade de informações socioculturais que devem estar também em possessão do interlocutor. [...] tal conhecimento é extremamente variado e vai de experiências diárias do mundo comuns à língua na qual a joke é veiculada até o que nós chamaremos de conhecimento enciclopédico ou de mundo. (CHIARO, 1992, p.11, 12)14
Tendo em vista tais considerações, selecionamos jokes em que percebemos a
existência de certo número de informações culturais comuns aos estudantes, isto é, não
selecionamos jokes com um conteúdo cultural muito específico à comunidade nativa em que
tais textos circulam, como seria, por exemplo, uma joke referente a um político de uma cidade
em um país falante de Língua Inglesa, por exemplo.
Associando essas noções de Chiaro (id.) à noção de que a língua constitui a cultura e é
constituída por esta, já que as leis e regularidades da língua, como as de qualquer outra
atividade social, são geradas por pessoas em seu dia-a-dia (KRAMSCH, 1996), percebemos
que sem o conhecimento de certos aspectos de cultura muitas jokes tornar-se-iam inócuas,
porque não veiculariam integralmente seu sentido.
Chiaro (1992) reforça que, apesar da manifestação física da risada ser a mesma em
todo mundo, os estímulos da risada variam de uma cultura para outra. Isso se explica pelo fato
de que o conceito do que as pessoas acham engraçado também varia de cultura para cultura,
sempre sendo delimitado por marcos de ordem linguística, geográfica, diacrônica,
sociocultural e até pessoal. Neste ponto, mais uma vez, podemos aproximar a reflexão de
Chiaro da reflexão de Kramsch: como vimos na introdução desta dissertação, Chiaro (id.)
afirma que para uma joke ser bem sucedida, ela tem que jogar dentro dos limites de
conhecimento comum ao que conta a joke e ao receptor. Obviamente, tal conhecimento não se
limita à cultura, é mais abrangente. No entanto, a cultura tem aqui um papel central.
Para Kramsch (1996), a cultura se apoia em três eixos, os quais percebemos que
devem ser compartilhados por quem conta a joke e pelo receptor: o tempo (eixo diacrônico), o
espaço (eixo sincrônico) e a imaginação (eixo metafórico). Se o receptor não recuperar um
desses eixos quando necessário, haverá lacunas no compartilhamento do conhecimento e tal
receptor poderá perder parcialmente ou completamente o sentido da joke. Sem sentido, ela
estará naturalmente fadada ao fracasso, não cumprirá seu propósito e provavelmente não será
considerada uma joke “boa”. Todavia, também existem aquelas cujo humor reside na falta de
14 “Therefore, the recipient of a joke must understand the code in which it is delivered and, although recognition
sentido, isto é, existem jokes cuja falta de nexo é a responsável maior do riso. Mas não
trataremos dessa peculiaridade, pois não é contemplada em nosso corpus.
Apesar do risco de perda parcial ou total do sentido da joke, a aprendizagem de ILE
pelo uso de jokes encontra posição confortável. “Há situações que podem ser vistas como
engraçadas em todas as sociedades ocidentais”,15 assegura Chiaro (1992, p. 6). A autora ainda
sugere a existência de coisas que são universalmente engraçadas. Apesar desse conforto, a
existência de aspectos universalmente engraçados não pautou a seleção das jokes. Também
não nos interessa discutir o que seria mais proveitoso, se aspectos culturais locais ou mais
globais. Lembramos que em nossa pesquisa interessa-nos o significado de aspectos culturais
presentes em jokes, o que pode variar de significados compartilhados universalmente aos
compartilhados mais localmente, o que abre espaço para o choque entre esses dois.
1.2.2 Jokes e estereótipos
Nosso interesse em estereótipos se deve ao fato de serem comuns a jokes. A
ocorrência de estereótipos nesses textos tem um vínculo cultural significativo, que nos
interessou abordar nas atividades, o qual está relacionado à identidade de pessoas ali
representadas.
Para Possenti (2010, p. 40), as identidades são sociais, imaginárias e representadas,
que, apesar de terem um “amparo no real”, não se caracterizam “por uma espécie de essência
ou realidade profunda”. As identidades não são, portanto, reflexo ou cópia do real. Por
conseguinte, os estereótipos também não o são. No Dicionário de Análise do Discurso
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 215), encontramos o seguinte sobre os
estereótipos:
Em ciências sociais [...] Instrumento indispensável à cognição, na medida em que permite a categorização, a generalização e a previsão, o estereótipo é considerado, frequentemente, como nefasto, já [que] [sic.] ele é o fundamento do preconceito e da discriminação social.
Para a Análise do Discurso, o estereótipo, como representação coletiva cristalizada, é uma construção de leitura [...], uma vez que ele emerge somente no momento em que um alocutário recupera, no discurso, elementos espalhados e frequentemente lacunares, para reconstruí-los em função de uma modelo cultural preexistente [...] Pode-se, então, dizer que o estereótipo, como clichê, depende do cálculo interpretativo do alocutário e de seu conhecimento enciclopédico.
O estereótipo é também uma construção social, imaginária e representada, mas é
caracterizado pela redução, frequentemente negativa, muitas vezes um simulacro. O
15
simulacro, por sua vez, “é uma espécie de identidade pelo avesso – digamos, uma identidade
que um grupo em princípio não assume, mas que lhe é atribuída de um outro lugar,
eventualmente, pelo seu Outro” (POSSENTI, 2010, p. 40). Nas atividades com jokes
procuramos dar espaço para a opinião dos aprendizes e incentivar que não se limitem a
conceber o outro com base em estereótipos, mas que de alguma forma possam questionar os
estereótipos e os simulacros veiculados pelos textos, para que, por meio de uma reflexão mais
cuidadosa e da discussão com os colegas, possam até superar estereótipos que tenham sido
inseridos em sua formação enquanto membros de sua comunidade ou mesmo em sua
educação formal.
Para Possenti (id.), a presença de um estereótipo nas jokes indica uma oposição de dois
discursos, uma visão positiva e uma negativa sobre alguém ou um grupo. Nem sempre essa
oposição se dá explicitamente na joke, o que pode dar a impressão de que o estereótipo é
universal ou inerente a quem é atribuído. Segundo o mesmo autor (id.), o responsável pelo
estereótipo de um grupo não é o grupo, mas o Outro para tal grupo. No caso da joke 01, que
veremos mais adiante, o advogado é apontado como ganancioso, ávido por dinheiro; em
outras jokes o advogado é comumente desonesto. Naturalmente essa visão não é construída
pelos advogados, mas segundo a visão que um Outro tem desses profissionais. Esse
estereótipo, oposto ao que os advogados assumem sobre si, é um simulacro (id. p. 42).
Outra característica que o autor aponta sobre estereótipos em jokes é que eles se
apresentam comumente de uma maneira hiperbólica (id.). O exagero não deve, no entanto,
ofuscar os efeitos prejudiciais proporcionados pela manutenção dos estereótipos em
determinados contextos sociais. Daí ser necessário que o professor de ILE auxilie os
aprendizes a manter o foco na discussão e que estes atentem não somente ao que está escrito
ou a implicações diretas, mas também a vínculos sociais mais profundos e emaranhados.
1.3 CATEGORIAS DA ANÁLISE DO DISCURSO PARA A ANÁLISE TEXTUAL DAS
JOKES
Nossa análise das jokes privilegia significados de aspectos culturais. Entretanto, para
chegar a tais significados, precisamos considerar o material linguístico, gramaticalmente
estruturado. A compreensão e a interpretação das jokes estão nesse meio, na relação entre
formas são dependentes e revelam um ao outro. Para compreender tal relação recorremos à
Análise do Discurso de linha francesa.
Outro fator decisivo para adotarmos conceitos da Análise do Discurso (AD) de linha
francesa para o nosso trabalho com jokes foi reconhecer que uma condição indispensável para
entender integralmente a cultura de uma comunidade é entender os discursos que circulam
nessa comunidade. Quanto ao acesso à produção discursiva de uma comunidade, como vimos
há pouco, a cultura seria um meio legítimo de adentrá-la (KRAMSCH 1996), sendo que a
própria cultura é mediada pela língua. Na língua encontramos os implícitos, a ambiguidade e
cenas de enunciação. Para utilizar a língua, mobilizamos algumas competências.
Compreender tais categorias pode ser relevante a quem deseja lida com o
ensino-aprendizagem de ILE.
1.3.1 A noção de implícitos e as jokes
Os implícitos são fenômenos comuns na interação verbal. São significações
implicadas no dizer, mas que não constituem o objeto do dizer (CHARAUDEAU;
MAIGUENEAU, 2012), mas sim do querer dizer. Por exemplo, o enunciado “Marcos parou
de usar drogas” veicula algumas informações, como: (I) “Marcos não usa drogas atualmente”,
que é o objeto confesso da enunciação, é uma informação explícita, é o posto; (II) “Marcos
usou drogas anteriormente”, informação implícita, que embora esteja inscrita no enunciado,
repousando na ideia de “parar”, correspondendo a “não fazer mais o que se fazia”, não
constitui o objeto da oração. A esse tipo de implícito, chamamos pressuposto; (III) “Você
também pode parar de usar drogas”, pode ser outro conteúdo implícito, a que classificamos
como subentendido, que só pode se atualizar em circunstâncias enunciativas particulares (id.).
Pensamos que a utilização de implícitos obedece a princípios de economia linguística
(MAINGUENEAU, 1996). Ora, para evitar inúmeras repetições, um texto aproveita
informações já colocadas, convertendo-as em pressupostos (id. ibid.). Segundo Maingueneau
(1996, p. 89), “a atividade discursiva entrelaça constantemente o dito e o não dito” e,
portanto, nem tudo o que se diz se dá de forma explícita. Partindo da distinção que Possenti
(1998, 2010) faz entre comicidade e humor, percebemos que este utiliza-se de manobras e
técnicas, verdadeiros jogos de linguagem, recorrendo, muitas vezes, aos implícitos. Já o
cômico engloba situações culturalmente percebidas como engraçadas, muitas vezes por serem
pode se valer de situações cômicas de coisas comuns, mas a maneira como um texto está
organizado pode fazer toda a diferença (POSSENTI, 1998).
Tomemos como exemplo a joke a seguir:
If it's true that girls are inclined to marry men like their fathers, it is
understandable why so many mothers cry so much at weddings.16
Essa joke aborda um tema muito comum, a infelicidade no casamento. Casamentos
fracassados, além de comuns, são geralmente uma temática triste, pelo menos em para quem
está vivendo tal situação. Mas no caso da joke, a maneira como essa constatação é posta ao
leitor/ouvinte nos faz esquecer de todo sofrimento implicado em histórias reais de pessoas
infelizes no casamento e nos faz rir de um confronto de, pelo menos, duas imagens: (I) a
imagem de que o casamento é algo muito feliz e por isso são frequentes os momentos de
grande emoção, principalmente por parte dos noivos e de seus parentes mais próximos, os
quais choram de felicidade e (II) a imagem de que o casamento é uma instituição fadada ao
fracasso e, consequentemente, ao sofrimento, motivo de tristeza e, por conseguinte, de pranto.
A superposição da segunda imagem em detrimento da primeira apoia-se em uma ideia
implícita de que os homens fazem as esposas sofrer e é a ciência desse sofrimento por qual a
filha também passará, reproduzido pela semelhança entre o marido e o noivo da filha, que
leva a mãe da noiva aos prantos. O conflito aqui analisado se dá, dentre outras instâncias,
entre um discurso que apoia o casamento e, portanto, tem vínculos com uma orientação
religiosa, e um discurso que generaliza os aspectos negativos da participação do homem no
relacionamento conjugal. Tal generalização, mesmo sem condenar o casamento, pode sugerir
que as dificuldades do matrimônio se devem exclusivamente aos homens.
Existe uma variada gama de implícitos, mas devido a limitações desta pesquisa, como
o tempo disponível para sua realização e devido também ao que percebemos no contato com
algumas jokes, decidimos privilegiar, no tocante a implícitos, pressupostos e subentendidos.
16 Se for verdade que garotas são inclinadas a casar com homens como seus pais, é compreensível porque tantas
1.3.1.1Pressupostos
Para compreendermos melhor a noção de pressupostos, Maingueneau (1996) assevera
que o enunciado possui dois níveis de conteúdo: (I) posto, que é o nível de primeiro plano, o
qual corresponde ao que o enunciado se refere; (II) o pressuposto, que é o nível do plano de
fundo, sobre o qual o posto se apoia (id.). Dessa forma, partindo do princípio de que o
pressuposto constitui base para a colocação do posto, podemos concluir que os pressupostos
são construídos anteriormente aos enunciados (MAIGUENEAU, 1996), mas inscrevem-se na
estrutura destes, sem depender de contextos em que tais enunciados são empregados (id.).
Os pressupostos são classificados por Maingueneau (1996) como semânticos e
pragmáticos. Os semânticos podem ser classificados em pressupostos da frase (fora de
contexto) e pressupostos do enunciado (em contexto, baseados na tematização, a qual depende
de meios prosódicos). Já os pragmáticos, que não são elementos do conteúdo do enunciado,
são dependentes da enunciação e “das condições de êxito do ato de linguagem” (id. p. 103).
Por exemplo, o ato de pedir perdão pressupõe que alguém cometeu uma falta contra outrem,
que reconheceu seu erro e que está se retratando com a vítima de sua falha.
Na joke acima, podemos pressupor que: (I) as noivas em questão têm um pai e,
portanto, não são filhas órfãs, nem criadas por uma mãe que não sabe quem é o pai de sua
filha (pressuposto semântico da frase); (II) a mãe e o pai da noiva são casados, ou pelo menos
foram casados durante certo tempo (pressuposto pragmático).
Esclarecemos que em nosso trabalho será suficiente o reconhecimento de um implícito
e sua distinção entre pressuposto ou subentendido, sem aprofundarmos a distinção entre
subclasses de implícitos, como tipos de pressuposto e tipos de subentendidos. Tais distinções
nos serão úteis para maior segurança na diferenciação entre pressupostos, subentendidos e
outros fenômenos.
1.3.1.2Subentendidos
Os subentendidos, diferentemente dos pressupostos, apoiam-se nas regras que
governam os intercâmbios discursivos tacitamente e na situação de enunciação. Dependem,
portanto, de um contexto para ser compreendidos, de forma que, como assegura Maingueneau
(1996), uma mesma frase pode liberar subentendidos totalmente distintos se colocada em
Recorrendo novamente à joke de casamento citada há pouco, podemos subentender
que (I) a relação conjugal entre muitos casais é de sofrimento e (II) a culpa desse sofrimento é
do homem.
A fim de esclarecer a distinção entre pressupostos e subentendidos, consideremos a
joke seguinte, que servirá de base para a elaboração de algumas atividades:
Joke 01
A stingy old lawyer who had been diagnosed with a terminal illness was
determined to prove wrong the saying, “You can’t take it with you.” After much
thought and consideration, the old ambulance-chaser finally figured out how to
take at least some of his money with him when he died. He instructed his wife to
go to the bank and withdraw enough money to fill two pillowcases. He then
directed her to take the bags of money to the attic and leave them directly
above his bed. His plan was that when he passed away, he would reach out and
grab the bags on his way to heaven. Several weeks after the funeral, the
deceased lawyer’s wife had gone up in the attic to clean. Coming upon the two
forgotten pillowcases stuffed with cash she exclaimed, “Oh, that darned old
fool, I knew he should have had me put the money in the basement.”17
Detendo-nos agora a uma reflexão mais abrangente sobre alguns aspectos culturais e
outros fatores presentes no texto, consideremos o plano do advogado enfermo: desmentir o
discurso de que ninguém pode levar seus bens para o Céu, isto é, para o lugar onde algumas
religiões afirmam que uma pessoa redimida vai depois de sua morte. Ele inicia seu plano
instruindo sua esposa a deixar duas fronhas de travesseiro cheias de dinheiro no sótão, acima
de sua cama, onde ele já tinha decidido que morreria. Semanas após a morte do advogado,
17 Um velho advogado mesquinho, que havia sido diagnosticado com uma doença terminal, estava determinado a
quando sua viúva subiu ao sótão para fazer uma limpeza, ela percebeu que as fronhas estavam
intactas, com todo o dinheiro dentro. Em vez de considerar, por exemplo, que naturalmente
ninguém morto pode agarrar e levar sacolas de dinheiro para lugar algum, a viúva conclui que
deveria ter deixado o dinheiro no porão. Por quê? A compreensão dessa joke depende de
informações implícitas: se ela teve a ideia de colocar o dinheiro em outro cômodo,
subentendemos que, como seu marido, ela também acredita na possibilidade de que um
espírito pode levar suas riquezas para seu destino final após a morte. Se ela mostrou
preferência por um cômodo que, em vez de acima do quarto fica abaixo, subentende-se que
ela considera que seu marido, ao morrer, não subiu, mas desceu. Se ele desceu, de acordo com
o mesmo discurso religioso de que os redimidos sobem ao Céu, temos que os maus descem ao
inferno. Subentende-se então que aquela viúva reconhece todas as transgressões de seu
falecido marido que, portanto, merece ir para o inferno e, segundo sua fala, subentende-se que
é esse o destino que ela pensa que ele teve. A conclusão da joke 02 apoia-se também em
informações subentendidas para veicular humor: o velho advogado foi para o inferno.
1.3.2 A noção de cena de enunciação e as jokes
Falamos dentro de discursos, procedendo a estratégias com vistas a uma interação
mais eficiente. Enquanto falamos, constituímos uma cena de enunciação, a qual também
institui/confirma o discurso em que é constituída. De acordo com Maingueneau (2004, p. 85),
um “texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que
a fala é encenada.” Possivelmente essa definição de texto apresentada por Maingueneau
cause desconforto a alguns estudiosos, pois pode até dar a impressão de que ele desvaloriza o
texto, rebaixando-o a um simples rastro. Não estamos com isso, conferindo pouca importância
ao texto, nem atribuindo tal feito a Maingueneau. Concordamos com o autor em certo ponto:
os textos são a materialização de atividades discursivas e essa materialização se efetiva na
enunciação que apresenta cenas, as quais seguem uma organização pragmática e objetivos
percebidos em cada situação de interação.
As cenas enunciativas organizam-se em quadro cênico e cenografia. O quadro cênico é
constituído pela cena englobante e pela cena genérica. A cena englobante corresponde ao tipo
de discurso (político, publicitário, humorístico, feminista, machista, etc.) e a cena genérica ao
gênero de discurso (correspondência, joke, folder, receita, bula, etc.). Já a cenografia, que não