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Esclerose sistêmica e níveis séricos elevados de organoclorado: uma associação possível?.

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Rev Bras Reumatol, v. 48, n.1, p. 51-54, jan/fev, 2008

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ELATO DE

C

ASO

C

ASE

R

EPORT

Esclerose Sistêmica e Níveis Séricos Elevados de

Organoclorado: Uma Associação Possível?

Systemic Sclerosis and Elevated Organochlorine Blood Levels:

A Possible Association?

Odirlei André Monticielo(1), Penélope Esther Palominos(2), Rafael Mendonça da Silva Chakr(3), Rodrigo Bortoli(4), Ricardo Machado Xavier(5), João Carlos Tavares Brenol(6)

Recebido em 21/6/2007. Aprovado, após revisão, em 14/11/2007. Declaramos que os autores Odirlei André Monticielo, Penélope Esther Palominos, Rafael Men-donça da Silva Chakr e Rodrigo Bortoli não apresentam conflitos de interesse. O autor Ricardo Machado Xavier declara honorários de consultoria dos laboratórios Wyeth e Schering-Plough e verba de pesquisa dos laboratórios Abbott e Roché. O autor João Carlos Tavares Brenol declara ser pesquisador e conferencista dos laboratórios Roché, Merk Sharp&Dome, Zodiac, Novartis, Pfizer, Biogen, EHy Lilly, Wyeth-Bristol e Janssen-Cilag.

Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

1. Médico reumatologista, mestrando em Clínica Médica do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 2. Médica-residente de reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

3. Médico-residente de reumatologia do HCPA. 4. Médico-residente de reumatologia do HCPA. 5. Professor adjunto de Medicina da UFRGS. 6. Professor-associado de Medicina da UFRGS.

Endereço para correspondência:Odirlei André Monticielo, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rua Ramiro Barcelos, 2.350, 6o andar, CEP 90035-903, Porto Alegre, RS,

e-mail: omonticielo@ibest.com.br

RESUMO

A patogênese da esclerose sistêmica (ES) é complexa e pouco conhe-cida. Há a participação de ativação imune, dano vascular e excessiva produção de matriz extracelular com deposição de colágeno estru-turalmente normal. Fatores genéticos e ambientais contribuem para a expressão da doença nos pacientes. Dentre os fatores ambientais, diversos agentes químicos já foram associados à doença. Descrevemos o caso de uma adolescente de 16 anos, com história prévia de hepa-tite criptogênica e câncer de lábio, que desenvolveu quadro atípico e rapidamente progressivo de esclerose sistêmica. Inicialmente o quadro era compatível com esclerodermia em placas, porém rapida-mente evoluiu para uma forma sistêmica com grave acometimento cardiopulmonar e óbito. Durante a investigação de possíveis fatores etiológicos que pudessem estar relacionados, foram encontrados níveis séricos extremamente elevados de oxiclordano, um agrotóxico organoclorado. Uma possível correlação entre a intoxicação por esse agente químico e o surgimento de ES foi aventada.

Palavras-chave:esclerose sistêmica, organoclorado, oxiclordano.

ABSTRACT

The pathogenesis of systemic sclerosis (SS) is complex and not completely understood. Autoimmune mechanisms, vas-cular damage, and excessive extracelular matrix with collagen deposition play a significant role. Genetic and environmental factors also are decisive to the disease expression. Among en-vironmental factors many chemical agents have been associated with the development of SS. A 16-year-old white woman, with previous history of cryptogenic hepatitis and cancer of the lips, developed an atypical and rapidly progressive form of SS. Initial sclerodermatous plaques progressed to a systemic form with severe cardiopulmonary involvement and death. Diagnostic workup revealed extremely high blood levels of oxychlordane. A possible association of organochlorine intoxication and SS is proposed.

Keywords:systemic sclerosis, organochlorines, oxychlordane.

INTRODUÇÃO

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença difusa do tecido conectivo, de natureza auto-imune e caracterizada por fibrose cutânea associada com diversas formas de acometimento visceral. É uma doença rara e estima-se que menos de 10% dos pacientes com ES desenvolvam a doença antes dos 20 anos de idade(1).Após os 8 anos, as meninas são três vezes

mais acometidas do que os meninos, ao passo que, antes dessa

idade, a incidência é similar em ambos os sexos(2). Na infância,

as formas localizadas são as mais comuns e não há relatos de ES induzida por fatores ambientais nessa faixa etária.

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DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminimo, branca, 16 anos, procedente da Região Norte do Estado do Rio Grande do Sul, pro-curou atendimento no ambulatório de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) em outubro de 2002, para avaliação de placas esclerodérmicas nas faces flexoras do punho e do ombro direitos com seis meses de evolução. Dois anos antes, havia sido hospitalizada por in-suficiência hepática aguda, cuja etiologia não ficou definida, apesar de extensa investigação. Biópsia hepática evidenciou leve necrose em saca-bocado e eosinofilia, e diversos exames foram negativos, tais como anti-HIV, anti-HCV, HBsAg, fator antinuclear (FAN), fator reumatóide (FR), anticorpo antimúsculo liso, anticorpo antimitocondrial, anticorpo antimicrossomal de fígado e rim tipo 1 e alfa-1 antripsi-na sérica. Nova biópsia, realizada no acompanhamento ambulatorial, mostrou hepatite crônica com atividade inflamatória leve e esboço de nódulos regenerativos. No ano anterior à internação, portanto um ano após a hepatite criptogênica, havia sido constatada lesão no lábio inferior, compatível com carcinoma epidermóide verrucoso, tratado com exérese cirúrgica, radioterapia e quimioterapia com cisplatina.

Na investigação inicial do quadro de esclerodermia em placa, apresentou FAN, FR e anticorpos contra antígenos extraíveis do núcleo (ENA) negativos, ecocardiograma, estudo do trânsito esofágico e provas de função pulmonar, incluindo espirometria, difusão de monóxido de carbono (DCOc) e avaliação dos volumes pulmonares normais. O raio X de tórax não evidenciou alterações. Biópsias da pele descreviam fibrose da derme profunda e diminuição de fibras colágenas, sem eosinofilia. Naquela ocasião, foram iniciados glicocorticóide intralesional e D-penicilamina, 250 mg/dia.

Em julho de 2004, depois de um longo período sem acompanhamento ambulatorial, foi hospitalizada com progressão importante do quadro cutâneo. Apresentava mãos “em garra”, esclerodactilia, esclerodermia de tronco, antebraços, braços, coxas e dorso dos pés e acometimento facial. Avaliações cardíaca e pulmonar não evidenciaram alterações. Referia fenômeno de Raynaud havia quatro meses. Capilaroscopia periungueal foi inespecífica. Surgi-ram úlceras no dorso dos pés e em maléolos, cuja biópsia mostrou padrão esclerodermiforme com vasculopatia hia-linizante, sem eosinofilia.

A evolução de esclerodermia em placas para ES é muito rara. Diante de um quadro clínico atípico, com história

de hepatite criptogênica e neoplasia, foi realizado amplo rastreamento clínico-laboratorial e toxicológico em busca de outras causas de esclerodermia, tais como uso de deter-minados medicamentos, porfiria cutânea tarda e exposição a agentes tóxicos, lembrando que a paciente era oriunda de zona rural onde há possibilidade de exposição a venenos agrícolas. O diagnóstico histopatológico não sugeria fas-ceíte eosinofílica. Foram evidenciados níveis séricos muito elevados (150 vezes acima do normal) de oxiclordano, um organoclorado comumente usado em lavouras de países fronteiriços com o Brasil. Apesar de a paciente viver em área rural, negou exposição a agentes agrotóxicos. Além disso, os níveis séricos de oxiclordano dos familiares próximos foram normais, embora seu pai apresentasse alterações compatíveis com quadro esclerodermiforme. Apesar da in-sistência da família e da própria equipe, o pai não procurou atendimento médico.

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decorrência de infecção respiratória, a paciente evoluiu para o óbito em junho de 2007.

DISCUSSÃO

Há três componentes cardinais na patogênese da ES: ex-cesso de colágeno, dano vascular e ativação imunológica(3).

A produção e a deposição excessiva de colágeno são expres-sas principalmente pelo espessamento da pele e pela fibrose pulmonar. O dano vascular caracterizado por proliferação da camada intimal, estreitamento do lúmen e redução do fluxo sanguíneo manifesta-se por fenômeno de Raynaud, crise renal esclerodérmica, úlceras digitais isquêmicas, hipertensão arterial pulmonar e anormalidades vasculares periungueais. Lesão endotelial e disfunção vascular, com aumento dos níveis de endotelina-1 e diminuição da pros-taciclina, costumam ser alterações muito precoces na ES(4).

A ativação imunológica com produção de auto-anticorpos (anticentrômero e antitopoisomerase I ou anti-Scl70) e o processo inflamatório com aumento de citocinas pró-fibróticas, como fator transformador do crescimento (TGF-beta) e fator de crescimento do tecido conjuntivo (CTGF), compõem também as bases patogênicas da ES até hoje compreendidas(5).

Fatores ambientais e determinantes genéticos participam do desenvolvimento da ES. Estudos mostram que os filhos de pacientes com ES têm um risco pequeno, porém defini-do, de desenvolver a doença ao longo da vida(1). A influência

de determinados haplótipos do HLA e de polimorfismos genéticos em genes específicos reforça a predisposição genética à doença. Infecções como citomegalovirose(6),

microquimerismo pós-gestacional(7,8) e diversas substâncias

químicas como cloreto de vinil(9), triptofano(10), destilados

de petróleo e metissergida(11) poderiam desencadear a

cascata de eventos que culminam no surgimento da ES em um indivíduo geneticamente predisposto. Existem relatos sugerindo associação entre fenômeno de Raynaud

e a administração de certos agentes quimioterápicos, como bleomicina, vincristina e cisplatina(12). Recentemente, foram

relatados casos de esclerodermia em pacientes oncológicos tratados com taxanos(13). Em 2007, uma metanálise de

es-tudos de caso-controle constatou risco aumentado de ES relacionado à exposição ocupacional a solventes(14). Até o

momento, a relação entre intoxicação por organoclorado e ES não foi estabelecida.

Organoclorados são compostos lipofílicos com meia-vida prolongada, utilizados como pesticidas para o controle de pragas domiciliares e agrícolas e no controle de cupins. Após exposição prolongada, mesmo com doses relativamente baixas, podem acumular-se no tecido adiposo e causar toxicidade(15). Há relatos na literatura de que o oxiclordano

possa estar associado a risco aumentado de algumas patolo-gias como câncer de próstata(16) e linfoma não-Hodgkin(17).

Um estudo realizado com roedores portadores de lúpus eritematoso sistêmico induzido laboratorialmente mostrou taxa de progressão mais rápida para nefrite lúpica nos animais expostos a organoclorados, sendo questionado se as pro-priedades estrogênicas de alguns organoclorados poderiam contribuir para a progressão da auto-imunidade(18).

Deve-se ressaltar, ainda, a já estabelecida associação entre cisplatina e manifestações esclerodérmicas(19).

Crono-logicamente é viável a associação entre o uso de cisplatina e o desenvolvimento de ES no caso em questão, porém não se pode afastar um sinergismo entre ela e o oxiclordano, tendo em vista a forma atípica e rapidamente progressiva de apresentação da doença, diferentemente dos quadros descritos na literatura. Além disso, por seu potencial he-patotóxico e oncogênico, a intoxicação por oxciclordano poderia explicar a hepatite criptogênica e o surgimento do carcinoma epidermóide de lábio. Contudo, estudos que possam determinar melhor nexo de causalidade são necessários para estabelecer o real papel desse agente no desenvolvimento da doença.

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