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Construções do pensamento

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Construções do pensamento

Construções do pensamento

feminista latino

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feminista latino-americano

-americano

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Resumo Resumo Resumo Resumo

Resumo: Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir da América Latina requer que se exponha uma série de discussões que envolvem tanto considerações pós-colonialistas como pós-estruturalistas. Destarte, este artigo procura mirar-se sobre a teorização produzida a partir do “Terceiro Mundo”, de um país (ou um conjunto de países) do Sul global, o que abriria potencial espaço para a interlocução com a produção no campo mainstream do conhecimento político, como também com as várias perspectivas inclusas no que se pode designar como uma “teoria política feminista” ocidental.

P P P P

Palavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: teoria política feminista; América Latina; perspectiva; Terceiro Mundo.alavras-chave

Copyright  2013 by Revista Estudos Feministas.

1 MMM, 2009.

2 As primeiras experiências de

transnacionalização do feminismo ocorreram junto à realização das conferências internacionais sobre as mulheres, sediadas na Cidade do México (1975), Copenhagen (1980), Nairóbi (1985) e Pequim (1995), e outras conferências importantes como a do Rio de Janeiro (1992), Viena (1993) e Cairo (1994), onde foram contem-pladas discussões e debates, como também a formação de alianças, entre diversos atores – organizações internacionais, atores governamentais e não governamentais e entidades da sociedade civil –, para a definição e implementação de uma plata-forma de ações indispensáveis para o avanço, empoderamento e efetivação de direitos para as mulheres no mundo. Sonia ALVAREZ, 2003, também chama a atenção para a importância de

Breno Cypriano

Universidade Federal de Minas Gerais

“Contra a política neoliberal, são as mulheres da Marcha Mundial” – esse foi um dos lemas do bloco das feministas, que com o seu batuque animou a caminhada pelas ruas do centro de Porto Alegre na passeata de abertura do Fórum Social Mundial, em 2005. Mulheres de diferentes classes, cores, raças, etnias, orientações sexuais, faixas etárias e nacionalidades compuseram esse bloco, demonstrando a ampla variedade de articulações, sejam elas locais, nacionais e/ou internacionais, como ainda a prática e execução das reais possibilidades para a formatação de redes feministas. O exemplo aqui evocado, da Marcha Mundial de Mulheres, esclarece como se pleiteia a legitimidade organizacional de mulheres que se alinham a uma agenda radical anticapitalista e antipatriarcal, fazendo com que uma rede de seis mil grupos de 159 países e territórios faça parte de um movimento global.1 A partir de

tal evento é possível estabelecer certos padrões do que hoje é conhecido como feminismo transnacional:2 um

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contra o neoliberalismo e pela busca por justiça social. Porém, alguns desacordos relativos ao possível reducionismo econômico da luta contra a globalização – pensada quase exclusivamente por sua estrutura opressiva econômica capitalista – permearam essas articulações políticas, criando novas demandas por questões relativas ao reconhecimento de diferenças nesses espaços.4

A partir dessas novas experiências do ativismo político e social do feminismo discutir-se-á como o redimensio-namento da política nos planos nacional e internacional se refletiu na academia latino-americana, gerando preocu-pações sobre as novas (ou as fragmentadas) fronteiras geográficas que foram refletidas nas atividades de teorização. Deverá ser enfatizado, na discussão que se segue, como os propósitos políticos se sobressaíram num cenário político global permeado por desigualdades, implicando uma busca por teorias da justiça social que deem conta de responder às questões que incitam a discussão sobre estas mesmas desigualdades, sejam elas locais, regionais ou globais. Na América Latina, foi em meio a condições de profunda subordinação patriarcal que o feminismo latino-americano, mesmo que restrito no seu começo, eclodiu através de movimentos de reivindicação e conscientização feminina, seja na forma dos partidos, nas organizações políticas, em periódicos, nos centros de estudo e nas organizações não-governamentais, tentando superar e questionar a condição política, cultural, religiosa e econômica vigente, já que a América Latina seria, segundo Sonia Alvarez, “[...] uma região onde o machismo é sancionado pelo Estado e santificado pela Igreja Católica”.5

Desse modo, a movimentação política em torno dos ideais feministas e de gênero possibilitaram a luta por justiça social, como é apresentado por Ana Sampaolesi:

Reivindicar a hierarquia da luta por justiça de gênero implica para o feminismo um desafio, por sua vez, político e teórico. Levaria a nos colocar deliberada-mente no campo do político como sujeitos portadores de sentido e criadores de novos significados à concepção geral da justiça social. Ele constitui em si mesmo uma possibilidade a mais de gravitar naqueles aspectos relacionados com os valores, as imagens e crenças que são geradas e consolidadas dentro de uma comunidade.6

Assim, este artigo7 procura emaranhar essas diretivas

num projeto crítico que vislumbraria a efetiva consolidação acadêmica e a centralidade teórica que se considera ser devida à perspectiva latino-americana e feminista. Para tanto, caberia elencar, desde já, uma série de perguntas: o que poderia significar um projeto latino-americano de teoria

encontros regionais na formação de redes de militância ocorridos nas décadas de 80 e 90. Neuma AGUIAR,2009, aponta que as prá-ticas e discursos antes desses eventos eram exclusivamente locais e que, a partir daí, possibili-tou-se o acesso e troca de expe-riências entre diferentes culturas, através especialmente da confor-mação de redes e de ONGs.

3 “Altermundialista” refere-se ao

principal lema dos Fóruns Sociais Mundiais: “Um outro mundo é possível”.

4 Virginia VARGAS, 2003.

5 ALVAREZ, 1990, p. 5, tradução

nossa.

6 SAMPAOLESI, 1992, p. 14,

tradução nossa.

7 Agradeço a valorosa orientação

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política? A partir do lugar do subalterno – do latino, da mulher, do indígena, do negro, dos cidadãos e cidadãs do considerado “Terceiro Mundo”8 etc. –, o que significaria a

construção de um modelo teórico universal? Quais são as contribuições da “teoria política feminista” ocidental para a reflexão sobre a América Latina? O que é o feminismo e a justiça social a partir desse projeto? Ainda não é possível saber se todas essas perguntas poderão ser respondidas, porém, sabe-se que os acadêmicos e teóricos latino-americanos confrontam-se com uma posição aparentemente paradoxal e rica, já que lhes cabe produzir um saber que esteja localizado entre o local e o global, entre o particular e o universal, e a forma como estes se entrelaçam seria uma grande contribuição para o campo do conhecimento político.9

Segundo Cicero Araujo e Javier Amadeo,10 houve um

considerável aumento do diálogo entre os latino-americanos e a produção acadêmica “ocidental”, provocado pelo incremento nas “interações além-fronteira”. Porém, como os autores chamam a atenção, “[...] a manutenção de um diálogo rico e frutífero depende da interlocução de locutores dispostos a debater, sem contudo abrir mão de suas experiências”. Por isso, o papel dos teóricos e teóricas latino-americanos seria relativamente instigante: pela necessidade de se teorizar, isto é, descrever, criticar e prescrever sobre a situação e a conjuntura política, eles aprenderam com as teorias universais, mas também passaram a criticá-las e desde então começaram a produzir respostas às suas próprias inquietações.11 Somando-se a essas considerações,

o ideal feminista no campo do conhecimento pode ser alcançado a partir da atividade de “[...] falar de nós [que] permite apelar a uma idealização mínima para mobilizar as subjetividades individuais em prol de um projeto político antipatriarcal, anticapitalista, um projeto feminista olhando para o sul a partir do sul”.12

Ainda, pretende-se apresentar um breve mapeamento das discussões centrais e disputadas na teoria política feminista contemporânea, para deter-se numa abordagem aprofundada sobre o período atual, referente à consolidação de um momento em que há a confluência da terceira e quarta ondas, como também da constituição de um terceiro e novo modelo teórico-analítico. De antemão, é crucial apontar a centralidade da noção de gênero, como um conceito mais amplo, que reporia toda a discussão feminista atual e expandiria as fronteiras da categoria “sexo”. Por isso, cabe ressaltar a importância da proposta que pretende lançar mão do conceito de campo de gênero e de um modelo teórico que seja desta vez crítico-emancipatório.13 Partindo do

modelo tridimensional de Nancy Fraser, as discussões que se

11 ARAUJO e AMADEO, 2009, p.

12.

8 Chandra MOHANTY, 1984.

9 Cicero ARAUJO e Javier

AMADEO, 2009, p. 11.

10 ARAUJO e AMADEO, 2009.

12 Alejandra CIRIZA, 2009, p. 244.

13 Marlise MATOS, 2008, 2009a,

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dão em torno da justiça social problematizarão os dimensio-namentos das justiças mas, para além de Fraser, problema-tizar-se-á a contextualização da autora sobre o feminismo diante do processo de globalização, pois, ao enfatizar o aspecto recente transnacional do movimento feminista, ela recorre simplesmente ao exemplo da Europa ocidental como sendo um caso bem-sucedido.14 A autora cairia no mesmo

erro de Habermas e Derrida15 ao situar esse movimento quase

exclusivamente na Europa, já que, segundo Iris Young, “[...] pode ser argumentado que movimentos no sul global teriam liderado a criação de uma esfera pública global”.16 E, como

será demonstrado, os movimentos feministas latino-americanos têm tido um papel protagonista na tessitura e no emaranha-mento dessas redes internacionais.

Ainda, para além de Fraser, retomando as críticas de Janet Conway e Jakeet Singh17 ao modelo teórico da autora,

“[a] ‘história’ em que Fraser situa sua teoria crítica [é] uma história singular e universal do capitalismo, da modernização e do gradual cumprimento do Liberalismo. [E por causa disto] sua teoria crítica se torna uma teoria universal da democra-cia e da justiça sodemocra-cial”.18 De fato, ao problematizar o

feminis-mo contemporâneo, Fraser19 acaba delimitando-o ao

femi-nismo “universal”, “ocidental”, que é o femifemi-nismo norte-americano e europeu, o que não contribui tanto para uma reflexão latino-americana, nem para uma teoria realmente com alcances universais.

Antes, deve-se resgatar a inspiração de Gloria Anzaldúa20 para o feminismo do Sul, o feminismo

latino-americano, na sua condição de dubiedade, de suas inconsequências, buscas, desconstruções e questionamentos ao mainstream do Norte global, ao malestream da teoria vigente, americanismo, branqueamento, ocidentalismo e imperialismo dos feminismos norte-americano e europeu, que revolucionou na década de 80 os estudos feministas e de gênero, tanto na literatura, como na concepção estruturalista/ fronteiriça (na geografia territorial e a dos corpos):

Deslenguadas. Somos los del español deficiente. We are your linguistic nightmare, your linguistic aberration, your linguistic mestisaje, the subject of your burla. Because we speak with tongues of fire we are culturally crucified. Racially, culturally and linguinguistically somos huérfanos – we speak an orphan tongue [...] I will have my serpent’s tongue – my woman’s voice, my sexual voice, my poet’s voice. I will overcome the tradition of silence.21

20 ANZALDÚA, 1987. 17 CONWAY e SINGH, 2009. 14 FRASER, 2009a[2009]. 15 HABERMAS e DERRIDA, 2003.

16 YOUNG, 2007, p. 2, tradução

nossa.

18 CONWAY e SINGH, 2009, p. 79,

tradução nossa.

19 FRASER, 2009a[2009].

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Um projeto crítico feminista a partir do

Um projeto crítico feminista a partir do

Um projeto crítico feminista a partir do

Um projeto crítico feminista a partir do

Um projeto crítico feminista a partir do

Sul

Sul

Sul

Sul

Sul

Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir da América Latina requer que se exponha uma série de discussões que envolvem tanto considerações pós-colonialistas como pós-estruturalistas. Destarte, mirar-se sobre a teorização produzida a partir do “Terceiro Mundo”, de um país (ou um conjunto de países) do Sul global, abriria potencial espaço para a interlocução com a produção no campo mainstream do conhecimento político, como também com as várias perspectivas inclusas no que se pode designar como uma “teoria política feminista” ocidental. Porém, como nos diz Jane Jaquette, a visão do Sul, em especial da América Latina, é marginalizada:

As feministas norte-americanas estão cada vez mais conscientes do trabalho das feministas canadenses e europeias, especialmente escritoras francesas e britânicas, mas elas ainda tendem a ver as mulheres do Terceiro Mundo como vítimas da opressão e não como criadoras da teoria feminista ou como agentes de mudança.22

Com isso, Cláudia Lima Costa,23 ao expor

questiona-mentos acerca das rotas pelas quais conceitos e teorias do feminismo viajam nas Américas, bem como das formas como estes são traduzidos nesses contextos geográficos e históricos, explora o conceito de “tradução cultural”, oriundo dos estudos pós-coloniais e da antropologia para se referir a um processo pelo qual estaria fortemente imbricada uma profunda assimetria de poder entre povos, culturas e linguagens. Desse modo, denunciam-se, por exemplo, as trocas desiguais entre as periferias e centros metropolitanos, já que aos centros caberia a produção teórica e à periferia a atividade restrita de estudos de caso.24 Além disso, percebe-se que, cada vez

mais, o “tráfego internacional de conceitos” tem enfraquecido substancialmente as relações entre as teorias e os lugares, bem como subvertido a autenticidade e a ordem, já que em consequência dos processos de transnacionalização e transmigração, segundo Cláudia Costa, haveria risco elevado de despolitização dessas teorias e conceitos:

Devido à intensa transmigração dos conceitos e valores nas viagens dos textos e das teorias, frequentemente um conceito com um potencial de ruptura politica e epistemológica e num determinado contexto, quando transladado a outro, despolitiza-se.25

O que se quer aqui é emitir um primeiro sinal de alerta: este trabalho de análise e de “tradução” no campo relativo ao conhecimento político é quasi-antropológico, pois retrata

22 JAQUETTE, 1989, p. 1, tradução

nossa.

23 COSTA, 2000.

24 Segundo Gildo Marçal

BRANDÃO, 2004[1998], Gabriel Cohn, em intervenção no Encontro da ANPOCS, teria apontando para uma situação semelhante no caso das ciências sociais brasileiras: o teorizar caberia aos norte-americanos e europeus e o trabalho empírico ao resto do mundo, como o Brasil, neste acaso.

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a necessidade de se problematizar teoricamente primeiro o

devir do produtor do conhecimento para depois o dever ser

e o vir a ser das reflexões normativas no campo do conhecimento. Para se evitar as reposições das próprias estruturas de desigualdade, desta feita no âmbito da academia, como uma analogia à distinção freyriana entre a Casa Grande e a Senzala a partir de um renovado fluxo transnacional, é necessário rediscutir as novas cartografias, bem como os redimensionamentos econômicos, políticos, culturais, libidinais, geográficos etc. Para se evitar que a teoria seja somente um signo do Ocidente26 e, dessa forma,

reestabelecendo aqui o vínculo do Ocidente como o opressor colonial, torna-se necessário e urgente que se problematize o posicionamento imperialista nas teorias feministas e no campo do conhecimento político e, para isso, faz-se necessário explorar formas e mecanismos que possibilitem o “conhecimento situado”,27 a “possibilidade

de um subalterno falar”,28 as “políticas de interpretação”29 e

a própria ênfase na “experiência”,30 ainda que nem todas

as teóricas feministas aqui apresentadas e que tratem dessa discussão tenham origem nos países do Sul.

Em primeiro lugar destaca-se que, invariavelmente, colonização é um conceito que tem sido utilizado para referir-se a uma dominação estrutural que, reconhece-se, suprimiria a heterogeneidade dos sujeitos em questão. Segundo Mohanty,31 haveria três variações relevantes deste

conceito: i) a marxista, que denuncia a exploração econômica; ii) a discussão realizada pelas feministas negras, que denunciam a forma pela qual suas experiências e lutas foram apropriadas pelos movimentos de mulheres brancas; e iii) as reivindicações do “Terceiro Mundo”, que buscam caracterizar e questionar o que é evidenciado na produção de um discurso cultural ocidental e colonialista sobre o que é chamado “Terceiro Mundo”: principalmente, as hierarquias políticas e econômicas.

Diante disso, o foco da análise de Chandra Mohanty é o que ficou conhecido e delimitado “sob os olhos do Ocidente” como uma específica interpretação do que seja a “mulher do Terceiro Mundo”, especialmente na produção ocidental – norte-americana e europeia – feminista. Assim, procurou-se evidenciar quais seriam os tipos de apropriação e de codificação do conhecimento sobre a “mulher do Terceiro Mundo” produzidas e articuladas pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental. Em sua análise, então, Mohanty expõe a diferenciação entre os conceitos “mulher” e “mulheres”: o primeiro relativo ao “outro” ideológico e cultural, que seria construído discursivamente, enquanto o segundo conceito referir-se-ia aos sujeitos reais. A partir disso, argumenta a autora, uma análise pós-colonial feminista deveria denunciar

31 MOHANTY, 1984.

26 MOHANTY, 1984, 2003; Homi

BHABHA, 1994.

27 Donna HARAWAY, 2008[1988]. 28 Gayatri SPIVAK, 1985, 1994[1989],

2006[1987].

29 Adrienne RICH, 1986; MOHANTY,

1998[1992].

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e desconstruir o que foi constituído a partir da noção de “mulher do Terceiro Mundo”, já que as feministas ocidentais – denuncia e critica a autora –, arbitrariamente, as “colonizaram”, negando-lhes a efetiva heterogeneidade e materialidade, bem como, erroneamente, assumiram através das agendas do movimento um discurso universalista que supostamente incluiria “todas as mulheres”. Esse tipo de procedimento, recorrente no feminismo acadêmico ocidental, homogeneíza e sistematiza/banaliza também a opressão das mulheres.

É certo que em todos os conhecimentos e em suas expressões científicas nenhuma perspectiva de dentro é privilegiada, já que, de acordo com Haraway,32 haveria na

dinâmica “dentro e fora de fronteiras” do conhecimento teorizações feitas de acordo com os respectivos fluxos de poder. Isso quer dizer que, no “jogo do conhecimento”, a poderosa arte da retórica é imprescindível para uma disputa, já que “[...] todo conhecimento é uma conexão condensada em um campo de poder agonístico [...]”.33 Logo,

a partir dessas perspectivas, os conhecimentos “situados” e “corporificados” deveriam ser retratados diante das diversas formas de conhecimento não situados e, consequentemente, irresponsáveis.

Contra essas formas claras de colonização e de produção de um tipo de conhecimento irresponsável, Gayatri Spivak nos apresenta outra estratégia:

[...] falar “de dentro” das narrativas emancipatórias dominantes, mesmo quando se distanciar destas. Ela deve se negar resolutamente a oferecer fantasmáticas contranarrativas nativistas hegemônicas, que implicitamente respeitam o regulamento histórico de quem tem “permissão para narrar”.34

Como, para a autora, a relação entre teoria e represen-tação é sempre conturbada, constata-se que nenhuma teoria realmente representa, já que ela não poderia falar pelos grupos subalternos.35 A saída para os grupos oprimidos e

subalternos seria, então, conquistar o poder cultural ou étnico por meio da reivindicação do conhecimento, incidindo em críticas à cultura política dominante e buscando refazer completamente as relações de poder – e não repô-las ao conquistar poder. A “possibilidade de um subalterno falar” se referiria à possibilidade dada a uma complexa situação política e estratégica numa dada sociedade.

Se falar a partir de uma posição ou perspectiva é uma situação política e estratégica, então, deve-se somar ainda a ideia de “política da localização” proposta por Adrienne Rich,36 que ressalta o aspecto da localização da

autora/autor, da sua participação em algum mainstream,

32 HARAWAY, 2008[1988].

33 HARAWAY, 2008[1988], p. 346,

tradução nossa.

34 SPIVAK, 1994[1989], p. 198.

35 SPIVAK, 2006[1987].

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localizando-se no ato de teorizar, identificando quais seriam os seus próprios pontos de partida no “aqui” e no “agora”. De forma muito similar, Mohanty37 se propõe a problematizar

a “política da experiência”, já que, segundo ela, os textos feministas devem ter e valorizar a autoconsciência da sua própria produção em relação às noções de “experiência” e “diferença”. A experiência, entendida como uma noção que pode rearticular a prática política e de conhecimento feminista na produção de diferentes referências e significados, define-se como um método “[...] que deve ser historicamente interpretado e teorizado se é para se tornar a base para a solidariedade e luta feminista e seria, neste momento, que uma compreensão da política da localização prova ser crucial”.38

A partir da “multiplicação dos sujeitos do conheci-mento”, a ortodoxia do saber passou a ser confrontada pela legitimação e autorização da experiência – principalmente a experiência direta dos “Outros”. De tal forma, Joan Scott39

informa como a evidência da experiência torna-se central para a construção de uma noção de múltiplos sujeitos, pois, desestabilizando as premissas ideológicas e as categorias de representação, perceber-se-ia a existência do “outro”, possibilitando a discussão acerca de sua construção. Seria importante notar que os indivíduos não têm experiência; quem a têm são os sujeitos que são construídos por e através delas. Logo, a evidência da experiência possibilitaria explicar a própria produção do conhecimento através da prática de interpretação. No caso da América Latina, seria crucial lançar mão da evidência e interpretação da experiência para incluir numa análise uma série de eventos e situações vivenciados pelos seus cidadãos e cidadãs,:

Na América Latina deveríamos agregar ditaduras, desaparecidos, paramilitares, guerrilhas, genocídios, fome, desemprego, desesperança. E as mulheres deveriam agregar ainda a feminização da pobreza, violência, abortos clandestinos, violações, prostituição e assassinatos impunes.40

As perspectivas e as condições da subalternidade latino-americana, através da busca por teorizar a “experiência”, o “conhecimento situado” e a “localização”, como também ao questionarem estruturas e conceitos previamente e “racionalmente” definidos por um projeto moderno ocidental, no entendimento e interpretação aqui defendidos, buscariam se articular hoje como projetos epistemológicos alternativos, repensando (e negando algumas vezes) o diálogo com o Norte global e recuperando ou criando novos e outros diálogos a partir do Sul global. A proposta de uma “epistemologia do Sul” feita por Boaventura

40 Diana MAFFIA, 2004, p. 173,

tradução nossa.

37 MOHANTY, 1998[1992].

38 MOHANTY, 1998[1992], p. 269,

tradução nossa.

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de Souza Santos41 procura repensar o conhecimento

produzi-do pelo Norte e traduziproduzi-do pelo Sul através da “experiência do contato” – que é uma experiência de limites e fronteiras. Então, rever a tradução e a “representação” do Norte signifi-caria produzir conhecimentos próprios e diferentes daqueles que foram fornecidos pelo mainstream ocidental, moderno, cartesiano etc.

Enfim, resgatando todos os possíveis instrumentais epistêmicos supracitados, poder-se-ia dizer que o papel ativo do feminismo na construção de espaços de interlocução acadêmica acabou por instituir um novo campo do conhecimento, enraizado na experiência latino-americana, no Brasil principalmente, que tem como carro-chefe o próprio pensamento feminista: o campo de gênero.42 Ao discutir esse

conceito e a dinâmica desse campo, Marlise Matos coloca que,

Numa proposta de conhecimento, de ciência em que o que se valoriza é o modo de pensar e as suas consequências e não a descrição do mundo, que não vê o conhecimento como uma representação neutra do mundo ontológico externo, é que poderia estar inserida a proposta de ação de um novo campo de gênero e feminista. Ou seja: sabendo e reconhecendo que o conhecimento (científico) é capaz de intervir e agir sobre o mundo, que ele possui consequências sobre o mundo, que ele é ação sobre o mundo, é que proponho a sustentação teórica, epistemológica e política do campo de gênero e feminista como sendo da ordem de um universal histórico e contingente que opera dinâmica e paradoxalmente na busca constante e responsável de um devir gênero que porsua vez se desdobra na afirmação radicalizada de um devir ciência.43

Procura-se, portanto, chamar a atenção para a atividade de teorização que se atrelaria à produção de um conhecimento propriamente latino-americano. O papel do feminismo aqui é protagonista na medida em que se vislumbra a necessidade de reposição de cânones e tradições ocidentais. Segundo a mesma autora,44 esse papel

dar-se-ia através de uma “epistemologia da transgressão emancipatória”, pois, “[...] ainda que sem um ponto de chegada definitivo, ressalto a necessidade do mesmo ponto de partida: a clarificação normativa e crítico-reflexiva em relação aos próprios pressupostos históricos, aqueles da cultura da qual se fala, da qual se enuncia e se interpela”.45

Por sua vez, as metas e objetivos desse projeto seriam cumpridos através da seguinte dinâmica exposta pela autora:

41 SANTOS, 2008.

42 MATOS, 2008.

43 MATOS, 2008, p. 352, itálicos

da autora.

44 MATOS, 2010.

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Assim todas as regras passam a estar constantemente em estado de suspeição e questionamento com vistas à produção da justiça e da emancipação sociais, já que neste mundo interconectado globalmente, visceralmente habitado por multiculturas que já perderam em definitivo a condição de inocência antevista na possibilidade de isolamento, tudo aquilo que concernir ao conhecimento e ao direito, por exemplo, das mulheres e dos gêneros, estará permanentemente aberto ao debate público e internacional (e, desta forma, contra todos os pressupostos e justificações fundamentalistas, sejam estes de quais estatutos forem).46

A partir disso, pensar do ponto de vista e da perspec-tiva da América Latina em um projeto teórico político feminista e de gênero conforma-se com a necessidade de se formatar uma outra “teoria política feminista” (que ainda permanece entre aspas), visto que a experiência vivida pelo movimento feminista latino-americano reflete-se em um processo complexo de interseções que se deu a partir de um conjunto diferenciado de opressões, pois combina o colonialismo francês, espanhol e português, com os governos ditatoriais e populistas, com dinâmicas específicas da globalização econômica, cultural e política. A América Latina seria um dos lugares de nosso planeta, bem como a Ásia e a África, onde as desigualdades se manifestam de modo muito acirrado e específico, por isso a indiscutível necessidade de novas teorias e enquadramentos que falem, a partir de uma dimensão totalmente localizada, da justiça social – uma importante demanda coletiva.47 Dessa forma,

problematizar “o” político e “a” política a partir deste continente pode ser retraçado a partir da própria experiência dos movimentos feministas e de mulheres, quando estes travam seus frequentes embates contra o Estado e também quando começam a lutar e disputar pela presença na esfera política, pois este foi um lugar onde as mulheres estavam forjadas na militância

[...] de movimentos clandestinos, torturadas sexualmente nas prisões da ditadura; na luta pela anistia; nos movimentos contra a violência do estado contra o corpo da mulher, principalmente da mulher pobre esterilizada pela democracia; contra a pobreza; a favor da mulher sem terra.48

De acordo com Jane Jaquette,

Essas experiências ofereceram à teoria feminista latino-americana um ponto de vantagem único para se analisar os limites entre público e privado, para debater como os grupos de mulheres podem “fazer política” no intuito de provocar uma mudança social no

46 MATOS, 2010, p. 10.

47 Donna Maureen CHOVANEC,

2000

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contexto democrático e para reestruturar as imagens políticas e mesmo a própria linguagem da política.49

Repensar a dinâmica que envolve as lutas por justiça social requer que se rediscuta a agenda feminista nos processos de (re)democratização. Diante disso, confluindo a práxis com uma “epistemologia feminista do Sul”, visa-se, pois, estimular a aposta na possibilidade de se construir uma “nova cultura política” baseada, conforme define Santos, numa “racionalidade mais ampla e mais cosmopolita que a racionalidade moderna ocidental”;50 ou

mesmo uma nova cultura política que “[...] permita voltar a pensar e a querer a transformação social e emancipatória, ou seja, o conjunto dos processos econômicos, sociais, políticos e culturais que tenham por objetivo transformar as relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada”.51 Estaria na base dessa reconstrução política a

retomada radicalizada da própria democracia, onde gênero e feminismo assumem, através das contribuições do feminismo acadêmico contemporâneo, uma perspectiva singular; pois sua reconstrução e ressignificação poderiam fomentar o reconstruir mais original dessas novas bases para uma outra forma de interação democrática – um outro devir democracia, na constante busca por concepções ônticas e ontológicas do que é “a” política e “o” político.

A

A

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práxis

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práxis

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e a noção do que é “a” política

e a noção do que é “a” política

e a noção do que é “a” política

e a noção do que é “a” política

e a noção do que é “a” política

e “o” político a partir do Sul

e “o” político a partir do Sul

e “o” político a partir do Sul

e “o” político a partir do Sul

e “o” político a partir do Sul

Para discutir a questão relativa à experiência do movimento feminista latino-americano e como os conceitos foram sendo (re)pensados, caberia apresentar aqui algumas dos passos históricos que confluíram para essa construção, resgatando as principais ondas do movimento feminista na América Latina. O intuito é o de apontar a disputa entre feministas “políticas” e “autônomas” e, por último, apresentar os novos desafios colocados diante da globalização e da transnacionalização do feminismo, a partir das contribuições deste continente. Toma-se aqui, principalmente, o feminismo brasileiro como base e referência para algumas das discussões sobre “a” política e “o” político, como também a sua própria história, pois, segundo entende parte significativa da literatura que trata desse percurso, este seria o movimento mais bem-sucedido da América Latina.52

O feminismo deve ser entendido “[...] como um campo de ação expansivo, policêntrico e heterogêneo que abarca uma vasta variedade de arenas culturais, sociais e políticas”.53

Ademais, é importante lembrar que o ativismo feminista conflui com a “redescoberta do político” pelos movimentos

53 ALVAREZ, 2000[1998], p. 386. 49 JAQUETTE, 1989, p. 6, tradução

nossa.

50 SANTOS, 2008, p. 16.

51 SANTOS, 2008, p. 14.

52 JAQUETTE, 1989; ALVAREZ,

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sociais através de uma esfera própria potencialmente pluralista que, por sua vez, reavalia e procura repor a democracia liberal. As diferentes formas de Estados, compreendidos como um conjunto de instituições políticas e práticas com consequências poderosas, induzem diferentes significados na vida dos cidadãos e cidadãs, isto é, a América Latina, especialmente a partir de seus Estados autoritários e de seus Estados dependentes, o que produziu reações no âmbito da sociedade civil distintas de outros países que possuíam/em Estados previdenciários, democráticos ou de bem-estar.

Ao se analisarem as “ondas” do feminismo na América Latina procurou-se demonstrar as distintas formas de ação e as diferenciadas dinâmicas desse movimento e de suas agendas (e não seria somente uma questão de agenda – já que se entende ela própria como sendo bastante fluida).54

No decorrer dessas ondas, pôde-se constatar que, definitivamente, o feminismo se pluralizou, abrindo espaço para a atuação em diversos âmbitos: militantes partidárias, mulheres negras, intelectuais, militares clandestinas, “mães”, líderes de movimentos populares, diretoras e servidoras de órgãos governamentais, até teólogas. De acordo com Neuma Aguiar, a experiência que tem sido vivenciada pelo feminismo, pelo menos nas últimas duas décadas, o nutre com o “[...] contato internacional e intercâmbio [pois oferece] a oportunidade de acesso a diferentes formas de comportamento que são distintos daqueles determinados no âmbito da própria cultura”, além do que também “[...] objetivam alcançar uma série de objetivos feministas, em lugar de buscar atingir um único propósito”.55 As redes

feministas aqui então configuradas envolvem o trabalho de organizações não-governamentais e de base, bem como estão engajadas na produção do conhecimento.56 Segundo

Alvarez,57 os processos de Beijing (1995) fizeram com que se

deflagrasse no continente: i) a circulação dos discursos feministas e a multiplicação dos espaços e lugares de atuação; ii) a absorção de elementos das agendas e discursos feministas por algumas instituições culturais dominantes, organizações paralelas da sociedade civil, política e Estado, além do establishment internacional do desenvolvimento; iii) a ONGuização, especialização e profissionalização de alguns setores do movimento; iv) a articulação e formação de redes; e v) a transnacionalização dos discursos e práticas do movimento feminista.

Vinculando-se um conjunto de questões conceituais é possível perceber que, a cada onda, emergiria um conflito ao se abordar “a” política: negando-a por ser “essencial-mente” masculina ou, ao contrário, aceitando-a como um espaço para ser efetivamente explorado e transformado. Há

54 A atuação de movimento e a

formatação de agendas dos movi-mentos feministas são compreen-didas por algumas autoras a partir de duas fases (ou ondas) distintas, como nos diz Susan Besse, 1999[1996]: a primeira “onda” é relativa ao feminismo sufragista e “bem comportado”, na qual os es-forços feministas questionavam a legislação até então vigente e buscavam a inserção da mulher na política e, com isso, a efetivação da cidadania feminina; e a segun-da “onsegun-da”, conhecisegun-da pelo femi-nismo radical, compreende os mo-vimentos nas décadas de 70 e 80, quando se retomam as críticas ainda não realizadas pela primeira onda, incorporando ao discurso do movimento demandas vinculadas ao quadro geral da opressão sofri-da pelas mulheres e o reconheci-mento das diferenças sexuais na cena pública. A segunda onda centrou sua luta em assuntos de particular interesse das mulheres, como a violência doméstica, as creches, os direitos sexuais e os direitos reprodutivos (ALVAREZ, 2000[1998]). Em confluência com a segunda onda, a inserção das mulheres no âmbito da masculina academia, assim como a emer-gência da teoria feminista nesse espaço, retomou os pontos cen-trais da agenda do ativismo femi-nista que denunciava a opressão das mulheres. Acrescentam-se ainda às duas ondas uma fase de tentativas de reforma nas institui-ções democráticas, no próprio Estado, como também a busca pela reformatação dos espaços públicos, pela qual se sobressaem as divergências intragêneros – o que é nomeado de “feminismo difuso” por Céli PINTO, 2003 –, além da proposta de uma fase mais recente, “quarta onda” (MATOS, 2010; Solange SIMÕES e Marlise MATOS, 2008), na qual o movimento consegue se institucio-nalizar, adentrando os espaços es-tatais e garantindo a formulação de políticas públicas com o enfo-que de gênero.

55 AGUIAR, 2009, s/n.

(13)

também a necessidade de menção às diferenças existentes entre as feministas que acreditam que a luta das mulheres deve ser travada dentro do Estado e dos partidos – aquelas consideradas políticas ou “independentes” – e aquelas que acreditam na autonomia e que a luta deva se deter exclusivamente no âmbito do movimento – as “autônomas”. De forma geral, a “[...] maioria deu as costas para o Estado e evitou a arena política convencional – considerada então (com razão) excludente, opressiva, inimiga de todas as reivindicações de justiça social, sem falar da justiça de gênero”.58 Por outro lado, importa destacar que o discurso

relativo à necessidade de se adentrar os espaços formais da política (os “espaços de poder”) poderia possibilitar uma prática feminista mais integrada, já que as feministas impactariam e transformariam, de dentro, os discursos e as práticas político-culturais dominantes. Esse embate remete-nos a duas concepções possíveis sobre “o” político discutidas nos capítulos anteriores: aquele relativo à política cultural retratada em íntima relação com os movimentos sociais; e o político com feições schmittianas, representado por um antagonismo entre inimigos, como parece estar colocado o debate que envolve a relação entre as feministas autônomas e o Estado.

O projeto de um “feminismo horizontal” – que se carac-teriza para Maria Luiza Heilborn e Ângela Arruda59 na

descentralização e autonomia da cultura feminista diante de outras agências, implodindo as hierarquias existentes dentro do próprio movimento, valorizando a participação direta, o “não-monopólio da palavra, ou informação”, enfim, se horizontalizando de forma complacente aos princípios de organização própria da democracia radical – foi, aos poucos, sendo substituído pela especialização e profissio-nalização, o que Alvarez60 chama de “ONGuização”, já que

haveria uma dificuldade do feminismo horizontal em realizar as tarefas de produção de conhecimento especializado. Por isso, pode-se notar, ao passo de uma nova onda,61 que

A ONGuização e transnacionalização do campo feminista latino-americano levou um número crescente de feministas a privilegiar alguns espaços da política feminista, tais como o Estado e as arenas políticas internacionais, em relação aos esforços de transformar as representações predominantes de gênero, enfatizar as mudanças de consciência e promover a transformação cultural por meio de atividades de organização e mobilização das bases locais.62

A dinâmica atual do movimento feminista, então, poderia ser traduzida em três formas de presença com êxito em distintas áreas, como Marta Lamas63 apresenta: i) a

60 ALVAREZ, 2000[1998]. 58 ALVAREZ, 2000[1998], p. 387.

59 HEILBORN e ARRUDA, 1995, p.

20.

61 MATOS, 2010.

63 LAMAS, 2000.

(14)

profissionalização do movimento, especializando-se em áreas temáticas, oferecendo suporte para as demandas políticas (principalmente políticas públicas); ii) a legitima-ção, tanto acadêmica como política, da perspectiva de gênero, adentrando em espaços acadêmicos; e iii) a consolidação do discurso sobre a mulher no âmbito público. De tal forma, a quarta “onda”, que estaria sendo vivenciada atualmente pelos movimentos feministas na América Latina (principalmente os brasileiros), orientar-se-ia, segundo Matos,64 para a conformação de “circuitos de difusão

feminista” que têm sido operados a partir de distintas correntes horizontais do feminismo, as quais se orientariam em direção às diversas arenas paralelas de atuação dos movimentos no âmbito da sociedade civil, como também a partir das fronteiras existentes entre a sociedade civil e o Estado. Esse momento é, sem dúvida, aquele para o qual Marta Lamas chama a atenção: “[...] muitas feministas já funcionam mais a partir de realidades políticas do que de posturas ideologizadas: assumem a dimensão pragmática da intervenção política e começam a manifestar paixão por negociar conflitos”.65

Ainda que as conquistas proporcionadas por essas transformações internas sejam louváveis, algumas conten-das tendem ainda a permanecer, visto que, segundo Verônica Schild, “[...] a integração política de algumas mulheres está se fazendo às custas da marginalização de outras. As lutas pela articulação dos direitos das mulheres dentro do Estado envolvem as mulheres de modo diferente [...]”.66 Dessa forma, quais seriam as saídas possíveis para

tais problemas – “Quem tem o direito de definir os termos das lutas das mulheres?”.67 Uma saída possível seria democratizar

as relações de dentro do movimento, visto que,

Embora as muitas mulheres diferentes que transitam dentro do campo latino-americano ainda ‘se reconheçam’ mutuamente como tal – mesmo quando põem em questão a ‘legitimidade ontológica’ da ‘outra’ –, estão se forjando novas hierarquias e relações de poder dentro desse campo vasto e complexo e os parâmetros de legitimidade, interlocução, responsabilidade e representação são continuamente renegociados e contestados.68

Em geral, poder-se-ia dizer, de acordo com Marta Lamas69 – que estabelece como parâmetro de suas

considerações as experiências no âmbito do feminismo mexicano –, que a dimensão conceitual sobre o político, ou estaria ligada à concepção de que tudo é político – estando, assim, vinculada ao exercício do poder –, ou vinculada estreitamente à ideia de negociação e gestão. Ao associar-se o poder político com uma ideia da política

64 MATOS, 2010.

65 LAMAS, 2000, p. 5, tradução

nossa.

66 SCHILD, 2000[1998], p. 168.

67 SCHILD, 2000[1998], p. 170.

68 ALVAREZ, 2000[1998], p. 416.

(15)

entendida em seu modo tradicional, ligada ao privilégio masculino, algumas ativistas rejeitaram ou desprezaram as atividades desenvolvidas nos espaços de gestão ou de negociação política. E, mesmo ao assumir uma concepção totalizante em que o “pessoal é político”, a corrente “autônoma” do feminismo resistiu em se inserir na dinâmica política nacional. Na medida em que foi sendo aceita a diferença sexual no trabalho político das organizações, o movimento percebeu que o seu avanço também passaria por uma participação maior nas instâncias governamentais e partidárias.70 Além do mais, nos palcos supranacionais

(encontros, conferências, fóruns), a política foi sendo desca-racterizada como “dominação masculina”, e passou-se a compreendê-la “como liberdade”,71 ou, a partir da chave

em uma grande aposta: a de se pensar a política como tradução. O que se quer enfatizar é que é perceptível a passagem da afirmação de um modo antagonístico para referir-se ao político para o seu entendimento e interpretação a partir de novas formas de se pensar, agora agonisticamente, as lutas entre amigos. Segundo Lamas,

[...] este passo, de uma visão da política como prática masculina, a uma reivindicação da política como algo próprio e necessário, marca o processo de alguns grupos feministas que expressam uma crescente profissionalização da intervenção feminista na vida pública e corresponde a uma transformação no imaginário político.72

Permanece, então, a aposta: é a “[...] primeira vez que se faz possível e até palpável vislumbrar e reconhecer a ideia do fluxo, do trânsito movimentalista. Quem sabe com esse outro inovador dinamismo não seja concretizável o sonho da superação das injustiças que ainda corroem nosso mundo”.73 Nesse sentido, a percepção da realidade das

diversas interseções do movimento feminista latino-ameri-cano com a política direcionaria a procura por modelos mais complexos e que realmente contemplem essas necessidades e práticas.

O feminismo latino-americano e as

O feminismo latino-americano e as

O feminismo latino-americano e as

O feminismo latino-americano e as

O feminismo latino-americano e as

teorias da justiça: a partir e para além

teorias da justiça: a partir e para além

teorias da justiça: a partir e para além

teorias da justiça: a partir e para além

teorias da justiça: a partir e para além

de Nancy F

de Nancy F

de Nancy F

de Nancy F

de Nancy Fraser

raser

raser

raser

raser

A aproximação dos feminismos latino-americanos, principalmente o acadêmico, refletidos na prática da tradução, implicou concepções equivocadas de tradução sobre as lutas políticas por justiça a partir das próprias experiências feminista latino-americanas. Segundo Pedro José Di Pietro,74 deve-se chamar a atenção para os limites

71 Hannah ARENDT, 2007b [195-?]. 70 LAMAS, 2000, p. 5-7.

72 LAMAS, 2000, p. 7, tradução

nossa.

73 MATOS, 2010, p. 19.

(16)

da “incorporação” de uma teoria política que busque respostas para questões específicas de certos países (em geral, os Estados Unidos e países da Europa Ocidental). Nesse sentido, haveria necessidade de se superar as dificuldades de trânsito comumente experimentadas nos limites e fronteiras geopolíticas e históricas. As contribuições teóricas de Nancy Fraser para uma discussão teórica especificamente latino-americana são claras,75 porém

muitos pontos não se encaixam à prática política vivenciada pelos distintos feminismos da região.

Preocupada com a relação entre a democracia brasileira e as desigualdades sociais, Céli Pinto,76 por sua vez,

se debruça sobre a discussão da teoria política feminista para apontar possíveis elementos teóricos que colaborem para um melhor entendimento dessa problemática. De acordo com a autora, a contribuição teórica de Nancy Fraser reuniria elementos que seriam efetivamente fundamentais para se pensar a realidade brasileira, quais sejam: i) a noção de públicos e contra-públicos alternativos; e ii) a afirmação normativa do paradigma da justiça social operando a partir da chave redistribuição-reconhecimento. Ainda que Pinto reconheça que “[o] argumento de Fraser é bastante economicista, pouco admitindo a possibilidade de uma transformação nas bases econômicas da injustiça a partir de uma intervenção política”,77 as conclusões de Pinto são

favoráveis ao modelo de Fraser para a compreensão de dimensões específicas envolvidas no “pensar” e no “agir” sobre a questão brasileira.

Desse modo, Pinto78 aponta que as relações entre as

contribuições teóricas de Fraser e a realidade brasileira seriam as seguintes: i) ainda que Fraser79 tenha certas

dúvidas quanto à efetividade das políticas de redistribuição afirmativa, no Brasil são elas que têm tido, ao menos por enquanto, os resultados mais positivos; ii) mesmo com a pluralização dos contra-públicos alternativos, no Brasil eles não conseguiram alcançar aqueles resultados efetivamente positivos no sentido da modificação estrutural das condições de pobreza; iii) os contra-públicos alternativos, por outro lado, desafiam a noção estática de uma sociedade organizada e, no caso da complexa sociedade brasileira, permite, a partir de seu interior, evidenciar a pulverização de potencialidades organizativas; e iv) para avançar na questão sobre as desigualdades sociais, a existência de um público forte representacional que é o parlamento, com múltiplos outros públicos fortes participativos, também com poder de decisão, permitiria reflexões sobre os possíveis instrumentos democráticos capazes de colaborar na construção de uma saída para os problema graves das desigualdades sociais do país.

75 Segundo DI PIETRO, 2006, p. 200,

tradução nossa, “[…] as teoriza-ções de Nancy Fraser em torno da justiça de gênero e a justiça social tornaram-se a moeda corrente nos centros acadêmicos/ políticos da América Latina que se ocupam principalmente de proble-máticas ligadas ao Gênero e a análises de suas relações. Pelo menos na Argentina, país em que Fraser visitou mais de um par de vezes, seus artigos e posições alcançaram não somente notorie-dade mas também um valor simbólico que coloca como per-curso necessário nos Estudos de Gênero”.

76 PINTO, 2002.

77 PINTO, 2002, p. 88.

78 PINTO, 2002, p. 94-96.

(17)

Já para Di Pietro,80 mesmo que Fraser procure no

conceito de paridade participativa”, por um lado, satisfazer a necessidade de se lidar com conflitos e diferenças intra e inter-públicos, por outro, a sua abrangência conceitual reduziria a existência das perspectivas sociais, das intenções, como também das práticas públicas por adotar uma noção restrita de “público”. Outra crítica do autor endereçada a Fraser se baseia nos pressupostos da realidade comunicacio-nal como propostos pela autora, já que estes não seriam explicativos o suficiente para se compreender a fundo todas as vertentes do poder que o atravessam. Dessa forma, a interpretação do horizonte de protestos pelo Movimento LGTTBI na Argentina demonstraria que o modelo teórico de Nancy Fraser desvaloriza uma importante dimensão da prática e da efervescência dos discursos e sugestões que se apresentam como públicos e que redefiniriam, por sua vez, os limites e o significado de público. O modelo da autora também seria limitado por não perceber que as diferenças identitárias e entre os grupos sociais nem sempre são inevitáveis nem irreconciliáveis, o que debilita a possibilidade da afirmação de uma possível veia emancipatória que estaria contida na ideia de “contra-públicos” – “[...] se é que esta se entende no marco da necessidade de fazer espaço para múltiplas vozes e intervenções e inclusão de múltiplos projetos dentro de uma ou diferenciadas esferas de ação e comunicação”.81

Virgínia Vargas82 procurou retraduzir o paradigma

bidimensional da justiça de Nancy Fraser83 numa discussão

que contemple a experiência feminista nos atuais processos de transnacionalização. A autora também utiliza a categoria “redistribuição” para referir-se às demandas contra o neoliberalismo, o foco de intensa disputa nas articulações feministas, como é o caso das organizações deste teor no âmbito do Fórum Social Mundial (que para algumas feministas seriam um “terreno disputado”). Ela também insiste que, algumas vezes, a categoria do reconhecimento fica obscurecida. Então, acompanhando Fraser, a autora reforça que, dentro desse cenário transnacional, dois tipos de luta contra a injustiça seriam relevantes: i) aquelas lutas contra injustiças relativas ao impacto socioeconômico que estariam enraizadas nas estruturas políticas e econômicas; e ii) aquelas vinculadas aos valores culturais e econômicos que estariam enraizadas nos padrões sociais de representação e comunicação. Para a autora, poderiam ser percebidos reflexos extensivos sobre a macroeconomia, sobre os macroprocessos políticos e sobre o processo de globalização em si, sendo esses reflexos acompanhados por intervenções feministas que se pautam em formas peculiares e criativas de interação do global com o local, como por exemplo seria o caso da Marcha Mundial das Mulheres.

80 DI PIETRO, 2006.

81 DI PIETRO, 2006, p. 183,

tradução nossa.

(18)

A emergência de um espaço transnacional onde a possibilidade de suscitar novas questões, de elaborar novas estratégias de como se aproximar de novas realidades, possibilitando, assim, a construção de uma nova e outra cultura política, mais democrática e inclusiva, poderia ser conferida nos encontros promovidos nos Fóruns Sociais Mundiais. Sustentando os lemas “um outro mundo é possível” e “não aos pensamentos únicos”, para Vargas,84 nesses

espaços e através da luta contra o neoliberalismo e o capitalismo global é que teria se tornado possível e permitido às feministas a construção de novas abordagens e alianças, como também o repensar das conceituações de autonomia para o movimento. Porém, Vargas também reconhece que haveria uma concepção ainda limitada de Fraser ao se utilizar do paradigma bidimensional, quando esta mesma percebe e ressalta a articulação dos movimentos feministas como fortemente atuantes nessas redes, especialmente no sentido de demandar mais lugar e mais espaços de poder. A discussão sobre “os pensamentos únicos” chegou a ser problematizada por Vargas, mas, no entanto, não chegou a ser contraposta à ideia do monismo normativo, com a “paridade de participação” proposta por Fraser.

Em Conway e Singh85 há a problematização do

monismo normativo, a proposta contida na “paridade da participação”, sugerido por Fraser,86 como também há a

denúncia de que a própria compreensão da autora sobre o Fórum Social Mundial (pensado através de um enqua-dramento da teoria democrática liberal) não notaria e/ou levaria a sério muitos dos seus aspectos mais interessantes e inovadores.87 A própria experiência dos Fóruns, tendo como

evidentes os compromissos com a diversidade e o pluralis-mo, opondo-se sem nenhuma dúvida a qualquer proposta de pensamento único, contradiz a ideia de um monismo normativo, já que numa teoria assim estruturada não haveria espaço, então, para a afirmação, por sua vez, de um plura-lismo normativo. Pelos Fóruns e pelo movimento transnacio-nal feminista concluiu-se que nenhum monismo normativo, ou qualquer forma de pensamento único, seria possível (ou desejável) para uma política global que se sustente como radical.88

Em artigo mais recente surgem novos problemas na base teórica formulada por essa autora.89 Desta vez, os

problemas seriam relativos à dinâmica e etapas do movimento feminista, já que se evidencia que Fraser, através de um reducionismo na sua discussão, restringindo-se a teorizar sobre o movimento a partir de um olhar estritamente do movimento feminista norte-americano, mais uma vez, opera suas considerações através de um enquadramento liberal e capitalista como eixos estruturadores da dinâmica

87FRASER, 2008. 84 VARGAS, 2003.

85 CONWAY e SINGH, 2009.

86 FRASER, 2003.

88 Para outras críticas ao monismo

normativo ver Axel HONNETH, 2009, e Marlise MATOS, 2009a.

(19)

do feminismo na contemporaneidade.90 Segundo Fraser,91

a agenda do movimento feminista deslizaria sobre o eixo histórico do capitalismo estatal (state-organized capitalism) para um capitalismo transnacional, pós-fordista e neoliberal (ver Quadro 1).

90 Caberia ressaltar que esse artigo

evidenciaria uma possível crise do feminismo norte-americano.

91 FRASER, 2009a[2009].

Feminismo e o capitalismo Feminismo e o capitalismoFeminismo e o capitalismo Feminismo e o capitalismo Feminismo e o capitalismo

e s t a t a l e s t a t a le s t a t a l e s t a t a l e s t a t a l

Feminismo e o “novo Feminismo e o “novo Feminismo e o “novo Feminismo e o “novo Feminismo e o “novo espírito do capitalismo” espírito do capitalismo” espírito do capitalismo” espírito do capitalismo” espírito do capitalismo”

Feminismo e o Feminismo e o Feminismo e o Feminismo e o Feminismo e o

pós-n e o l i b e r a l i s m o n e o l i b e r a l i s m on e o l i b e r a l i s m o n e o l i b e r a l i s m o n e o l i b e r a l i s m o

QUADRO 1 QUADRO 1 QUADRO 1 QUADRO 1

QUADRO 1 – Dinâmica da segunda onda do feminismo nos Estados Unidos segundo FRASER, 2009a[2009]

Feminismo contra o Feminismo contra o econo- Feminismo contra o Feminismo contra o Feminismo contra o

econo-m i c i s econo-m o m i c i s m o m i c i s m o m i c i s m o m i c i s m o

O feminismo buscou repor uma visão monista e economicista da

justiça por uma visão ampliada, tridimensional, que compreendia

economia, cultura e política.

F e m i n i s m o F e m i n i s m o F e m i n i s m o F e m i n i s m o F e m i n i s m o a n t i e c o n o m i c i s m o a n t i e c o n o m i c i s m oa n t i e c o n o m i c i s m o a n t i e c o n o m i c i s m oa n t i e c o n o m i c i s m o

ressignificado ressignificadoressignificado ressignificadoressignificado As reivindicações feministas por

justi-ça foram cada vez mais elaboradas como reivindicações

de reconheci-mento da identidade e da diferença.

Feminismo pós-neoliberal Feminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberal Feminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberal

a n t i e c o n o m i c i s m o a n t i e c o n o m i c i s m oa n t i e c o n o m i c i s m o a n t i e c o n o m i c i s m oa n t i e c o n o m i c i s m o Adotar uma visão completa da tridimensionalidade da justiça, que

possivelmente contrabalance melhor as dimensões do reconhecimento, da redistribuição

e da representação. Feminismo contra o

andro-Feminismo contra o andro-Feminismo contra o Feminismo contra o Feminismo contra o

andro-c e n t r i s m o c e n t r i s m o c e n t r i s m o c e n t r i s m o c e n t r i s m o

Luta para incorporar a justiça de gênero no capitalismo estatal, como também incluir as questões

sobre as mulheres na própria esquerda radical.

Feminismo Feminismo Feminismo Feminismo Feminismo

antiandrocen-trismo ressignificado trismo ressignificado trismo ressignificado trismo ressignificado trismo ressignificado O capitalismo desorganizado incorpora o discurso do avanço das

mulheres e da justiça de gênero, ao mesmo tempo incorporando um discurso sobre a valorização do

trabalho assalariado.

Feminismo pós-neoliberal Feminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberal Feminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberal

a n t i a n d r o c e n t r i s m o a n t i a n d r o c e n t r i s m o a n t i a n d r o c e n t r i s m o a n t i a n d r o c e n t r i s m o a n t i a n d r o c e n t r i s m o O feminismo deve militar para formas de vida que descentre o

trabalho assalariado e valorize atividades não-assalariados, como

o cuidado da casa.

Feminismo contra o Feminismo contra o Feminismo contra o Feminismo contra o Feminismo contra o

e s t a t i s m o e s t a t i s m o e s t a t i s m o e s t a t i s m o e s t a t i s m o Rejeição ao ethos

burocrático-administrativo do capitalismo estatal. Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo

A perspetiva feminista que procurava transformar o poder estatal em meio para empodera-mento e justiça social passa a ser

utilizada como discurso para legitimar a mercantilização e para

a limitação do Estado.

Pós-neoliberal antiestatismo Pós-neoliberal antiestatismo Pós-neoliberal antiestatismo Pós-neoliberal antiestatismo Pós-neoliberal antiestatismo

Busca por uma democracia partici-pativa, militando por uma

nova forma de organização do poder político, que subordine a burocracia ao empoderamento dos cidadãos e cidadãs. Fortalecer

o poder público.

Feminismo contra e a favor Feminismo contra e a favor Feminismo contra e a favor Feminismo contra e a favor Feminismo contra e a favor

do westfalianismo do westfalianismo do westfalianismo do westfalianismo do westfalianismo Por um lado, o movimento estava

sensível às injustiças transfronteiriças, principalmente as

feministas envolvidas com o “mundo em desenvolvimento”. Por

outro lado, a maioria das feministas via no seu respectivo Estado o lugar de demandas para

seus interesses próprios.

Feminismo contra e a favor Feminismo contra e a favorFeminismo contra e a favor Feminismo contra e a favorFeminismo contra e a favor

do westfalianismo do westfalianismo do westfalianismo do westfalianismo do westfalianismo ressignificado ressignificado ressignificado ressignificado ressignificado A globalização permitiu novas

formas de ativismo feminista (transnacional, multiescalar), porém com algumas dificuldades,

já que o que era uma tentativa para ampliar o alcance da justiça

além do Estado-nação acabou por se integrar em alguns aspectos com as necessidades

administrativas de uma nova forma de capitalismo.

Pós-neoliberal Pós-neoliberal Pós-neoliberal Pós-neoliberal Pós-neoliberal

anti-w e s t f a l i a n i s m o w e s t f a l i a n i s m ow e s t f a l i a n i s m o w e s t f a l i a n i s m o w e s t f a l i a n i s m o ância por uma nova ordem política pós-vestifaliana que seja

multies-calar e democrática a cada nível.

(20)

A partir dessas considerações recentes da autora, pode-se dizer que o enquadramento que ela propõe não pode-seria traduzível ou sequer transportável para o contexto da América Latina, ou mesmo para toda a experiência feminista do Sul global, ainda que ela reconheça o papel dos Fóruns Sociais Mundiais. Fraser reduz todo o período da década de 70 até os dias atuais em uma única onda (segunda onda), onde haveria uma agenda e um discurso que confluiriam com as demandas por redistribuição, reconhecimento e representação num primeiro momento, e num segundo momento haveria a confor-mação de um backlash, onde toda a agenda atual, a partir da fragmentação do discurso feminista, seria utilizada e ressignificada por estratégias vinculadas ao discurso neoliberal. Conforme apresentado, está claro que as vicissitudes do feminismo latino-americano não podem ser reduzidas ao enquadramento norte-americano proposto por Fraser. Isso porque ele não foi ou estaria sendo utilizado por inteiro pelo neoliberalismo, pois a força do Sul global no contexto recente do planeta surge justamente a partir daí, na negação e na reação ao neoliberalismo. Parte do feminismo latino-americano pode até ter sido “vítima” desse efeito perverso, porém outra parte, igualmente significativa, tem contribuído para o desmascaramento do discurso generificado do neoliberalismo, mostrando também aos feminismos do Norte o rumo equivocado em que estes se encontravam.

Assim, pensando agora a partir da experiência latino-americana e brasileira e de uma outra forma as etapas dinâ-micas do movimento feminista, pensando-as numa proposta diferenciada à de Fraser, poder-se-ia dizer que a dinâmica capitalista conformar-se-ia com as “ondas” já anteriormente descritas. Dessa forma, sinalizaria que a segunda onda estaria localizada no âmbito daquilo que Fraser define como capitalismo estatal; a onda subsequente e relativa ao período neoliberal referir-se-ia ao momento de ONGuização e da constituição de um “feminismo difuso”,92 sendo a quarta onda,

conforme proposto por Matos,93 aquela vinculada ao que

Fraser designa por período pós-neoliberal – um “futuro aberto” para Fraser. Acredita-se e está se procurando dar destaque neste artigo, então, que o futuro, o destino, da dinâmica feminista norte-americana seria, curiosamente, o vivido e o presente atuais da América Latina e do Brasil, já que, a partir do governo Lula, o Brasil (bem) aos poucos vem reestruturando e construindo a desafiante proposta de um Estado pós-neoliberal,94 que contém na dimensão da inclusão

democrática de parte significativa dos movimentos sociais (ainda que alguns movimentos ainda se mantenham “autônomos”) um eixo norteador e emblemático.

Mesmo com o avanço propiciado por Fraser, que desenvolveu a proposta de um modelo tridimensional para a

94 Segundo Emir SADER, 2009, a

América Latina emergiu-se como o lugar onde é possível se contestar a “reinante“ política neoliberal. No Brasil, a eleição de Lula seria um indício para uma virada pós-neoliberal.

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justiça social, ainda se faz necessário uma aposta em progressos teóricos ainda mais significativos. Entende-se que seria necessário ir adiante, explicitando, principalmente, os aspectos subentendidos, aqueles que não foram ainda explicitados e tratados justamente devido a formatos e organizações epistemológicas reducionistas que não os incluem em suas teorizações – aqueles elementos de inclusão democrática que são tão característicos quando se trata da experiência e da prática dos feminismos latino-americanos. Por isso, a proposta de uma teoria crítico-emancipatória feminista e de gênero, avançada por Matos95 à luz de uma

profunda crítica epistêmica, propõe um conjunto de rearranjados elementos que seriam considerados absolutamente cruciais quando se pretende a construção de uma forma de teorização que esteja além dos paradigmas dialéticos e binarizantes, bem como daqueles que podem ser, de modo muito fácil, culturalmente reduzidos (principalmente aos contornos dos modelos do Ocidente, nesse caso). Essa proposta avança na direção de se pensar os eixos estruturadores da justiça social numa dimensão significativamente mais ampliada, inclusive numa perspectivação analítica que dê destaque e singularidade à dimensão paradoxal e simultânea de repor as dimensões da igualdade e da diferença na complexidade, propondo realocar uma das principais contendas no feminismo latino-americano (e também nos feminismos em outras regiões) que seria, segundo Ofelia Schutte,96 o debate entre as feministas

igualitárias e os feminismos da diferença.

Pensar a partir das referências teóricas e epistemoló-gicas da contingência e dos paradoxos (premissas relevantes, como visto, a algumas vertentes da recente teoria política feminista) parece uma contribuição significativa para se fazer avançar as teorias da justiça social e também as teorias democráticas contemporâneas. Sabe-se que as organiza-ções políticas se constituem mediante exclusões. Num sentido até mesmo psicanalítico, o inevitável retorno daquilo que foi excluído é, justamente, o que está a forçar a expansão e a rearticulação das premissas básicas da democracia. A história da formação de uma organização política democrática, nesse sentido, precisa estar sempre aberta – um devir democracia – pois é/está inexoravelmente incompleta. Mesmo o projeto hegemônico democrático – entenda-se: as demo-cracias representativas liberais e ocidentais – são projetos inacabados e incompletos. Isso não significa dizer que sejam de todo equivocadas. Trata-se de uma incompletude constitutiva na qual todos os seus sujeitos estão igualmente incompletos, exatamente porque estão se constituindo nesse processo, ou seja, através de exclusões que se tornam (por meio de lutas contingentes) politicamente salientes e não

95 MATOS, 2009a.

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porque sejam estaticamente estruturais ou fundacionais. É “[...] pensar simultaneamente [...] num movimento claramente pós-socialista e pós-dialético, a rede de multiplicidades de agenciamentos que condicionam e ao mesmo tempo que libertam, a nossa realidade paradoxal”.97

Ao se pensar na necessidade de incluir a representaç-ão política como mais uma dimensrepresentaç-ão da justiça, algo que este artigo perseguiu, simplesmente viu-se emergir mais uma versão pós-estruturalista de universalidade/universal: desta vez intencionalmente incapaz de oferecer uma descrição firme, seja substantiva, seja processual, daquilo que seria comum a todos os cidadãos – mulheres e homens, negros e brancos, homo e heterossexuais etc. – enquanto tais no âmbito da representação política. A proposta do universal contingen-te se articula às formas de estabelecimento prático, praxio-lógico, pragmático das recentes discussões a respeito da democracia contemporânea: na deliberação negociada entre distintos atores, por sua vez orientada primordialmente para aquilo que consensualmente se constitui (contingente-mente) como interesse público. Não se trata da defesa de um universal transcultural pura e simplesmente (já que este também estará manchado pelas normas culturais que tentou transcender); trata-se de uma universalidade que necessita constantemente de ser traduzida, retrabalhada, reposta de modo relacional e político.

O que se propôs como “devir democrático”, na mode-lagem aqui descrita, tem seu ponto de ancoragem nessa possibilidade aberta de novas articulações e formações políticas. Concorda-se e converge-se também para este tipo de abordagem que resgata a indissociabilidade entre justiça e democracia, entre “o” político e “a” política. Trata-se sim, em certa medida, da afirmação de uma politização de vastas áreas da vida social (aquilo que teve como efeito abrir caminho para a proliferação de identidades tidas como “particularistas”). O universal contingente conforme esta proposta se articularia então com o devir democracia na medida em que se constata que tais “particularismos” impõem reclamos igualmente universais para os sujeitos e estes seriam, pois, pré-requisitos para a política num sentido pleno: aquela que se estabelece no formato exato como afirmava Hannah Arendt,98 que pensava os corpos políticos

como formas de participação ativa na pluralidade. Segundo a autora, “[...] a política organiza, de antemão, as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas”.99

De maneira geral, poderia ser dito que o reflexo da prática do ativismo político feminista deveria ser e estar projetado num modelo teórico político que, inclusive, seja capaz de repor a luta por justiça social conjugada com as

97 MATOS e CYPRIANO, 2008, p.

7-8.

98 ARENDT, 2007b[195-?].

Referências

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