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Estrutura e temporalidade na psicologia e na psicanálise.

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Academic year: 2017

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retende-se fazer um a diferenciação entre a form a com o a estrutura é vista pela psicologia e a m aneira com o é con-cebida pela psicanálise, com o intuito de analisar a especificidade da noção de estrutura na teoria psicanalítica e a sua im -portância no que diz respeito à questão da tem poralidade. Psicanalista,

doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, m em bro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos.

Is a b e l Forte s

RES UMO: Pretende-se fazer um a diferenciação entre a form a com o a

estrutura é vista pela psicologia e a m aneira com o é concebida pela psicanálise, com o intuito de analisar a especificidade da noção de estrutura na teoria psicanalítica e a sua im portância no que diz res-peito à questão da tem poralidade. Para isso, a estrutura psicológica é vista, prim eiram ente, a partir do gestaltism o psicológico, um estru-turalism o sem gênese, e, depois, na teoria piagetiana, que introduz a gênese na estrutura. Na estrutura psicanalítica, a tem poralidade é da ordem da atualização, com o se pode atestar no conceito de a posteriori ( o N achträglichkeit) .

Pa l a v ra s - c h av e : Estr u tu r a, tem p o r alid ad e, gestaltism o, teo r ia

piagetiana, estrutura psicanalítica.

ABSTRACT: Structure and tem porality in psychology and

psycho-analysis. The article intends to distinguish the way structure is re-garded by psychology from the way it is conceived in psychoanaly-sis, w ith the aim of analyzing the specificity of the idea of structure in psychoanalytical theory and its im portance in relation to tem po-rality. To this effect, psychological structure is seen firstly from the point of view of psychological Gestaltism , a structuralism w ithout genesis, and secondly, in Piagetian theory, w hich introduces genesis into structure. In psychoanalytical structure tem porality is of the or-der of actualization, as it can be seen in the concept of a posteriori (N achträglichkeit) .

Ke y w o rds : Str ucture, Tem porality, Gestaltism , Piagetian theory,

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O GESTALTIS MO PS ICOLÓGICO

A noção de estrutura apareceu inicialm ente na m atem ática, da teoria dos grupos de Gallois até as cham adas estruturas m atriciais de Bourbaki. A partir do com eço do século XX, ganhou espaço em vários outros cam pos do saber. Dentre esses cam pos, um dos que m ais trabalhou com a noção de estrutura foi a psicologia, por m eio da psicologia da form a ou gestaltism o psicológico, nascido em 1912, a partir dos estudos inaugurais de Wertheim er, Koffka e Köhler, integrantes da cham ada Escola de Berlim .

Desse m odo, a psicologia da form a — que se fundam entou sobre as form u-lações das teorias da percepção — lançou as bases para a teoria psicológica da estrutura, na qual é fundam ental a noção de ‘totalidade psíquica’.

A com preensão estrutural, aqui, analisa as realidades com o totalidades, não se atendo aos elem entos com ponentes, pois o todo é visto com o um a unidade. Esta últim a só pode existir com o um todo, a partir da com preensão básica de que o todo não é igual à som a das partes. Segundo o gestaltism o, é este sentido de unidade estrutural que caracteriza a form a, ao se afirm ar um a anterioridade do todo em relação às su as partes. Existe n a totalidade psíqu ica u m prin cípio organizador que faz com que haja um a unidade na qual o todo é diferente da m era som a dos seus elem entos com ponentes:

“A coexistência das partes no todo garante um a organização suprassom ativa, cujo prin-cípio unificador não se acrescenta ao conjunto unificado com o um últim o term o, nem tam pouco se confunde com a m era associação dos elem entos com ponentes. A form a é o resultado do com prom isso estrutural de cada parte com o restante do

todo.” ( PASSOS, 1992, p.113)

Portanto, a totalidade psíquica é regida pelas leis de organização do fenôm e-no perceptivo, e estas leis se condensam e-no que o gestaltism o dee-nom ie-nou de teoria da Boa Form a — que postula haver um a tendência a organizar as form as perceptivas, levando as excitações fisiológicas a estabilizar a m elhor form a possí-vel. Esta tendência à m elhor estabilização, postulada pela psicologia da form a, indica que “os fatores de form a, enquanto fatores de estabilidade, organizarão um cam po” ( KOFFKA, 1975, p.162) , e o farão a partir da idéia de que

“a organização psicológica será tão ‘boa’ quanto as condições reinantes perm itirem . Nesta definição, o term o ‘boa’ é indefinido. Abrange propriedades tais com o a

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As Gestalten, portanto, são todos dinâm icos que, por suas propriedades funcio-nais, delim itam m odos de organização.

Um a com preensão que se associa de m odo direto à lei da Boa Form a é a noção de equilíbrio. A idéia geral é de que o universo é um sistem a que tende a se estabilizar com um m ínim o de energia. Tom ando com o paradigm a o m odelo da física, as forças de um sistem a tendem ao equilíbrio e, conseqüentem ente, ao consum o m ínim o de energia. Por isso, a cognição é pensada com o um m ecanis-m o de ecanis-m anutenção do equilíbrio.

Nesse sentido, a noção de equilíbrio é central no gestaltism o, estando presen-te nas várias ciências, o que indica a sua prepresen-tensão ao universal, já que “a realida-de em geral é pensada com o um a Gestalt que se organiza no sentido da estabiliza-ção da m elhor form a” ( PASSOS, 1992, p.125) .

A idéia de que qualquer sistem a se organiza segundo as leis da Gestalt faz com que o que acontece na física seja tam bém verificado no cam po da psicologia. Desse m odo, o gestaltism o estabelece um a unidade estrutural, que se funda na idéia de um isom orfism o entre o mundo físico e o m undo psíquico, tese que afirm a um a harm onia entre razão e universo, refutando a idéia de um conheci-m ento que viria organizar uconheci-m conheci-m undo caótico.

A noção m esm a de form a institui a posição estrutural do gestaltism o, o qual concebe que os fatos psíquicos são form as que se lim itam ao cam po espacial e tem poral de percepção ou de representação. Por isso, a teoria da Gestalt não aceita a oposição entre caos m aterial e atividade organizadora, pois o conhecim ento já reflete a organização do objeto ( PASSOS, 1992) .

Se o que caracteriza a estrutura é haver um m odo de organização que consti-tua um conjunto de elem entos relacionados entre si segundo certas regras, ou funcionalm ente correlacionados, o traço relevante da estrutura psicológica é a idéia de que o conjunto é um a totalidade e não um a “m era som a”: “No processo de organização, o que acontece a um a parte do todo é determ inado por leis intrínsecas inerentes a esse todo” ( WERTHEIMER apud PASSOS, 1992, p.121) .

Assim , a estrutura aponta para um princípio organizacional que atua sobre as partes que com põem qualquer sistem a. Com preende-se que é o todo que deter-m ina as partes, isto é, deterdeter-m ina os eledeter-m entos e as relações que devedeter-m ser deter-m antidas entre eles. Verem os adiante com o esta com preensão m arca um a nítida distinção da form a com o se concebe a estrutura na psicanálise.

Sobre esta noção da determ inação do todo sobre as partes, Kurt Lew in, que foi bastante influente no gestaltism o psicológico ao desenvolver o cham ado “es-truturalism o topológico”, usou essa com preensão acerca da totalidade para de-senvolver suas pesquisas sobre a dinâm ica dos grupos, estendendo a teoria da

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os elem entos são interdependentes. Um grupo, portanto, é um conjunto que pos-sui leis próprias, que ultrapassam o funcionam ento particular de cada indivíduo.

No entanto, se nosso interesse neste artigo é ver a relação existente entre a estrutura e a tem poralidade, a crítica que se faz ao gestaltism o é que seu princí-pio estruturante universal acaba por recusar a dim ensão tem poral, o que o levou a ser acusado de um estruturalism o sem gênese, sem história.

Excluir o fator ‘tem po’ foi o preço pago pela teoria da Gestalt por seguir o m ode-lo da física para entender o que era verificado pela psicoode-logia: “Nos conjuntos estáticos em equilíbrio não ocorre m udança por períodos longos, havendo um a independência de sua organização em relação ao tem po” ( PASSOS, 1992, p.126) . Portanto, as propriedades descritas aqui antes com o pertencentes à lei da Boa Form a – a regularidade, a sim etria e a sim plicidade – são processos que levam à tendência ao equilíbrio, m as que têm com o conseqüência neutralizar o fator tem po:

“Tom ando, com o m odelo físico paradigm ático, esses processos nos quais a distribui-ção das forças tende ao equilíbrio e, conseqüentem ente, ao consum o m ínim o de energia do sistem a, essa teoria psicológica constrói seu ideal de inteligibilidade que

tem com o contrapartida a neutralização da variável tem po.” ( PASSOS, 1992, p.126)

A PS ICOGÊNES E DA ESTRUTURA

A inovação de Piaget para o estruturalism o foi pensar a gênese da estrutura. Esta últim a perde o caráter estático de perm anência para tornar-se um a estrutura estruturante e estruturada que vai se m odificando por m eio de um princípio de equilibração.

Assim , enquanto o gestaltism o pensava um a estrutura pura, sem gênese, Piaget teve o m érito de incluir a dim ensão do tem po na estrutura, criticando a noção de totalidade form ulada pela Gestalt:

“Isso não im pede que, precisam ente porque concebida desta m aneira, a Gestalt

repre-sente um tipo de “estrutura”, que agrada a certo núm ero de estruturalistas, cujo ideal, im plícito ou confesso, consiste em procurar estruturas que possam considerar com o “puras”, porque as desejam sem história e, a fortiori, sem gênese, sem funções e sem relações com o sujeito.” ( PIAGET, 1974, p.47)

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“Ora, a preocupação com os efeitos de cam po conduziu Köhler a não ver ato autên-tico de inteligência senão na “com preensão im ediata” ( o insight) , com o se os tateios que precedem a intuição final não fossem já inteligentes. E, sobretudo, o m odelo do cam po é sem dúvida responsável pela pouca im portância atribuída pelos gestaltistas

às considerações funcionais e psicogenéticas e, por fim , às atividades do sujeito.” ( idem , ibidem )

Assim , a teoria piagetiana traz as atividades do sujeito para dentro da estrutu-ra e busca entrelaçar a noção de estrutuestrutu-ra com as testrutu-ransform ações decorrentes da tem poralidade. A estrutura, nesta concepção, é um sistem a de transform ação que com porta leis enquanto sistem a, sem que estas conduzam para fora de suas fron-teiras. Um a estrutura envolve os caracteres de totalidade, de transform ação e de auto-regulação. O sujeito, aqui, é o centro de funcionam ento da estrutura. Dife-rentem ente, na Gestalt o sujeito é apenas um palco onde se representam peças independentes dele e reguladas por antecipação por leis de equilibração física autom ática ( PIAGET, 1974) .

A epistem ologia genética centrou-se na psicogênese das estruturas m entais, com a finalidade de circunscrever os processos da aquisição do conhecim ento. A pesquisa de Piaget visou a analisar as etapas e as estruturas que estão em jogo na construção ( estam os aqui no cam po do construtivism o) do sujeito cognoscente, a partir de um a visão em pirista que com preende o sujeito hum ano com o produ-to da interação do m eio com o organism o.

O interesse de Piaget centrou-se no estudo do sujeito do conhecim ento, que deu origem à noção de sujeito epistêm ico ( SEMINÉRIO, 1996, p.32-33) .

Essa perspectiva teórica do estruturalism o entende a aquisição do conheci-m ento coconheci-m o uconheci-m a construção interna que conduz à transforconheci-m ação. O sujeito vai se transform ando pelo processo de aprendizagem , e o que garante essa transfor-m ação é utransfor-m pertransfor-m anente processo de equilibração. Este últitransfor-m o rege o desenvol-vim ento hum ano a partir da busca do estado de equilíbrio por m eio da irrupção do desequilíbrio e de perm anentes reequilibrações. Assim , no processo de cons-trução das estruturas cognitivas, trata-se de um a equilibração m ajorante, pela qual o equilíbrio envolve um salto de estrutura, a passagem para um a estrutura im plicando a assim ilação e a acom odação da estrutura anterior. A assim ilação é a ação do sujeito sobre o m eio, quando incorpora o m eio. A acom odação é a m o-dificação que o sujeito é obrigado a fazer em função da assim ilação. Todo o processo se dá com o um m ecanism o de perm anente transform ação.

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hegeliana,1 um a superação que ocorre pela suprassum ição do objeto na consti-tuição da consciência de si. A superação é, ao m esm o tem po, abolição e conser-vação do objeto. Assim , no estruturalism o piagetiano, a estrutura subseqüente assim ila e acom oda a estrutura anterior, por m eio de um m ecanism o que faz com que a estrutura anterior continue existindo, sendo conservada na etapa se-guinte do desenvolvim ento hum ano. É inerente ao m ovim ento perm anente da equilibração m ajorante a idéia de evolução e progresso. Com o aponta Passos ( 1992) , a epistem ologia genética afirm a um a orientação do com portam ento no sentido de um a finalidade, refletindo um percurso evolutivo do pensam ento:

“Em bora preocupado com o problem a genético, a indagação acerca da form ação das estr uturas m entais não faz Piaget duvidar de um percurso evolutivo do pensam ento.

Há um sentido teleonôm ico da evolução intelectual, apesar do funcionam ento da inteligência hum ana não estar subm etido a um fim absoluto. O processo se faz sem -pre, m esm o que sem um term o definitivo para o qual a evolução se dirija.” ( p.137)

O sujeito epistêm ico é o próprio sujeito cognoscente, o que revela com o o sujeito piagetiano é correlato ao sujeito da ciência m oderna. Com efeito, no estudo da gênese e evolução dos processos cognitivos, a lógica progressiva apa-rece no nível do sujeito da m esm a form a que está presente na história das idéias científicas:

“Piaget afirm a a inter-relação entre a indagação psicogenética das estruturas m entais, isto é, o que se desenrola ontogeneticam ente, e o curso progressivo do conhecim

en-to científico ele m esm o. O construtivism o epistem ológico se coloca, portanen-to, nesse lim ite entre o desenvolvim ento individual das form as de conhecim ento e o desen-volvim ento histórico das idéias científicas.” ( PASSOS, 1992, p.137)

Dessa m aneira, no cam inho progressivo do desenvolvim ento cognitivo da criança, Piaget define alguns estágios evolutivos. A criança, de início, encontra-se no estágio do pensam ento prático sensório-m otor, passa pelo estágio pré-opera-tório, desse vai para o pensam ento concreto, para chegar finalm ente ao pensa-m ento lógico-forpensa-m al, que atesta a capacidade de abstração hipotético-dedutiva da inteligência ( PIAGET, 1964/ 1980) . Ora, se a ciência m oderna se caracteriza por descrever o universo por m eio de fórm ulas m atem áticas ( KOYRÉ, 1966/

1 Passos ( 1992) m ostra com o na tese piagetiana o caráter progressivo, produtivo e cum ulativo

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1973) , podem os apreender que cabe à criança piagetiana alcançar o estágio de um pequeno cientista:

“É assim que o psicólogo situa um sujeito da ação — precursor do sujeito epistêm ico

– no contexto da inteligência sensório-m otora. Definida com o cronologicam ente anterior e independente da linguagem , essa inteligência prática é com partilhada com os infra-hum anos. Com a interiorização da ação em representação e, m ais tarde, em operações lógico-intelectuais, o desenvolvim ento culm inaria em um sujeito

defini-do finalm ente pelas estruturas lógicas defini-do pensam ento hipotético-dedutivo. A esse nível form al, a atividade científica torna-se, então, franqueada ao sujeito epistêm ico.” ( BASTOS, 1996, p.58)

Neste sentido, o sujeito epistêm ico tem um caráter universal, apresentando um a dim ensão tem poral ascendente na direção do pensam ento lógico, pois a gênese parte de um a estrutura m ais sim ples para chegar a um a m ais com plexa:

“Portanto, não direi, sim plesm ente, que ela ( a gênese) é a passagem de um a estrutu-ra paestrutu-ra outestrutu-ra, m as antes que a gênese é certa form a de testrutu-ransform ação que parte de um estado A e alcança um estado B, sendo este m ais estável que o prim eiro.” ( PIAGET, 1964/ 1980, p.134)

Na tese piagetiana, assim , o tem po é evolutivo, e vai de um a estrutura a outra. Esse m odo de pensar a gênese reafirm a o que dissem os antes sobre a presença de um sentido final, um a teleonom ia, nessa concepção do estruturalism o.

A ESTRUTURA NA PS ICANÁLIS E

A estrutura na psicanálise se insere no pensam ento do estruturalism o francês, m ovim ento que incluiu várias disciplinas e que floresceu especialm ente na Fran-ça ao final da Segunda Guerra Mundial. Dentre seus expoentes, fizeram parte do m ovim ento autores com o Lévi-Strauss, Louis Althusser, Roland Barthes, Jacques Derrida, Michel Foucault e, no caso da psicanálise, Jacques Lacan. Com o aponta Dosse ( 1993) , esses pensadores tom aram rum os bastante distintos em relação ao estruturalism o, sobretudo Derrida e Foucault, cujos trabalhos acabaram por de-sem bocar em um a crítica antiestruturalista.2

Na psicanálise, foi Jacques Lacan, assim , quem introduziu a visão estrutura-lista na leitura que em preendeu do pensam ento freudiano. Nos anos 1950, com

2 Ver, sobre isso, o livro de Dosse ( 1993) , História do estruturalism o: o cam po do signo. Cam pinas:

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a introdução da lingüística de Saussure e a concepção de sim bólico de Lévi-Strauss, Lacan traz o conceito de estrutura para o interior da teoria psicanalítica, definindo a psicanálise com o “o cam po da fala e da linguagem ”, regido pela lógica do significante. É neste cenário teórico que ele conceitua o inconsciente com o transindividual.

Assim , em “Função e cam po da palavra e da linguagem na psicanálise” ( 1953/ 1966) , Lacan assevera o dom ínio da linguagem na constituição do conceito de inconsciente e das teorizações acerca da noção de interpretação, iniciando um longo percurso através do qual a psicanálise será direcionada pelos cânones do estruturalism o.

Neste sentido, a psicanálise, principalm ente a partir da interlocução que pas-sa a ter com os penpas-sam entos de Saussure e Lévi-Strauss, torna-se um a das corren-tes im portancorren-tes do m ovim ento estruturalista, pois seus conceitos são revistos e operacionalizados a partir do ponto de vista desse pensam ento.

Sobre os critérios que definem o estruturalism o, Deleuze ( 1967/ 1982) des-creve alguns elem entos que perm item analisar a presença da estrutura em certo dom ínio. Antes de tudo, é im portante m ostrar com o a linguagem tem função prevalente neste pensam ento, pois “só há estrutura daquilo que é linguagem ” ( p.272) .

No texto “Em que se pode reconhecer o estruturalism o?” ( 1967/ 1982) , Deleuze propõe destacar alguns critérios form ais de reconhecim ento da estrutu-ra na form a com o é com preendida pelo m ovim ento que ficou conhecido com o o estruturalism o francês. Para isso, são analisados os seguintes elem entos: o sim -bólico, a posição, o diferencial, a diferenciação, a série, a “casa” vazia e o sujeito. No que diz respeito à questão que aqui nos interessa enfocar — a relação da estrutura com a tem poralidade — deter-nos-em os nos quatro prim eiros crité-rios apresentados neste texto.

O prim eiro critério, o sim bólico, é um dos elem entos de m aior relevância na definição da estrutura. O sim bólico se diferencia da dim ensão do real e do im a-ginário, pois se articula diretam ente com o registro da linguagem . Lacan apre-senta a dim ensão do sim bólico em 1953 a partir de dois textos: a conferência sobre o “O sim bólico, o im aginário e o real” e o texto “Função e cam po da fala e da linguagem na psicanálise”. Nesses textos, ele desenvolve a noção de Nom e-do-Pai com o o operador por excelência do sim bólico e a com preensão de que o inconsciente é estruturado com o um a linguagem .

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O diferencial, o terceiro critério, é o que faz com que os elem entos se deter-m inedeter-m reciprocadeter-m ente edeter-m relações. A diferença entre os eledeter-m entos é aquilo que os especifica, aquilo que faz com que sejam produzidos ao m esm o tem po os elem entos e as relações diferenciais.

O critério diferencial aponta para um a separação nítida entre a estrutura na psicologia e a estrutura na psicanálise. A partir deste critério foi que surgiu um a das críticas m ais contundentes à noção de estrutura tal qual concebida pela psi-cologia — para Bertrand Russel, a concepção estrutural da form a em que é pen-sada na psicologia apresenta um a precariedade quanto à sua elucidação lógica. Segundo este autor, a origem m atem ática do estruturalism o deve ser buscada do lado do cálculo diferencial, elaborado por Russel com o um a oposição ao cálculo infinitesim al. A teoria m atem ática de Bourbaki em prega o term o ‘estrutura’ em um sentido bem diferente do estruturalism o, pois operacionaliza elem entos não especificados. O cálculo diferencial da form a que foi interpretado por Russel integra os elem entos num a lógica das relações, pela qual os elem entos vão se especificar por m eio de um a determ inação recíproca.

É nesse sentido que, de m aneira diferente da psicologia, a estrutura na psica-nálise não pode ser aplicada à idéia de conjuntos, em que o todo determ ina as partes, com o na Gestalt — a noção de estrutura se aplica às relações entre os elem entos, que são as relações diferenciais. Na psicologia, a estrutura consiste, com o vim os, em todos holísticos que determ inam tanto o tipo dos elem entos com o as relações que se estabelecem entre eles. Não tem im portância, nesta pers-pectiva, a relação entre os elem entos. Na psicanálise, a estrutura é um sistem a que define as relações entre os elem entos. São estas relações que, justam ente, determ inam a estrutura. Trata-se de um sentido inverso ao da psicologia, pois os elem entos é que são determ inantes para o todo, e não o todo que determ ina os elem entos. Os elem entos, na estrutura psicanalítica, não existem independente-m ente das relações diferenciais, pois são estas que fazeindependente-m coindependente-m que aqueles sejaindependente-m produzidos.

O quarto critério é a diferenciação. Este aspecto é particularm ente im portante no que tange à variável ‘tem po’, pois na estrutura as relações diferenciais se atualizam na m edida que se encarnam em um a form a determ inada. O tem po da estrutura se instaura à proporção que se atualiza. Nesta atualização da estrutura ocorre um a diferenciação — atualizar-se, para ela, é, precisam ente, diferenciar-se:

“E é justam ente porque a estrutura não se atualiza sem se diferenciar no espaço e no

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Assim , o tem po da estrutura vai do virtual ao atual. O que designa o m odo da estrutura é a virtualidade. Há um a virtualidade indiferenciada e quando a estru-tura se encarna ela se diferencia e produz as suas partes já com o partes diferencia-das. Se na estrutura psicológica o todo determ ina as partes, na estrutura psicana-lítica as relações que se estabelecem entre as partes vão determ inar tanto as partes com o o todo.

Neste sentido, podem os dizer que o tem po vai da estrutura às suas atualiza-ções, e não de um a estrutura à outra, com o vim os na gênese do em pirism o piagetiano.

Pensar um tem po que se atualiza distingue sobrem aneira a estrutura psicana-lítica da estrutura psicológica, pois, com o vim os, se na Gestalt o tem po nem fazia parte da estrutura, em Piaget o tem po é introduzido na estrutura, m as a partir de um a concepção evolutiva do tem po.

Deleuze ( 1967/ 1982) , neste texto, m ostra com o a questão da tem poralidade é fundam ental para se definir o m odo da estrutura do ponto de vista do estrutu-ralism o francês:

“Portanto, a posição do estruturalism o relativam ente ao tem po é bastante clara: o tem po é sem pre um tem po de atualização, segundo o qual se efetuam , em ritm os diversos, os elem entos de coexistência virtual. O tem po vai do virtual ao atual, isto é,

da estrutura às suas atualizações, e não de um a form a atual à outra form a.” ( DELEUZE, 1967/ 1982, p.285)

Dessa m aneira, vem os com o o elem ento sim bólico inerente à estrutura psica-nalítica faz com que esta seja produzida pelas relações diferenciais, que terão sem pre um tem po que é o da atualização: “o inconsciente da estrutura é um inconsciente diferencial” ( idem , p.287) . O pensam ento sim bólico revela, assim , os m ecanism os diferenciais, m ecanism os esses que ficam ocultos na teoria psi-cológica da estrutura. A fórm ula da estrutura na Gestalt que faz com que o todo determ ine as partes não leva em conta o elem ento sim bólico, ficando no nível do im aginário, com o explica Deleuze:

“Mas é justam ente aqui que passa a fronteira entre o im aginário e o sim bólico: o im aginário tende a refletir e a reagrupar sobre cada term o o efeito total de um m eca-nism o de conjunto, ao passo que a estrutura sim bólica assegura a diferenciação ( ‘différentiation’) dos term os e a diferenciação ( ‘différenciation’) dos efeitos. Donde a

hos-tilidade do estruturalism o em relação aos m étodos do im aginário.” ( idem , p.286)

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estruturalism o introduz o sujeito nas cham adas “ciências hum anas” ( p.861) , term o posto por ele entre aspas por não acreditar que tais ciências pudessem existir. Quanto a Piaget, Lacan m ostra que ele tem o m érito de não ficar na ciência do hom em , de trazer o sujeito para a sua teoria, m as, no entanto, seu sujeito epistêm ico seria m uito m ais da ordem do ego, do im aginário, e não traria o elem ento sim bólico tão caro ao estruturalism o na psicanálise. Com o observa Bastos ( 1996) , enquanto Lacan institui a precedência da ordem sim bólica sobre o sujeito do significante, Piaget elabora a gênese em pírica do sujeito epistêm ico. O sujeito cognoscente não é o sujeito do significante, m as a extensão de “um a suposta organização biológica prévia não subm etida à ordem sim bólica” ( p.58) .

ESTRUTURA E TEMPORALIDADE

É justam ente por este aspecto da diferenciação que podem os analisar a variável tem po na estrutura. Por ser um tem po que se diferencia, podem os observar que se trata do tem po da irreversibilidade, e não da reversibilidade.

Se o tem po da irreversibilidade é aquele que diferencia um antes e um de-pois, o tem po da reversibilidade faz um a sim etria entre o que veio e o que virá. Com o m ostram Prigogine e Stengers em A nova aliança ( 1984) , a ciência clássica definiu um a concepção de m undo m ecanicista que se queria estável. A ordem só teria com o surgir a partir de noções com o causalidade, determ inism o, racionalida-de. Para que só haja organização no equilíbrio, faz-se necessário pensar o tem po com o reversível, isto é, n ão ten do u m a direção determ in ada. O tem po da reversibilidade estabelece que o tem po seja um a série contínua, hom ogênea e infi-nita. A dinâm ica newtoniana aceita que o tem po m arche indiscrim inadam ente para o passado ou para o futuro, não fazendo discrim inação entre passado, presen-te e futuro. Assim , no mundo m ecânico é possível que, quando aplicada às m esm as condições de força, velocidade etc., haja um retorno ao m esm o estado em que se estava antes, na m edida que não há diferenciação entre o antes e o depois. Na dinâm ica new toniana, a relação entre a causa e seu efeito é form ulada com o reversível: não há nenhum a perda, nenhum a diferença se interpõe entre um a e outro. A reversibilidade apregoa um a dim ensão abstrata do tem po, na qual as cate-gorias de racionalidade, causalidade e determ inism o funcionam perfeitam ente.

Na irreversibilidade do tem po, por sua vez, o tem po flui em um a direção determ inada: rum o ao futuro, não sendo concebível um a volta ao passado. O tem po irreversível diferencia o passado do presente e do futuro, discrim inando o antes e o depois. Nesta perspectiva, é possível pensar que há ordem fora da esta-bilidade. A noção de equilíbrio não é aqui tão fundam ental, pois é possível con-ceber um a form a de organização no desequilíbrio.

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haja junção entre acaso e necessidade. Com isso, introduziu na física a “flecha do tem po”:

“Das duas herdeiras da ciência do calor, a ciência das conversões de energia e a ciência

das m áquinas térm icas – am bas concebidas ainda segundo o m odelo clássico – nasceu a prim eira ciência não clássica, a term odinâm ica. Foi ela, diz-se isso inúm eras vezes, que introduziu a ‘flecha do tem po’ na física.” ( PRIGOGINE & STENGERS, 1984, p.10)

É desse m odo que podem os dizer que a noção de irreversibilidade conduz à elaboração de conceitos com o estrutura e história. A irreversibilidade obriga que se pense a estrutura atrelada à história: “No futuro, a física retom a o que a ciên-cia clássica negava em nom e da reversibilidade dos com portam entos elem enta-res: as noções de estrutura, de função e de história” ( idem , ibidem ) . Foi destruído, com a irreversibilidade, o dem ônio determ inista de Laplace que, por ter a onis-ciência do passado, do presente e do futuro, podia estabelecer um a previsão absoluta do futuro.

Na psicanálise, o tem po é o da irreversibilidade. O tem po que Freud definiu com o sendo o do inconsciente é o N achträglichkeit, o a posteriori. Com o sinaliza Gondar ( 1995) , o m odo freudiano de pensar o tem po não aponta para um a noção abstrata do tem po, pois seu funcionam ento é intrínseco ao sujeito e às operações que levam à sua produção. É neste sentido que se pode dizer que o tem po do inconsciente é real e não abstrato, já que o sujeito é capaz de criar um tem po que lhe seja próprio. Quando Freud afirm a que o inconsciente é atem po-ral, é justam ente a concepção abstrata do tem po que ele refuta, pois

“se o inconsciente im plica um tem po, este não deve ser entendido com o grandeza e quantificabilidade preexistentes por si m esm as, e tam pouco um tem po neutro onde se poderia dar indiferentem ente este ou aquele evento.” ( GONDAR, 1995, p.65)

Assim , há no tem po psicanalítico do a posteriori um a dissim etria entre o antes e o depois. Se nu m tem po reversível essa discrim in ação n ão é realizada, a irreversibilidade reconhece um m arco diferencial entre o antes e o depois, con-cebendo-os com o desiguais. Com o observa a autora, esse m arco se encontra, para o inconsciente, na produção de sentido:

“A cada instante que os traços m nêm icos se rearranjam , produz-se um novo sentido,

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produção nova é por si só suficiente para im pedir a sim etria entre um antes e um depois.” ( GONDAR, 1995, p.66)

Em Piaget, observam os que a gênese em pírica funciona a partir do tem po da reversibilidade. A psicogênese das estruturas m entais da criança é o correlato, com o dissem os antes, do próprio cam inho evolutivo da ciência. Na “equilibração m ajorante” está presente, assim com o na ciência, a noção de progresso. A crian-ça, pela aquisição de suas estruturas cognitivas, cam inhará nos seus estágios evolutivos até chegar ao pensam ento lógico form al. Neste últim o, tal qual na ciência clássica, o tem po é abstrato e reversível. A criança cientista poderá, com a aquisição do pensam ento hipotético-dedutivo, no qual não é m ais necessária a referência à experiência concreta, abstrair e form ular conceitos reversíveis.

A reversibilidade é justam ente a capacidade de abstração do pensam ento lógi-co-form al, que possibilita entender que se dois m ais quatro é igual a seis, quatro m ais dois tam bém é igual a seis. Trata-se de um pensam ento proposicional, pelo qual a criança não precisa se ater ao real, m as pode fazer proposições sobre algo que seja possível. O conceito de reversibilidade, em Piaget, perm ite que a criança estabeleça a conservação da substância, do volum e e do peso dos objetos, o que, de novo, só será possível de ser feito a partir da capacidade de abstração do pensam ento:

“Com o, então, se elaboram estas noções de conservação? ( ...) Resultam de um jogo de operações, coordenadas entre si em sistem as de conjuntos, e cuja propriedade m ais notável, em oposição ao pensam ento intuitivo da prim eira infância, é a de

serem reversíveis.” ( PIAGET, 1964/ 1980, p.49)

Dessa m aneira, o tem po da estrutura psicológica funciona segundo os m ol-des da ciência clássica. A necessidade de se pensar o ol-desenvolvim ento psicogenético pela via do equilíbrio e da estabilidade que se supõe para o cam po psicológico conduz a um a noção de estrutura na qual o tem po é o da reversibilidade. Por outro lado, a correlação quase im ediata do sujeito epistêm ico com a ciência levou a psicogênese a seguir o paradigm a da dinâm ica new toniana, que com pre-ende o tem po com o abstrato, reversível e evolutivo.

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Po r tan to , a p ro d u ção su b jetiva n a p sican álise p o ssu i u m m o d o d e tem poralização que im plica um a experiência de perda e de dissipação. Por m eio desta últim a, o sujeito pode ir criando a cada vez um novo sentido para sua existência, diferenciando sem pre o presente do passado, e podendo, com seu desejo, apostar na dim ensão do futuro.

Recebido em 22/ 5/ 2006. Aprovado em 22/ 7/ 2006.

REFERÊNCIAS

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Isabel Fortes

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