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Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos: Estudo de Caso das Práxis da Igreja Bola de Neve Church

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(1)

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião

Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião

NEOTRIBALISMO E NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS: ESTUDO

DE CASO DA PRÁXIS DA

IGREJA BOLA DE NEVE CHURCH

MARCIO BERGAMO DE ARAÚJO

SÃO BERNARDO DO CAMPO

(2)

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião

Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião

NEOTRIBALISMO E NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS: ESTUDO

DE CASO DA PRÁXIS DA

IGREJA BOLA DE NEVE CHURCH

por

Marcio Bergamo de Araújo

Orientador

Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do programa de Pós– Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do título de Mestre.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

(3)

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

UMESP

Presidente

__________________________________________________

Prof. Dr. Ronaldo Sathler-Rosa

UMESP

Titular

___________________________________________________

Prof. Dr. José Rubens de Lima Jardilino

UNINOVE

(4)

DEDICATÓRIA

(5)

AGRADECIMENTO

Ao Trino Deus, Amado da minh’alma, por conceder-me forças na árdua

caminhada.

À Fundação Mary Harriet Speers, por dar crédito ao projeto de pesquisa e

contribuir com parte da manutenção financeira dos estudos.

Ao IEPG (Instituo Ecumênico de Pós-Graduação), por prover parte da bolsa

de estudos.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião – UMESP, pela oferta de estrutura relevante e suficiente para o desenvolvimento da pesquisa.

Aos mestres do ensino, companheiros de caminhada. Facilitadores do processo de aprendizagem e pesquisa.

Ao GETEP (Grupo de Estudos em Teologia Prática), importante lugar de

reflexão científica e formação de senso crítico. Produtivos encontros.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal) pelo

financiamento de parte da pesquisa.

Aos membros da Igreja Presbiteriana Independente de Salto Grande – SP, pelas orações, incentivos e compreensão dos momentos de ausência, a fim de realizar a

pesquisa de campo.

Aos meus amigos e amigas pela força e incentivo.

Aos companheiros de caminhada, principalmente o povo amigo da Casa do Estudante Prof. Dr. Prócoro Velasques Filho.

(6)

EPÍGRAFE

Inteligência é saber adicionar coisas na vida todos os dias. Sabedoria é saber desfazer-se delas. Mao Tsé

“Não se julguem melhores do que realmente são. Ao contrário, sejam modestos nos seus pensamentos”.

(7)

ARAÚJO, Marcio Bergamo. Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos: estudo de caso das práxis da Igreja Bola de Neve Church. Dissertação. Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, São Bernardo do Campo, SP, 2006.

Sinopse

A presente pesquisa “Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos: Estudo de Caso das Práxis da Igreja Bola de Neve Church”é uma investigação in loco que se propõe analisar, descrever e interpretar o contexto de uma práxis religiosa emergente, com uma abordagem teórico-científica deste movimento religioso. A partir da década de 80 do

século XX houve uma nova configuração social permitindo criar grupos de identificação

própria, principalmente no contexto urbano. Um destes grupos que vieram a surgir foram as chamadas “tribos urbanas”. Esta nova configuração neo-tribalista permitiu o desenvolvimento de expressões de religiosidade própria, chamado de Novos Movimentos Religiosos, dentre os

quais, destaca-se a Igreja Bola de Neve Church. O tema desta pesquisa científica tem

despertado grande interesse pelos cientistas sociais e da religião, apresentando-se, também,

como um novo desafio aos pastoralistas por analisar os efeitos que este fenômeno religioso

implica na sociedade contemporânea. Por isso, além de compreender os fundamentos teórico -científicos da construção do modelo social neotribalista e dos Novos Movimentos Religiosos,

a pesquisa propõe-se a investigar o surgimento, descrevê-lo e interpretar suas práticas

religiosas sob a chave hermenêutica da teoria da práxis religiosa, a fim de compreender como a Igreja Bola de Neve Church é interpretada pelas religiões de tradição cristã.

Palavras chaves: neotribalismo, novos movimentos religiosos, práxis religiosa, Igreja Bola

(8)

ARAÚJO, Marcio Bergamo. Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos: estudo de caso das práxis da Igreja Bola de Neve Church. Dissertação. Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, São Bernardo do Campo, SP, 2006.

Abstract

The present research “Neotribalism and new religious movements: case study about the praxis of Igreja Bola de Neve Church is an in loco investigation that aims to analyse, describe and to interpret the context of an emerging religious praxis, with a theoric-scientifical approach of this religious movement. Since the 80’s of the twentieth century a new social system emerged

that allowed for the appearance of groups that create their own identity, especially in an urban context. One of those groups that arised were the so-called “urban tribes”. This neotribalist

system, that allowed for the development of religious self-expression, is called New Religious Movements. One of the groups within this system draws attention: the Igreja Bola de Neve Church. The subject of this research has received a lot of attention from social and religious scientists, presenting itself as a new challenge for those studying practical theology, in trying to analyse the effects that this religious fenomenon has on contemporary society. The goal of this thesis is comprehending the theoric-scientific fundaments of the construction of the neotribalist social model and of the New Religious Movements. This research intends to investigate the creation of the Igreja Bola de Neve Church, describe it and interpret its religious practices based on the hermeneutics of the theory of religious praxis, in order to understand how the Igreja Bola de Neve Church is interpreted by christian religion.

(9)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Quadro sinótico da tipologia dos movimentos religiosos brasileiro... 44

Figura 02 – Fachada da Igreja Bola de Neve Church ... 62

Figura 03 – Panfleto divulgação do Campeonato de Skate da Igreja Bola de Neve Church ... 63

Figura 04 – Panfleto de divulgação de Evento Musical da Igreja Bola de Neve Church... 644

Figura 05 – Panfleto de divulgação de Evento Cultural da Igreja Bola de Neve Church... 64

Figura 06 – Panfleto de divulgação de Reunião de Células... 65

Figura 07 – Lojinha da Igreja Bola de Neve Church... 66

Figura 08 – Logomarca da Igreja Bola de Neve Church ... 67

Figura 09 – Quadro “A” (motivo surfista)... 68

Figura 10 – Quadro “B” (motivo: surfista). ... 68

Figura 11 – Quadro “C” (motivo: surfista)... 69

Figura 12 – Prancha de surf como púlpito e Pastor Rinaldo pregando... 69

Figura 13 – Púlpito-Prancha-de-surf (uma das marcas da Igreja Bola de Neve Church)... 70

Figura 14 – Quadro decorativo do altar da Igreja Bola de Neve Church ... 71

Figura 15 – Telão para projeção das imagens... 79

Figura 16 – Organograma hierárquico da Igreja Bola de Neve Church... 85

Figura 17 – Material de divulgação: Novo Amanhecer

...87

Figura 18 – Material de divulgação: Culto de Doação... 88

(10)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Idade dos participantes da Igreja Bola de Neve Church... 72

Gráfico 02 – Sexo dos participantes da Igreja Bola de Neve Church... 73

Gráfico 03 – As tribos urbanas e os adeptos da Igreja Bola de Neve Church ... 74

Gráfico 04 – O que mais atrai na Igreja Bola de Neve Church... 80

Gráfico 05 – Participava de outra religião... 102

Gráfico 06 – Tempo que participa da Igreja Bola de Neve Church ... 103

Gráfico 07 – Freqüência semanal das atividades da Igreja Bola de Neve Church... 103

Gráfico 08 – O que pensam das outras religiões... 104

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 13

CAPÍTULO 1... 21

1. Tribos Urbanas e Movimentos Religiosos Emergentes... 21

1.1 Tribos Urbanas – conceitos teórico-científicos... 22

1.2 Novos Movimentos Religiosos – conceitos teórico-científicos... 32

1.2.1 Panorama do Cenário Religioso Brasileiro... 42

CAPÍTULO 2... 52

2. Histórico e Desenvolvimento da Igreja Bola de Neve Church... 52

2.1 Campo Religioso Brasileiro e a Igreja Bola de Neve Church... 53

2.2 A Igreja Renascer em Cristo: laboratório da Igreja Bola de Neve Church... 54

2.3 Aspectos históricos da criação da Igreja Evangélica Bola de Neve Church... 57

2.4 Descrição do Ambiente e Espaço de Culto da Igreja Bola de Neve Church... 61

2.5 (In)Descrição do estilo dos adeptos da Igreja Bola de Neve Church... 71

2.5.1 Tribo dos surfistas... 73

2.5.2 Outras tribos ... 76

2.6 Ordem de Culto ... 77

2.7 Estrutura hierárquica e cargos religiosos da Igreja Bola De Neve Church... 83

2.8 A Igreja Bola de Neve Church e a proposta social... 86

CAPÍTULO 3... 91

3. Interpretação das práticas religiosa da Igreja Bola de Neve Church a partir da teoria práxis... 91

(12)

3.1.1 Práxis Cristã?... 96

3.1.2 Dimensões da práxis... 98

3.2 Crítica das práticas da Igreja Bola de Neve Church a partir das dimensões da teoria da práxis em Casiano Floristán... 100

3.2.1 Transito Religioso dos fiéis da Igreja Bola de Neve Church... 100

3.2.2 Liturgia da Igreja Bola de Neve Church ... 108

3.2.3 Pregação da Palavra... 114

3.3 Desafios e pistas à pastoral para a juventude em tempos modernos. ... 118

3.3.1 Contextualização da Liturgia... 121

3.3.2 Espiritualidade e espiritualidades ... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 129

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 135

(13)

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea, principalmente no contexto urbano, tem

apresentado novos modelos de configuração na sua construção social, onde os indivíduos

tendem a superar o individualismo assumindo papéis e atuando a partir de suas próprias

escolhas – geralmente escolhas afetuais1– estabelecendo-se em grupos de afinidades. Foi a partir da década de 80 do século XX, devido a manifestação destes grupos específicos, que o

teórico Michel Maffesoli conceituou essa nova formação de socialidade chamando-a de neotribalismo2. Para ele, os estudos da sociedade a partir do modelo moderno – onde se contemplavam os indivíduos – devem ser superados pela chave de leitura do contexto pó s-moderno – onde não mais os indivíduos, mas sim, os grupos de relações de afetividade

própria – pois, descrevem melhor esse contexto social contemporâneo.

À priori, à medida que estes novos grupos foram se configurando, novas

expressões de religiosidade também emergiam. Numa dinâmica de bricolagem de

religiosidades surgem os Novos Movimentos Religiosos3. Entretanto, para Stefano Martelli, falar sobre “novos movimentos4” pode parecer redundante, pois, qual religião é estática?

Similar postulado é lido na teoria de Émile Durkheim sob os aspectos evolutivos da religião5, afirmando que, as bases da religião são as mesmas, mudando de acordo com o

desenvolvimento da cultura e das sociedades. A afirmação anterior também se encontra em

1

MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos – o declínio da individualidade nas sociedades de massa, p. 93.

2

Idem. Ibidem, p. 28.

3

Fica convencionado a partir de aqui que a sigla “NMR” é a abreviatura de “Novos Movimentos Religiosos”, podendo aparecer no plural, “MNRs”. A sigla “MRE” é abreviatura de Movimentos Religiosos Emergentes – que tem valor semântico à “NMR” –, podendo aparecer no plural “MREs”, e que, estas siglas bem como os termos podem aparecer em escrita minúscula, livre de aspas e de diferenciação de texto tipo itálico.

4

MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós-Moderna, p. 339.

5

(14)

Francis Westley, ao interpretar6 os NMR a partir da teoria durkheimiana – que em grande parte auxiliará na compreensão do teórico.

O surgimento de Novos Movimentos Religiosos (NMR) é anterior ao

período da década de 80 do século XX, mas, os que surgiram posteriormente a este período

também receberam a nomenclatura de “novos. Se bem que, segundo Silas Guerriero, podem ser inseridos como Novos Movimentos Religiosos “todos os novos grupos7” que fogem das convenções ou tipificações das Igrejas de tradição cristã. Embora esta seja uma afirmação tão

genérica, conceituar esses novos grupos religiosos não é tão fácil assim. Para a delimitação

desta pesquisa, optou-se em aproximar-se dos movimentos de tipologia movimentos relacionados com o cristianismo8.

Como rigor metodológico, descartou-se a abordagem de diversos grupos que também são considerados Novos Movimentos Religiosos (NMRs), como por exemplo: os

movimentos religiosos de tipologia originados no judaísmo, movimentos precedentes do Islã,

movimentos orientalistas (ou orientais), movimentos inspirados nas religiões antigas,

movimentos esotéricos, movimentos de enriquecimento pessoal. Foi estabelecido esse critério

por dois motivos: para dar aproximação aos aportes científicos de aplicabilidade mais

abrangente ao fenômeno religioso em estudo; segundo, porque tratar ou exemplificar cada NMR se tornaria fuga dos objetivos da pesquisa tornando-a demasiadamente extensa. O autor tem ciência da existência de diversos grupos religiosos emergentes9.

As transformações do conteúdo e forma de religiosidade de diversos grupos vêm despertando nos teóricos da pastoral esforços para construir fundamentos teórico -científicos que auxiliem em suas reflexões e práticas. Torna-se objetivo dos pastoralistas interpretar as práticas dos diversos grupos a partir da leitura desses movimentos. Para tanto, Casiano Floristán10é um dos teóricos da pastoral que se destaca, e sua teoria da práxis servirá

de chave hermenêutica para a leitura e interpretação do movimento religioso em tela.

6

DURKHEIM. Apud, WESTLEY, Francis. The Complex Forms of the Religious Life – A Durkheimian View of New Religious Movements, p. 01.

7

GUERRIERO, Silas. A visibilidade das novas religiões no Brasil, p. 163.

8

MORALEDA, José. As seitas hoje: Novos Movimentos Religiosos, p. 23.

9

Sobre os movimentos religiosos acima mencionados o leitor deve recorrer à: MORALEDA, José. As seitas hoje: Novos Movimentos Religiosos. São Paulo: Paulus, 1992.

10

(15)

O pesquisador tem consciência dos desafios e limites que a pesquisa se depara com alguns termos que não são unívocos, mas, polissêmicos. Desta forma, implica-se definir alguns conceitos a partir de teóricos para melhor estabelecer o campo religioso dos

novos movimentos. Muito embora este assunto tem ganho grande visibilidade e interesse nos estudos sociais e da religião tem pouca tradição nos estudos brasileiros11, ainda assim, os estudos que surgem são bem recebidos pela grande originalidade. O caminho escolhido para o

estudo parte dos aspectos gerais e comuns dos Novos Movimentos Religiosos, sem, contudo, ater-se a detalhes singulares – o que sairia do caminho proposto na pesquisa. A pesquisa se apresenta estruturada na divisão de três capítulos a partir de seus objetivos: analisar, descrever e interpretar o fenômeno religioso.

No primeiro capítulo propõe-se apresentar um panorama do cenário

religioso brasileiro, visualizando e pontuando as principais mudanças na configuração

religiosa (análise), verificando a plausibilidade de algumas hipóteses: se a partir da teoria

maffesoliana o grupo correspondente trata-se da configuração de socialidade chamada “neotribalista”; se o grupo investigado pode ser configurado como Novos Movimentos Religiosos; se o grupo observado trata-se de um grupo segregado, que se relaciona a partir das lógicas de identificação para formar sua identidade própria e assim ganhar visibilidade e, se

há relação do neotribalismo com o surgimento dos novos movimentos religiosos – já que o

grupo faz questão de ser identificado como a “igreja dos surfistas”, e ainda, Julio de Sant’Ana afirma que “os seguidores dos movimentos religiosos [...] se preocupam em ser apreciados pelo estilo de vida que levam12.

Tendo como ponto de partida as observações in loco (pesquisa de campo), a pesquisa se propõe no segundo capítulo descrever um novo modelo religioso. O diferencial

desta pesquisa se dá principalmente por essa sua natureza. Assim sendo, a Igreja Bola de Neve Church13– com sede em São Paulo /SP – foi escolhida como recorte para a investigação

desta pesquisa. A escolha deu-se pela possibilidade do pesquisador investigar in loco o modelo religioso por aproximadamente 24 meses (Agosto/2004 – Julho/2006), participando com certa regularidade dos encontros do grupo. A Igreja Bola de Neve Church (IBDNC) além

11

MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 159.

12

SANT’ANA, Julio de. Igreja e seita – reflexões sobre esse antigo debate, p. 13.

13

(16)

de apresentar elementos suficientes para a análise e descrição, favoreceu a pesquisa de campo

na possibilidade de aplicar questionário14 aos participantes. A aplicação do questionário é de

fundamental importância posto que, em momento oportuno, seus dados tabulados serão

usados como conteúdo para a análise crítica interpretativa do objeto em tela.

Propõe-se ainda descrever a origem (matriz religiosa) desta Igreja, aproximando-a o mais possível do provável campo religioso à qual ela pertence, e na tentativa de construir seu lócus – ainda que provisoriamente; bem como, recuperar historicamente seu desenvolvimento; a descrição do ambiente cúltico e do seu espaço físico; do estilo dos fiéis e

da tribo dos surfistas; a ordem de culto que esta Igreja apresenta; a estrutura hierárquica dos

cargos religiosos desta Igreja; e, se este movimento religioso tem algum vínculo com as

preocupações sociais.

Este fenômeno religioso tem ganhado grande visibilidade nos últimos anos,

inclusive com atenção da mídia televisiva, jornais e revistas de grande circulação do país,

além da visibilidade nas revistas de cunho religioso, que têm especulado o novo movimento

religioso pela sua proposta de originalidade e criatividade e principalmente pelo número

vertiginoso de adeptos em pouco tempo de existência.

A IBDNC é dirigida pelo pastor/fundador Rinaldo Luiz de Seixas Pereira,

com graduação acadêmica em Propaganda e Marketing e surfista. Foi iniciado seu trabalho

em 1993, ainda sob a tutela da Igreja Renascer em Cristo15 onde o líder Rinaldo comandava

os jovens, inclusive promovendo mega eventos ou shows evangelísticos. Rompendo com a

Igreja de origem deu-se início ao trabalho independente em fevereiro de 1999 numa pequena

loja de artigos de surf no bairro do Brás, com uma celebração que explora uma mensagem na

linguagem acessível aos jovens, fortes questionamentos sobre valores sexuais, moral e

principalmente muita música – mais de uma hora de reggae e rock embalando os fiéis a se

soltarem e dançar nos cultos que se estendem até altas horas da noite, inclusive explorando

parte do ritual no qual são esperados manifestações sobrenaturais, curas milagrosas e o dom

14

O questionário foi aplicado com um número de 100 pessoas com devolução de 100%. Para obter resultados heterogêneos e menos tendenciosos possíveis na coleta de informações o questionário foi aplicado em dias de culto alternado (quinta-feira, Sábado e Domingo). O pesquisador obteve autorização da direção da Igreja para aplicar o questionário. O modelo do questionário segue anexo. Ver anexo: 01.

15

(17)

de falar em línguas não-identificáveis. Desde março de 2003 a Igreja Bola de Neve Church está instalada com sua sede num espaço que era um antigo bingo da rua Turiaçu, no número

734, no Bairro de Perdizes e conta com templos em mais de 29 cidades do Brasil e 3 países

(Peru; Japão; Austrália).

Não apenas os teóricos das ciências sociais e da religião se interessam pela investigação científica destes novos movimentos religiosos, mas, também os pastoralistas. É

fundamental compreender quais são os desdobramentos destes Novos Movimentos Religiosos

e sua interface com a sociedade contemporânea e as Igrejas de tradição cristã. Esta

compreensão urge, mesmo porque muitas vezes estes fenômenos são vistos apenas como uma

doença social16, resultados de uma condição imposta pela pós-modernidade e uma ruptura às

religiões tradicionais. Este tema apresenta, um desafio à pastoral e suas implicações como

novos modelos de religiosidade principalmente diante das massas majoritárias, que no Brasil

representam a juventude.

O terceiro capítulo tem como objetivo interpretar algumas práticas religiosas

da IBDNC usando como chave hermenêutica a teoria da práxis religiosa17 em Casiano Floristán sob a perspectiva das dimensões da práxis18. O conceito de práxis será recuperado,

pois o termo sofreu desgastes pelas indevidas aproximações semânticas19 e seu conteúdo

recuperado possibilitará o desenvolvimento da teoria nos espaços acadêmicos. A tabulação

dos resultados do questionário aplicada servirá de suporte para as aproximações às leituras

críticas sendo apresentados em forma de gráficos, facilitando ao leitor a compreensão e

interpretação dos conteúdos.

Serão construídos conceitos fundamentais da liturgia cristã, na intenção de

interpretar o modelo litúrgico. A partir dos aportes científicos recuperados serão privilegiados

na crítica: a da ordem do culto na IBDNC; o estilo da pregação do líder; e, a questão do

fenômeno do trânsito religioso existente entre os adeptos. Serão apresentados ainda, alguns

desafios à pastoral da juventude neste contexto atual, pois, os jovens que compõem as massas

majoritárias no país estão sob o alvo das intensas mudanças sociais e culturais, bem como

16

MORALEDA, José. As Seitas Hoje – Novos Movimentos Religiosos, p. 12.

17

FLORISTÁN, Casiano. Teología Práctica – Teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca, Ed. Sígueme. 2002. (4ª Edição).

18

FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 180.

19

(18)

diante de um pluralismo religioso jamais observado. Essas rápidas transformações afetam a

juventude na construção de sua espiritualidade e identidade religiosa, levando o homem

moderno buscar a sempre os interesses pessoais em detrimento ao comunitário20.

Desafios se apresentam diante da tensão entre os NMR e os líderes

religiosos de Igrejas tradicionais. Estes reclamam do proselitismo dos novos movimentos, pois, para eles estão perdendo grande parte de sua membresia. Por sua vez, os líderes dos

novos movimentos religiosos replicam às grandes religiões dominantes afirmando que elas se

esvaziaram e perderam o conteúdo e a contextualização da mensagem do evangelho, da

crença e da expressão de sua religiosidade. Esta tensão deve ser ponto de partida para a apresentação de algumas pistas em direção ao diálogo inter-religioso e à pastoral da juventude

em tempos modernos.

O interesse da escolha desse tema dá-se pelo fato de que a os pastoralistas tem buscado subsídios teórico-científicos para melhor compreender as práticas religiosas

destes novos movimentos diante das transformações sociais, bem como, suas ações e seus desdobramentos na sociedade atual. Também pelo fato de que o neotribalismo e o surgimento dos NMR é um fenômeno de grande relevância social e de grande interesse para a teoria sociológica21”. Esta pesquisa “oferece oportunidade para o estudo do fenômeno religioso em nossos dias22”, e neste caso, a investigação do fenômeno a partir da práxis

religiosa.

O método que mais se aproxima à natureza da pesquisa, e que será utilizado é o método histórico, proposto por Eva Maria Lakatos, pois:

(...) consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época23.

Para o desenvolvimento desta pesquisa é fundamental a aplicabilidade de

uma combinação de metodologias devido à sua própria natureza. O tema proposto perpassa

20

ROJAS, Enrique. O homem moderno: a luta contra o vazio, p. 26.

21

MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós-Moderna, p. 339.

22

MORALEDA, José. Op. cit., p. 05.

23

(19)

por uma série de conceitos de alguns teóricos, onde será primada a transdisciplinaridade – tão

defendida nos redutos acadêmicos.

Por se tratar de uma pesquisa descritiva ela pode assumir diversas formas, por exemplo, a de estudo de caso, que é a proposta desta dissertação. Diante disso propõe-se adotar as seguintes metodologias: pesquisa bibliográfica; pesquisa de campo; aplicação de

questionário quantitativo. Sobre as metodologias adotadas, Amado Luiz Cervo afirma que “a pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos e fenômenos (variáveis) sem manipulá-los24”. E ainda:

Estudo de caso é a pesquisa sobre um determinado indivíduo, família, grupo ou comunidade que seja representativo do seu universo, para examinar aspectos variados de sua vida25.

Sobre a pesquisa bibliográfica Cervo comenta:

A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir das referências teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existente sobre um determinado assunto, tema ou problema26.

Sobre a metodologia de aplicação de questionário em pesquisas, Cervo

atesta:

O uso de questionário é a forma mais usada para coletar dados, pois, possibilita medir com melhor exatidão o que se deseja. Em geral a palavra questionário refere-se a um meio de obter respostas às questões por uma fórmula que o próprio informante preenche27.

Cervo continua:

A coleta dos dados ocorre após a escolha e delimitação do assunto, a revisão bibliográfica, a definição dos objetivos, a formulação do problema e das hipóteses e a identificação das variáveis28.

24

CERVO, Amado Luiz. Metodologia Científica, p. 66.

25

Idem. Ibidem, p. 67.

26

Idem. Ibidem, p. 65.

27

Idem. Ibidem, p. 48.

28

(20)

Estabelecido com critério as questões mais importantes, selecionado o tipo e número de perguntas, analisado as questões elaboradas quanto a clareza de sua redação, o

questionário foi submetido a um pré-teste e obtendo auxílio em sua elaboração a partir de membros do grupo de pesquisa.

A aplicação do questionário será de responsabilidade do pesquisador e para que os entrevistados se apresentem de maneira mais heterogênea possível os questionários

foram aplicado em dias alternados de cultos na Igreja Bola de Neve Church até que se atingisse um número de 100 (cem) entrevistados. O questionário será de natureza quantitativa

(21)

CAPÍTULO 1

Tribos Urbanas e Movimentos Religiosos Emergentes

A partir da década de 80 houve uma nova configuração de socialidade com

identidade própria principalmente no contexto urbano com o surgimento de grupos. Um

desses grupos que vieram surgir foram chamados tribos urbanas. O objetivo deste primeiro capítulo é analisar e conceituar esse novo modelo de configuração de socialidade

apropriando-se dos fundamentos teórico-científicos, o que permitirá analisar o surgimento

dessas novas expressões socialidade. Michel Maffesoli29 apresenta uma teoria para essa nova configuração social denominada “tribos” ou “neotribalismo”. À priori essas configurações

de socialidade implicam efeitos na maneira da religiosidade de certos grupos.

Sincronicamente, ao passo que a estrutura social se configurava em grupos de expressão própria, novos modelos de religiosidades também emergiam e se configuravam.

Os estudiosos30 têm entendido que essas manifestações religiosas dos grupos podem ser

estudadas como fenômeno de Novos Movimentos Religiosos ou Movimentos Religiosos Emergentes31.

29

Michel Maffesoli é sociólogo e diretor dos Centros de Estudos Sobre o Quotidiano na Universidade de Sorbonne, Paris. É autor de “O tempo das tribos – o declínio do individualismo nas sociedades de massa”. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

30

MARTELLI, Stefano. A religião na Sociedade Pós-Moderna. São Paulo, Ed. Paulinas, 1995. Martelli é um dos estudiosos que apresentam formas de religiosidade no contexto pós-moderno, que segundo ele, tais movimentos são significativos pelos seus avanços no campo religioso, sua grande visibilidade e grande número de adesão, merecendo um estudo rigoroso desses fenômenos.

31

(22)

1.1 Tribos Urbanas – conceitos teórico-científicos.

Para compreender esse novo processo de socialidade recorre-se historicamente a alguns períodos. Essa nova configuração já foi se cristalizando a partir da década de 50 do século XX, ou seja, o período chamado pós-guerra, onde a idéia de cultura jovem e juventude também foi se consolidando. O contexto em que esses grupos se formaram

foi especificamente com o desenvolvimento da comunicação em massa, a expansão dos

movimentos culturais, o modelo de estado de bem-estar social, a grande oferta de atividades de lazer e bens de consumo.

Mesmo um período anterior, os teóricos das ciências sociais se propunham

analisar grupos sociais sob o aspecto etnográfico ficando conhecido esses estudos como

“teoria dos desvios comportamentais”, a exemplo da obra The gang, de Frederik Trasher em 1927 que destinava o enfoque central a questões relativas à marginalidade e à delinqüência32. Contudo, foi na década de 60 que a sociologia teve um significativo avanço nos estudos da

socialidade, mudando o enfoque de desvios comportamentais para estudos das “relações de poder e rótulos com Haward Becker33. Os grupos dominados e dominantes foram pauta de estudos sociológicos de Dick Hebdige na década de 70 e início dos anos 80 propondo uma

teoria de subculturas34.

O conceito “tribo” surge especificamente no final dos anos 80 e década de

90 do século XX com a manifestação de grupos específicos a partir de novos modelos de apresentação na sociedade. Para tanto, Michel Maffesoli usa os termos tribo e tribalismo (ou ainda, neotribalismo) para conceituar esse evento na sociedade contemporânea. Maffesoli

justifica o uso destes termos da seguinte forma:

32

TRASHER. Apud, FEITOSA, Ricardo Augusto de Sabóia. Jovens em transe: grupos urbanos juvenis da contemporaneidade, conceitos e o “underground”, Comunicação disponível nos anais do XXVI Congresso Anual em Ciências da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003. O artigo propõe uma discussão sobre os principais conceitos utilizados nos estudos das manifestações de grupos juvenis urbanos como

subcultura e (neo)tribalismo na compreensão desses grupamentos e suas práticas culturais.

33

BECKER, Haward S., Outsiders: studies in the sociology of deviance. Nova York, Free Press, 1991. O autor questiona a ‘teoria do desvio’, ressaltando que a criação de desvio coletivo está relacionada às regras de poder. (Trad. livre do autor).

34

(23)

É para dar conta desse conjunto complexo que proponho usar, como metáfora, os termos de “tribo” ou de “tribalismo”. Sem adorná-los, cada vez, de aspas, pretendo insistir no aspecto “coesivo” da partilha sentimental de valores, de lugares ou de ideais que estão, ao mesmo tempo, absolutamente circunscritos (localismo) e que são encontrados, sob diversas modulações, em numerosas experiências sociais35.

Algumas primeiras afirmações são necessárias para a compreensão da

construção do novo modelo de apresentação social, chamado pelo teórico de socialidade. Este teórico propõe a superação da leitura da vida social sob o aspecto de uma estrutura mecânica

chamada modernidade. Bem se sabe que somente esse tema daria por si mesmo uma extensa dissertação, mas, a intenção dessa afirmação é mostrar que a proposta do teórico é ler a partir

de uma estrutura da vida social contemporânea complexa e/ou orgânica chamada pós-modernidade36. Maffesoli afirma:

A modernidade é o grande modelo europeu. Inclui os séculos XVIII, XIX e XX até os anos 60, a meu ver. De acordo com esse modelo, a vida social é organizada de forma racional. O grande valor é a razão, tudo é previsível. As escolas são organizadas de modo uniforme, a saúde é organizada através das políticas de saúde. A modernidade se apoiou sobre uma grande obsessão: o progresso. A ênfase está no futuro. Partimos de um ponto de barbaridade e vamos chegar ao ponto da civilização absoluta. Valores inspirados nas idéias judaico-cristãs, que consideram que há um paraíso, um fim ideal37.

Há, segundo Maffesoli, em sua teoria, uma dupla hipótese: um

deslocamento e uma tensão. Há uma superação da uma leitura social de modernidade por uma leitura da socialidade38 sob a estrutura da pós-modernidade. Deslocamentos de conceitos de

35

MAFFESOLI, Michel, O Tempo das Tribos – o declínio da individualidade nas sociedades de massa, p. 28.

36

Os conceitos de modernidade e pós-modernidade são extremamente amplos e difusos entre alguns teóricos, inclusive na aplicação dos termos e períodos. O leitor pode recorrer à obra de BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998. Desta forma propõe-se uma breve definição do conceito de modernidade e pós-modernidade: “modernidade é mais ou menos beleza (‘essa coisa inútil que esperamos ser valorizada pela civilização’), limpeza (‘a sujeira de qualquer espécie parece-nos incompatível com a civilização’), ordem (‘Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo em que toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão’). [...] Os seres humanos precisam ser obrigados a respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sua liberdade de agir deve ser preparada. [...] Nossa hora, contudo, é a da desregulamentação. O princípio de realidade, hoje, tem de se defender no tribunal de justiça onde o princípio de prazer é o juiz que a está presidindo. ‘A idéia de que há dificuldades inerentes à natureza que não se submeterão a qualquer tentativa de reforma’ parece ter perdido sua prístina obviedade. [...] os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade”. In: BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade, pp. 07-10.

37

MAFFESOLI, M. Apud, BERLINCK, Deborah. Tribalismo Pós-Moderno: O Brasil é modelo de comportamento. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 29/março/2001 – Cadernos.

38

(24)

domínios culturais, produtivos, ideológicos, cultuais, e tensão no que diz respeito à superação

de indivíduos (grupos contratuais exercendo função), para pessoas (exercendo papéis, não

mais grupos contratuais, mas tribos afetuais). Maffesoli faz essa distinção entre indivíduo e pessoa afirmando que:

O indivíduo é livre, ele contrata e se inscreve em relações igualitárias. Isso servirá de base ao projeto, ou melhor, à atitude projetiva (isto é, à política). Em contrapartida, a pessoa é tributária aos outros, aceita um

dado social e se inscreve num conjunto orgânico. Em suma, podemos

dizer que o indivíduo tem uma função, e a pessoa um papel39.

Essa diferenciação incide diretamente sobre as características entre

sociedade e socialidade, sendo muito provável que seja esse o elemento que faz com que os fiéis/adeptos da Igreja Bola de Neve Church40 – considerada “a igreja dos surfistas” –

desempenhem papéis de surfistas, mesmo que não sejam, teatralizando e assumindo figurinos à medida de seus gostos. Maffesoli exemplifica essa teoria fazendo a devida diferenciação:

Característica do social: o indivíduo pode ter uma função na sociedade, e funcionar no âmbito de um partido, de uma associação, de um grupo estável.

Características de socialidade: a pessoa (personna) representa papéis, tanto dentro de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi41.

A guinada na maneira de se fazer essa leitura sociológica está relacionada à

nova configuração que a sociedade foi construindo a partir das relações emocionais quotidianas. Assim se apresenta o tribalismo no antagonismo à modernidade, embora o

modelo da modernidade tenha influenciado a configuração da sociedade contemporânea. Ele

explica esse processo afirmando que:

Começando nos anos 60 e 70, observamos uma crescente saturação desse modelo racional. A educação centralizada não funciona mais, há movimentos beneficentes que se desenvolvem para compensar a

subjetividade comum, à uma paixão partilhada, enquanto tudo o que diz respeito à sociedade é essencialmente racional”. In: MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 86.

39

MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 93.

40

Sobre a Igreja Bola de Neve Church– que compreende o estudo de caso dessa dissertação – será mais bem trabalhado no segundo capítulo.

41

(25)

disfunção da saúde pública. Toda uma série de fenômenos que, para mim, são tribais. Não é mais uma organização jacobina, piramidal e muito racional que organiza o social. Ao contrário, o comando desse social começa a ser tomado por baixo, pelas microtribos, a partir da emoção, do afeto, e não da razão. A ênfase está no presente: é preciso viver aqui e agora42.

De acordo com alguns teóricos, um dos muitos fenômenos que podem ser

vistos na pós-modernidade é o rápido avanço do pluralismo cultural, e, em sua envergadura

contemplam-se crenças, estilos, novos modelos arquitetônicos sociais dentre muitos outros

aspectos. Estes, entretanto, transformados numa velocidade vertiginosa e sem consistência de

postulados definitivos, ou seja, tudo é muito provisório e efêmero. O que é, já se foi.

Por estas mudanças drásticas e repentinas, o indivíduo se vê desnorteado e

sem referenciais no processo de construção identitária, buscando por si mesmo, a qualquer

custo, construir uma identidade pessoal. Para Zygmunt Bauman, os homens e mulheres contemporâneos que vivem em nosso tipo de sociedade sofrem permanentemente com um “problema de identidade não-resolvido43”. Sofrem porque lhes faltam recursos com os quais

possam construir uma identidade verdadeiramente “sólida e duradoura44”. Eis aqui um

paradoxo que deve ser notado: à medida que o indivíduo cria sua identidade pessoal ele torna -se “diferente” e essa diferença pode excluir o indivíduo da sociabilidade.

Simultaneamente, ao serem encorajados em ter suas próprias identidades

ficam reféns de seus estilos únicos, e portando, “estranhos” aos demais. Por isso, parece ser

mais uma desvantagem do que uma qualidade ter uma identidade própria para aqueles que

não tem controle suficiente das circunstâncias e dos itinerários de suas vidas. Resumidamente,

para Bauman esse é um processo concomitante de “criação e anulação de estranhos45”.

Portanto, pergunta-se: como ser indivíduo e coletividade nesse contexto

pós-moderno? É nessa direção que nasce um conceito de arquitetura social proposto por

Maffesoli. Ao passo que a socialidade é intimista no momento de sua fundação, ela também o é comum a todos. Ou seja, ao ponto que é ressaltado o aspecto individual é também ressaltado

42

MAFFESOLI. Apud, BERLINCK, Deborah. Tribalismo Pós-Moderno: O Brasil é modelo de comportamento. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 29/março/2001 – Cadernos.

43

BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade, p. 38.

44

Idem. Ibidem, p. 38.

45

(26)

o aspecto afetivo dos grupamentos, onde os indivíduos representam seus diversos papéis ao

seu gosto.

Fica inválido discutir a formação social tão somente a partir do indivíduo,

posto que, as relações sociais são de maior importância para compreender a sociedade

contemporânea. Propõe Maffesoli que “o que melhor poderia caracterizar a pós-modernidade era o vínculo que estava sendo estabelecido entre a ética e a estética46”. E continua afirmando que “só temos valor pelo fato de pertencermos a um grupo47”. Para ele, essa coletivização dos sentimentos é um dos fatores essenciais da vida social que está re-nascendo nas sociedades contemporâneas.

Diz-se re-nascendo, porque em diferentes épocas o ser humano foi

impulsionado a estar junto, mas, “conforme as épocas, predomina um tipo de sensibilidade, um tipo de estilo destinado a especificar as relações que estabelecemos uns com os outros48”. Nesse contexto pós-moderno esta impulsão se repete porque os sujeitos “assinalam o declínio de um certo tipo de sociedades, mas, ao mesmo tempo, chamam-nas a um irresistível renascimento49.

A arte (estética) tem capacidade e função bem definida: um ambiente é

capaz de criar um corpo coletivo, de modelar um ethos. As reuniões esportivas ou de

consumos, ou até mesmo – e nesse caso bem cabe o exemplo – o grupo religioso que se forma em torno do estético e da arte. Um exemplo mais próximo à religião nesse caso é o espaço

litúrgico. Maffesoli afirma que “na religião popular é muito difícil fazer uma separação entre costumes e rituais canonicamente estabelecidos, o que, aliás, tem sido a tarefa constante da hierarquia eclesiástica50”. Estes grupos são uma evidência empírica da imitação, desse

instinto “animal” de fazer como os outros. O indivíduo se sente conduzido pelo ambiente das

massas e mesmo que tenha uma “vontade individual” é anulado por uma força exterior, e a

formação do ethos através desse ambiente passa incólume à vontade do indivíduo.

46

MAFFESOLI, Michel. Op. cit., Prefácio à segunda edição, p. 01.

47

Idem. Ibidem, p. 95.

48

MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 101.

49

SCHELER. Apud, MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 51.

50

(27)

Outro vinculo para a coletivização é a “ética da simpatia”, termo que

Maffesoli empresta de Scheler51 e o desenvolve. Que nesse caso não se trata essencialmente

de uma estrutura social, mas, de uma “teoria de identificação de simpatia”. Esta seria uma

forma matricial que privilegia a função emocional e os mecanismos de identificação e de

participação, ou seja, a socialidade. A teoria de Maffesoli aponta para um declínio da idade de

ouro de toda organização e teorização social. Para ele, o principium individuatinis foi superado e “é cada vez mais contestado no próprio mundo ocidental52”. É o individualismo

sendo suplantado pela necessidade de identificação com um grupo.

Não há uma proposta, tampouco intenção, em fazer-se aqui uma abordagem sistêmica sobre o tema individualismo, uma vez que se optou por afirmar que o individualismo foi superado, espera-se muito mais dizer, talvez o contrário dele do que a

respeito dele mesmo, ou seja, apontar para as configurações sociais que o ultrapassaram. Para

Maffesoli, “enquanto a lógica individualista se apóia numa identidade separada e fechada sobre si mesma, a pessoa (persona) só existe na relação com o outro53”, e segue:

Insistiram tanto na desumanização, no desencantamento do mundo

moderno, na solidão que este engendra, que não conseguem mais ver

as redes de solidariedade que nele se constituem54.

Uma característica pertencente a essa nova construção social é a capacidade

da fluidez dos grupos, ou seja, a capacidade de trânsito de indivíduos em diversos grupos,

trocando de papéis com muita rapidez, desta forma. O conceito de grupo vem exatamente sob

este aspecto. Diz Maffesoli: “o vaivém constante que se estabelece entre a massificação crescente e o desenvolvimento dos microgrupos que chamarei ‘tribos’55”. Diferentemente do que prevaleceu nos anos 70, onde a proposta era muito mais de agregar ao grupo, do que o ir e vir de um grupo a outro.

Esse modelo de organização de microgrupos com tanta fluidez é de

característica própria da pós-modernidade. A superação do racionalismo moderno pelas

51

MAFFESOLI, Michel. Op. cit., notas introdutórias.

52

MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 41.

53

Idem. Ibidem, p. 15.

54

Idem. Ibidem, p. 101.

55

(28)

experiências instáveis dos sentimentos. Estas “comunidades emocionais56 apontam para algumas características: o aspecto efêmero, a composição cambiante, a inscrição local, a

ausência de uma organização e a estrutura quotidiana. Segundo Maffesoli:

A Pós-modernidade tende a favorecer, nas megalópoles

contemporâneas, ao mesmo tempo o recolhimento no próprio grupo e um aprofundamento das relações no interior desses grupos57

.

Para Maffesoli, a arquitetura social desse grupo está radicalmente ligada à

des-afeição pelas grandes instituições sociais racionais e estão se reagrupando em

microtribos. Desta maneira, buscam novas formas de solidariedade que não são encontrados

obrigatoriamente nas grandes instituições sociais habituais, mas, a partir da emoção e de

afetos e não da razão. A idéia, segundo Maffesoli é que “a partilha do sentimento é o verdadeiro cimento societal”58. Diz ainda que a:

A estrutura de base é a tribo [...] e que são, efetivamente para um, e potencialmente para o outro, pólos de atração do imaginário coletivo, tanto do ponto de vista existencial, quanto econômico, cultural e cultual59.

Retomemos um pouco ao que foi abordado mui brevemente logo anteriormente sobre o vínculo ético e estético dessas comunidades. A exemplo da estética – o sentir em comum torna-se fator obrigatório do grupo e pode ser reforçada pelo ambiente

comum (os grupos se situam em seus contornos espaciais). A ética deve ser visto como o laço

coletivo, e resumidamente pode ser exemplificada pela partilha sentimental de valores, padrões de gostos, expressões da vida quotidiana, calor humano, no estar-junto comunitário60. Este é, portanto, o vínculo que Maffesoli propõe entre ética e estética. O indivíduo perde sua

força mas a recupera na coletividade do grupo.

É logo a seguir, depois desses dois valores mencionados que se encontra o

costume, que de acordo com Maffesoli “é seguramente uma boa maneira de caracterizar a

56

MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 17. Esse conceito de “comunidades emocionais”foi emprestado de Max Weber utilizado pela primeira vez em “Economia e Sociedade”, pp. 475-478.

57

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 126.

58

Idem. Ibidem, p. 64.

59

Idem. Ibidem, p. 41.

60

(29)

vida quotidiana dos grupos contemporâneos61. O costume é “o conjunto dos usos comuns que permitem a um conjunto social reconhecer-se como aquilo que é62”. Para tanto, o costume enquanto expressão coletiva ajuda a sedimentar o tribalismo.

Com bases empíricas, Maffesoli afirma que certos países – como o Japão e

Brasil63, por exemplo – gozam de certa vitalidade de atitudes grupais na vida da sociedade, pois, não fizeram do individualismo o fundamento de seu desenvolvimento. Esse aspecto do vitalismo/vitalidade merece uma atenção. A configuração e as estruturas sociais são diferentes

em diversas épocas, e tendem a se projetar nas representações sociais peculiares de cada

período histórico. No período moderno, as projeções sociais eram do tipo teórico (racional, da seriedade) a partir da observação. O deslocamento64 que Maffesoli propõe é que a nova

estruturação social deixa um pouco de lado essa projeção racional se projeta muito mais no

apenas querer estar junto onde a vida se faça mais presente. Ainda que essa expressão e

configuração do grupo sejam relativistas, é o que serve de suporte à vida quotidiana65.

A projeção social se representa para alguns grupos através de figuras

emblemáticas que eles elegem para si. Maffesoli propõe que a figura emblemática deste

período contemporâneo é Dionísio66. E isso ele afirma ao propor que:

Cada sociedade tem uma figura emblemática forte. Na modernidade é

Prometeu, o deus do trabalho, da razão, da seriedade. Mas há uma fadiga. Hoje assistimos ao retorno de uma outra figura emblemática: Dionísio, que representa a desordem, a festa. Vejo também o desenvolvimento do hedonismo na importância do corpo. É uma tendência mundial, mas o Brasil nesse aspecto é um modelo. No Brasil o corpo adquiriu um valor em si mesmo: há a cirurgia estética e toda uma série de fenômenos que mostra que o que constituía uma realidade incontornável, o trabalho, deixa lugar a um outro tipo de realidade muito mais festiva. Queremos permanecer jovens, falar como jovens, nos vestir como jovens, ter um corpo como o dos jovens67.

61

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 31.

62

Idem. Ibidem, p. 31.

63

Idem. Ibidem, p. 41.

64

MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 46ss. Maffesoli usa o termo potência e vitalismo para atribuir essa mobilidade ou deslocamento. Não julgamos necessário explorar esse termo em maior profundidade, mas, se o leitor preferir pode recorrer ao segundo capítulo desta obra de Maffesoli.

65

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 46.

66

Dioniso, (ou Dionísio) é o deus grego equivalente a Baco, no panteão romano, deus das festas, do vinho e do lazer. Filho de Zeus e da princesa Sêmele, é o único deus filho de uma mortal. Ao se tornar homem, Dionísio se apaixona pela cultura da uva e descobre a arte de extrair o suco da fruta. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dion%C3%ADsio>. Acessado em 27/04/2006.

67

(30)

A necessidade societal diminui as projeções na racionalidade, na escravidão

da preocupação com o trabalho. Suas projeções tornam-se muito maior nas questões da vida

quotidiana, na relativização do trabalho, nas fantasias lúdicas, no culto ao corpo, na

necessidade do prazer, na estética, no desejo de estar com os amigos, e até mesmo em não se

fazer nada. Maffesoli faz um jogo de palavras ao dizer que a figura emblemática é dionisiana,

e não dionisíaca, pois, a figura remete ao que se possa chamar a atitude espiritual ‘dionisiana’,

enquanto que, a perspectiva mais sensual remeteria ao ‘dionisíaco’68.

Partindo das considerações sobre o dionisiano, o lúdico, o espírito festivo, a

religiosidade é também um aspecto da socialidade caracterizado pela teatralidade. Há uma

interação orgânica entre a massa, os grupos, a sociedade e a natureza. Essa religiosidade é

agora muito mais táctil e menos racional e caminha sob a bandeira da desinstitucionalização,

da descristianização, e está saturada dos grandes sistemas e das demais macro-estruturas69. Isso não significa que seja o fim das instituições religiosas, tampouco o fim do cristianismo,

mas poder-se-ia afirmar haver um cristianismo nos dias atuais com tendência a organizar-se a partir das formas de simpatias afinitárias.

Para alguns teóricos, o aspecto social da religiosidade, embora proponham

algumas abordagens diferentes, geralmente tratam de um aspecto similar que é a lógica da

atração social70, mas, é a partir de um imaginário vivido em comum, a partir de algumas

imagens religiosas que se apreendem as formas de agregação social. Assim como o emblema

dionisiano foi figura de agrupamento no final do helenismo, há na sociedade contemporânea

“uma multiplicação dos reagrupamentos afetivo-religiosos71. Até mesmo a origem do

cristianismo no seu nascimento, surgiu como seita72, em pequenos grupos afetivo-religiosos. Para Maffesoli “o pequeno grupo [...] tende a restaurar, estruturalmente, a eficácia simbólica73”.

A religiosidade que coincide com movimentos religiosos emergentes revela tipificações de tribalismo, manifestando-se pelo estilo de vida, pela preferência quanto às

68

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 47.

69

Idem. Ibidem, pp. 109-110.

70

Idem. Ibidem, p. 115.

71

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 116.

72

Será abordado em tópico posterior na configuração e diferenciação da tipologia seita, tipologia igreja.

73

(31)

roupas, aos esportes, criando um conjunto comunitário74. São eleitos pontos de encontro para se designar um ponto de encontro comum. Muitas vezes, diversas microtribos dividem o mesmo espaço (extensão indefinida), mas, sistematizam um lugar (espaço ocupado, lugar-comum) próprio, mesmo inserido na massa. Essa heterogeneidade pode assegurar a solidez das tribos frente às massas inclusive na afirmação de sua religiosidade, embora pareça

contraditório.

Conquanto esse rigor aconteça, é possível perceber a possibilidade do

paradoxo presença e afastamento. É importante para as tribos permitirem esse vai-vem para assimilar absorção e afastamento para estabelecer difusão. Há uma dosagem da

particularidade a ser preservada, mas existe também a intencionalidade de divulgação

existência da tribo para outros grupos. A tribo não pode se fechar para não se esgotar em si mesma, mas também não pode abrir totalmente para não se tornar massa unificada. Assim,

afirma Maffesoli:

Dessa maneira, nas práticas populares (peregrinações, cultos dos santos), na expressão mística ou na satisfação lógica, a alteridade, o

estranho ou estrangeiro têm tido numerosos dispositivos de

conservação que permitiram resistir à simplificação e à redução unitária. O êxtase bem como a fusão das festas votivas permitem exprimir, ao mesmo tempo, o idêntico e o diferente. A “comunhão dos santos” que é uma das bases da prece monástica, e a efervescência popular remetem, de maneira eufemizada ou atualizada, a um estar-junto que é, por construção, diverso e polifônico75

.

Desta maneira, a construção dos aportes teórico-científicos, a aproximação

empírica e a observação in loco constroem fundamento suficiente para afirmar que o modelo neo-tribalista proposto por Maffesoli ilustra e corresponde ao objeto de estudo de caso, principalmente ao que diz respeito ao processo de aproximação solidária por afinidades, pela elaboração de suas relações emocionais quotidianas e a configuração de socialidade.

Sugerimos a seguinte citação para corroborar com a afirmação supra citada:

Uma das características da religião é promover a integração social. Rapazes e moças vão à Igreja ou ao templo e lá conhecem outros adolescentes que pensam como eles. Assim, formam grupos. Assistem aos cultos juntos, saem à noite, viajam. O lazer fica associado à religiosidade. "A maioria de meus amigos é daqui", diz a estudante

74

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 140.

75

(32)

paulista Ana Teresa Santos Cavalcante, de 17 anos, que freqüenta a

igreja evangélica Bola de Neve. "Gostamos das mesmas coisas, fazemos os mesmos passeios, por isso nos damos tão bem", afirma ela76. [grifo nosso]

O(s) modelo(s) religioso(s) que essas novas tribos têm adotado podem estar,

hipoteticamente, muito próximas ou até mesmo relacionadas ao surgimento dos Novos Movimentos Religiosos. Existem elementos teóricos que atribuem pressupõem o

desenvolvimento da sociedade colaborando para a dinâmica do desenvolvimento das religiões. A plausibilidade dessa hipótese poderá ser constatada a partir da construção teórico -científica a seguir.

1.2 Novos Movimentos Religiosos – conceitos teórico-científicos

Assim como em outros períodos anteriores77, a partir da década de 80 do século XX novas expressões de religiosidade foram se configurando no campo religioso

brasileiro. É inegável que está havendo uma mudança demográfica no panorama religioso. Os

números que durante muitos anos ficaram sob mesma leitura hoje se apresentam trazendo certa novidade. Novas expressões de religiosidade vão se configurando e disputam seu

percentual nas pesquisas e estatísticas. Para alguns pesquisadores estes novos grupos podem

ser chamados de Novos Movimentos Religiosos ou Movimentos Religiosos Emergentes.

É uma tarefa desafiadora falar de NMRs conquanto suas construções

teórico-científicas não estejam ainda bem cristalizada nos redutos acadêmicos. Mesmo

porque, segundo Stefano Martelli, “falar destes novos movimentos religiosos pode parecer redundante, desde que se considere que toda Religião nunca é algo estático78”. Para Silas Guerriero, até mesmo o termo NMRs “trata-se de um conceito difuso e muitas vezes elástico79”, mas uma afirmação é certa, “não há dúvidas de que não estamos falando das

76

Revista VEJA. Jovens – Edição Especial: Religião. Garotos de fé: os jovens estão mais místicos mas definem

bem sua religiosidade com liberdade e sincretismo. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2003/p_028.html>. (Acessado em 10/04/2006).

77

Adiante serão mencionados alguns movimentos religiosos no cenário religiosos brasileiro que antecederam historicamente o fenômeno proposto para o estudo. A rigor, estes movimentos religiosos serão apenas mencionados para conhecimento histórico, mesmo porque, não cabe nesta pesquisa descrever cada um deles.

78

MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 339.

79

(33)

religiões mais tradicionais e fortemente enraizadas no seio da sociedade80. José Moraleda

advertiu ao aproximar-se desse tema, dada a tamanha dificuldade que ele apresenta na sua tipificação:

O caráter mutável, contraditório e extremamente plural dos NMR, que se une ao segredismo e à inconsistência doutrinal de muitos desses

grupos, impede de apresentar rigorosamente suas crenças e

instituições básicas, bem como estabelecer generalizações válidas para todos os movimentos81.

Sobre o conceito dos novos movimentos religiosos James Beckford afirma:

O conceito de novas religiões, NMR, ou mesmo cultos, tem sido utilizado de maneiras muito diversas, embora sua aplicação não seja arbitrária. É condicionada às considerações históricas e teológicas. Mesmo quando parecem-se adaptações de tradições muito antigas

(como budismo, hinduísmo etc.) a definição de NMR é muito vaga e

serve como um grande guarda-chuva que acolhe a diversidade de fenômenos que se distanciam das grandes religiões mundiais82

.

Silas Guerriero afirma que olhar para esse fenômeno como um todo, ou algo

harmonioso pode ser prejudicial83, pois, esse fenômeno não o é. Muito embora, seja

necessário olhar para o fenômeno de novos movimentos religiosos como um tema geral. A

grande dificuldade de abordagem desses conceitos se torna ainda mais difíceis no Brasil, pois,

“não há tradição nessa terminologia84”. Por isso, é válido incluir nos modelos de discussão

científica “todas as religiões que surgiram recentemente e que não fazem parte das antigas tradições. Afinal, são as novas85”.

Não obstante esse tema seja tão significativo nas ciências da religião –

compreendendo um campo tão variado – torna-se quase impossível, hoje, segundo Guerriero,

estabelecer uma definição precisa86, ou trazer um conceito definitivo sobre os NMRs. Talvez seja mais propício para esta pesquisa suscitar alguns delineamentos sobre esse fenômeno. De

acordo com algumas teorias as religiões têm um caráter dinâmico de leitura dos fatos sociais e

são evoluídas à medida da caracterização da situação vivencial da sociedade.

80

GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 161.

81

MORALEDA, José. As Seitas Hoje – Novos Movimentos Religiosos, p. 08.

82

BECKFORD. Apud. GUERRIERO, Silas. A visibilidade das novas religiões no Brasil, p. 164.

83

GUERRIERO, Silas. Op. cit., pp. 158-159.

84

Idem. Ibidem, p. 159.

85

Idem. Ibidem, p. 159.

86

(34)

Estes aspectos evolutivos das religiões podem ser lidos a partir da teoria de Émile Durkheim87. É a partir da teoria durkheimiana que Francis Westley afirma que as bases

da religião são sempre similares, mas, de acordo com o desenvolvimento da cultura e das sociedades as religiões vão se tornando mais complexas, o que não haveria problema algum

em propor uma relação entre religião e ordem social88. A correspondência entre estruturas

sociais e organizações religiosas estão manifestas principalmente nas crenças e rituais. Michel

Maffesoli se apropria da escola de Durkheim onde sempre privilegia a sacralização das

relações sociais89. Maffesoli afirma sobre as relações entre sagrado e sociedade:

Considero todo conjunto dado, desde o microgrupo até a estruturação estatal, como uma expressão do divino social, de uma transcendência específica, ainda que imanente. [...] o sagrado é misterioso, assustador, inquietante, e que é preciso cativá-lo para negociar com ele90.

O que é sagrado para um grupo social é o que ele elege como sagrado a

partir de elementos religiosos, mas, que por sua vez podem ser representados nas relações

sociais. O divino social – termo emprestado de Durkheim – em Maffesoli tem conotação de

força agregadora que está na base de qualquer sociedade ou associação e o termo religião empregado designa aquilo que une uma comunidade91. Este divino permite re-criar os espaços

de socialidade nas grandes metrópoles e até megalópoles, permitindo a criação das “aldeias na

cidade”, onde “o santo patrono venerado e celebrado, será substituído pelo guru, pela celebridade local, pela equipe de futebol ou pela seita de modestas dimensões92”.

A representação dos elementos religiosos deve ser vista de duas maneiras:

“em primeiro lugar a religião é representação simbólica e metafórica do indivíduo e suas relações com a sociedade e seus sentimentos com a vida coletiva; em segundo lugar a religião tem função cognitiva e interpretativa e a partir da imagem social a religião vem a ser consciência coletiva93”. No caso da teoria de Durkheim, uma outra hipótese é que a

87

DURKHEIM, Émille. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulus, 1989.

88

WESTLEY, Francis. The Complex Forms of the Religious Life – A Durkheimian View of New Religious Movements, p. 01. (Trad. livre do autor).

89

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 32.

90

MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 32.

91

Idem. Ibidem, p. 56.

92

Idem. Ibidem, p. 62.

93

(35)

religião incide no comportamento humano, com suas prescrições e proscrições mantendo

assim a regulação da ordem social94.

Alguns críticos da teoria de Durkheim apontam um equívoco nesta teoria. Afirmam que sua teoria fica restrita ao período de sua análise etnográfica, e que não se

aplicaria à cultura moderna, por exemplo, principalmente à era pós-industrial e tecnológica.

Entretanto Durkheim – sendo um teórico evolucionista – tem como defesa a afirmação de que

“à mesma medida em que as organizações sociais evoluem, as religiões com seus ritos e crenças também o fazem95”. O único aspecto imutável da religião, segundo Durkheim, é a

habilidade da religião prover motivações que geralmente são alimentadas a partir dos ritos religiosos.

Bem parece que Durkheim faz algumas “predições” quanto ao futuro da

religião. Mesmo em uma sociedade altamente tecnológica baseada no utilitarismo

individualista e a crescente diversificação cultural a religião teria sua visibilidade. Esta seria, por sua vez, o que Durkheim chamou de “culto do homem96”. Um culto no qual o indivíduo,

idealizado, seria adorado e sacralizado e que também suas relações sociais seriam

dramatizadas em elevado nível. Durkheim não especifica bem o ritual desse culto, mas afirma que o mesmo cumpriria função de celebrar o individualismo, restringir e controlar o

indivíduo97.

Entretanto, se o avanço da liberdade de individualismo prevalecesse, como

se dariam as relações de controle e poder? Como seria a manutenção da ordem dos líderes

religiosos? Quem seria o paradigma de líder? E quem o seguiria nestas circunstâncias? Se

com o “culto do homem” todo homem tivesse igual acesso ao sagrado seria problemático

estabelecer autoridade e submissão. Talvez não se tenham todas essas respostas, muito

embora, algumas podem ser correlacionadas com o surgimento dos novos modelos de socialização. A seleção dos líderes seria determinada a partir da competência ou

incompetência nos rituais desses novos cultos. As pessoas o seguiriam porque ainda assim sentiriam a necessidade de dramatizar suas crenças para serem alimentadas e motivadas a

viver suas realidades sociais quotidianas.

94

WESTLEY, Francis. Op. cit., p. 04. (Trad. livre do autor).

95

DURKHEIM. Apud, WESTLEY, Francis. Op. cit., p. 04. (Trad. livre do autor).

96

DURKHEIM. Apud, WESTLEY, Francis. Op. cit., pp. 5-8. (Trad. livre do autor).

97

Imagem

Figura 01  –  Quadro sinótico da tipologia dos movimentos religiosos brasileiro
Figura 02  –  Fachada da Igreja Bola de Neve Church
Figura 03  –  Panfleto divulgação do Campeonato de Skate da Igreja Bola de Neve  Church
Figura 04  –  Panfleto de divulgação de Evento Musical da Igreja Bola de Neve Church
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Referências

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