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A não-reforma tributária do governo

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A não-reforma tributária do governo

Folha de S. Paulo

Marcos Cintra – 05/03/1998

A arrecadação pública nunca foi tão elevada. A cada mês, as receitas de impostos batem novos recordes

Não há como evitar a impressão de que o governo não deseja alterar em profundidade o atual sistema tributário. O ministro Antonio Kandir disse, em 1997, que a reforma tributária não é prioridade. Surpreendentemente, o ministro Pedro Malan afirmou que só no próximo milênio o Brasil teria um novo sistema. Confirma-se, assim, a enorme distância entre o que o governo pensa e o que a sociedade deseja.

A arrecadação pública nunca foi tão elevada. A cada mês, as receitas de impostos batem novos recordes, como em janeiro último. Dos assalariados, apesar do crescente desemprego, foi extraído na fonte R$ 1,3 bilhão, 26% a mais do que no ano anterior. De CPMF foram R$ 740 milhões, novo recorde.

Nos tributos que dependem do nível de produção, porém, a queda foi dramática. O IPI caiu 17% sobre o mês anterior. No caso dos automóveis, o recuo foi de 65% sobre janeiro de 1997. Ao sufocar a produção e aumentar a extração de impostos dos que ainda conseguem gerar renda (assalariados na economia formal), o governo ameaça matar a galinha dos ovos de ouro.

A proposta de reforma tributária defendida pelo governo não altera em profundidade a atual estrutura. O país continuará a ter um sistema tributário ineficiente, corrupto, injusto e altamente indutor de evasão, sonegação e expansão acelerada da economia informal. Mudam apenas as formas operacionais de arrecadação e as atribuições e competências dos entes federados.

As grandes novidades são duas: a unificação de IPI, ICMS e ISS no Imposto sobre Valor Agregado, administrado pela União, e a criação de um imposto unifásico de varejo, de responsabilidade de Estados e municípios (o IVV). Quanto a este último, pretende-se um imposto como o dos EUA. O comerciante varejista o adicionaria ao preço anunciado de produtos ou serviços. Estados cobrariam esse tributo sobre produtos; municípios, sobre serviços.

Há vantagens nessa proposta? Não.

Impostos sobre valor agregado são de difícil administração em sistemas federativos. O Brasil é um dos poucos países que possuem um IVA estadual, o que explica sua enorme complexidade e seu descontrole administrativo. Nesse sentido, sua federalização implicaria sensível melhoria operacional.

Mas a mudança acarretaria enorme centralização, já que o atual ICMS é a mais importante fonte de receita dos Estados. O IVA seria arrecadado pelo governo federal e partilhado com Estados e municípios -que perderiam autonomia financeira e teriam receitas próprias sensivelmente reduzidas, com a exacerbação dos condicionantes políticos na transferência dos recursos. Em compensação, ganhariam o IVV.

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Em resumo, a nova proposta é centralizadora, burocrática e altamente indutora à evasão. No caso de São Paulo, o governo do Estado estima queda de 51% em sua arrecadação tributária.

Em sua “fome de tributos”, conforme recente editorial do jornal “O Estado de S.Paulo”, o governo ainda ousa, despudoradamente, propor a criação de tributo sobre os combustíveis. Fala-se no “imposto verde” e na cobrança de ICMS sobre o uso dos recursos hídricos em São Paulo. Não surpreende tanto descontentamento dos contribuintes.

Vito Tanzi, renomado especialista em finanças públicas do FMI, alerta acerca de nossa excessiva carga tributária. O peso dos impostos no Brasil já equivale ao de países como EUA e Japão. Nos últimos anos, superou 30% do PIB; ameaça chegar a 33% em 1998, patamar sem paralelo nas economias em desenvolvimento. Isso resulta em perda de competitividade, desestímulo à atividade econômica e estímulo à sonegação.

A evasão fiscal, incluindo a sonegação e a economia informal, cresce assustadoramente. A Receita admite que cada real arrecadado pelo setor público tem igual contrapartida sonegada. Isso implica dizer que a carga tributária teórica no Brasil seria de mais de 60% do PIB. Não espanta que a evasão aumente -não por perversão do contribuinte, mas por puro espírito de defesa.

As autoridades econômicas mostram-se inertes. Por um lado, fazem desastradas reformas na estrutura tributária existente. São remendos que criam mais problemas do que soluções, a exemplo da Lei Kandir e da crescente guerra fiscal entre os Estados. Por outro, fazem mudanças pontuais a todo momento, de forma descoordenada, agravando a complexidade e a inconsistência do atual modelo, que já é uma incompreensível colcha de retalhos.

Continuar por esse caminho resultará em dois fatos indesejáveis: ditadura e opressão da burocracia pública e da fiscalização sobre a economia formal; expansão acelerada da economia informal. Quem pagar impostos pagará demais; outros, em escala crescente, pagarão cada vez menos ou até nada.

A profunda centralização que adviria da implantação da proposta do governo pode ser avaliada sob outro prisma. Unificar ICMS, IPI e ISS implicaria um IVA com alíquotas elevadas, para evitar perda de arrecadação e poder garantir a Estados e municípios transferências que compensem a perda daqueles tributos, os maiores geradores de recursos em cada nível de governo.

Os três impostos juntos arrecadam hoje 10,5% do PIB, ou 34% da carga tributária bruta brasileira. O ICMS

representa 7,4% do PIB. Supondo que a base de incidência do novo IVA seja de cerca de 20% mais ampla que a do ICMS, a alíquota do novo tributo poderá atingir 21%, para evitar perdas.

Se hoje, com alíquotas de 17%, a evasão e a sonegação já são elevadas, é evidente que o prêmio a elas

aumentará na proporção direta da elevação da alíquota nominal do IVA. A proposta do governo, portanto, deverá exacerbar os maiores problemas operacionais do sistema tributário: evasão, sonegação e fuga para a economia informal.

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