1 Endereço: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Av. Prof. Mello Moraes, São Paulo, SP, Brasil 05508-900.E-mail: gjdpaiva@usp.br
OEstadoeaEducaçãoReligiosa:ObservaçõesapartirdaPsicologia
GeraldoJosédePaiva1 UniversidadedeSãoPaulo
RESUMO–OtemadaeducaçãoreligiosaoferecidapeloEstadoétratadodopontodevistadascondiçõespsicológicas adequadas a sua eficiente ministração, a saber, estabelecimento de relações interpessoais no pequeno grupo, nitidez na apresentaçãodasinformaçõeseinserçãonumgrupodereferênciamaisabrangente.Comobasefilosófica,necessáriaaoponto devistapsicológico,éapresentadaavisãodeHabermaseRatzingerdoEstadodemocrático,cujafunçãoénãosótolerarmas promoveradiversidadeculturaldosgruposqueocompõem,sobreopressupostodaaçãocomunicativaoudodiálogo.
Palavras-chave:psicologiadareligião;educaçãoreligiosa;Estadodemocrático.
TheStateandReligiousEducation:PsychologicalRemarks
ABSTRACT–ReligiouseducationofferedbytheStateisdealtwithfromthepointofviewoftheadequatepsychological conditionstoitsefficientoffering:interpersonalrelationsinthesmallgroup,distinctivenessofstimuli,andinsertionintoa broaderreferencegroup.Asaphilosophicalbasis,necessarytothepsychologicalpointofview,ispresentedHabermas’and Ratzinger’sconceptionofademocraticState,whosefunctionisnotonlytotoleratebuttopromotetheculturaldiversityofits componentgroups,followingthepresuppositionofcommunicativeactionordialog.
Keywords:psychologyofreligion;religiouseducation;democraticState.
Estadoàfrancesaéinvocadacomoprincípiosupremoem numerosostópicosdavidajurídicanacional.
NodebatetravadonaAcademiaCatólicadaBaviera,em Munique,aos19dejaneirode2004,acercadosfundamentos pré-políticosdoEstadodemocrático,Habermasexpressou-se claramenteacercadoqueconstituiocaráterdemocráticode umEstado.Édemocrático,segundoHabermas,oEstadoque possibilitaeincentivaaexpressãodosdiversosgruposqueo compõem.Essapossibilitaçãoeesseincentivodizemrespei-to,também,àconvicçãoreligiosaeàsmanifestaçõesdesta convicção.SegundoHabermas,ademocraciarepublicana, deíndolekantiana,queeleabraça,fundamenta-senalivre pactuaçãoobtidapelaaçãocomunicativaentreaspessoas. Parecequeénoníveldafundamentação,enãonasderivações deumEstadodemocrático,queháparcialdivergênciaentre HabermaseRatzinger.Habermasconsideraaaçãocomuni-cativacomooprincípioético,aopassoqueRatzingerainda seperguntapelafundamentaçãoéticadaaçãocomunicativa. Emoutraspalavras,afundamentaçãoéticaéintrínsecaao agircomunicativo,segundoHabermas,eextrínsecaaele, segundoRatzinger.Umavez,contudo,estabelecidoocaráter democráticodoEstado,umeoutronãosecontentamcom a posição absenteísta do Estado em relação à diversidade deseusgruposcomponentes,mas,aocontrário,entendem comodevendoserpositivaaaçãodoEstadonapromoção daspeculiaridadesculturaisdeseusgrupos.Há,pois,nopo-sicionamentodofilósofodeFrankfurtenodoentãocardeal coincidênciaquantoaorespeitoeàpromoçãodadiversida-de.Orespeitoàdiversidadeconduzàdefesadaliberdade, enquantonadaseimpõecontrárioàconvicçãodepessoas egrupos;apromoçãodadiversidadeconduzigualmenteà liberdade,enquantosepossibilitamasvariadasexpressões dasculturasesubculturassociais.Haverá,claramente,regiões
Areflexãoacercadoensinoreligiosonasescolaspúbli-castocanumaquestãodefundo,filosóficoepolítico,que noplanoteóricoselevantouapartirdoamplomovimento daAufklärung,enoplanopráticosetraduziunaseparação entreaIgrejaeoEstadoou,emoutraspalavras,nalaicização doEstado,seqüeladasrevoluçõesdofimdoséculoXVIII. Comalaicização,oEstadoperdeuprimeiroavinculação comaIgreja,depoisavinculaçãocomodivino,aseguir, noprocessodesecularização,avinculaçãocomosagrado. Historicamente,contudo,houveváriasre-apropriaçõesdo sagrado,derivadasdocaráterabsolutoquemuitosatribuíram aoEstado.
Emboraopontodevistadestasconsideraçõespretenda serodaPsicologia,nãosepodedeixardelevaremcontao quefoidenominadoquestãodefundo,poisaPsicologiaé, emlargamedida,umaciênciahistórica.
deconflito,umadasquais,edasmaisimportantes,éado critériodamaiorianasdecisõescoletivas.Oessencial,con-tudo,éoprincípioeacontínuaaçãocomunicativa,segundo Habermas,ouacontinuidadedodiálogo,segundoRatzinger. Percebe-se,pois,comoalaicidadedoEstado,quedeveser mantidaparanãoserepetiremconfusõescomoadopoder temporaldospapasouadopoderespiritualdospríncipes, nãosedefinemaiscomocombateaoreligiosonemcomo tolerância ao religioso, mas como abertura à pluralidade religiosa,noseiodaaberturaàpluralidadeculturaldegrupos epessoasquecompõemoEstado.
Estas posições, de caráter filosófico, são cruciais para osdiasdehoje,emparticularnoOcidente.É,comefeito, lugarcomumoqualificativode“plural”paraoEstadoepara asociedadeocidentalcontemporânea.Umdosinesperados efeitosdoprocessodeglobalização,oumundialização,está sendo,exatamente,orevigoramentodepeculiaridadescultu-raisesubculturaisdetodaespécie,amultiplicidadedemodos devidaacolhidospeloEstadoepelasociedade.
Ora, uma das convicções mais importantes de grande parte,senãodamaioria,dapopulaçãoéaconvicçãoreligiosa. AoEstadodemocráticocabenãosóseabsterdeimpedirsua manifestaçãomas,segundoHabermaseRatzinger(2004), apoiarpositivamentesuaexpressão.SeoEstadoassumea tarefadeprovereducaçãoeinstrução,levanta-seaquestão daeducaçãoedainstruçãoreligiosasproporcionadaspelo Estado.Essaéumadifícilquestão,entreoutrasrazõesporque tributáriadeumaconfusahistóriaderelaçõesentreIgrejae Estado.Provavelmentenãoháumencaminhamentoideala priori doproblema,mas,aocontrário,énaaçãocomunicati-va,ounodiálogo,quesepodechegaraumconsenso,sempre renovável,quantoàequilibraçãodosdadosdaquestão.
Hápaíses,comoaHolanda,queresolveramoproblema confiando o ensino religioso às instituições educacionais religiosas,financiadaspeloEstado.NaBélgica,asUniver-sidades católicas e “livres”, isto é, não confessionais, são sustentadas pelo Estado, e o ensino fundamental público ministraaulasdereligiãocatólica,judaica,islâmicae“laica”, deresponsabilidadedasrespectivasinstituiçõesreligiosasou laicas.Enfatize-sequeainstruçãoreligiosaabrangetambém osistemadeconvicçõesmoraisnão-religiosasapresentadas poragrupamentoslaicos.Essespaísesnãoconhecem,como oBrasil,umapluralidadetãomúltipladereligiõese,desse pontodevista,torna-seviáveloferecer,naescolapública, instruçãoreligiosadestinadaàspoucasconfissõeseàlaici-dade.Naturalmente,noBrasil,ondeasreligiõessecontam às dezenas, há o problema prático, possivelmente até de horárioedeespaçofísico,paraatenderigualmenteatodas asexpressõesreligiosas.Asolução,noBrasil,temsidoa de proporcionar aos alunos, em particular aos do ensino fundamental,umavisãohistórica,antropológica,porvezes psicológicae/oufilosóficadasreligiões,deixando-seàsins-tituiçõespropriamentereligiosasaincumbênciadeformar narespectivaféseusrespectivosmembros.
Ora,écontraessemododeencaminhamentoque,parece, seorientaoentendimentodeHabermaseRatzinger(2004) doquedeveseraaçãodeumEstadodemocrático.Hátrês razõesfundamentaisparaainsuficiênciadesseencaminha-mento:(1)nãoseprovêensinoreligiosomasensinohistórico,
antropológico,científicodasreligiões;(2)oensinopropor-cionadonãosatisfazanenhumareligiãoconcreta,umavez quereligiãonãoéumconjuntodeconhecimentosmasuma atitude,queincluiconhecimentos,afetosepredisposiçõesde ação;(3)umaatividadelimitadaàinstruçãonãocorresponde àeducação,paraaqualexisteumministérioespecífico.
Considere-secadaumadessasrazões.
(1) AHistória,aAntropologiaeoutrostratamentoscien-tíficosdadosàreligiãosão,porcerto,úteisnoestudo da religião. Embora, como empreendimentos científi-cos,essestratamentosnãosesituemnomesmonível epistemológicodareligião,sãocapazesdedestacar,na percepçãodosalunos,muitomaisoqueasreligiõestêm emcomumdoqueoquetêmemseparado.Comisso,po-demfomentaratolerânciaeacooperação,sobretudose, comoseveráadiante,houverumaverdadeiraeducação religiosa,quepassedacogniçãoatarefasconcretas.Não há,porém,apenasvantagensnaabordagemcientífica. Dependendododesenvolvimentocognitivo/afetivodos alunos,atendênciaàhomogeneizaçãodo“religioso”e suafáciltransposiçãoparao“sagrado”e,atualmente, parao“espiritual”,situaareligiãonumgraudeabstração quenãocorrespondeàexperiênciaqueosalunostêmda realidadereligiosa.
De outro lado, nem sempre os docentes formados em História,AntropologiaouPsicologiadareligiãoconseguem manteraconsciênciadosníveisepistemológicosemqueos alunostransitamdeumaconsideraçãocientíficadareligião paraumaconsideraçãoreligiosadareligião.Podehaveruma sutilsugestãodeque,aofimeaocabo,orealmentesagrado sejaaciênciadareligião...Hátambémapossibilidadede seafrouxarolaçodelealdadeàprópriaculturareligiosa, substituindo-opelaindiferença.
(2) O ensino religioso não é simples transmissão de co-nhecimentos,istoé,dedoutrinasoudeacontecimentos ligadosàhistóriadareligião,masumconjuntoarticulado de cognições, de afetos e de predisposições de ação, em outras palavras, o que tecnicamente se denomina “atitude”. Outra maneira de se dizer isso é referir-se aoensinoreligiosocomo“educação”.Ensinarreligião é,então,ensinar“atitude”religiosaoutransmitiruma “educação”religiosa.
Neste aspecto, o ensino da religião seria muito mais semelhanteaoensinodaarte(Pruyser,1976)eaoensino daciêncianolaboratórioounocampodoqueaumaaula teórica.Pruyser,emparticular,trabalhacomosconstructos habilidade,imaginaçãoeilusão,dateoriadaarte,aplicando-osaoentendimentodareligião(Paiva&cols.2004).Essa consideraçãoremete,emparticular,aocomponentedeação naatitude.Areligião,comefeito,écultoeprática.Poresta razão, o ensino da religião envolve, em algum momento, celebraçãoeempenhoconcreto.Certamenteissosupõe,da parte do professor da disciplina, uma preparação pessoal semelhanteàdoartistaedoexperimentador.
nãosevalemdosrecursosoferecidosdiretamentepelas instituiçõesreligiosas.Paraessasfamílias,comomostra apesquisadeHaafeTimmermans(1986),naHolanda, aescolaédesejadacomoinstânciaqueassumeparcial-menteopapelquetradicionalmentecabeàfamília. Se é correta a concepção que Habermas e Ratzinger (2004)têmdoEstadodemocrático,cabeaoEstado,apesar dasdificuldades,ensejarepromoverasculturasreligiosas daspessoasegruposemfunçãodosquaisexiste,incluindo-senessasculturasolaicismo,oagnosticismoeoateísmo. Umaforma,deensejarepromoverasexpressõesreligiosas é,semdúvida,oensinoreligioso,entendidonosentidode atitudeedeeducação.Éconvenienteinsistirquemesmoo ateísmo,seesclarecido,integraodiálogopluraldoEstado democrático e é portador de conhecimentos, sentimentos evaloresquehonramahumanidade.Nesseentendimento, justifica-se, novamente apesar das dificuldades, o que o legisladorbrasileirodispôsquantoàofertaobrigatóriado ensino religioso para a escola, embora facultativo para o aluno.Esejustificatambémtantoasupervisãodesteensino porpartedoMinistérioedasSecretariasdeEducaçãocomo aresponsabilidadepelaremuneraçãodosprofessores.
Ensinoreligiosoecondiçõespsicológicas
Na Conferência internacional “Educação do Futuro –DesenvolvendooTalentoeaCriatividade”,realizadaem SãoPauloem1993epatrocinada,dentreoutrosorganismos, pelaUNESCO,peloMECepeloCNPq,discutiu-seaquestão desehaveriafuturoparaareligiãonaeducaçãodofuturo (Paiva,1995).Depoisdemostrado,comdadosestatísticosde crescimentoedeclíniodealgumasreligiões,doagnosticismo edoateísmo,quereligiãoeirreligiãonãosãonecessidades psicológicas, mas são atitudes aprendidas socialmente na cultura,destacou-seaimportânciadasrelaçõesinterpessoais nogrupopequeno,daexigênciadenitideznaapresentação dasinformaçõesedainserçãonumgrupodereferênciamais abrangente.Essassãoperspectivaspsicológicasacercado futurodareligião,aquiretomadasedesenvolvidasemrelação aoensinoreligioso.
Ocontextosocioculturaldoensinoreligiosoéocontexto adequadodapresentediscussão,umavezqueéainstituição escolarqueministraesseensinoaumapopulaçãofiliadaa váriastradiçõesculturaisdeadesãoounão-adesãoreligiosa. Esse,aliás,éoclimacostumeirodainserçãoemumareli-giãooudadeserçãodela.Nãosepode,tampouco,esquecer queareligiãoeairreligião,emmuitomaiorescaladoque, porexemplo,aFísica,temsuarealidadeestabelecidapelo intercâmbioepeloconsensosocial.Emoutraspalavras,são realidadesquevãoadquirindosuaaparente“naturalidade” ao longo de processos que incluem modelo e imitação, conversação, denotações cognitivas e também conotações emocionais,sistemasdeaprovaçãogrupal,desempenhode papéis,construçãodeidentidadepsicossocial.
Como realidades socioculturais, religião e irreligião têmmuitoemcomumcomalinguagem,verbalenão-ver-bal,noprocessodesuaaquisição,transformaçãoeperda. Anteriormenteaalgumdetalhamentopsicológicodotema, édegrandeutilidaderecordaraestruturamultifatorialde religião,estabelecidahátempopelossociólogosC.Y.Glock
eR.Stark(1962).Estesautoresdescobriram,pormeioda análisefatorial,que“religião”,nocristianismoqueinvesti-garam,nãoéumtermounidimensional,umavezquenouso comumpodereferir-seacincodimensõesdistintas,embora correlacionadasemmaioroumenorgrau.Essasdimensões são as seguintes: a ideológica2, a ritual, a experiencial, a
intelectualeaconseqüencial.Amaisimportantedelas,de acordocomograudecorrelação,éadimensãoideológica, queconsistenaconvicçãodeféemanifesta-se,porexemplo, nadevoçãoenaprece.
Secundariamente,areligiãoéumaparticipaçãoritual,um conjuntodeconhecimentos,umaexperiênciaeumaordena-çãomoraldavida.Seoensinoreligiosovisaatransmissão dedoutrinasoufatos,limita-seaumadimensãosecundária dareligião,asaber,aintelectual.Sevisaafornecerdiretrizes morais,permanece,igualmente,numadimensãosecundária, que estudos posteriores vieram expurgar da definição. O ensinoreligiosodeveria,pois,visaradimensãoessencial, denominadaideológica,queéaadesãodefé.Independen-tementedamodalidadereligiosa,afé,adevoção,aprece, numapalavra,aligaçãocomDeus,éonúcleodareligião, comosuaausênciaéonúcleodairreligião.
Sãoesteselementosqueumapesquisahistórica,antro-pológica, psicológica ou outra deveria buscar nas formas religiosasqueestudaou,mesmo,noselementoscomunsque extraidasformasreligiosas.Aindamelhor,oensinoreligioso, ministradonosentidoamparadonaconcepçãodeHabermase Ratzinger(2004)doEstadodemocrático,deveriavisarode-senvolvimentodaatitudedeféedesuasmanifestações,como asváriasformasdepreceeaconvicçãodaligaçãocomDeus. Ora,estamosaquilongedeumensinode“doutrinas”oude uma“moral”.Comoafénãosedánovácuo,háelementos cognitivosedoutrinaisnaadesãoaDeus;porémoessencialé aadesão.Dopontodevistapsicológico,essaadesão,visada peloensinoreligioso,supõeadequadasrelaçõesinterpessoais numgrupo,comaproposiçãodemodelosdeadesão,senso deinserçãonumahistóriamaisampla,constituiçãodeuma identidadegrupal.
Importânciadasrelaçõesinterpessoais
Asrelaçõesinterpessoaissupõemproximidadedaspes-soas.Emboraospapéisgrupaissejamdiferentes,induzindo com isso certa distância entre as pessoas, os papéis com-plementares, como os de pais e filhos, professor e aluno, tendemainduzirproximidadeentreosparceirosdepapel.A proximidadeporsisónãodenotarelaçõespositivasdeordem cognitivaouafetiva,masécondiçãodeestabelecimentodes-sasinterações,sejamelascognitivasouafetivas.Ainteração cognitivapositivasedápelodiálogo,termotradicionalque vemaoencontrodaaçãocomunicativa.
Oensinoreligioso,dopontodevistacognitivo,paraser significativodevecorresponder-secomoelementoafetivodo desejo.Esseelementopodeserdespertadoou,sejápresente, intensificado,pormeiododiálogo.Éimportantedar-seconta
dequeodesejo,nocasodeapreenderumsentidoprofundo para a vida, moldado dentro de uma tradição cultural na qualapessoajáfoiintroduzida,sópodealimentar-secom odiálogose,nocasodoensinoreligioso,alunoeprofessor estiveremimbuídosdessedesejo.Parece,pois,inoperanteo esforçodoprofessorquenãoseperguntapeladimensãoreli-giosaou,maissimplesmente,quenãoamaareligião.Parece, também,inoperanteesseesforçosenãovaiaoencontrode umdesejoreligiosoporpartedoaluno.Nessepontoparece aindaadequadodizerque“aeducaçãoreligiosadosfilhos (oualunos)éacontinuadaeducaçãoreligiosadospais(ou professores)”(Paiva,1995,p.375).
Emtermospráticos,encontrospessoaisemgruposme-noressãoumacondiçãonecessária,emboranãosuficiente, paraaeficáciadoensinoreligioso.Nessesgruposmenores, aliás,torna-sepossívelumoutroprocesso,nãonecessaria-menteinterpessoalmas,emtodoocaso,social,asaberoda imitação. A religião, enquanto referência fundamental da cultura,comoalinguagem,asboasmaneiras,asexpressões emocionais,“setecenodia-a-dia,muitomaispelomodelo fornecido do que por injunções verbais explícitas ou por conseqüências artificialmente dispostas” (Paiva, 1995, p. 374). São as relações interpessoais que possibilitarão, do pontodevistapsicológico,adimensãoderelaçãopessoal comDeus,aprimeiraemaisdefinidoradimensãofatorial dareligião.
Nitideznaapresentaçãodasinformações
Oensinoreligiosotemumcomponentecognitivoessen- cial,correspondenteàdimensãointelectualdadefiniçãofato-rialdeGlockeStark(1962).Fazempartedelaoselementos doutrinais,suainter-relação,oconhecimentodahistóriado gruporeligioso,etópicosassemelhados.Comoemqualquer aprendizagemcognitiva,anitidezdosestímulosapresenta-doséessencial.Nãoépossível,porexemplo,aprender-se psicanáliseconfundidacombehaviorismo.Osconceitosde umaedeoutrosósetornamapreensíveisquandonãofundi-dos.Tantoosconceitosindividuaisdeumateoriacomosua articulaçãopertencemaumafamíliacognitivaestabelecida segundocritériosdiscriminadores.Essescritériosfornecemo protótipodoobjetodeconhecimento,juntandooselementos quelhecorrespondemeseparandooselementosquenãolhe correspondem (Rosch, 1978). Na dimensão do contraste, naturalmente,oselementosestranhosaoprotótipopodem ser de grande utilidade, enquanto contribuem exatamente paraamaiornitidezdoprotótipo.Nessesentido,psicanáli-seebehaviorismopodemserensinadosjuntosnãoporque componhamomesmoprotótipo,masporqueoprotótipoda psicanálisecontrastacomodobehaviorismo.
Nãohaveria,noentanto,possibilidadedebehaviorismo epsicanáliseserempropostosdentrodeumprotótipoúnico? Apossibilidadeexiste,desdequeoprincípiodeorganização nãosejaosimplescontraste,masometacontraste(Oakes, Haslam&Turner,1998),comoquandooestudopsicológico doserhumanosecontrapõeaseuestudobiológicooufísi-co.Essasconsideraçõesseaplicamaoensinoreligioso.As religiõesnãoseequivalemdopontodevistacognitivo,isto é,umareligiãonãoéoutra.Asconcepções,asdoutrinas,as históriassão,sobcertoaspecto,nemmesmoespecíficas,mas
singulares.Nãoépossívelensinarobudismocomosefosse ocristianismo,comonãoépossívelensinaroprotestantismo luteranocomosefosseocatolicismo.
Estaráoensinoreligiosonasescolasapetrechadoparaa singularidadeconceitualdasnumerosasreligiõesexistentes noBrasil?Arespostanãopodesergenérica:hádeserregio-naloumesmosub-regional,levandoemcontaaincidência dasadesõesreligiosasdosalunos.Seadecisãopeloprotótipo obedecernãosimplesmenteaoprincípiodocontraste,mas aodometacontraste,oencaminhamentodarespostapode tornar-semaissimples:cristianismoebudismo,porexemplo, sãomaisdistantesumdooutrodoquecatolicismoeprotes-tantismo,oudoqueasmúltiplasramificaçõesdobudismo. Oensinoreligiosonãodeixariadepropor,comnitidez,os critériosdiscriminadoresdeumeoutroprotótipoampliado. Nãohácomoobliterar,noentanto,adificuldadedaaquisi-ção de competência, por parte dos docentes, de protótipo religiosotãocomplexocomoocristianismoemgeralouo budismoemgeral.
Haveria,noentanto,umterceironível,maisabstrato,de protótiporeligioso,enquantoreligiãoseriacontrastada,por exemplo,comciênciaoupolíticaoueconomia.Épossível, até,queénessenívelmaisabstratoquemuitosencaramareal factibilidadedeensinoreligiosonasescolas,comodisposto nalegislação.Nessenível,contudo,aindaserianecessário manteranitidezdosconceitosecontrastarreligiãodeoutras perspectivashumanas.Éóbvioquequantomaissesobena abstração,menosvivaevividasetornaumarealidade.Isso nãosignificaquenãohajaméritoevantagemnaapresentação abstrata,desdequenítida.
Umefeito,comojáapontado,podeseratolerânciaeo empenhoporelevadascausascomuns.Noentanto,omínimo denominadorcomumnemsempreéomaisindicadoparatoda finalidade,comoquandosequerconhecereapreciaruma bebidaouumaobradearte.Nessenívelépossívelagrupar asreligiõesaespiritualidadeeamoralidade,emboracomo riscodeseagruparemcoisasconceitualmentedistintas,uma vezquereligiãoincluialgumaformadetranscendência,ao passoqueespiritualidadeemoralidadepodemsituar-seno âmbitodaimanênciahumana.Éprovávelquenesseagrupa-mentomaisinclusivosepercaanitidezdaapresentaçãodos estímulosinformativos,edissolva-seofundocontraoqual sedestaqueperceptualmentealgumafiguracomcontorno.
Inserçãonumgrupodereferênciamaisabrangente
Não bastam as relações interpessoais, que se dão no pequenogruposocial,nemanitidezdaproposiçãodasinfor-maçõesparasegarantiraestabilidadedaformaçãoreligiosa quesepretendefavorecercomoensinoreligiosonasescolas. Oprincípiogeraldanecessidadedeinserçãonumgrupode referênciamaisamplonotempoenoespaço,ouseja,não apenasnummovimento,masnumainstituiçãoreligiosa,diz respeitoàestabilidadeproporcionadapeloconsenso.Esse consenso social, que garante a maior parte das chamadas realidadesdavidahumana,tem-sedadodemuitasmaneiras aolongodahistória.
dodebateHabermaseRatzinger(2004),pode-sedizerque oconsensosedápelaaçãocomunicativaoupelodiálogo. Aindaassim,opluralismonãoéoúnicovetordadinâmica sociocultural contemporânea. O processo de globalização temmostradoaressurgência,quandonãoainsurgência,de consensosmaislimitados,freqüentementedenaturezaétnica ereligiosa,comfortescomponentesdelealdadehistórica,que equilibramvetorialmenteadinâmicasocial.Essereequilíbrio sefaznotar,muitoparticularmente,naquestãodaidentidade. Não se trata, porém, de reinstalar um equilíbrio estático. Provavelmenteaidéiadeumequilíbriocomoesseemalgu-maépocadahistóriahumanaéumafalácia.Emnossosdias seria,certamente,umafalácia.
A inserção num grupo mais abrangente, ampliado no espaçoenotempo,garanteosentidodeidentidade,istoé,de reconhecimentodeumarealidadesocialtambémabrangente, queresistiuaotempoeaodeslocamentoespacialequenos retiradeumasolidãosemreferênciassólidas.Odinamismo daexistêncianãopermitequeessaresistênciasetorneinércia: ao contrário, a história mostra as transformações por que passamasgrandesidentidadescoletivasemcontatocomo ambienteeastransformaçõesque,porsuavez,induzemno ambiente.Sobessepontodevista,oensinoreligiosonas escolasnãodeverialimitar-seàescola.Paraser,alémdeen-sino,educação,deveriatenderàinserçãonogruporeligioso portadordessareferênciadinâmica,istoé,estáveleaberta aodiálogocomadiferença.Ocontatocomosgruposlocais ouregionaisdasfiliaçõesreligiosasdariaotônusfinalpara oensinoescolar.
Conclusão
O quadro esboçado, a partir do entendimento do que seriaumEstadodemocráticocontemporâneoedealgumas observaçõesapartirdaPsicologia,admite,certamente,graus derealização.Oquecertamenteéimportanteéareflexão acercadaconjunturaatualdoensinoreligiosonasescolas. Melhor do que conjuntura pode-se dizer estrutura, pois emborahajavariáveisconjunturaisemtodoplanejamento edecisão,àsvezesnãoháclarezaarespeitodaestruturada realidadequesequerordenar.HabermaseRatzinger(2004) nãosãoingênuosemrelaçãoaoidealdaaçãocomunicativa oudodiálogoquepropõemcomobasepré-políticadaconvi-vênciasocialnoEstadodemocrático.Adescriçãodealguns processos psicológicos de aprendizagem social tampouco garanteaefetivaçãodessaaprendizagem.Porémessassão
contribuiçõesquepodemlevaràreflexãoacercadoqueestá emjogo,antesdesepassaràaçãoouàdiscussãodoscami-nhosqueaaçãojáiniciou.
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