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Caminhos da democracia nas políticas de descentralização da gestão escolar.

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Academic year: 2017

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Resumo

Este artigo discute as políticas de democra-tização/descentralização da gestão escolar. Para tal, analisa estas políticas no município do Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana do Recife, no período de 2003/2004. Partindo da idéia de que o ideário neoliberal apropriou-se da bandeira da democratização, originalmente defendida no campo progressista, escolheu-se um município cujas forças

que estavam no poder, à época da coleta de dados, se colocavam no campo popular. Percebeu-se, nes-te estudo, que são veicu-lados conteúdos demo-cráticos nas políticas

edu-cacionais municipais. Busca-se demonstrar, des-ta forma, que as políticas de descentralização podem contribuir para o estabelecimento de re-lações democráticas na escola e, portanto, para a sua transformação.

Palavras-chave: Política educacional.

Ges-tão escolar. Democracia. Descentralização.

Abstract

Democratic roads in

school administration

policies (Decentralization)

Luciana Rosa Marques

Doutora em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Profª Adjunta do Centro de Educação

da UFPE lu_marques@terra.com.br

This paper discusses the educatio-nal policies of decentralization and de-mocratization of school management. It analyzes these policies in the muni-cipality of Cabo de Santo Agostinho in the outskirts of Recife in 2003 and 2004. It is well known that the neo liberal sys-tem of ideas holds the banner of de-mocratization and change sides depen-ding upon its conve-nience. For this rea-son, it was chosen a municipal district who-se political forces held the power at the time of data collection. It was noticed in this stu-dy that the democratic contents were. It was noticed in this study that the de-mocratic contents were transmitted in the educational policies at the local le-vel. It is quite evident that decentrali-zation policies can contribute to the es-tablishment of democratic relation ships in the school and, therefore, for its change.

Keywords: Education policy. School management. Democracy.

Decentralization.

Caminhos da democracia nas

políticas de descentralização

da gestão escolar

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Resumen

Caminos de la

democracia em las

políticas de

descentralización de la

gestión escolar

Este artículo discute las políticas de democratización / descentralización de la gestión escolar. Para tal, se analizan estas políticas en el municipio de Cabo de Santo Agostinho, región metropolitana de Recife, en el periodo de 2003/2004. Partiendo de la idea de que el ideario neoliberal se apropió de la bandera de la democratización, originalmente defendida en el campo progresista, se eligió un municipio cuyas fuerzas que estaban en el poder, en época de recogida de datos, se colocaban en el campo popular. Se percibió, en este estudio, que se tratan contenidos democráticos en las políticas educativas municipales. Se busca demostrar, de esta forma, que las políticas de

descentralización pueden contribuir para el establecimiento de relaciones

democráticas en la escuela y, por tanto, para su transformación.

Palabras clave: Política educativa. Gestión escolar. Democracia. Descentralización.

Introdução

A partir da década de setenta do século XX, o regime de acumulação fordista co-meça a viver crise fiscal e política, ao mes-mo tempo em que são inauguradas trans-formações na base da economia capitalis-ta em todo o mundo, particularmente o ocidental. Até então, tinha-se um modelo

produtivo calcado na rígida hierarquia e especialização das tarefas, segundo o qual a produtividade do trabalho podia ser au-mentada por meio da decomposição e frag-mentação dos processos de trabalho, a partir de conjunto rigoroso de práticas de controle do trabalho, assim como de tec-nologia e hábitos de consumo. São carac-terísticas, ainda, deste modelo produtivo a produção e consumo de massa e um modo de regulação que implica mecanismos que tratam de ajustar o comportamento contra-ditório e conflitante dos indivíduos.

A partir de 1973, quando se torna mais evidente a incapacidade de esse modelo con-ter as contradições inerentes ao capitalismo, começam a emergir nos países centrais no-vas formas de organização da produção, fundadas na flexibilização. O modelo pós-fordista baseia-se no princípio da flexibili-dade, como resultado da competição inten-sificada para reduzir os mercados; um pro-cesso de trabalho centrado num trabalho contingente, negociado e essencializado, baseado no trabalho em equipe, na auto-gestão e em múltiplas, mas básicas, habili-dades, além de modos de regulação gover-nados pela ideologia do livre mercado, in-dividualismo e caridade privada.

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políticas sociais, oferecendo um “nível mí-nimo de vida”, como elemento constitutivo da responsabilidade coletiva de todos os cidadãos e cidadãs.

No modelo neoliberal, por sua vez, o Estado deve ser mínimo, deixando-se à mão invisível do mercado a regulação econô-mica, “menos Estado e mais mercado” é a máxima neoliberal. Porém, a intervenção estatal torna-se necessária para compen-sar as falhas do mercado, tais como danos ao meio ambiente e combate ao monopó-lio, entre outras.

Neste cenário, a idéia de descentraliza-ção, que sempre foi identificada com aspi-rações por maior participação nas decisões e, portanto, com práticas democráticas substantivas, foi ressignificada (AZEVEDO, 2001). Isto decorre do êxito cultural e ideo-lógico do neoliberalismo, que se expressa no argumento da inexistência de alternati-vas de desenvolvimento, enraizando a cren-ça da inevitabilidade de novos modos de (des)regulação social. Com efeito, até o sentido das palavras foram ressignificados, como demonstra Boron (1999), exemplifi-cando o caso do vocábulo reforma, que,

de uma conotação positiva e progressista, que remetia a transformações sociais e eco-nômicas orientadas para uma sociedade mais justa e igualitária, passa a ser recon-vertido pelos ideólogos neoliberais, aludindo a processos e transformações de cunho in-volutivo e antidemocrático1.

Segundo Azevedo (2001), o que se pro-curou estabelecer em nosso país foi um re-planejamento institucional, inspirado tanto no neoliberalismo quanto nas práticas de gestão industrial, a partir dos pressupostos da qualidade total. Procura-se, assim, pri-vilegiar a administração por projetos, com objetivos estabelecidos previamente, de base local (expresso no processo de descentrali-zação) e altamente competitivos. No en-tanto, nos próprios espaços locais, são observados germes de resistência a esse modelo gerencial, imposto pela reforma do Estado brasileiro. Assim,

[...] de uma perspectiva analítica mais global, é preciso termos presente que nenhuma orientação que vem de fora é transplantada mecanicamente para qualquer sociedade. Ao contrário, as diretrizes que, de um lado, estão des-nacionalizando o Estado-nação em função da acumulação de capital são sujeitas a processos de recontextuali-zação impingidos pelas características históricas da sociedade a que se desti-nam (AZEVEDO, 2001, p. 12).

A autora demonstra, ainda, que, no cam-po das cam-políticas sociais, é cam-possível a identifica-ção de modos de atuaidentifica-ção que procuram res-significar as medidas impostas, direcionando-as à construção de um novo espaço público, capaz de forjar a cidadania emancipatória. São experiências que ainda se colocam em uma pequena dimensão quantitativa, mas que, por isso mesmo, devem integrar a ação

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va daqueles que acreditam que o conhecimen-to científico deve também portar um nível ana-lítico que contribua para a transformação da perversa (des) ordem que hoje vivemos2.

Essas mudanças encontram reflexos na forma proposta de gestão da educação. Com a adoção dos pressupostos neolibe-rais pelo poder central, a partir de 1995 co-meçam a ser implantadas diretrizes no sen-tido de democratizar o sistema escolar e a gestão das escolas. Assistimos, assim, a uma série de ações que visam à democratização da gestão das escolas públicas brasileiras.

Cumpre considerar, contudo, que a dis-cussão sobre a democratização da gestão es-colar é uma demanda antiga de pesquisado-res e trabalhadopesquisado-res da área, defendida por estes como um dos mecanismos importantes para se alcançar uma educação pública de quali-dade, universal, como exercício de cidadania. Dessa forma, mesmo sendo implantada com base nos princípios neoliberais, a gestão de-mocrática no sistema educacional público abre possibilidades para que se construa uma es-cola pública de qualidade, que atenda aos interesses da maioria da população brasileira, além de representar uma possibilidade de vi-vência e aprendizado da democracia, poden-do, portanto, tomar um sentido diferenciado do proposto pelos fazedores de política. Nessa perspectiva, e admitindo o movimento dialéti-co da história, podemos dialéti-considerar que a im-plantação das novas diretrizes da política edu-cacional nas escolas não está, em princípio, predeterminada, podendo, portanto, tomar sentidos diferenciados.

Os sentidos da

democracia na educação

brasileira

O discurso da democracia vem perme-ando os debates e estudos na área da edu-cação no Brasil, embora com significados diferenciados em cada momento histórico. A partir da década de 30, a democratiza-ção da educademocratiza-ção referia-se, principalmen-te, à garantia de acesso à escola pública às crianças de 7 a 14 anos, observando-se re-corrência aos temas do acesso à escola, da seletividade, da repetência e da evasão.

Na década de 80, com o restabeleci-mento do sistema democrático no país e a realização de eleições para prefeitos e go-vernadores, observa-se mudança em rela-ção ao sentido da democracia no debate sobre a educação3, embora a discussão da

universalização da educação básica conti-nuasse presente.

Consolidam-se o debate e demandas pela democratização do sistema educacio-nal e das Unidades Escolares, que têm como pontos centrais, respectivamente, a descen-tralização/municipalização, a eleição dire-ta para dirigentes escolares e a criação dos Conselhos Escolares. Observa-se, neste período, a implementação de mecanismos que assegurassem a participação da soci-edade civil na formulação da política edu-cacional em Estados como o Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Mato Gros-so do Sul, Distrito Federal e Pernambuco, neste último Estado exemplificado pelos

2 O que poderia ser percebido como o que Boaventura de Sousa Santos (2003) denomina de sociologia das emergências, dar visibilidade, revelar a diversidade e multiplicidade de práticas sociais, contrapondo-as às práticas hegemônicas.

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Fóruns Itinerantes de Educação. Realiza-se, também, a mobilização sindical e aca-dêmica em movimentos pela democratiza-ção da escola pública, além da organiza-ção coletiva de Secretários Municipais e Estaduais de Educação com a criação da UNDIME e do CONSED em 1986.

Oliveira e Teixeira (1999) demonstram, a partir de revisão bibliográfica, que em determinados períodos históricos (1950, 1980 e 1990)4, o tema da municipalização

do ensino, tendo como matriz a descentra-lização, foi mais discutido, identificando no processo de construção da educação mu-nicipal no Brasil a tendência à associação entre ações locais descentralizadas à de-mocracia e políticas públicas de cunho mais centralizador ao ideário autoritário.

Souza e Farias (2004, p. 929) conside-ram que

o processo de elaboração da CF, de 1988, será então inspirado por aquela idéia de associação entre a descentrali-zação e a democratidescentrali-zação, daí emer-gindo um modelo de Federação des-centralizado, com aspectos singulares, como o referente à explicitação do Mu-nicípio como ente federado no próprio texto Constitucional.

Nos anos 1990, o foco do debate so-bre a democratização da educação é dire-cionado para as relações internas da esco-la, que deveriam ser democráticas, com a

participação da comunidade escolar em sua gestão, sendo regulamentada, inclusi-ve, pela LDB5. Dessa forma, a

democrati-zação das relações na escola torna-se uma exigência legal, que a comunidade escolar deve assumir.

A gestão democrática das Unidades Escolares públicas brasileiras ganha terre-no institucional quando passa a ser defen-dida pelo Estado neoliberal6, como forma

de garantir a eficiência e eficácia do siste-ma público de ensino. Por isso, não tem significado, muitas vezes, avanços na cons-trução de uma escola pública de qualida-de, que atenda aos interesses da maioria da população brasileira.

Percebem-se, neste modelo, a corre-lação entre as novas formas de organi-zação produtiva e a implantação de po-líticas educacionais direcionadas à des-centralização/ desconcentração da ges-tão das Unidades Escolares. A adminis-tração descentralizada faz-se necessária em função da inoperância da máquina burocrática, conferindo autonomia às es-colas, inibindo, assim, riscos de pertur-bações indesejadas ao sistema, já que a participação do coletivo na gestão da es-cola aumenta à medida que aumentam suas responsabilidades (BRUNO, 1997).

Constata-se a intervenção de organis-mos internacionais, como Banco Mundial, UNESCO, CEPAL, entre outros, nas

políti-4 Segundo elas (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1999), de 1991 a 1993 os trabalhos abordavam mais as políticas de municipalização do ensino e sua implantação, e de 1995 a 1997 os trabalhos focalizavam a gestão do ensino municipal.

5 Conforme evidenciam os artigos 14 e 15.

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cas educacionais latino-americanas, a partir da implantação de reformas que seguem o receituário destes organismos, os quais

apesar de distintos em termos de suas prioridades e focos, evidencia-se a de-fesa: da descentralização como forma de desburocratização do Estado e de abertura a novas formas de gestão da esfera pública; da autonomia gerencial para as unidades escolares e, ainda, da busca de incrementos nos índices de produtividade dos sistemas públicos, marcadamente sob inspiração econo-micista e neoliberal (SOUZA ; FARIA, 2004, p. 927-928).

No entanto, apesar de implantada com base no modelo neoliberal, a instituciona-lização da gestão democrática pode repre-sentar avanços na forma de condução do dia-a-dia da escola, tendo em vista que as políticas educacionais ganham materiali-dade no locus de sua implementação.

Desde 1980, as forças progressistas rei-vindicam que a gestão das Unidades Es-colares se dê de forma democrática, com-batendo o centralismo que tem caracteri-zado a política educacional brasileira. Com a participação na definição dos rumos da escola, os que compõem a comunidade escolar têm a possibilidade de vivenciar um processo diferenciado de gestão da coisa pública, que passa a ser também de sua responsabilidade, contribuindo, assim, na construção de sua cidadania.

Como bem coloca Abranches (2003, p. 18),

a descentralização só existe no mo-mento em que as decisões locais pos-suem uma certa autonomia e emanam

de uma coletividade e não do Estado. O ponto central a ser considerado no processo de descentralização é que este pode estimular e abrir oportuni-dades para a participação social, me-diante o deslocamento dos centros decisórios – a descentralização é um meio para favorecer a participação. Por outro lado, a descentralização só se torna possível pela participação.

Neste cenário, nas décadas de 80 e 90, parece ganhar força, tanto em nível acadêmico como no das políticas educa-cionais, a discussão da democracia parti-cipativa como forma de garantia da de-mocratização das relações que se estabe-lecem na escola, particularmente em sua gestão. No entanto, percebe-se que o tema não se apresenta de forma consensual. Se para os defensores da agenda neoliberal a defesa da participação se coloca com o fito da desresponsabilização do Estado para com as políticas sociais, para os se-tores progressistas a democracia partici-pativa é entendida como forma de alar-gamento dos direitos sociais.

Compreende-se, portanto, que as polí-ticas que visam implementar a democracia em escolas da rede pública não podem ser consideradas como um movimento de mão única. Se por um lado, os preceitos do ne-oliberalismo nos indicam a intenção priva-tista destas políticas, por outro, elas podem ser colocadas no campo progressista, bus-cando a construção de um espaço público democrático7, tendo em vista que a

demo-cratização do Estado brasileiro sempre es-teve na pauta das lutas da sociedade civil.

Neste contexto, a educação, na

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dade de uma pratica social, pode pres-tar sua parcela de contribuição ao pro-cesso de democratização da socieda-de brasileira e à construção socieda-de um pro-jeto social comprometido com os an-seios da maioria. Em que pese a es-cola não construir sozinha uma ala-vanca de transformação da socieda-de, o seu concurso é essencial para a construção e consolidação de uma sociedade justa. São evidentes os seus limites, mas não se forja uma socie-dade democrática sem a sua efetiva participação. Ela é, sem dúvida, um dos mecanismos viabilizadores de um modelo societal equânime. (COSTA; SILVA, 1998, p. 104).

Segundo Bastos (2002), a gestão de-mocrática da educação abre a perspectiva do resgate do caráter público da adminis-tração pública, estabelecendo o controle da sociedade civil sobre a escola pública e a educação, garantindo a liberdade de ex-pressão, pensamento, criação e organiza-ção coletiva e, ainda, facilitando a luta por condições materiais para a aquisição e manutenção dos equipamentos escolares, bem como de salários dignos para os pro-fissionais da educação.

Desta forma, a gestão democrática de escolas públicas pode ser incluída no rol de práticas sociais que podem contribuir para a consciência democrática e a parti-cipação popular e, portanto, para a de-mocratização da própria sociedade. O es-tudo da democracia na gestão de escolas públicas pode, portanto, contribuir para o entendimento da democratização da soci-edade, na medida em que busca esclare-cer como mudanças geradas pelas políti-cas de democratização sobre ela

repercu-tem.

As políticas de

descentralização/

democratização da

gestão escolar no Cabo

de Santo Agostinho

A fim de compreender o processo de implementação das políticas de democrati-zação da gestão escolar e o sentido da democracia atribuído às mesmas, recorre-mos à fala das Secretárias Municipais de Educação e de Desenvolvimento Social e Promoção Humana. Tal resgate histórico nos parece importante, na medida em que con-sideramos que a construção democrática é um processo que se cristaliza lentamente e que não é implantado “do dia para a noi-te” ou “de cima para baixo”.

As políticas de democratização solidifi-cadas no município tiveram seu germe de implantação em 1982, com o processo de redemocratização do país. Naquele momen-to, as forças de oposição, pela primeira vez, chegam ao poder no município, tendo à fren-te o grupo do prefeito que estava à frenfren-te da prefeitura na época da coleta de dados.

No Estado de Pernambuco houve a elei-ção de vários prefeitos do campo progres-sista, em que pese o governo do Estado, nesta época, ainda estar em mãos das for-ças conservadoras. Tal quadro incentivou a organização coletiva dos municípios, no sentido de aglutinar forças para a consoli-dação de suas políticas, particularmente dos Secretários de Educação.

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cole-tiva, buscando maior força no enfrentamen-to ao governo estadual. Desse movimenenfrentamen-to, que tinha como bandeira a universaliza-ção do ensino, começa a surgir a necessi-dade de ampliação desta articulação que, posteriormente, viria a se consolidar naci-onalmente através da UNDIME.

Com a eleição de Miguel Arraes em 1986 e a retomada do governo estadual de Per-nambuco pelas forças de esquerda, cinco municípios da Região Metropolitana (Cabo de Santo Agostinho, Paulista, Olinda, Ca-maragibe, Itapissuma) e Moreno (que não integra a Região Metropolitana) consolidam um consórcio para administrar coletivamente recursos de um programa financiado pela FIDEM, denominado Nova Escola. Neste projeto, trabalhou-se uma nova metodolo-gia com os alunos, considerados como su-jeitos de sua aprendizagem, em um momento em que o construtivismo ainda não se colo-cava como a metodologia mais apropriada ao processo de ensino aprendizagem, além do trabalho com educação de jovens e adul-tos. O mérito de iniciativas deste tipo estava na redefinição política da utilização de re-cursos federais no nível municipal.

Assim, foi possível a apropriação de uma política hegemônica e a sua transformação em uma não hegemônica, através de uma prática articulatória, na construção do sig-nificado de uma política educacional. Os Secretários precisavam dos recursos que vi-nham do Governo Federal e não podiam abrir mão deles em função de divergirem politicamente das orientações para sua utili-zação. No entanto, conseguiram redirecio-nar a sua utilização e implantar ações que apontavam para a democratização do aces-so à educação e para o estabelecimento de relações democráticas no sistema escolar.

Percebe-se, ainda, que, no discurso da Secretária de Desenvolvimento Social, é muito presente a concepção da municipa-lização como fortalecimento do poder lo-cal e democratização das políticas sociais.

Neste período, começa a ser discutida a questão da eleição direta para dirigentes escolares no município do Cabo, cidade que implantou o processo de eleição direta em 1990, época em que começaram a ser organizados os Conselhos Escolares.

A eleição dos diretores foi encarada como mecanismo de rompimento com as indicações políticas dos dirigentes esco-lares que vinham marcando a política educacional brasileira. Tal prática, im-plantada como medida de impacto, vi-sava à construção de uma forma dife-renciada de nomeação dos dirigentes educacionais, historicamente relaciona-da à barganha política.

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Em 1986, foi eleito um novo prefeito que, embora pertencesse ao mesmo grupo político, não deu continuidade às políticas que vinham sendo implantadas. Este, por sua vez, foi sucedido por outro, do campo da direita, que, segundo os depoimentos, “sucateou” o município. Esta retrospectiva nos ajuda a entender as características da gestão, tanto no nível de um modelo admi-nistrativo alternativo, quanto no nível das prioridades e dos princípios e diretrizes po-líticas que ela adotou.

Em 1996 o atual grupo político volta ao poder, tendo à frente o mesmo prefeito, que se reelegeu em 2000, perdendo as elei-ções de 20048. O governo reiniciou a

ges-tão nas bases anteriores e, na segunda gestão (2000/2004), resolveu mudar o for-mato administrativo, ampliando o proces-so de participação e criando mecanismos institucionais. Nasceram, assim, as chama-das áreas temáticas, que formulam as polí-ticas para uma determinada área. Por exem-plo, a Secretaria de Desenvolvimento Soci-al e Promoção Humana congrega seis se-cretarias executivas (educação, saúde, pro-gramas sociais, esporte e lazer, cultura e turismo). A cidade foi dividida em quatro (4) regiões administrativas cada uma com um secretário que também compõe o pri-meiro escalão do governo, que, “funda-mentalmente articula as ações políticas e as ações dos planos setoriais dentro de sua área e acompanha as ações do executivo junto com os Conselhos Consultivos”, além de monitorar as ações da secretaria temáti-ca, junto com a população.

Cada área temática tem a ela vincula-das as Secretarias Executivas e as Secreta-rias Regionais, onde a política é

monitora-da. A população apresenta suas deman-das à prefeitura através dos Conselhos Consultivos, que interagem com as Secre-tarias Regionais e estas com as Executivas.

Dessa forma, busca-se a integração de todas as políticas de uma mesma área. Há um programa de desenvolvimento institu-cional que consiste na elaboração de um plano de ações setoriais anuais que é dis-cutido em várias instâncias, havendo reu-niões mensais com o colegiado de secretá-rios executivos, bimestrais com secretásecretá-rios executivos e gerentes e trimestrais com se-cretários executivos, gerentes e coordena-dores. O objetivo destas reuniões é fazer com que cada coordenador se junte com os outros coordenadores e vá integrando as ações por baixo, na ponta.

Assim, a prefeitura busca a otimização das ações e o estabelecimento de relações mais horizontais na definição e implemen-tação de políticas públicas. No nível da execução, as ações são implantadas a partir de um plano de atividades demandadas pelo orçamento participativo, em que os conselheiros definem a utilização dos re-cursos municipais.

Para o controle das políticas “macro” existem os conselhos setoriais (Saúde, Edu-cação, Criança e Adolescente, Cultura, Assistência Social, Uso Abusivo de Drogas), que buscam uma maior integração com os Conselhos Consultivos.

Em relação aos recursos há uma plani-lha, definida anualmente, de domínio pú-blico, em que são ordenadas todas as des-pesas e os recursos correspondentes ao pagamento das mesmas. Dessa forma, não

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há o ordenamento de despesas pelo Prefei-to, mas sim, pelos Secretários Executivos que podem, inclusive, remanejar recursos ex-cedentes, após discussão com os Conse-lheiros, que são da regional e que atuam em todas as secretarias, eleitos pela comu-nidade para mandato de dois anos.

O discurso das gestoras e os docu-mentos analisados mostram que a demo-cratização das relações nos espaços pú-blicos municipais se basearam em uma compreensão cidadã da gestão da coisa pública. Desta forma, democratizar, no caso, não passou simplesmente pela bus-ca da eficiência, como preconizado pelo neoliberalismo, mas pela formação de uma cultura política que se baseia na construção de relações democráticas na esfera pública. Assim, o Estado aparece com a preocupação da construção de sujeitos sociais, sendo possível admitir com Santos (2001, p. 77) que é nas

[...] novas formas de experimentação institucional que podem estar os poten-ciais emancipatórios ainda presentes nas sociedades contemporâneas. Esses potenciais, para serem realizados, pre-cisam estar em relação com uma socie-dade que aceite renegociar as regras de sua sociabilidade acreditando que a grandeza social reside na capacidade de intervir e não de imitar.

O discurso da Secretária de Promoção Humana destaca a importância da partici-pação na construção de um espaço público diferenciado, onde a coisa pública é enten-dida como “nossa”, e não, como um local “sem dono”. Para tal nos fala de duas

esco-las, uma ao lado da outra, em que, embora estando no mesmo bairro, com as “mesmas” características, “mesmas” pessoas, “mesmas” relações sociais, uma é constantemente pi-chada, roubada e depredada, enquanto que, em relação à outra, além de apresentar uma ótima conservação, a comunidade escolar se mobiliza em qualquer tipo de situação9. A

di-ferença, segundo ela, está exatamente no mo-vimento democrático que a escola faz.

Os projetos e programas

de democratização da

gestão escolar

A secretaria executiva de educação se organiza em torno de gerências. Uma de-las é a gerência de gestão democrática que é responsável pela implantação/ condução dos projetos e programas de democratiza-ção da gestão escolar: a formademocratiza-ção conti-nuada dos gestores escolares, a formação continuada dos Conselheiros Escolares, o Programa Educação com Você e o progra-ma de forprogra-mação dos grêmios estudantis, que serão tratados a partir da análise dos documentos de proposição/divulgação dos mesmos e da entrevista com a Secretária Executiva de Educação.

Formação continuada dos

gestores escolares

O programa de formação continuada dos gestores escolares atende oitenta e nove (89) escolas, cento e trinta e nove (139) gestores e seis (06) formadores, tendo como objetivo o aprofundamento dos fundamentos teóricos e práticos dos princípios da gestão democráti-ca e medemocráti-canismos de participação,

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do que este é “um processo de aprendiza-gem dos diferentes atores sociais, que reforça a cidadania”, além do destaque da interlo-cução com a sociedade civil, como condi-ção de melhoria da qualidade do ensino.

Foram previstas quatro (4) oficinas te-máticas para o ano de 2003: uma (1) so-bre construção do regimento escolar, uma (1) sobre reconstrução do projeto político-pedagógico, uma (1) sobre o Plano Muni-cipal de Educação, e outra sobre gerência e gestão da escola e, também, três (3) se-minários, versando sobre gestão democrá-tica da educação, avaliação e autonomia da escola pública.

Por fim, o documento enumera as con-tribuições da formação continuada10:

• Aprendizagem permanente;

• criação e recriação de estratégias de trabalho;

• socialização de experiências; • compartilhamento e reflexão sobre a

prática com os colegas;

• modificação dos procedimentos; e • desenvolvimento pessoal.

A nosso ver, uma gestão efetivamente comprometida com a democratização das relações no interior da escola deveria estar atenta à formação de seus dirigentes nesta perspectiva. Sabemos do caráter hierárqui-co característihierárqui-co da educação brasileira, além das fragilidades na formação dos pro-fissionais da educação. Não será, pois, “da noite para o dia” que a escola se tornará democrática, nem tampouco a democra-cia será implantada por decreto.

Os dirigentes têm um papel funda-mental neste processo, em função da

sua posição de liderança nas Unidades Escolares. Além disto, como bem colo-ca o documento, os processos de parti-cipação democrática constituem proces-sos de aprendizagem coletiva. Nesse sentido, é interessante a preocupação da Secretaria de Educação em oportu-nizar a possibilidade da formação vi-sando à construção de uma gestão de-mocrática, e à criação de espaços de troca de experiências.

Em estudo anterior desenvolvido nas escolas do município, concluímos ser

salutar observar que os diretores ca-racterizam a escola autônoma como aquela em que há a participação do coletivo, devido à sua posição de lide-rança na comunidade escolar, o que deve orientar práticas democráticas na gestão das Unidades Escolares. Além disso, esse seria o segmento que esta-ria “ameaçado” com a participação, pois historicamente as decisões têm sido de responsabilidade deles. A in-terpretação dos dirigentes sobre a au-tonomia vincula-a à participação, tra-zendo à tona a divisão do poder que essa autonomia acarreta. Se o plane-jamento torna-se coletivo e a comuni-dade escolar participa das decisões, o poder passa a ser compartilhado, não mais centrado na figura do diretor, que se torna um líder que vai estar à frente da execução do que foi decidido cole-tivamente (MARQUES, 2000, p. 96).

Tal achado, a nosso ver, reforça a im-portância de ações que visem à formação continuada dos dirigentes escolares, tendo como objetivo a consolidação de relações democráticas nas Unidades Escolares.

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Tivemos, ainda, a oportunidade de, em um dos momentos de encontro para formação, apresentar e discutir o referido trabalho com os dirigentes. Observamos como foi rica a reflexão de um estudo ci-entífico realizado a partir das experiênci-as vivenciadexperiênci-as por alguns dos participan-tes da reunião. Participamos de um in-tenso momento de troca de experiências e de aprendizagem coletiva, no qual difi-culdades foram expostas e avanços com-partilhados. Consideramos, assim, esta experiência como uma forma de demo-cratização de nosso conhecimento, certi-ficado pela academia, que é comparti-lhado com os sujeitos de nossa investi-gação, oportunizando um crescimento mútuo e recíproco.

A formação continuada

dos Conselheiros

Escolares

No material elaborado pela secretaria, o Conselho Escolar é definido como uma instância de discussão, negociação e deci-são, onde a hierarquia dos cargos é subs-tituída pela representatividade de interesses dos diferentes segmentos da escola. Tem natureza consultiva, deliberativa e fiscali-zadora, constituindo-se no órgão máximo da escola, com as seguintes funções:

• Garantir a gestão democrática da es-cola;

• zelar pela qualidade da educação es-colar oferecida à população; • assegurar a articulação da escola com

a comunidade;

• acompanhar e fiscalizar os trabalhos da escola;

• promover a divulgação das ações da escola na comunidade interna e ex-terna;

• manter articulação com a Secretaria de Educação, visando a assegurar as condições necessárias ao funciona-mento adequado da escola; • implementar diretrizes e metas

estabe-lecidas pela Secretaria de Educação; • coordenar e discutir a elaboração do

Projeto Político-pedagógico e acom-panhar a sua execução, em conjunto com a equipe diretiva;

• aprovar projetos pedagógicos que desencadeiam ações educativas; • propor, apoiar e defender medidas

que visem à melhoria da organização e do funcionamento da escola; • adequar os conteúdos estabelecidos

à realidade sociocultural do aluno; • coordenar e fiscalizar a organização

e realização das eleições diretas para gestores das escolas;

• apreciar relatórios anuais da escola, analisando seu desempenho segun-do as diretrizes e metas estabeleci-das pela comunidade escolar; e, • acompanhar o desempenho dos

ges-tores, convocando, quando for o caso, a Assembléia Geral para desti-tuição da função, conforme regula-menta a lei.

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Os Conselhos Escolares são colocados, ainda, como mecanismos de democracia participativa, em complementaridade à re-presentativa, na medida que há a partici-pação nas decisões políticas, no controle e avaliação das ações.

Segundo o documento

a gestão democrática participativa fir-ma a democracia representativa e aponta para avançar a democracia participativa [...] a prática da democracia participati-va fortalece a cidadania e tecnicamente qualifica o ensino. Numa gestão com-partilhada as pessoas aprendem a exi-gir qualidade de conteúdos e aprendem a gerir o processo, sendo co-responsá-vel das ações definidas pela escola, concepções de política e avaliação dos resultados.

No sentido de garantir o cumprimen-to destas atribuições e funções dos Con-selhos Escolares foi implantado o progra-ma de forprogra-mação dos Conselheiros Esco-lares, cujo objetivo é

contribuir para o processo de fortaleci-mento da gestão democrática, através da participação de seus diversos atores sociais que fazem o Conselho da Esco-la para garantir a articuEsco-lação escoEsco-la / comunidade, assegurando a todos o di-reito público, subjetivo, à educação bá-sica de qualidade.

Para tanto, foi prevista, no ano de 2003, período da coleta de informações desta pesquisa, a realização de seminários sobre o tema “Gestão Democrática e Democra-cia Participativa”, a realização de oficinas na área de recursos financeiros, a articula-ção de fóruns regionais, e a realizaarticula-ção de seminário para socialização das oficinas.

Tivemos acesso aos materiais trabalha-dos até a data da coleta trabalha-dos datrabalha-dos docu-mentais (28/07/2003). As apostilas tratam das características, constituição, funções e atribuições do Conselho Escolar.

Dois pontos nos chamaram atenção. Primeiro, o material que aborda a aplica-ção dos recursos financeiros provenientes do Programa Dinheiro Direto na Escola, que esclarece as possibilidades de utilização des-tes recursos, as proibições para sua utiliza-ção, além dos procedimentos para uma cor-reta utilização e formas de prestação de con-tas. Nesse material, é explicado por exem-plo, a diferença entre recursos de custeio e de capital. Anotamos que a maior parte dos Conselheiros, incluindo-se aí os profissio-nais da educação e dirigentes, não tem co-nhecimento e habilidade no trato com re-cursos financeiros. Neste sentido, é bastante interessante que a Secretaria de Educação dê subsídios a estas pessoas para que en-tendam melhor os processos de financiamen-to da educação, principalmente porque têm responsabilidade direta na aplicação dos recursos, na medida em que esta é uma atri-buição do Conselho, o qual, por sua vez, deve prestar contas à população e aos ór-gãos fiscalizadores acerca de sua utilização.

O segundo aspecto que nos chamou atenção foi um diálogo reproduzido em uma das apostilas:

- É a parte do ensino. O Conselho dis-cute se os alunos têm [sic] apreendi-do, se tem tido muita repetência na escola.

- Mas a gente não estudou, não fez fa-culdade [...]

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- Do nosso jeito, a gente conhece coi-sas que podem ajudar o trabalho dos professores.

- Diz [sic] que outro dia, uns professores queriam que o meu vizinho falasse sobre como surgio [sic] o bairro e como ele foi crescendo. Sabe para que? - Para depois as crianças estudarem isso

na escola. - Nossa! É mesmo

- A professora também disse que tem eleição para os representantes dos Conselhos Escolares.

- Eu vou me informar, porque esta elei-ção também é muito importante. - Todos participam da eleição do

Con-selho Escolar. Pais, funcionários, alu-nos, professores, e elegem seus re-presentantes.

É interessante observar que o diálogo in-dica possibilidades de participação dos pais a partir da valorização de seu saber. É co-mum se ouvirem críticas sobre a participação dos pais que vão à direção do seu “desco-nhecimento pedagógico”, ao mesmo tempo em que eles, muitas vezes, se consideram “in-capazes” de participar. Mesmo não dispon-do de conhecimentos pedagógicos sistemati-zados, técnicos, existe a possibilidade de con-tribuição deles, na medida em que os pais e a comunidade dispõem de outros saberes que os técnicos não dominam.

Nesse sentido, tomando por base o pen-samento de Santos, este trecho do docu-mento nos traz uma possibilidade de “eco-logia de saberes”.

Com efeito, segundo Santos (2003,

p. 747),

Toda ignorância é ignorante de um certo saber e todo o saber é a superação de

uma ignorância particular. Deste princí-pio de incompletude de todos os sabe-res decorre a possibilidade de diálogo e de disputa epistemológica entre os dife-rentes saberes. O que cada saber contri-bui para este diálogo é o modo como orienta uma dada prática na superação de certa ignorância. O confronto e o di-álogo entre os saberes é um confronto e um diálogo entre diferentes processos através dos quais práticas diferentemen-te ignorandiferentemen-tes se transformam em práti-cas diferentemente sábias [...] esta eco-logia de saberes permite não só superar a monocultura do saber científico, como a idéia de que os saberes não científicos são alternativos ao saber científico.

Programa Educação

com Você: um

mecanismo de gestão

O programa Educação com Você é apresentado como

[...] um dos mecanismos da gestão es-colar que fortalece a sua autonomia através da interação / interlocução com os segmentos sociais do entorno da escola, tornado-os atores sociais co-responsáveis pelo controle das políti-cas educacionais.

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estu-dantis, agentes de saúde, pais e responsá-veis e, ainda, representantes de ONGs. Tem, assim, a intenção de garantir o controle so-cial das políticas públicas de educação municipal, a partir do envolvimento dos di-ferentes segmentos da escola e da socieda-de civil. No sentido socieda-de tornar a população mais próxima do poder público, a Secretá-ria de Educação vai às escolas para discutir as questões educativas com a população, podendo ser considerada, assim, um meca-nismo de democracia participativa.

Segundo a Secretária Executiva de Edu-cação, em 1998, a secretaria de eduEdu-cação, percebendo a necessidade de uma maior participação da população, criou o “Pro-grama Educação e Você”, no qual a equipe da secretaria vai à escola para estabelecer um diálogo com a comunidade escolar. De acordo com ela, “muita gente diz: não sei como vocês têm coragem de vir a uma es-cola que tem tanto problema. Mas tem que ir, a gente vai fazer o quê? Fazer de conta que os problemas não acontecem?

Os encontros do “Educação e Você” são organizados através da nucleação das es-colas próximas e, geralmente, acontecem com duas ou três escolas. Neste momento é aberto um canal de comunicação entre a prefeitura e a comunidade escolar, no senti-do de discutir e esclarecer as questões senti-do cotidiano da escola. A Secretária se ressente da centralização da discussão em questões de merenda e falta de professores. Na ver-dade, sua expectativa era por uma maior discussão de questões pedagógicas. No entanto, relata-nos uma intervenção de uma mãe que questionava a metodologia de tra-balho na educação infantil. Veja,

se a filha dela não sabe ler, por que ela trabalha com nomes? E foi interessante

porque a gente pode ter oportunidade de refletir com a mãe, com os pais que estavam ali quanto à questão da con-cepção da alfabetização, por onde pas-sa, que é importante que a criança entre em contato com o momento da leitura. Mas no seu universo, ela tinha razão, porque se a criança não sabe ler e você dana a ter papel para a menina ler, a ter atividade para fazer isto e aquilo, para ela era uma preocupação.

Este depoimento nos parece bem interes-sante, no sentido de ressaltar o caráter peda-gógico da participação, utilizando-se aqui o pedagógico como construção de novos co-nhecimentos para ambas as partes. Podemos perceber um questionamento a um saber téc-nico por parte de uma mãe, leiga neste sa-ber, que possibilitou a ela aprendizagem so-bre o mesmo. Da mesma forma, proporcio-nou para a equipe da Secretaria o aprendi-zado de como a população percebe a alfa-betização. Na perspectiva de Santos, esta troca também poderia ser caracterizada como uma

ecologia de saberes, onde diferentes saberes se interpenetram e constróem-se mutuamen-te. Podemos, ainda, ilustrar esta argumenta-ção com o seguinte fragmento da entrevista com a Secretária:

Eu acho que um olhar de um pai, de uma mãe, eles dão sugestões que às vezes dá um estalo, realmente, ele pode, tem como isso dar certo, eu acho que por aí ajuda.

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en-tanto, isto não significa a impossibilidade de contribuir com as atividades desenvol-vidas no cotidiano escolar, na medida em que há um saber que deve ser considerado e trazido para dentro da escola.

A Secretária nos coloca, ainda, que, em geral, no início dos encontros as pessoas estão “armadas”, colocando-se na posição de que “se o governo está lá é para bater”, mas ao final dos encontros se começa a conseguir estabelecer a troca, e os partici-pantes passam a sugerir e a opinar. Assim, este espaço participativo coloca a prefeitura mais perto da população. Segundo ela,

a fala do usuário dá para a gente uma dimensão muito próxima do real, por onde a gente pode estar direcionando nossas ações, porque você fica muito distante do que acontece na ponta efetivamente.

A idéia de confronto com os membros do governo indica que a população, em que pese as ações de participação levadas a cabo pelo Município, ainda não se sente como co-partícipe das ações do poder pú-blico. Mesmo havendo a preocupação da aproximação com a população, esta, em geral, parece entender o poder público como “inimigo” e não como um aliado, possibilitando uma soma positiva, que ga-ranta autonomia ao Estado e aos atores sociais. Tal compreensão, supomos, não é compartilhada por aqueles que têm mili-tância nos diferentes movimentos sociais.

O programa de formação

dos grêmios estudantis

O programa de formação dos grêmios tem por objetivo “realimentar a gestão par-ticipativa nas escolas através dos grêmios estudantis, assegurando a liberdade e a

co-responsabilidade de todos na construção de uma escola democrática, eficiente, de qualidade”. São previstos seminários de socialização, fóruns de debates, visitas às escolas, articulação do lançamento do Pro-grama Fome Zero, participação no con-gresso da UMES e publicação de materiais sobre grêmio estudantil. Além dos grêmios, os participantes envolvidos nestas ações seriam as ONGs, Secretaria de Educação, dirigentes escolares e UNE.

A implantação dos grêmios estudantis é uma das ações que visam à construção de espaços de participação na escola. É um programa que vem sendo desenvolvi-do pela gerência de gestão democrática e que encontra alguma resistência nas esco-las, particularmente por parte de alguns dirigentes, que consideram o grêmio como um elemento “perturbador”.

A Secretária de Educação, que entende ser esta uma instância importante de de-mocratização do espaço escolar, vem bus-cando aproximar os grêmios estudantis da discussão das políticas públicas para a ju-ventude, pois compreende que

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me-dida em que pode estar abrindo espaço para o debate, puxando, sensibilizando. Damos o mote, alguém vai pegar.

Parece-nos interessante a realização de ações voltadas ao fortalecimento do movi-mento de organização dos estudantes como mecanismo de democratização da gestão. Na maioria dos estudos que tratam do tema não são encontradas referências aos grêmi-os. Nestes trabalhos, a referência à partici-pação dos estudantes, em sua maioria, se dá no âmbito da representação no Conse-lho Escolar.

Tendo em vista o arrefecimento observa-do no movimento estudantil na atualidade, parece-nos interessante a preocupação da Secretaria de Educação com este segmento. Além disto, o fortalecimento dos grêmios contribui no aprendizado democrático, na medida em que fortalece e legitima a parti-cipação dos estudantes, propiciando o es-tabelecimento de espaços de conflito e de diálogo. Se tomarmos por base a compre-ensão de que na escola não aprendemos só conteúdos, mas também valores e práticas, os jovens que têm a oportunidade de viven-ciar experiências democráticas em sua for-mação serão mais preparados ao exercício democrático na sociedade, pois o grêmio pode ser um espaço de aprendizagem da cidadania e da construção de novas rela-ções de poder na escola.

Buscando concluir...

Neste artigo apresentamos o resultado de pesquisa realizada sobre as políticas educacionais de democratização/descen-tralização da gestão escolar no Município do Cabo de Santo Agostinho. Apesar de compreendermos que as políticas

educaci-onais por si só não são capazes de garan-tir que as relações escolares se democrati-zem, sem a sua existência a democracia nas escolas e no sistema escolar não tem possibilidade de acontecer. Buscamos, por-tanto, descobrir o sentido atribuído à de-mocracia nestas políticas.

Nossa pesquisa de campo, realizada através de análise documental e de entre-vistas, nos mostrou que as políticas de des-centralização da gestão escolar se colocam como “instrumentos” de construção da ci-dadania emancipatória, forjando, assim, um espaço público democrático. Não es-tão, portanto, coadunadas ao ideário neo-liberal que busca tão-somente a eficiência e a eficácia da escola, com base nos pres-supostos da qualidade total, sem preocu-pação com a qualidade social da escola, que está atrelada à construção da demo-cracia emancipatória.

No Cabo de Santo Agostinho, o Esta-do, um dos espaços de regulação social, se mostra preocupado com a construção de sujeitos sociais autônomos. Assim, nas políticas educacionais são veiculados con-teúdos democráticos, o que indica o seu avanço. Podemos considerar, desta forma, que, no município, existe uma regulação democraticamente partilhada que pode ser transformada em uma forma de emancipa-ção. Há, portanto, uma soma positiva en-tre o poder local e a sociedade, baseada em uma relação virtuosa que se estabelece entre os atores sociais e o Estado.

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Por fim, consideramos ser de funda-mental importância a implementação de políticas de descentralização/democratiza-ção da gestão escolar tomando por base uma perspectiva cidadã da democracia. Se as políticas educacionais por si só não garantem a implementação de práticas democráticas nas escolas, elas são a

con-dição de possibilidade de sua existência. Assim, só com base em políticas de des-centralização que busquem a construção de uma gestão democrática, que contri-bua na formação cidadã da comunidade escolar a gestão escolar poderá efetiva-mente concorrer para a transformação da educação e da sociedade.

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Recebido: 01/09/2006

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