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O riso que integra, o riso que separa: identidade organizacional em um sebo de Porto Alegre.

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Academic year: 2017

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N e u sa R o l i t a Ca v e d o n * Fa b i a n a d e Li m a St e f a n o w sk i * *

Diga- m e se v ocê r i, com o r i, por que r i, de quem e do que r i, ao lado de quem e cont r a quem e eu t e dir ei quem você é. Le Goff

R

ESUMO

ssa pesquisa t em com o obj et iv o v er ificar com o o hum or e o r iso podem ev idenciar, por m eio das r elações est abelecidas ent r e pr opr iet ár ios, client es e for necedor es, a ident idade de um sebo localizado no cent r o de Por t o Alegr e. O m ét odo ut ilizado foi o et n og r áf ico, t en d o p or t écn ica a ob ser v ação p ar t icip an t e. For am r ealizad as 2 8 idas ao sebo, r egist r adas em diár ios de cam po. Os r esu lt ados m ost r am qu e as r elações d en t r o d a liv r ar ia v ão além d a esf er a com er cial. As sociab ilid ad es or a in clu siv as, or a ex clu siv as, em m an ifest ações côm icas, r isív eis, pr esen t es n esse est abelecim en t o, per m i-t ir am o desvendam eni-t o de um a ideni-t idade pr edom inani-t em eni-t e m asculina, que é dem ar cada e r efor çada por m eio das br incadeir as e das conv er sas ent abuladas ent r e hom ens que por ali cir culam . O r iso acaba sendo um a car act er íst ica im por t ant e no sebo, não apenas por est ar pr esen t e diar iam en t e, m as por qu e r ev ela qu em são essas pessoas, qu ais os seu s v alor es, com o se r elacionam , pensam e m oldam , dinam icam ent e, a ident idade da Liv r ar ia Nov a Rom a.

A

BSTRACT

h is su r v ey in t en d s t o in v est ig at e h ow t h e id en t it y of a secon d h an d b ook sh op at Por t o Alegr e dow n t ow n is est ablish ed t h r ou gh t h e sen se of h u m ou r an d lau gh in g t h at ch ar act er ize t h e r elat ion sh ip bet w een ow n er s, cu st om er s, an d su pplier s. Th e et hnogr aphic m et hod w it h par t icipat iv e obser v at ion w as used, 28 v isit s hav ing been m ade t o t he shop and r egist er ed in field diar ies. Result s indicat e t hat t he r elat ions inside t he bookshop go beyond t he business sphere. The sociabilit ies in t his place, eit her inclusive or ex clusiv e, ex ist ing in com ical and laughable m anifest at ions m ade it possible t o unv eil a pr edom in an t ly m ascu lin e iden t it y. Su ch m ascu lin it y is ev iden ced an d r ein for ced by j ok es an d t alk s sh ar ed by m en t h at cir cu lat e t h r ou gh t h is u r ban space. Th e lau gh in g en ds u p being an im por t ant feat ur e in t he shop, not m er ely by it s daily pr esence, by also because it r ev eals w h o t h ese people ar e, t h eir r elat ion sh ip, t h eir t h ou gh t s, t h eir v alu es an d h ow Nov a Rom a Book shop’s ident it y is dy nam ically shaped by t hem .

* Pr ofª da Escola de Adm inist r ação/ UFRGS

(2)

O

Introdução

univer so or ganizacional é consider ado com o o locus em que as ações devem cor r esponder a um a im agem de cr edibilidade, de eficiência, eficácia e efet i-v idade. Assim , o lú dico, em especial, o r iso, i-v ia de r egr a, dei-v e ser ban ido desse espaço ou, ent ão, dom est icado a pont o de não por em r isco a “ ser ie-dade” do negócio. O sor r iso, ent endido com o um r iso lev e, sem som , esse at é pode se fazer pr esent e nas or ganizações na m edida em que t ende a ex pr essar sim pat ia, am abilidade. Por ém , é sabido que, nos gr upos infor m ais, const it uídos a par t ir da r eest r ut ur ação da or ganização for m al, as r isadas - gar galhadas em alt o v olum e – se fazem pr esent es, m uit as v ezes par a esconder as pr essões, t ensões e fr ust r ações decor r ent es do fazer cot idiano.

A quest ão que se im põe é a seguint e: por que a sociedade ocident al capit a-list a cont em por ânea encont r a t ant a dificuldade em lidar com o r iso enquant o ex-pr essão de su a h u m an idade? Tal in dagação t or n a- se per t in en t e u m a v ez qu e: “ opondo- se a t oda idéia de acabam ent o e per feição, o côm ico car act er iza- se pela lógica das coisas ao cont r ár io, pela r ecusa do poder inst it uído, e pela afir m ação da vida absolut am ent e” ( SAMPAI O, 1992, p. 40) .

Diant e do expost o, m ais do que coibir o r iso, é pr eciso desvendar os signifi-cados expr essos at r avés do m esm o. Est e t r abalho busca m ost r ar de que m odo o r iso pode apar ecer com o r ev elador da ident idade or ganizacional de um sebo de Por t o Alegr e, em que os pr opr iet ár ios, client es e for necedor es int er agem const r u-indo sociabilidades, or a inclusivas, or a exclusivas, a par t ir das m anifest ações cô-m icas, r isíveis.

I nicialm ent e cum pr e esclar ecer o que vem a ser, na concepção de um livr eir o do Rio de Janeir o, um sebo no cont ext o at ual. Par a Lacht er ( 2002, p. 283) ,

[ ...] um sebo não é obr igado a t er as últ im as novidades, m uit as vezes de quali-dade duv idosa: vende o que quer, os liv r os nos quais acr edit a. I st o agrada aos leit or es. Os sebos h oj e t êm per son alidade. Qu ase t odos t êm u m gat in h o, u m j eit o de ser, um hum or. Um char m e que as liv rar ias est ão per dendo.

Assim , a par t ir desse depoim ent o sobr e os at uais est ilos de sebo em um a m et r ópole, pr et endem os conduzir nosso ar t igo consider ando a noção de ident i-dade post ulada por Jar dim ( 1991) em sua pesquisa sobr e a const r ução da iden-t idade m asculina. A r efer ida auiden-t or a defende a idéia de que a r elação indiv íduo e cult ur a é a que cabe ser enfat izada. De m odo que a ident idade social ent endida com o os v alor es ( v ar ian t es de acor do com cada cu lt u r a) é qu e t r an sf or m a os indiv íduos em suj eit os sociais. É na alt er idade, na r elação com “ os out r os” que os su j eit os ou g r u p os se con st r oem en q u an t o su j eit os sociais, p od en d o esse “ ou t r o” est ar at r elado aos sign if icados de gên er o m edian t e u m a r elação en t r e h om en s ou / e en t r e esses e as m u lh er es. A iden t idade se dá em r elação ao “ out r o”, em difer ent es níveis, desde a per spect iva do espaço, das falas ent abu-ladas, nos m odos com o se dão as v iv ências e são const r uídos os significados no âm bit o do sim bólico.

O m ét odo ut ilizado par a o descor t inam ent o do r isível foi o et nogr áfico, m edi-ant e a ut ilização da obser vação par t icipedi-ant e. Os achados apont am par a quest ões de gêner o, com cer t as br incadeir as r est r it as aos hom ens e out r as que podem ser com par t ilhadas com as m ulher es, além de apont ar em par a um a pr oxim idade ent r e client es, for necedor es e pr opr iet ár ios por m eio de t em as consider ados côm icos por esses hom ens.

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O riso sob Diferentes Formas e em

Diversos Contextos e a Construção de Identidades

O riso na antropologia e na história cultural

O r iso t em sido obj et o de est udos e debat es sob difer ent es enfoques. Tais est udos t êm t r azido im por t ant es r esult ados no que t ange à cult ur a e à sociedade. Quant o à cult ur a or ganizacional, o enfoque t eór ico que dar em os a est e ar t igo se concent r a nos est udos de Ant r opologia e de Hist ór ia Cult ur al.

O r iso é um t em a t r at ado desde os t em pos da Ant igüidade com o obj et o de pensam ent o ( ALBERTI , 2002) . Foi est udado, por exem plo, por Plat ão e Ar ist ót eles. Ent r et ant o, nas Ciências Hum anas, o t em a t em sido evit ado, pr ovavelm ent e, pela i n f l u ên ci a d o p osi t i v i sm o n as ci ên ci as, em q u e as ev i d ên ci as ci en t íf i cas são obj et iv adas ao m áx im o. No caso da Ant r opologia, as subj et iv idades encont r adas no cam po não er am t r at adas com o evidências et nogr áficas at é o final da década de 1960. I sso significa que as br incadeir as e as j ocosidades er am evit adas, com int uit o de aj ust ar as pesquisas ao padr ão cient ífico da época ( DRI ESSEN, 2000) .

O est udo do r iso, cont udo, é m uit o sér io, ser v indo com o por t a de ent r ada par a a com pr eensão dos códigos cult ur ais. Só é possív el ent ender as br incadei-r as, as j ocosidades, as gincadei-r aças incadei-r elacionando- as ao seu cont ex t o. Nout incadei-r os t eincadei-r m os, o r iso pr ecisa ser ent endido enquant o fenôm eno social e cult ur al. O r iso, enquan-t o fenôm eno culenquan-t ur al, não é algo per ene, m as ao conenquan-t r ár io, vai var iar de acor do com a sociedade e a época; é cam biant e na for m a com o é pr at icado e, t am bém , no cont eúdo. Sob a ót ica de fenôm eno social, há que se t er pr esent e o fat o de o r iso envolver duas ou m ais pessoas: um a ser á a que ir á fazer com que a out r a r ia e a t er ceir a pode ser de quem se r i. Os códigos igualm ent e sofr em alt er ações r evelan-do m udanças sobr e o que se r i, com o se r i e por que se r i. Por t ant o, ex ist em códigos com par t ilhados em r elação ao r iso em um det er m inado espaço e t em po; som ent e aqueles que com par t ilham desses códigos conseguem com pr eender os r it uais, os at or es e os palcos envolvidos ( LE GOFF, 2000) .

Le Goff ( 2000) vê o r iso na I dade Média a par t ir das concepções que o Cr is-t ianism o ais-t r ibuía às pr áis-t icas cor por ais ao longo desse per íodo. Enis-t r e os séculos I V e X, o r iso foi r epr im ido pela I gr ej a, m as, m esm o assim , cont inuou acont ecendo sob a for m a de r isus m onst icus ( o r iso m onást ico) , sendo que os pr ópr ios m onges par t icipavam fazendo piadas sobr e os j udeus e os ar m ênios. Le Goff m ost r a com isso qu e o r iso, n esse per íodo, con segu ia escapar à r epr essão. Só a par t ir do século X é que o r iso bom é per m it ido. Par a isso, há um a significat iv a div isão, inspir ada no cor po com o expr essão da alm a; assim , só o cor po levar ia a alm a à r edenção ou ao pecado. Só ele, o cor po, pr at icar ia o bem e o m al. Havia, ent ão, um r iso zom bet eir o que er a pecam inoso e out r o espir it uoso e alegr e, vist o com o bom . Exist ia um a pr eocupação em se m ant er os padr ões m or ais da época int act os, pois é um per íodo em que há ascensão da laicidade e da lit er at ur a v er nácula, e os Est ados secular es com eçam a ser alvo de br incadeiras. Nos est udos de Le Goff, é possível ident ificar per íodos nos quais há um a t ent at iva de dom est icação do r iso. Ver ber ckm oes ( 2000) , no t ext o O côm ico e a Cont r a- r efor m a na Holanda

espa-nhola, m ost r a que a I gr ej a, em bor a r epr im isse o r iso com o ex pr essão do cor po,

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O r iso ut ilizado, nesse caso, com o est er eót ipo é um a for m a não apenas de se difer enciar do out r o, m as t am bém de r idicular izar o out r o por m edo; t r at a- se de um r iso host il que se agr ega a fat or es hist ór ico- cult ur ais e que se const it uiu com o um m odo de dem onst rar, at rav és do côm ico, pensam ent os cont ra- r efor m ist as na Holan da espan h ola.

Townsend ( 2000) realizou um t rabalho sobre o hum or na Alem anha do século XI X. Dur ant e esse século, a Alem anha passa a lidar com um m undo novo a sua v olt a, m ar cado pela indust r ialização, ur banização e m obilidade social. Há nesse período int ensa renegociação de posições sociais, expressas pelo hum or, na esfera pública. Mais especificam ent e, de um a classe m édia alem ã em cont raposição à clas-se baixa, por m eio da est eriot ipação e ridicularização dos m odos de um persona-gem cham ado Nant e Eckenst eher1. Esse personagem , que fazia a classe m édia rir,

t inha caract eríst icas com port am ent ais da classe pobre da Alem anha no período. Ao rir dele, a classe expressava suas diferenças e se afirm ava enquant o classe m édia na Alem anha. Dessa form a, o riso aj udava a const ruir um espaço público, na m edida em que era possível discut ir diferent es visões advindas de diversos grupos sobre assunt os inerent es àquele cont ext o, o que servia j ust am ent e para ent endê- lo, es-clarecendo as diferenças no int erior daquela com unidade.

Já Dar nt on ( 1984) apr esent a um a sit uação na Fr ança que par ece est r anha ao senso de hum or cont em por âneo: t r abalhador es de um a gr áfica r indo, gar ga-lhando enquant o r ealizam um a m at ança de gat os na Rua Saint - Séver in. Essa sit u-ação só pode ser en t en dida, en qu an t o en gr açada, lev an do em con sider u-ação o con t ex t o em qu e aqu eles t r abalh ador es est ão in ser idos. A Fr an ça est av a n u m per íodo pr é- indust r ial, cuj a sit uação do t r abalhador er a pr ecár ia e inst áv el. Par a se t er um a idéia, at é os gat os, anim ais lux uosam ent e dom est icados pelos bur -gu eses, dispu n h am de m elh or es t r at os qu e os em pr egados, o qu e se v er ificou t am bém naquela gr áfica. Além disso, havia na Eur opa, especificam ent e na Fr ança, at r ibuições sim bólicas ao gat o r elacionadas à feit içar ia, ao sexo e ao luxo. A gr aça da sit uação que par ece est r anha est á j ust am ent e nos significados alçados e r e-vist os ent r e os oper ár ios que conseguir am j ogar com sím bolos da sua cult ur a par a “ fer ir ” seus pat r ões.

Assim , Dar nt on ( 1984) m ost r a nesse t r abalho que o ent endim ent o da “ gr a-ça” e da “ piada” só é possível por m eio da alt er idade. O aut or deslocou sua at en-ção par a esse pont o, decifr ando significações e encont r ando elem ent os- chav e da cult ur a fr ancesa.

Baecque ( 2000) , por sua vez, vê o hum or polít ico na Assem bléia Fr ancesa com o ar m a polít ica ent r e dois lados opost os: esquer da e dir eit a. A par t ir de 408 casos de r iso v er ificados no par lam ent o fr ancês, no per íodo com pr eendido ent r e 1 7 8 9 e 1 7 9 1 , o au t or an alisa o r iso com o u m a espécie de r it u al pr esen t e n as pr át icas par lam ent ar es que const it uíam um a cer im ônia polít ica. O r iso, ent ão, er a ut ilizado com o ar m a par a at ingir o out r o e, ao m esm o t em po, par a se dist inguir ( BAECQUE, 2000) .

Radcliffe- Brown ( 1978) , t am bém , evidenciou a j ocosidade com o form a de t ra-zer à t ona os conflit os. O referido aut or com para as represent ações sobre o corvo e o gav ião- r eal em div er sas localidades, em que am bas r epr esent ações são v ist as com o opost as e são t r anspost as par a a div isão dual da v ida social dos gr upos locais. Essa dualidade que com port a, t am bém , host ilidade é expressa na form a de r elações j ocosas ( t he j oking r elat ionship) , que não são v iolent as, m as apar ecem sem pre com o conflit ant es: “Aos m em bros de divisões opost as se perm it e, ou deles se espera, que t olerem os aborrecim ent os que causam aos out ros, um abuso

ver-1 A figur a côm ica t inha est e nom e por que: “ Eckenst eher er am t r abalhador es r udes e indisciplinados

(5)

bal ou em t rocas de insult os” ( RADCLI FFE- BROWN, 1978, p. 51) . Ainda para o m es-m o aut or, essas relações j ocosas possuees-m ues-m a função naqueles grupos:

[ . . . ] t em por função m ant er um a r elação cont ínua ent r e duas pessoas, ou dois g r u p os d e h ost ilid ad e ou an t ag on ism o ap ar en t e, m as ar t if icial [ . . . ] u m ou t r o cost u m e sig n if icat iv o em q u e se ex p r essa a r elação d e op osição en t r e d u as m et ades é aquele pelo qual, em algum as t r ibos, na Aust r ália e na Am ér ica do Nor t e pr ov êem os ‘t im es’ de j ogos com o o fut ebol. Jogos com pet it iv os for necem u m a ocasião social em qu e du as pessoas ou dois gr u pos de pessoas são opo-nent es. Dois gr upos per sist ent es num a r elação social podem ser m ant idos num a r elação em que são r egular m ent e oponent es ( RADCLI FFE- BROWN, 1978, p. 52) .

Radclif f e- Br ow n ( 1 9 7 8 ) t en t a m ost r ar com o as r elações en t r e gr u pos ou p e s s o a s q u e s ã o o p o s t o s p o d e m m a n t e r c o n s t a n t e s o l i d a r i e d a d e e com plem ent ar idade, t endo nessas j ocosidades a chav e par a a cont inuidade e a funcionalidade de alguns gr upos. Dr iessen ( 2000, p. 264) , baseado em Radcliffe-Br ow n, diz que: “ o r elacionam ent o j ocoso pode ser definido com o um com por t a-m ent o br incalhão padr onizado ent r e duas pessoas ( às v ezes ent r e dois gr upos) no qual um a delas t em , por t r adição, a per m issão ( às vezes, obr igação) par a im pli-car com a out ra ou r idicular izá- la, enquant o est a não deve se ofender ”.

Dr iessen ( 2 0 0 0 ) analisa os r elacionam ent os j ocosos ent r e ant r opólogos e nat ivos m ost r ando que as hist ór ias de hum or em cam po m ar cam um a ident idade pr ofissional da Ant r opologia. Ao m esm o t em po que: “ o hum or e o r iso aj udam a t or nar possível a com unicação, facilit am o cont at o, r eduzem a host ilidade e aliviam a t ensão e ofer ecem o ent r et enim ent o” ( DRI ESSEN, 2000, p. 268) .

Em seu est udo sobr e os hom ens de classe popular que fr eqüent am bar es, Jar dim ( 1991, p. 145- 149) , t am bém , encont r a a j ocosidade nas br incadeir as ent r e eles, dando ao r iso cer t a funcionalidade que per m it e cont inuidade às r elações:

[ ...] é com o se o riso abolisse as dist âncias ent re os hom ens est abelecendo um a relação de cum plicidade. [ ...] eles [ os hom ens freqüent adores dos bares] evit am a relação diret a, ou sej a, um a opinião que deprecie a out ra. Quando isso ocorre, é em t om de br incadeir a, e o r iso t or na- se m ediador dest as conv er sas e pr ov oca-ções.

Por t ant o, os est udos sobr e j ocosidade na Ant r opologia não podem excluir a ser iedade, com o lem br a Giacom azzi ( 1997) , ao est udar o r iso num a vila da per ife-r ia de Poife-r t o Alegife-r e:

[ ...] a j ocosidade cer t am ent e não ex clui o sér io. I sso se pode per ceber no cot i-diano dos m or ador es da Vila Jar dim obser v ando a conv iv ência, lado a lado, da v iolência e das t r agédias, com um r iso solt o e m uit o pr esent e. A j ocosidade, j á est u dada por algu n s au t or es com o Radcliffe- Br ow n ( 1 9 7 9 ) , Bak h t in ( 1 9 8 7 ) , ou m esm o o côm ico m assacr e dos gat os de Dar n t on ( 1 9 9 3 ) , en t r e ou t r os, ex plo-r am a idéia do plo-r iso e do deboche com o expplo-r essão de valoplo-r es cult uplo-r ais que est ão em conflit o. Cada aut or est udando cont ex t os difer ent es e eles pr ópr ios v iv endo per íodos hist ór icos difer ent es, apont a, no ent ant o, par a o fat o de que o côm ico e x p r i m e co n f l i t o s h u m a n o s, e n t r e o u t r o s a sp e ct o s q u e d e l e f a z e m p a r t e ( GI ACOMAZZI , 1 9 9 7 , p. 9 1 ) .

Bur ke ( 2000) , no seu ar t igo Fr ont eir as do côm ico nos pr im ór dios da I t ália

Mo-der na, m ost r a quais são os lim it es da br incadeir a e de um a agr essão sér ia por

m eio d a b ef f a2, u m a b r in cad eir a d e m au g ost o. Com ela, o au t or con seg u iu

exem plificar e analisar as fr ont eir as do côm ico na I t ália Moder na.

Pr opp ( 1992, p. 36) , t am bém , encont r a a r iqueza das análises nos lim it es do que é r isível, pois o r iso, m esm o na t ent at iva de ser banido dos padr ões e r egr as sociais, não é excluído da vida social e pode assum ir difer ent es for m as em diver -sos cont ext os. Assim : “ Em alguns ca-sos, o r iso t or na- se im possível quando per ce-bem os no pr óxim o um sofr im ent o ver dadeir o. E se, apesar disso, alguém r i, sent i-m os indignação, esse r iso at est ar ia a i-m onst r uosidade i-m oral de quei-m r i”.

2 Beffa é definida por Pet er Burke com o: brincadeira de m au gost o, t ruque ou beffa, t am bém conhecida

(6)

Assim , o r iso t em cer t os lim it es, com o m ost r a Alber t i ( 2002, p. 30) , os quais são im post os pela pr ópr ia cult ur a: “ No univer so das ciências sociais, por exem plo, obser va- se a r ecor r ência do car át er t ransgr essor do r iso. Trat a- se, na m aior ia dos casos, de u m a t r an sgr essão socialm en t e con sen t ida: ao r iso e ao r isív el ser ia r eser vado o dir eit o de t r ansgr edir a or dem social e cult ur al, m as som ent e dent r o de cer t os lim it es”.

Segundo esse aut or, o obj et o do r iso t ransgr ide, at é cer t os lim it es, r egr as e nor m as de um sist em a cult ur al; o r iso é um a linguagem na qual se pode “ j ogar ” e “ br incar ” com um a or dem social, pode- se im aginar a r ealidade de out r a for m a. Por t ant o, par a Alber t i ( 2002) , a r eflex ão sobr e o r iso é um pensam ent o sobr e a linguagem , condensando im por t ant es infor m ações sobr e a cult ur a.

Adm it ida a alt er idade com o inst r um ent o r elevant e na análise do r iso, é pos-sível concluir que est a ser ve com o pont o de par t ida par a a com pr eensão do m es-m o. Coes-m o r efor ça Pr opp ( 1992, p. 32) : “ Cada época e cada povo possui seu pr ó-pr io e específico sent ido de hum or e de côm ico que, às vezes, é incom ó-pr eensível em ou t r as ép ocas”. Per ceb em os q u e h á v ár ias sig n if icações e f u n cion alid ad es im er sas no at o de r ir. Por t ant o, a r espost a do que se r i, onde se r i, por que se r i, pode ser a por t a de ent r ada par a o ent endim ent o de um a cult ur a, pois “ o hum or quase sem pr e r eflet e as per cepções cult ur ais m ais pr ofundas e nos ofer ece um inst r um ent o poder oso par a com pr eensão dos m odos de pensar e sent ir m oldados pela cult ur a” ( DRI ESSEN, 2000, p. 251) .

As leituras possíveis sobre identidade

O conceit o de ident idade apr esent a um a polissem ia em r azão das difer en-t es per specen-t iv as en-t eór icas desen v olv idas n as ár eas de Sociologia, An en-t r opologia, Filosofia e Psicologia. A or igem do t er m o ident idade r em ont a ao lat im escolást ico, cuj a ex pr essão ident it at e t r az em seu cer ne as noções de sem elhança e per m a-nência ( MEDEI ROS, 2004) .

A visão cult ur alist a fundada na Escola Am er icana encont r ou r essonância na Psicologia Social e dessa int er locução r esult ou um a per spect iva t eór ica “ obj et ivist a” ou “ essencialist a” que defende a ident idade cult ur al a par t ir da sua im ut abilidade. Tal post ura advoga em pr ol da cir cunscr ição do indivíduo a um a ident idade cult ural de cer t o m odo per ene. A essa v er t ent e im puser am - se cr ít icas que oper ar am no sent ido de um a nova const r ução, a saber, a abor dagem “ subj et ivist a” que at r ibuiu à ident idade a per spect iv a dest a ser decor r ent e das r epr esent ações que os indi-v íd u os elab or am acer ca d a r ealid ad e, m ed ian t e u m a indi-v in cu lação colet iindi-v a. Tal vinculação pode ser r eal ou im aginár ia, im plicando a elabor ação de um pr ocesso ident it ár io fr ut o de escolhas individuais. Por seu t ur no, um a out r a cor r ent e, a dos “ r elacionist as”, pr essupõe a pr em ência, em se t rat ando de ident idade de ser leva-do em cont a o cont ex t o r elacional, um a v ez que da int er ação indiv íduo- cont ex t o r esult ar iam ident idades afir m adas ou r epr im idas, algo dinâm ico, cuj as ident idades est ar iam sendo negociadas de m odo dinâm ico ( MEDEI ROS, 2004) .

Seguindo a linha dos r elacionist as, t em os a posição de Ber ger e Luckm ann ( 1997) , a qual dest aca ser a ident idade r esult ado da dialét ica ent r e o social e o individual. Os aut or es r efer em que a ident idade som ent e se t or na int eligível m edi-ant e a apr eensão do univer so sim bólico onde ela se const r ói. Há que se com pr e-en der qu e as ide-en t idades são f or m adas e con ser v adas por m eio de pr ocessos sociais que, por sua vez, são det er m inados pela est r ut ur a social.

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Med eir os ( 2 0 0 4 ) , ao t ecer con sid er ações sob r e a id en t id ad e in d iv id u al, enfat iza que os sent im ent os de ident idade por nós const r uídos não são im unes a conflit os, t ensões, incoer ências, post o que sofr em as t r ansm ut ações em face da e t a p a d e v i d a e m q u e n o s e n co n t r a m o s, b e m co m o d a s e x p e r i ê n ci a s q u e am ealh am os ao lon go de n ossa ex ist ên cia. O r ef er ido au t or dest aca de m odo per t inent e a difer ença ex ist ent e ent r e os div er sos papéis que podem os assum ir em nossa r ealidade social e as difer ent es ident idades. Assim , Medeir os ( 2004, p. 23) , t om ando por base as t eor izações de Cast ells, afir m a: “ as ident idades or gani-zar iam significados, enquant o que papéis sociais r epr esent ar iam as funções que um indivíduo ocupar ia em seu cont ext o social”. Os papéis vivenciados per m it em a const r ução de inúm er as ident idades, o que de cer t o m odo r eflet e um “ eu” fr ag-m ent ado que or a t eag-m a sua ident idade r e- afir ag-m ada, or a est igag-m at izada, depen-dendo do univ er so cult ur al em quest ão.

Par a o pr esent e est udo, int er essa de m odo específico a ident idade de gê-n er o.

Oliveira ( 2004) , em sua obra “A const r ução social da m asculinidade”, pr ocu-r a t ocu-r azeocu-r a plu ocu-r alidade daqu ilo qu e se possa en t en deocu-r com o sen do iden t idade m asculina, a par t ir do ent r ecr uzam ent o ( ou não) das noções de m asculinidade, classe social, r egião, r aça e subcult ur a.

Nessa per spect iv a, ex pr essões sim bólicas e v iv ências m ais agr essiv as são consider adas com o aspect os inclusiv os nas cam adas sociais popular es e ger am um a ident idade m asculina que t ende a ser r efor çada por essas pr át icas e signifi-cações. O m achism o é t ido com o um elem ent o de per t ença, bem com o o fat o de o indivíduo ser o pr ovedor da sua fam ília, ser vir il, ousado fr ent e às sit uações que indicam r isco em inent e; o hom em pr ecisa ainda t er um a post ur a at iv a nas con-quist as sex uais e apr esent ar m oder ação na ex pr essão dos sent im ent os, em es-pecial, da afet ividade. Já nas cam adas de m aior poder aquisit ivo e de m aior capit al cult ur al, essas for m as por v ezes agr essiv as são ent endidas com o ex pr essão de falt a de “ t rat o”, incivilidade. Donde é possível afir m ar m os que a ident idade m ascu-lina não se cir cunscr eve no social de m odo unívoco; t odavia, há um m odelo que t ende a ser m ais hegem ônico e que se t r aduz na r elação com a ident idade fem ini-na. Essa últ im a é consider ada um ser fr ágil, int uit ivo e afet uoso fr ent e à ident ida-de m asculina, que é per cebida, significada, com o for t e e r acional.

Método

O m ét odo et nogr áfico deu sust ent ação par a a colet a de dados. A inser ção de um a das pesquisador as em cam po per m it iu a conv iv ência cot idiana com os at or es que at uam no sebo. For am 28 idas a cam po, de dezem br o de 2005 a se-t em br o de 2006, que r esulse-t ar am na consse-t r ução dos diár ios de cam po, nos quais for am r egist r adas t odas as obser v ações r ealizadas pela pesquisador a. A par t ici-pação incluiu o exer cício de at ividades r elacionadas à or ganização e à higienização dos liv r os, acar r et ando a per m anência e pr ox im idade com os pr opr iet ár ios, bem com o com os client es, especialm ent e, aqueles consider ados habit ués por sua cons-t ância nesse local, não só com o com pr ador es, m as cons-t am bém com o “ am igos” que lá se r eúnem par a conv er sar sobr e fut ebol, polít ica, ar t e, dent r e out r os assunt os.

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esen-t es no conesen-t exesen-t o de sua cidade, ou sej a, os cafés, os clubes de fuesen-t ebol e as or gani-zações ( WI NKI N, 1998, p. 130- 131) .

Os est u dos et n ogr áficos em pr een didos n as or gan izações im plicam algu n s cuidados na ut ilização do m ét odo, j á que est am os const r uindo um diálogo t eór ico da Adm inist r ação com a Ant r opologia. Esse diálogo ent r e as duas ciências que b u scam ên f ases d i f er en ci ad as - a Ad m i n i st r ação p r o cu r a a ap l i cab i l i d ad e, o pr agm at ism o, e a Ant r opologia, a com pr eensão, a int er pr et ação - pr essupõe um cuidado por par t e do pesquisador no sent ido de gar ant ir que essa int er locução não r esult e em dist or ções que venham a com pr om et er as bases de cada disciplina cham ada a auxiliar no ent endim ent o da r ealidade est udada ( CAVEDON, 2003) .

No cont ext o das m icr ossociedades int egr ant es de um a det er m inada cidade, se est abelecem fr ont eir as que ir ão delim it ar os m em br os dos não- m em br os. Mas, para que o pesquisador possa capt ar essas fr ont eiras, vale obser var, a opinião de Winkin ( 1998, p. 132) :

Par a m im , a et n og r af ia h oj e é ao m esm o t em p o u m a ar t e e u m a d iscip lin a cient ífica, que consist e em pr im eir o lugar em saber v er . É em seguida um a dis-cip lin a q u e ex ig e sab er est ar com , com os ou t r os e con sig o m esm o, q u an d o v ocê se encont r a per ant e out r as pessoas. Enfim , é um a ar t e que ex ige que se saiba r et r aduzir par a um público t er ceir o ( t er ceir o em r elação àquele que v ocê est u dou ) e, por t an t o, qu e se saiba escr ev er . Ar t e de v er, ar t e de ser, ar t e de escr ev er. São essas t r ês com pet ên cias qu e a et n ogr afia ev oca.

O r efer ido aut or t am bém dest aca a im por t ância da cir cunscr ição dos obj et os a ser em escolhidos para a r ealização de um a et nografia. No seu ent ender, é pr e-fer ív el que sej am públicos ou sem i- públicos, com uns, pois esses obj et os podem “ r ev elar - se à análise t er r iv elm ent e com plex os” ( WI NKI N, 1998, p. 133) . I sso foi por nós ident ificado em nosso cam po, ist o é, a escolha de um espaço público que se m ost r ou específico, com su as pecu liar idades difíceis de ser em per cebidas a

pr ior i. A com plex idade se deu dev ido à div er sidade cult ur al iner ent e ao cont ex t o

or ganizacional. Por ém , ao aguçar m os o olhar, em um dado m om ent o, encont ra-m os ura-m a cer t a unidade, ura-m a ident ificação at r av és da linguagera-m , no caso, a da com icidade; códigos com par t ilhados m ediant e a apr eensão dos significados por par t e dos at or es envolvidos. Tem - se o que Velho ( 1994) cham ou de “ consist ência cu lt u r al”. Par a o au t or : “ Sím b olos com p ar t ilh ad os, lin g u ag em b ásica com u m , gr am at icalidade no pr ocesso de int er ação e negociação da r ealidade, expect at ivas e desem penhos de papéis congr uent es, t udo isso configur av a um quadr o do que poder íam os cham ar de consist ência cult ur al” ( VELHO, 1994, p. 17) .

Velho ( 1994) cham a a at enção par a o pr ocesso dialét ico que se dá ent r e unidade e difer enciação com o iner ent e às m et r ópoles cont em por âneas. A difer en-ça, sob essa ót ica, ser ia um elem ent o const it ut ivo da sociedade e não inviabiliza a com unicação, desde que os significados a despeit o dessas difer enças sej am de dom ínio dos env olv idos.

Após a colet a dos dados, os r egist r os const ant es nos diár ios de cam po fo-r am lid os v áfo-r ias v ezes n a b u sca p ofo-r elem en t os q u e ev id en ciassem asp ect os at inent es ao r iso, ao lúdico. As bases t eór icas per m it ir am a análise desses dados v iabilizando a const r ução do r elat o et nogr áfico.

Livraria Nova Roma

Localizada à Rua Gener al Câm ar a, núm er o 428, em Por t o Alegr e, a Livr ar ia Nova Rom a dist a alguns m et r os da Bibliot eca Pública do Est ado e guar da, ainda, cer t a pr ox im idade com o Teat r o São Pedr o. Por t ant o, t am bém , se cir cunscr eve dent r o de um r edut o cult ur al do cent r o da capit al gaúcha. O caixot e de saldos na por t a do est abelecim ent o configur a- se com o um gr ande at r at ivo par a quem por ali t r an sit a.

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eú-ne os saldos de R$ 1,00, a gr ande at r ação do local, não só pelo pr eço, m as pela r en ov ação con st an t e dos liv r os ex post os. Há ou t r a m esa m en or qu e abr iga ao seu r edor os client es que cost um am t r ocar idéias com os pr opr iet ár ios do sebo. Cr ist aleir as cont endo obr as r ar as, o t ic- t ac dos apr ox im adam ent e cinco r elógios ant igos afixados nas par edes, sinos, canecos de chope e dem ais obj et os de épo-ca decor am o am bient e; t r at am - se de pr esent es de am igos ou obj et os com pr ados pelos donos da livr ar ia que, sob pr essão de algum client e, podem at é ser vendi-dos, desde que não t enham sido pr esent e ou de difícil aquisição, com o é o caso de um sino que possui t oda um a hist ór ia que o t or na único e, por t ant o, sem pr eço. Com pact Discs ( CDs) t am bém est ão à venda, t odos or iginais e de vár ios gêner os m usicais. Os livr os dispost os, nas pr at eleir as em m adeir a, est ão or ganizados por assu n t o .

Mar quinhos, Car linhos e Andr é são os pr opr iet ár ios do est abelecim ent o. Ale-gr es, est ão sem pr e fazendo piada com os client es habit ués do espaço. Eles pos-suem um a filial da loj a na m esm a r ua. Andr é é quem m elhor negocia a com pr a de liv r os e bibliot ecas. Um a das est r at égias ex per im ent adas par a a aquisição de li-v r os e de ant igüidades é a elabor ação e dist r ibuição de folhet os colocados em caixinhas de cor r espondência dos pr édios. As palavr as r edigidas em let r as gar r afais cham am a at enção do leit or : “ Não j ogue dinheir o no lixo! Com pr am os livr os usdos, post ais, fot os ant igas e pequenos obj et os ant igos. Ligue agor a par a a Livr a-r ia Nova Rom a. Fone: ZZZZ-XXXX”.

No dizer de Andr é, o que t or na a liv rar ia at rat iva, em pr im eir o lugar, é o t rat am ent o dado aos client es, em segundo lugar, o pr eço e, em t er ceir o lugar, a r enovação const ant e do acer vo m ediant e a com pr a de novos exem plar es ou m es-m o a r et ir ada de det er es-m inados liv r os das est ant es, depois de algues-m t ees-m po sees-m que t enham sido pr ocur ados, sendo ent ão t r ansfer idos par a a m esa dos saldos ou par a out r a est ant e. Exist e um a pr eocupação m uit o gr ande em colocar o pr eço em t odos os liv r os par a ev it ar que o client e se sint a lesado, pois cor r e ent r e os consum idor es que m uit os livr eir os cost um am at r ibuir um valor ao livr o de acor do com o int er esse ou a apar ência do client e. Mor aes ( 2005, p. 36) j á fazia m enção a isso: “ Muit os livr eir os ant iquár ios, nos países lat inos, sobr et udo, ainda acr edit am nas v ir t udes do pr eço confor m e a ‘car a do fr eguês’ e cont inuam a m ar car seus livr os com sinais cabalíst icos”.

No dia- a- dia, convidar os fr eqüent ador es habit ués a sent ar em - se a m esa e ex per im ent ar um cafezinho é hábit o hospit aleir o do local. Or ganizar sessões de aut ógr afos, r egadas a v inho e salgadinhos, t am bém cost um a ser um a for m a de at r air os client es, ut ilizada pela Nova Rom a. Em cer t a ocasião, um poet a lançou a sua obr a no local e t r ansfor m ou o event o em um sar au, em que declam ou t r echos de seu livr o e os ofer eceu em hom enagem aos am igos pr esent es. Andr é, nessas ocasiões, cost um a desdobr ar se em at enção aos pr esent es, agindo com o um per -feit o anfit r ião. Em bor a os t r ês sócios t r abalhem bast ant e, a visibilidade m aior fica com An dr é, t alv ez por su a t r aj et ór ia de v ida in clu ir a passagem por u m lon go per íodo na Liv r ar ia do Globo, local por onde cir cular am celebr idades do m undo int elect ual gaúcho, com o Ér ico Ver íssim o, Már io Quint ana e t ant os out r os.

Rir para Diferenciar, Rir para Igualar,

Rir para Integrar, enfim, Rir...

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Mar quinhos m e cum pr im ent ou com um aper t o de m ão. Sent ou- se na cadeir a de m adeira e logo disse: “ que bom que am anhã é sábado...”. É engraçado porque é u m a gr an de m en t ir a con t ada com m u it a n at u r alidade, pois am an h ã é qu ar t a-feir a. Nest e m om ent o, Mar quinhos falou par a o Andr é: “ ent ão, v am os em bor a?” Andr é sor r indo disse sim e volt ou ao t rabalho. Est a expr essão: “ vam os em bor a”, significar ia “ não vam os m ais t r abalhar por hoj e”, o que ser ia algo quase im pos-sív el d e acon t ecer, p elo m en os n u n ca v i n en h u m d eles sain d o d a liv r ar ia n a m et ade do ex pedient e para ir par a casa [ . . . ] . ( Tr echo do diár io de cam po)

Mar quinhos r ev elou est ar cansado dessa at iv idade pr ofissional, sendo um a das pessoas que m ais faz uso do lúdico com o for m a de se com unicar dent r o do am bient e or ganizacional. Um t r echo do diár io de cam po r ev ela essa post ur a en-quant o pr át ica cot idiana:

Logo chegou Seu Rubens ( acho que esse é o nom e dele) que de nov o foi bom -bar deado com br incadeir as pelo pessoal da Nov a Rom a. A pr im eir a piadinha foi que o Seu Rubens ( hom em de m ais de 60 anos vest ido com r oupas sociais) t inha dit o par a as pessoas que os liv r os dos sebos passav am doenças sér ias par a os ser es h u m an os. Tam b ém f izer am u m a b r in cad eir a sob r e u m a h er an ça g or d a q u e g an h ar a d a sog r a. Seu Ru b en s sor r ia e d izia q u e os assu n t os d e f am ília er am assunt os sigilosos. Mar quinhos apr ov eit ou par a t ir ar um a fot o com ele, e se apr oveit ou m ais um pouquinho fazendo “ guam pinhas” na cabeça do Seu Rubens en qu an t o t ir av a a f ot o; o f ot ógr af o ( r in do) disse qu e o “ ch if r e” t in h a qu e t er saído m aior ( olhando a im agem na m áquina digit al) .

[ . . . ]

Depois disso, t ev e a chegada de out r o am igo, t r at av a- se de um hom em negr o, de uns 4 0 anos, que pegou um w alk - t alk par a fazer piadas dir ecionadas a um funcionár io de out r a loj a ( da filial) .

Br incadeir as par a lá e br incadeir as par a cá. Diant e de t udo isso não t em com o não se sent ir à v ont ade diant e de t ant os r isos.

Nor m alm ent e, as conver sas ent abuladas na livr ar ia não acabam em um con-senso, m as sim em r isos. As j ocosidades se fazem pr esent es nesse univer so m as-culino quando se t r at a de det er m inados assunt os, v ia de r egr a, conflit uosos, a exem plo daqueles r efer ent es à polít ica e ao fut ebol, pois am bos r em et em a cer t a dualidade: esquer da e dir eit a; Gr êm io e I nt er nacional, dicot om ia que se m ost r a exacer bada por paixões. Cer t o dia um client e, ao t ecer um com ent ár io r elacionado aos livr os de esquer da que est avam bem em cont a, defr ont a- se com a j ocosidade de Mar quinhos que, ao per ceber ser o client e de esquer da, t r at a de ev idenciar out r a posição polít ica de m aneir a lúdica:

Um hom em m e falou que os liv r os de esquer da que er am difíceis de se conse-gu ir agor a est ão por 5 e 1 0 r eais. Mar qu in h os en t ão com eçou a falar sobr e o filho dele de 4 anos que est á lendo a r evist a O Globo. E per gunt ou par a ele: Pai, por que 65 dos leit os do SUS est ão par alisados, por que o nosso pr esident e Lula não r eabr e? O senhor ficou em dúvida e per gunt ou: Mas t eu filho de 4 anos não p od e t er d it o isso? En t ão t od os r ir am . Por cau sa d a in g en u id ad e d o h om em f r en t e às br in cadeir as do Mar qu in h os. Depois pr ocederam a conv er sa. ( Tr ech o do Diár io de Cam po)

A cor r upção na polít ica t am bém apar ece denunciada por m eio do r iso com -par t ilhado pelos hom ens que se encont r am na Nova Rom a:

Conv er saram t am bém sobr e polít ica, Fer nando Henr ique, Lula e Yeda. Mar quinhos falava: Lula cham ou t odo m undo e disse: “ Vam os r oubar t odo m undo j unt o”. Daí t ev e o m ensalão. O Collor é que foi esper t o, disse: “ Vou r oubar t udo sozinho”. Depois, com eçaram a falar m ais sobr e os dem ais candidat os a pr esidência. ( Tr e-cho do Diár io de Cam po)

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O esp aço t am b ém t em coisas p en d u r ad as: sin et as, d esen h o d e zep elim . Tem u m a ser eia escu lp id a em m ad eir a com u m liv r o in t it u lad o “ Tan g os, b oler os e garanhas no início do século XX”. O espaço r epr esent a um univer so m asculino, m as as i m ag en s d e d esej o p od em ser m et áf or as d e p r azer r el aci on ad as ao liv r o, at r eladas a um a esfer a de pr azer m asculino.

No en t an t o, n ão só n os obj et os qu e decor am o espaço é possív el per ceber a p r esen ça m ascu lin a, t am b ém n as con v er sas, g ar g alh ad as e n as b r in cad eir as. Nesse d ia, em b or a h ou v esse m ais m u lh er es n a loj a, o p ap o er a r est r it o aos h om en s. É en t r e eles q u e as g ar g alh ad as e as b r in cad eir as er am p er m it id as. Per cebi qu e as con v er sas descon t r aídas t am bém possu em cer t os lim it es, pois algum as v ezes, t em endo o desr espeit o, os com ent ár ios m ais apim ent ados er am bar rados sob a afir m ação: “ não fala na fr ent e da m enina”. I sso pode dem onst rar que ex ist em conv er sas m ais ínt im as ent r e os hom ens que não podem ser r ev e-ladas na fr ent e de est r anhos, sendo est es m oças ou m ulher es.

[ ...]

Z eca, u m liv r eir o d e ou t r a liv r ar ia p r óx im a à Nov a Rom a, ch eg ou com ou t r o liv r eir o e um colega da edit ora em que Zeca t am bém t r abalha. Todos m e cum -pr im ent ar am e volt ar am - se par a os donos da livr ar ia. At ent am ent e ouvindo suas conv er sas, per cebi que os hom ens est av am r indo de algum a coisa. Zeca est av a falando em beij ar os lábios de um a m ulher, com o a palav ra t em duplo significa-do, os h om en s com eçar am a r ir, com en t an do a br in cadeir a. Logo An dr é disse: “ at enção, t em um a m oça no r ecint o”. E os hom ens r et or naram a r ir, só que não v olt ar am m ais a com ent ar sobr e o t r ocadilho.

A r elação hom ens / m ulher es apar ece em out r a sit uação; a br incadeir a en-t r e os hom ens na liv r ar ia apr esenen-t a- se com o for m a de r efor çar a m asculinidade ent r e eles, ev idenciando, em cer t os m om ent os, ser a afet iv idade, o am or, algo possível de exist ir ent r e pessoas de sexos difer ent es e não do m esm o sexo:

Seu I vo chega. Car linhos e Mar quinhos dizem : “ Seu I vo nos am a, vêm t odos os dias aqui”. Seu I v o v olt ando os braços par a t r ás e balançando a cabeça negat i-v am en t e, r et r u ca: n ão, n ão, n ão. . . só ex ist e am or en t r e h om em e m u lh er, o r est o é hom ossexualism o. Do nada, Mar quinhos diz: escr eve aí no t eu cader ninho: Seu I v o v iu a u v a. Seu I v o d isse q u e v ai lá n a Nov a Rom a p ar a d esop ilar o fígado, par a r ir. ( Tr echo do Diár io de Cam po)

Essa pr edom inância de hom ens nos sebos t am bém foi per cebida por Delga-do ( 1999) em seu est uDelga-do sobr e esses locais, em Belo Hor izont e. Na pesquisa de Delgado ( 1999) , essa m aior pr esença m asculina, segundo os sebist as inv est iga-dos, decor r e da posição subalt er na que as m ulher es ainda ocupam na sociedade, do desconhecim ent o por par t e delas do que vem a ser um sebo. Em m uit as cir -cunst âncias, essas m ulher es podem t er ciúm es da r elação que os hom ens m an-t êm com o livr o, um a vez que as viúvas cosan-t um am se desfazer das biblioan-t ecas de seus com panheir os, coisa que não é per cept ível em se t r at ando dos viúvos.

Andr é, um dos pr opr iet ár ios do est abelecim ent o, t ende a se difer enciar pela post ur a sér ia e or deir a dent r o da livr ar ia; cont udo, t am bém não escapa das br in-cadeir as t ipicam ent e m asculinas, ar t iculadas pelo out r o sócio:

Nest e dia, Andr é est ava ar r um ando as pr at eleir as e lim pando os livr os [ ...] Rafael f az u m com en t ár io par a Car lin h os acer ca da or gan ização e lim peza r ealizada, h oj e, n a liv r ar ia. Car lin h os diz: “ essas coisas de m u lh er, a gen t e deix a par a o Andr é”. Todos r iem , inclusiv e Andr é. ( Tr echo do Diár io de Cam po)

As br in cadeir as t an t o podem t er u m a con ot ação m ais m ascu lin a, qu an do fazem r efer ência ao j ogo sexual ent r e hom ens e m ulher es, com o pode cont em plar um a com icidade que beir a a ingenuidade infant il.

Seu Rubens chega e sent a na cadeir a ver de na m inha fr ent e. Ele cum pr im ent a o Mar qu in h os e per gu n t a se eu sou ir m ã dele. Mar qu in h os se an t ecipa e diz: “ é m inha ir m ã, não lem br a dela?” Seu Rubens per gunt a sobr e o filho de Mar quinhos e esse ú lt im o r esp on d e q u e ele est á b em . Mar q u in h os sai p ar a at en d er d u as clien t es q u e en t r am n a loj a. Seu Ru b en s p er g u n t a p ar a m im se sou ir m ã d o Mar quinhos. Eu disse que não e ele diz: “ dr oga, ele m e enganou”.

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Már io Bolão disse que quer ia um a t am bém , cham ando- o de m iser ável. Seu Rubens falou que a bala er a de Bagé. Mar quinhos falou que t udo que é de m elhor é de Por t o Aleg r e. Disse q u e aq u i t em o m elh or j og ad or d o m u n d o ( com en t ar am algum as coisas sobr e fut ebol) . ( Tr echo do Diár io de Cam po)

Fazer alguém de bobo t or na- se um j ogo lúdico que busca evidenciar as dife-r en ças at dife-r av és da espedife-r t eza, t alv ez algo qu e lem bdife-r e o m alan ddife-r o, pedife-r son agem am plam ent e est udado por DaMat t a ( 1983) .

Um hom em de uns 40 anos chegou de ber m uda, cam iset a e chinelo. Ele cum pr i-m ent ou Car linhos ( out r o pr opr iet ár io do sebo) e depois Andr é e Mar quinhos. Ele sent ou- se na cadeir a v er de e pegou o j or nal, com eçando a folheá- lo. Do out r o lado da m esa, na out r a cadeir a v er de, est av a aquele pr ofessor de 60 anos. Os dois conv er savam sobr e epidem ias, doenças, bact ér ias e higiene. Tam bém fala-vam de pr ogr am as hum or íst icos com o Jô e Zor ra Tot al. Tam bém falar am sobr e a v iolência na cidade. Em cer t o m om ent o, Mar quinhos pede o j or nal em pr est a-d o, v ai at é o caix a e r et or n a com o ex em p lar. Qu an a-d o Seu I v o olh ou p ar a o j or n al, o m esm o est av a com as págin as er r adas ( ao qu e t u do in dicav a, h av ia sido colocado um j or nal ant igo dent r o do nov o) . Risos de t odos. Mar quinhos m e lem bra um m oleque. Um a hora Car linhos diz: “ sem r ir não dá”. Mais r isos. ( Tr e-cho do Diár io de Cam po)

O ext r at o acim a, além de r evelar aspect os t ípicos da m alandr agem br asilei-r a, t asilei-r az à t ona novam ent e a necessidade de asilei-r om peasilei-r com a asilei-r ot ina poasilei-r m eio do asilei-r iso, colocando em xeque a or dem inst it uída, qual sej a, a de que no espaço do t r abalho a r ot ina e a ser iedade devem ser a t ônica.

A pr esença fem inina faz com que a m alícia do univ er so m asculino se faça pr esent e. Quando Mar quinhos conv ida a pesquisador a par a t r abalhar e diz “ v a-m os lá” e t odos os hoa-m ens coa-m eçaa-m a r ir, br incando coa-m a sit uação, Maur o, Car linhos e Sant os fazem um hum m m ... m alicioso, cont or nado pela pesquisador a que j oco-sam en t e d iz j á t er f eit o r ef er ên cia d e q u e n est e d ia p r et en d ia alm oçar com Mar quinhos na Chur r ascar ia Galpão Cr ioulo, um r est aur ant e bast ant e fr eqüent a-do por t ur ist as e que, com o t al, cont a com r efeições a pr eços acim a da m édia. Tal colocação só se fez possív el dev ido às inúm er as v ezes em que Mar quinhos per -gunt ou par a a pesquisador a se ela j á hav ia alm oçado, pois ele, br incando, dizia t er a int enção de conv idá- la par a alm oçar nesse r efer ido r est aur ant e.

Um a piada desv en da com o esses h om en s per cebem as m u lh er es. Nu m a post ura bast ant e t radicional, consoant e com a idade que esses hom ens possuem , separ am as m ulher es “ sér ias” daquelas que poder ão sat isfazer os desej os e ins-t inins-t os m asculinos.

Seu Ru b en s t am b ém con t ou u m a p iad a p ar a An d r é. A p iad a er a a seg u in t e: havia t r ês m ulher es que for am par a o céu falar com São Pedr o. A pr im eir a disse q u e er a p r of essor a. En t ão, São Ped r o m an d ou - a p ar a t er r a p ar a lecion ar em um a univ er sidade. A segunda disse que er a cant or a de cor al de I gr ej a. Ent ão, São Pedr o m andou- a para um coral no Vat icano. A t er ceira disse que era st r iper e, ent ão, São Pedr o disse: t u vai par a o m eu quar t o. Andr é e ele r ir am . Logo Seu Rubem foi em bor a. ( Tr echo do Diár io de Cam po)

Em out r a cir cunst ância, os olhar es e o com ent ár io ev idenciam o int er esse que um a pr esença fem inina desper t a nesse univ er so t ipicam ent e m asculino.

Um a m oça cham ou a at enção de Car linhos e de Mar quinhos. Er a um a m oça alt a e loir a. Mar quinhos per cebendo que eu est av a olhando par a eles, disse: t u não ouviu? Ela m e per gunt ou nom e, t elefone e celular e ainda por cim a m e disse: m e liga. ( Tr echo do Diár io de Cam po)

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dife-r en ças de gên edife-r o. De n ov o, u m t dife-r ech o do diádife-r io de cam po deix a t dife-r an spadife-r ecedife-r essa q u est ão:

Dona Olga disse par a Seu Ar aúj o que o v iu nout r o dia de m ot or ist a par t icular. Dizia ela que est ava br incando com ele, pois D. Olga viu ele andando de t áxi no cent r o da cidade [ ...] .

Num r epent e, Seu Ar aúj o lev ant ou- se e disse que se lem br ou de um liv r o que Dona Olga gost ar ia de ler. Era sobr e hor óscopo chinês. Logo, Seu Araúj o pegou m ais um folhet o t am bém esot ér ico e um out r o sobr e signos. Ao v er ificar o ex -cesso de Seu Ar aúj o, disse ela, olhando par a m im , que Seu Ar aúj o est ava t ir an-do um “ hor ár io” da car a dela, est av a se div er t inan-do. Eu e Har olan-do r im os da sit u-ação. Har oldo disse que não acr edit ava em nada dessas coisas. D. Olga per gun-t ou par a Seu Ar aúj o se ele não acr edigun-t av a. Disse ele que não [ ...] ( r indo) . Seu Ar aú j o est av a r in d o d e Don a Olg a. En t ão eu ach o q u e p ar a se r ed im ir, Seu Ar aúj o foi pr ocur ar um out r o livr o, dessa vez er a de Or w ell, par a que Dona Olga lesse um a par t e que t r at a do liv r eir o.

O r iso na Livr ar ia Nova Rom a, além de ser um a car act er íst ica im por t ant e da iden t idade or gan izacion al, con f igu r a- se com o elem en t o agr egador e acolh edor, r efor çando e delim it ando os códigos cult ur ais com par t ilhados na livr ar ia. As br in-cadeir as e j ocosidades na livr ar ia, ent r e os fr eqüent ador es do local e os pr opr ie-t ár ios, faciliie-t am a inie-t er ação enie-t r e eles e pr opiciam a consie-t r ução de laços sociais que vão além das r elações com er ciais de com pr a e venda.

Por t ant o, t ant o at r avés da configur ação espacial da livr ar ia, quant o por m eio das conver sas, dos r isos e de t odas as dem ais t r ocas sociais e cult ur ais, inser idas em cont ex t o de sociabilidade na liv r ar ia, é possív el per ceber que esse espaço é com post o de um r eper t ór io cult ur al m asculino. I nt er essant e per ceber que os ho-m ens fr eqüent ador es, no dia- a- dia, desse espaço, coho-m par t ilhaho-m suas ex per iênci-as iênci-as quais fazem par t e da const r ução da sua m iênci-asculinidade. Refor çam sua m iênci- as-culinidade que é, ao m esm o t em po, “ t r ansm it ida” par a o espaço. Com o analisou Jar dim ( 1994) a r espeit o dos bar es em um a localidade de Por t o Alegr e, ex ist em espaços sociais que ger am um código que diz daquilo que é necessár io par a o hom em t or nar - se m asculino; não se t r at a de um a quest ão biológica, há que se r ecr iar cot idianam ent e a condição de “ m asculinidade”. Algo que nos bar es est uda-dos pela pesquisador a se fez pr esent e e que nos foi possív el ident ificar t am bém na livr ar ia.

Sendo assim , o r iso r ev ela um espaço pr edom inant em ent e m asculino, no qual as int er ações ent r e os hom ens são or a inclusivas e or a exclusivas, pr opician-do a delim it ação de fr ont eir as ident it ár ias no espaço or ganizacional da Liv r ar ia Nova Rom a. Jar dim ( 1991) t r az cont r ibuições t eór icas que vão ao encont r o dessas consider ações. Par a a r efer ida aut or a, as conver sas m asculinas ( em sua dinâm ica e cont eúdo) , a gest ualidade e os silêncios podem pr opiciar r isos ou out r as m ani-fest ações cor por ais que denot am a expr essão de um univer so de significações do m asculino e a apr opr iação do espaço em quest ão.

Só que essa ident idade, t r at ada do pont o de v ist a r elacional, nunca pode ser vist a com o im ut ável, pois significados com par t ilhados sofr em m udanças e são r essem ant izados, o que vai ao encont r o das t eor izações desenvolvidas por Ber ger e Luckm ann ( 1997) , os quais per cebem a const r ução da ident idade t am bém com o

processual.

Tr azen do a t em át ica par a o cam po dos est u dos or gan izacion ais, Car r ier i ( 2003) enfat iza a noção de que, no espaço or ganizacional, é possív el hav er não apenas um a ident idade, m as, sim , vár ias; isso por que as cont r adições e as am bi-güidades cost um am se fazer pr esent es, o que r esult a em um a fr agm ent ação do univer so or ganizacional, t or nando assim a ident idade algo fluído, dinâm ico, decor -r ent e da c-r escent e t -r ansfo-r m ação hist ó-r ica pela qual os indivíduos, os g-r upos e as or ganizações cost um am passar.

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dá cont inuidade às int er ações de sociabilidade, m uit o sem elhant e a um fenôm eno cham ado de negociação da r ealidade. A negociação da r ealidade se dá m ediant e a int er ação dos indivíduos e suas r edes, o que im plica t r ocas, conflit os, alianças, em sum a, o r econhecim ent o das difer enças passa pelas ex per iências e decodificação de int er esses e valor es diver sos. Tal negociação da r ealidade, que em bora possa não ocor r er no plano do conscient e, se dá por m eio da linguagem , viabilizando a solidar iedade que é pr oduzida e, ao m esm o t em po, pr odut or a da r ede de signifi-cados post ulada por Geer t z ( VELHO, 1994) .

Vale dest acar que, no est udo em pr eendido por Delgado ( 1999) , os pr ópr ios sebist as, t al qual os pr opr iet ár ios da Nov a Rom a, r econhecem seus est abeleci-m en t os coabeleci-m o espaços on de se desen r olaabeleci-m ações qu e ex t r apolaabeleci-m as r elações com er ciais. Par a eles, os sebos são inst âncias pr ivilegiadas de convivência hum a-na, local em que é possível conver sar, t r ocar idéias, sem necessar iam ent e t er que adquir ir algum livr o. Nas consider ações de Delgado ( 1999, p. 52) :

Esp aços cit ad in os d e sociab ilid ad e, os seb os com p or t am u m a p lu r alid ad e d e apr opr iações, t r adições e v alor es h ist ór icos sedim en t ados n as difer en t es ex pe-r iên cias d e leit u pe-r a d e cad a u m . Cad a seb o g u ape-r d a su a p pe-r óp pe-r ia h ist ópe-r ia q u e, m esm o silenciosa, é possív el de ser nar r ada e, num a r ede de t essit ur as, pode-se cont ar a hist ór ia despode-ses espaços dent r o do t er r it ór io ur bano que os inpode-ser e. Os lugar es da m em ór ia em um sebo são m uit os e de difer ent es or dens: t opogr áfi-ca, sim b óliáfi-ca, t em p or al, n ost álg iáfi-ca, ar q u eológ ica e, p r in cip alm en t e, h u m an a. Debr uçar sobr e esse m undo v isív el e inv isív el que seus per sonagens quot idiana-m ent e const r oeidiana-m é caidiana-m inhar por uidiana-m t er r it ór io idiana-m ar cado por cult ur a e hist ór ia, feit o de plur alidade e um a v ar iedade de v iv ências.

Essas int er ações e const ant es negociações da r ealidade que são vivenciadas por m eio do r iso e da com icidade r efor çam um a ident idade que é for m ada e t r ans-f or m ada por aqu eles qu e pr olon gam as su as r elações sociais n a Liv r ar ia Nov a Rom a.

Os m om ent os de int er ação na livr ar ia são int er calados por r isos e conver sas e, m uit as vezes, ocasionam confusões nos client es m enos assíduos, dem onst r an-do a difícil t ar efa de delim it ar quem é o com pr aan-dor e quem são os vendean-dor es:

Rafael sent ou- se em um a das cadeir as v er des. Logo, Dois Sant os int er agiu com ele e com eçar am a f alar sobr e polít ica, Est ados Un idos, ar m am en t os, gu er r a, et c. Dur ant e a conver sa, chegou um a client e que par ou na fr ent e da nossa r oda e, com u m liv r o n a m ão, p er g u n t ou : “ com q u em eu f alo?” Tod os p ar ar am a conver sa e ficar am se olhando at é que Car linhos se levant ou, m as daí um out r o f u n cion ár io pediu par a at en dê- la e lev ou - a at é o caix a. Car lin h os v olt ou a se sen t ar. I sso é u m a pr ova do qu e acon t ece n esses m om en t os de sociabilidade, onde não se t em com o delim it ar os papéis do com pr ador de liv r os e do liv r eir o. I n st au r am - se ou t r os papéis, ou t r as r elações, ou t r as classificações: qu em leu e quem não leu o j or nal, quem é gr em ist a e quem é color ado, quem é cont r a e qu em é a fav or, qu em é o piadist a e qu em r i [ . . . ] . Não é qu e desapar eçam o liv r eir o e o com pr ador de liv r os, m as sim est es papéis não ficam t ão v isív eis, o l i v r e i r o n ã o e st á a t r á s d o b a l cã o , n e m e st á o t e m p o i n t e i r o p e r g u n t a n d o n eu r ot icam en t e se as pessoas pr ecisam de aj u da.

Mais que um a cult ur a or ganizacional calcada no for m alism o, na clar eza dos papéis, esse am bien t e or gan izacion al m ost r a- se flu ído, lú dico, dicot ôm ico, m as uníssono at r avés das piadas, br incadeir as, o que vai ao encont r o das t eor izações de Alber t i ( 2002) , Br ow n ( 1978) , Dr iessen ( 2000) , dent r e out r os.

Considerações Finais

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-v ada no sebo No-v a Rom a se dá em face da post ur a incom um pr esent e em um espaço or ganizacional volt ado par a o m undo dos negócios. No Sebo Nova Rom a, não se r i som ent e com os client es, nem apenas se sor r i de for m a silenciosa par a m ost r ar am abilidade, cor t esia; se r i ent r e client es, pr opr iet ár ios, funcionár ios, e não é um r iso silencioso, cont ido, m as sim , um r iso espont âneo, alegr e, de am iza-de. Ao m esm o t em po, se r i de diver sos t em as e gest os: da j or nada de t r abalho, d e a sp e ct o s p o l ít i co s, d e p i a d a s, d o j o g o se x u a l , d a m a l a n d r a g e m e d a s “ guam pinhas” durant e a fot o. Tudo isso r em et e a um a cult ura or ganizacional que foge dos lim it es im post os pela busca da lucr at iv idade, im pr im indo ao am bient e or ganizacional um a sociabilidade for j ada em r elações ent r e hom ens ( de m odo m ais acent uado) , não som ent e de cunho ut ilit ár io, m as acim a de t udo de am izade. As-sim , espaços cit adinos, m esm o que de cunho com er cial, guar dam car act er íst icas de solidar iedade e cum plicidade na m anut enção de r edes de significações com -par t ilhadas por hom ens, r efor çando, assim , a ident idade de gêner o.

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