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Doença de Creutzfeldt-Jakob: considerações clínicas, eletrencefalográficas e anatomopatológicas a propósito de uma caso.

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DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB

C O N S I D E R A Ç Õ E S C L Í N I C A S , E L E T R E N C E F A L O G R Á F I C A S E A N A T O M O P A T O L Ó G I C A S A P R O P Ó S I T O D E U M C A S O

W I L S O N L U I Z SANVITO * M . C . BAZZANELLI NEGRISOLI *

JOÃO GUIDUGLI NETO * * MARIA IRMA S. DUARTE * * A . C . PAIVA MELLO ***

Em 1920, Creutzfeldt relatou o caso de uma paciente de 23 anos de idade que, ao lado de crises convulsivas e de distúrbios do comportamento, apresentava quadro pirâmido-extrapiramidal caracterizado, principalmente, por espasticidade e fenômenos mioclônicos. O estudo anátomo-patológico eviden-ciou atrofia cerebral, tendo o exame microscópico mostrado degeneração e desaparecimento das células ganglionares, discretos focos de proliferação glial com degeneração das neurofibrilas. As lesões predominavam na camada pi-ramidal do lobo frontal e da região central, porém, havia também compro-metimento das estruturas cinzentas do tálamo, núcleo denteado e substância cinzenta da medula espinhal (especialmente cornos anteriores). Em 1921,

Jakob relatou 5 casos que procurou relacionar àquele de Creutzfeldt9

. Não tendo sido identificado, em nenhum dos casos, um fator etiológico exógeno ou outras possíveis causas, os casos foram rotulados como pseudoesclerose espás-tica. Ulteriormente, novos relatos de casos se sucederam na literatura,

cul-minando com a excelente monografia de Kirschbaum9

, publicada em 1968, onde é feita a revisão de 150 casos coligidos da literatura entre 1920 e 1965.

A descrição do estado espongioso e o polimorfismo das manifestações clí-nicas da moléstia têm dado origem, ao longo dos anos, às mais diversas de-nominações para designar a entidade clínica aqui estudada: pseudoesclerose espástica ou encefalomielopatia disseminada (Jakob, 1921), doença de Creutz-feldt-Jakob (Spielmeyer, 1922), degeneração cortico-estriada pré-senil (Hei-denhain, 1929), degeneração cortico-pálido-espinhal (Davison, 1932), degenera-ção córtico-estrio-espinhal (Wilson, 1940), encefalopatia espongiforme sub-aguda (Jones e Nevin, 1954), síndrome de Heidenhain ou demência pré-senil com cegueira cortical (Meyer et al., 1954), encefalopatia progressiva subaguda com mioclonia bulbar (Foley e Denny-Brown, 1955), atrofia espongiosa sub-aguda pré-senil com discinesia terminal (Jacob, 1958), encefalopatia espon-giosa subaguda (Christensen, 1963).

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A síndrome neuropsiquiátrica, sempre presente, e as peculiaridades neu-ropatológicas justificam amplamente o estudo da doença de Creutzfeldt-Jakob

(C-J) como um processo degenerativo singular, distinto das atrofias pré-senís e das encefalopatías vasculares.

Julgamos de interesse o registro do presente caso pelos seus aspectos clínicos, eletrencefalográficos e anátomo-patológicos.

O B S E R V A Ç Ã O

H . B . , 52 anos de idade, sexo masculino, cor b r a n c a , registro 211725, admitido em 28111968, ocasião em que f o r a m obtidas as seguintes informações de seus f a m i -liares: início da moléstia h á 30 dias com dor intensa nas regiões laterais do pescoço, que se i r r a d i a v a p a r a toda a cabeça; a dor era a c o m p a n h a d a de t o n t u r a e m a r c h a c a m b a l e a n t e . N e s t a s condições, foi internado n a S a n t a C a s a de A r a r a q u a r a onde fizeram o diagnóstico e t r a t a m e n t o de u r e m i a ( s i c ) . P o r ocasião d a a l t a hospitalar. 10 dias depois, o paciente não conseguia se m a n t e r de pé e não mais f a l a v a . A o e x a m e neurológico em 28-11-1868, c h a m a v a a atenção a presença de coma v i g i l ( o paciente p e r m a n e c i a com os olhos abertos, porém, não c o n t a c t a v a com o m e i o ) . A atitude se c a r a c t e r i z a v a pela postura dos antebraços em semiflexão com as m ã o s semicerradas e o pé direito em rotação externa. E r a notável a presença de hiper-cinesias, c a r a c t e r i z a d a s por movimentos mioclônicos espontâneos, intermitentes e, freqüentemente, desencadeados por estímulos dolorosos, sonoros e luminosos ( m i o clonias p r o v o c a d a s ) . N o s m e m b r o s superiores os fenômenos mioclônicos p r e d o m i n a -v a m nos grupos m u s c u l a r e s flexores e e r a m reforçados pelas m a n o b r a s de oposição, de modo a c o n f i g u r a r u m espasmo de oposição; ocasionalmente as manifestações mioclônicas p r e d o m i n a v a m nos grupos m u s c u l a r e s extensores. N o s m e m b r o s infe-riores h a v i a nítido predomínio das mioclonias nos g r u p o s m u s c u l a r e s extensores, enquanto que n a e x t r e m i d a d e cefálica as mioclonias l o c a l i z a v a m - s e de preferência n a m u s c u l a t u r a perioral, nas p á l p e b r a s e n a l í n g u a ; ocasionalmente as mioclonias p r o v o c a v a m hiperextensão ou r o t a ç ã o d a cabeça, o r a p a r a a e s q u e r d a ora p a r a a direita. N a v i g ê n c i a das manifestações mioclônicas o paciente, às vezes, a s s u m i a u m a atitude que l e m b r a v a a rigidez de decorticação. Os reflexos profundos esta-v a m presentes e simétricos nos m e m b r o s superiores, enquanto que, nos inferiores, o p a t e l a r direito e s t a v a apenas esboçado e o esquerdo abolido. Os reflexos aquileus t a m b é m e s t a v a m abolidos. Os reflexos cutâneo-plantares e c u t â n e o - a b d o m i n a i s esta-v a m presentes e simétricos. E r a eesta-vidente u m a hipotrofia m u s c u l a r no m e m b r o infe-rior esquerdo. O restante do e x a m e clinico-neurológico nesta oportunidade era normal, sendo a pressão a r t e r i a l sistêmica de 400/900 m m de H g em a m b o s os membros superiores. D u r a n t e a e v o l u ç ã o n a e n f e r m a r i a h o u v e p i o r a p r o g r e s s i v a do q u a d r o , com infecção respiratória, sendo necessário t r a q u e o s t o m i z a r o paciente no 8.° dia de internação. N o que respeita aos aspectos neurológicos o paciente veio a apresentar, a p a r t i r do 20.° dia de internação, crises convulsivas, com con-trações tônico-clônicas predominando no hemicorpo direito. Os reflexos a x i a i s d a face t o r n a r a m - s e e x a l t a d o s enquanto que os cutâneo-plantares e os cutâneos-abdo-minais f i c a r a m abolidos. H o u v e declínio progressivo do estado g e r a l com f o r m a ç ã o de m ú l t i p l a s escaras e a g r a v a m e n t o d a infecção respiratória. N o estágio terminal d a moléstia ( a p r o x i m a d a m e n t e 10 dias antes do óbito) h o u v e decréscimo acentuado das mioclonias, que p r a t i c a m e n t e d e s a p a r e c e r a m nas últimas 48 horas. O paciente veio a f a l e c e r em 23-4-1969, após a p r o x i m a d a m e n t e 5 meses do início da doença.

Mxames complementares — Hemograma: 14,6 g de h e m o g l o b i n a ; hematócrito 46%;

15.500 leucócitos por m m3

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-F r a n k e l por ml. Pesquisa de células LE no sangue n e g a t i v a . Mucoproteinas séricas 11,1 m g de tirosina por 100 ml de soro. Provas de labilidade proteica: t u r v a ç ã o do timol 3,1 unidades M a c L a g a n ; floculação do timol n e g a t i v a ; r e a ç ã o de H a n g e r + + + ; r e a ç ã o do lugol n e g a t i v a . Eletroforese das proteínas séricas: diminuição d a a l b u -m i n a co-m e l e v a ç ã o das frações a l f a 1 e a l f a 2. Lipidogra-ma eletroforético n o r -m a l .

Exame de urina tipo I: densidade 1020; proteínas 0,05 g por litro; glicose ausente;

células por ml 1.000; hemácias por m l 128.000; leucócitos 12.000; cilindros e cristais ausentes. Exame do líquido cefalorraqueano — F o r a m realizados três e x a -mes ( d u a s colheitas suboccipitais e u m a colheita l o m b a r ) que não e v i d e n c i a r a m a n o r m a l i d a d e s ; a eletroforese das proteínas do líquido t a m b é m foi n o r m a l .

Eletro-cardiograma: t a q u i c a r d i a sinusal. Ecoencefalograma: não evidenciou desvio do eco

mediano. Eletrencefalograma — F o r a m realizados q u a t r o traçados, cujas conclu-sões resumimos a seguir: em 28-2-1969, surtos periódicos de ondas a g u d a s , de pro-jeção bilateral e síncrona, com discreto predomínio nas projeções do hemisfério direito.sendo o ritmo de base desorganizado e lento difusamente; traçados subse-qüentes e v i d e n c i a r a m piora do ritmo de base, com linhas q u a s e iselétricas, com persistência das alterações paroxísticas j á descritas ( F i g . 1 ) . Exame

eletromio-grájico realizado em 24-3-1969 pelo D r . J. L . A l o n s o N i e t o ( c o n c l u s ã o ) : o e x a m e dos

músculos deltóide direito, extensores da m ã o direita, biceps b r a n q u i a l esquerdo, tibial anterior esquerdo e quadriceps esquerdo, evidenciou a presença de numerosos potenciais espontâneos, com aspecto de fibrilação, a l é m de potenciais monofásicos positivos e p r o v á v e i s fasciculações; os achados são compatíveis com d e n e r v a ç ã o g r a v e dos músculos examinados. Angiografia cerebral pela carótida direita n o r m a l .

Pneumoencefalograma: sinais de atrofia cerebral difusa. Estudo histopatológico de material colhido por biopsia cerebral: córtex cerebral com intensa p i g m e n t a ç ã o

lipo-fucsínica em células nervosas.

Necropsia (A69-121) — A o e x a m e macroscópico observa-se g r a u moderado de

atrofia cerebral difusa ( F i g . 2, A ) , pesando o encéfalo 1.200 g r a m a s . Os cortes histológicos de córtex cerebral m o s t r a m p r e s e r v a ç ã o da citoarquitetonia. H á dimi-nuição difusa do n ú m e r o das células nervosas que é mais evidente nas c a m a d a s profundas. A s células nervosas estão, em g e r a l , diminuídas de volume, apresen-tando citoplasma homogéneo, de côr eosinófila, porém de aspecto microgranuloso. N a s células mais acometidas as bordas são nítidas e tornam-se a r r e d o n d a d a s , sendo o colorido do citoplasma fortemente eosinófilo; v a r i a d a q u a n t i d a d e de m a t e r i a l granuloso, de côr a m a r e l o - a c a s t a n h a d a , faz-se presente sem o c u p a r posição definida. N e s t a s células o núcleo está bastante diminuído de volume, ocupando, porém, sua posição h a b i t u a l . A c r o m a t i n a é grosseira, hipercromática, por vezes homogênea, não se distinguindo nucléolo. Estes aspectos são disseminados, sendo mais evidentes n a I V e V c a m a d a s . C é l u l a s d a a s t r o g l i a são e x u b e r a n t e s e conspícuas, apresen-tando citoplasma eosinófilo, hialino, sendo seus prolongamentos visíveis mesmo pe-las colorações habituais. Os núcleos estão a u m e n t a d o s de volume, com cromatina sob a f o r m a de g r u m o s grosseiros que o c u p a m a periferia nuclear, d e i x a n d o áreas c l a r a s no meio do núcleo. A posição o c u p a d a pelo núcleo é sempre u m dos poios celulares. A a s t r o g l i a fibrilar está, com estas características, a u m e n t a d a em nú-mero na substância cinzenta, nas c a m a d a s I I I , I V e V , sendo mais evidente nas duas últimas. C é l u l a s d a o l i g o d e n d r o g l i a estão a u m e n t a d a s de v o l u m e e com cito-p l a s m a claro, v a c u o l a r . Á r e a s focais do córtex cerebral junto às c a m a d a s mais superficiais, têm r a r e f a c ã o de células ( F i g . 2, B , C e D ) e aspecto espongioso do neurópilo. Todos estes aspectos fazem-se presentes com mais intensidade ao nível do córtex do lobo f

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-cieos d a base, em mesencéfalo e ponte m o s t r a m neurônios com os aspectos j á des-critos, p o r é m em pequena q u a n t i d a d e e esparsos. Cortes do cerebelo d e m o n s t r a m p r e s e r v a ç ã o de sua e s t r u t u r a . A c a m a d a dos g r â n u l o s tem intensa diminuição do n ú m e r o destas células, sem a l t e r a ç ã o de suas características ( F i g . 2, E ) . T a n t o nesta c a m a d a como n a m o l e c u l a r h á m ú l t i p l a s á r e a s claras, opticamente vazias, semelhantes às descritas j á anteriormente. Os vasos desta localização n ã o m o s t r a m alterações. Os cortes d a m e d u l a espinhal em diferentes a l t u r a s d e m o n s t r a m aspec-tos semelhantes aos j á descriaspec-tos no córtex cerebral, principalmente nos cordões ante-riores e laterais ( F i g . 2, F ) . A l é m das alterações no sistema nervoso central, mere-cem registro a a t r o f i a m u s c u l a r a c e n t u a d a no m e m b r o inferior esquerdo e a broncopneumonia.

C O M E N T Á R I O S

Em que pese os conhecimentos adquiridos neste últimos anos a respeito deste complexo sintomatológico chamado doença de C-J, muitas dúvidas ainda per-sistem, sendo sua classificação nosológica ainda incerta e sua etiologia interminada. Alguns tratados ainda estudam a doença de C-J entre as de-mencias pré-senis.

Clinicamente, é uma doença progressiva, sempre fatal, com duração va-riando de 6 meses a 2 anos. A doença pode ocorrer no adolescente, no adulto e na idade senil, porém incide com maior freqüência dos 40 aos 60 anos de idade. N o que se refere aos aspectos clínicos, particular ênfase é dada ao quadro de desagregação mental ao lado de distúrbios pirâmido-extrapiramidais, porém o polimorfismo das manifestações tem suscitado a descrição de várias

formas clínicas. Alemá e Bignami, citados por Rossum1 2

, baseados na di-versidade de manifestações clínicas distinguem 5 formas fundamentais da doença: mioclônica, amaurótica, intermediária, discinética e amiotrófica. Kirs-chbaum 9

, numa tentativa de ordenar a matéria, distingue três formas clínicas: forma fronto-piramidal, tipo pseudoesclerose espástica; forma occípito-parie-tal com agnosia visual e síndrome discinética, tipo Heidenhain; forma difusa com comprometimento do córtex cerebral, dos gânglios da base, do tálamo, tronco, cerebelo e com participação da medula espinhal. O paciente do pre-sente registro pode ser enquadrado numa forma mioclônica-amiotrófica do ponto de vista clínico, com comprometimento difuso do sistema nervoso cen-tral (córtex cerebral, gânglios da base, tronco do encéfalo, cerebelo e medula espinal) do ponto de vista histopatológico.

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prá-xicas. A sintomatologia mental é progressiva e geralmente termina em pro-funda demência. A terceira fase é caracterizada por uma existência mera-mente vegetativa, que pode ocorrer após algumas semanas ou meses do iní-cio da moléstia. Nesta última fase da doença é comum o aparecimento de alterações posturais, do tipo rigidez de decorticação ou de descerebração, e de coma vigil.

O paciente do presente estudo apresentou evolução singular no que res-peita à rapidez da instalação do coma vigil. Apesar da impraticabilidade de refinamentos anamnésicos, pelo baixo nível intelectual dos informantes, con-cluimos que o paciente apresentou inicialmente distúrbios do equilíbrio, tra-duzidos por "tontura e marcha cambaleante", apresentando logo a seguir mu-tismo. Ao exame do paciente era evidente a presença de mioclonias, que apresentavam certas características: eram difusas, porém predominavam nos membros superiores, eram desencadeadas por estímulos externos (startle reac-tion) ou ocorriam espontaneamente. Não foi investigado, em nosso paciente, se havia sincronismo entre as descargas paroxísticas de ondas agudas no tra-çado eletrencefalográfico e os movimentos mioclônicos. A amiotrofia encon-trada no membro inferior esquerdo se traduziu, no traçado eletromiográfico, por elementos sugestivos de comprometimento de ponta anterior de medula, que se confirmou ao exame histopatológico. São dignas de apreciação, neste caso, as alterações da motricidade reflexa, pois enquanto os reflexos axiais da face tornaram-se exaltados sugerindo lesão cerebral difusa, os reflexos de integra-ção medular ficaram abolidos por interrupintegra-ção dos arcos reflexos pelas lesões difusas disseminados pela medula espinhal.

O estudo de eletrencefalogramas seriados apresenta grande interesse na doença de C-J. Foram realizados quatro eletrencefalogramas em nosso pa-ciente entre 29-11-1968 e 11-3-1969, o que nos permitiu acompanhar a evolu-ção do caso pela piora progressiva dos traçados. Enquanto que no início da doença existia um ritmo de base mais ou menos conservado, com discreto so-frimento cerebral difuso, surpreendeu-se, durante a evolução, um empobreci-mento progressivo desse ritmo, com o apareciempobreci-mento de surtos periódicos dé ondas agudas separados por "silêncios" relativos (Fig. 1 ) .

O eletrencefalograma na doença de C-J tem valor diagnóstico e varia com as fases da doença. Em 50% dos casos revela um padrão contínuo de ativi-dade delta ou beta, de distribuição difusa ou focal e uma ativiativi-dade elétrica de

fundo constituída por um ritmo alfa deprimido 1

> 8

. Com a evolução da doen-ça aparecem surtos periódicos e freqüentes de ondas agudas e de pontas de

elevada amplitude, geralmente coincidentes com contrações mioclônicas *. 2

.9 . Na fase final da doença o traçado evidencia surtos periódicos de ondas agu-das e de pontas separados por um ritmo de base traduzido por linhas quase iselétricas. Os paroxismos periódicos de ondas agudas e de pontas persistem durante o sono, enquanto que as mioclonias desaparecem. Entretanto, estas alterações eletrencefalográficas não são específicas da doença de C-J; elas indicam distúrbios combinados de estruturas corticais, do tronco do encéfalo e do cerebelo 9

. Alterações eletrencefalográficas similares são evidenciadas na

panencefalite esclerosante subaguda 7

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Os aspectos anátomo-patológicos da doença de C-J se caracterizam pela presença de uma triade fundamental ao estudo microscópico: degeneração neuronal, hipertrofia da astroglia e estado espongioso. Alguns autores, citados

por Rossum1 2

, acreditam numa degeneração primária das células nervosas com reação secundária das células gliais, porém este aspecto ainda é contro-vertido. Embora seja admitido pela maioria que na doença de C-J o compro-metimento tenha início nas estruturas cinzentas do sistema nervoso central, alguns poucos acreditam que a substância branca seja comprometida em pri-meiro lugar. Os aspectos neuropatológicos são caracterizados por contração neuronal, podendo chegar até o completo desaparecimento da célula. É co-mum este tipo de degeneração neuronal, particularmente no córtex cerebral, nos gânglios da base, no tronco do encéfalo e nos cornos anteriores da medula. Na neuroglia, o fenômeno mais freqüentemente observado é uma proliferação dos astrocitos, principalmente a custa dos astrocitos fibrilares; a proliferação

dos astrocitos protoplasmáticos e da olidendroglia é excepcional1 2

. O estado espongioso é caracterizado pela presença de numerosas pequenas lacunas mi-croscópicas na substância cinzenta, especialmente do córtex cerebral e, oca-sionalmente, dos gânglios da base. Essas lacunas aparecem à microscopia

óptica como espaços vazios redondos ou ovais, localizados entre as células 1 2

. A espongiose no sistema nervoso central não é processo específico de uma determinada doença. Com efeito, o fenômeno parece traduzir um modo de reação a distúrbios circulatórios, a alguns processos inflamatórios, a alguns processos degenerativos e a determinadas intoxicações. N o córtex cerebral

a espongiose apresenta certa predileção pela I I e V camadas1 2

. O estado espongioso, se bem seja manifestação freqüente na doença de C-J, não é elemento patognomônico para sua caracterização neuropatológica. Dos 150

casos analisados por Kirschbaum 9

em sua monografia, 91 apresentavam o esta-do espongioso.

Apesar de certas peculiaridades clínicas, eletrencefalográficas e neuropa-tológicas a caracterização da doença de C-J ainda não é matéria pacífica. Nevin e c o l .1 1

descreveram a encefalopatia subaguda espongiforme — enti-dade semelhante à doença de C-J —, cuja etiologia atribuíram a distúrbios vasculares. Estudos recentes, inclusive com microscopia eletrônica, não têm evidenciado alterações vasculares na doença de C-J a ponto de explicar sua etiopatogenia 3

- 4 . 5

. 9

. N o momento, existe uma tendência a aceitar a unidade histopatológica da doença de C-J, da encefalopatia de Jones e Nevin e da síndrome de Heidenhain 1 0

.

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Na doença de C-J as hipóteses de demência pré-senil ou de lesões vas-culares parecem definitivamente afastadas. Alguns autores, citados por Kirs-chbaum 9

, advogam a hipótese de processo degenerativo especial. Sabe-se hoje, que diferentes causas (pelagra, intoxicação pelo CO, condições pós-encefalíti-cas) podem provocar manifestações clínicas e alterações neuropatológicas se-melhantes à doença de C-J; este fato tem suscitado dúvidas se o C-J seria

uma doença ou uma síndrome. Rossum1 2

defende a primeira hipótese e advoga a natureza endógena da doença, que seria a tradução de uma anor-malidade genética. Este autor justifica sua hipótese estribado na ausência de fator exógeno (tóxico ou infeccioso) e pela simetria das manifestações

clínicas e dos achados anatômicos. Gibbs e col. 6

conseguiram, em 1968, trans-mitir experimentalmente do homem ao chipamzé e também, de chipamzé a chipamzé, a doença de C-J. É conhecido também o fato de que o Kuru — encefalopatia degenerativa progressiva, endêmica entre os nativos da Nova Guiné — pode ser transmitido de homem a chipamzé. Segundo Gajdusek e

al., citados por Kirschbaum9

, o processo degenerativo do Kuru é provocado pela ação de um virus lento. A hipótese de que a doença de C-J seja cau-sada por um agente transmissível (vírus lento) não pode ser afastada.

R E S U M O

É relatado um caso da doença de Creutzfeldt-Jakob cujo diagnóstico foi comprovado mediante estudo anátomo-patológico. São analisadas as diversas formas clínicas da doença e particular ênfase é dada aos aspectos eletrence¬ falográficos. No que respeita aos aspectos neuropatológicos é ressaltada a importância, para o diagnóstico, da presença de degeneração neuronal ao lado de hipertrofia da astroglia; o estado espongioso pode ocorrer em elevado número de casos. O paciente do presente registro, do sexo masculino, apresentou aos 52 anos de idade um quadro rapidamente evolutivo, caracterizado por insta-bilidade à marcha, mutismo, mioclonias generalizadas e coma vigil, vindo a falecer 5 meses após o início da doença. O estudo anátomo-patológico evi-denciou lesões difusas nas regiões corticais, sub-corticais, no tronco do encé-falo e na medula espinhal, caracterizadas por degeneração neuronal, hiper-trofia da astroglia e presença do estado espongioso.

S U M M A R Y

Creutzfeldt-Jakob disease. A case report with clinical, electroencephalographic and neuropathological aspects

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reflexes in the face, tendon reflexes not elicitable in the legs. The electroen¬ cephalographic findings, during the downhill course of the disease, showed a pattern of irregularly depressed background rhythm with the periodic synchro-nous high voltage wave. The post-mortem findings revealed mild atrophy of the brain and the histological study revealed neuronal degeneration, astro-glial hypertrophies and status spongiosus. The microscopic examination show-ed that the areas most affectshow-ed were the frontal and occipital lobes, the basal nuclei, the mesencephalon, the pons and the anterior horns. In the cerebelum the granular cells were reduced. Pathogenetic and etiological considerations remained inconclusive, but the slow-virus concept applicable to other neurological diseases (Kuru, subacute sclerosing leuco-encephalitis) should not be dismissed from etiopathogenetic considerations of Creutzfeldt-¬ Jakob disease.

R E F E R Ê N C I A S

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Referências

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