1 Endereço:Av.Ipiranga,6681,Prédio11,9º,Sala930,PortoAlegre, RS,Brasil90619-900.E-mail:nmguares@pucrs.br
OConceitodeSaúdeesuasImplicaçõesnasPráticasPsicológicas
PatriciaFloresdeMedeiros AnitaGuazzelliBernardes
NeuzaM.F.Guareschi1
PontifíciaUniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul
RESUMO–OartigoobjetivaproblematizararelaçãoentresaúdeePsicologiaquandoabordadasapartirdadiscussãodas práticasdiscursivas,formasdesubjetivaçãoerelaçõesdepoderfundamentadasemumaabordagemfoucaultiana.Adiscussão questionacomoseconformamdeterminadosmodosdesubjetivaçãomedianteodispositivodasaúdenocampodaspolíticas públicas.Pretende-se,comisto,visibilizarcomopráticasemPsicologiaforjamtantooconceitodesaúdenoqualsesustentam essaspráticas,quantoossujeitosquesãoosobjetosdessaspráticas,enquantoomododecomoessespodemedevemser pensados.ParapercorrerarelaçãoentrePsicologiaeSaúdetomamostrêseixosqueconstituemaPsicologiacomociência (razão,inconscienteepsicotécnicas)eprocuramosdemonstrarcomoesseseixospossibilitamaemergênciadasaúdenocampo daPsicologia.
Palavras-chave:políticaspublicas;práticaspsicológicas;saúdeeproduçãodesubjetividade.
TheConceptofHealthanditsImplicationonthePsychologicalPractices
ABSTRACT–ThispaperaimstoanalyzetherelationbetweenhealthandPsychologythroughthediscussionondiscursive practices,waysofsubjectivationandpowerrelationsbasedonaFoucaultianapproach.Itquestionshowcertainwaysof subjectivationobeythestandardsofthehealthresourcesinthefieldofpublicpolicies.Therefore,weintendtoshowhowhealth conceptisconstructedbypsychologicalpractices.Thesepracticesdonotonlyproducethesubjects,whoaretheirveryobjects, buttheyalsoproducethewaytheycanandmustbethought.Inordertounderstandtherelationbetweenpsychologyandhealth, wetakethreetheoreticalaspectsthatconstitutePsychologyasascience(thereason,theunconsciousandthepsychological instruments)todemonstratehowtheseaspectsmaketheemergenceofhealthinthefieldofPsychology.
Keywords:publicpolicies;psychologicalpractices;healthandwaysofsubjectivation.
na rede pública, pois, o SUS (Sistema Único de Saúde) operacomoconceitodecidadania,deveresujeitodedi-reitoqueseconforma,juridicamente,naConstituiçãode 1988.Issoimplicanãoapenasnovapolíticadesaúde,mas novosmodosdeasaúdeproduzirsubjetividadespormeio depráticasqueestabelecemvalores,comoodecidadania edesujeitodedireitos,apartirdeumdeverdoEstado.Por exemplo,oconceitodecidadaniarelacionadoàsaúde,con-formeLuz(1991),foivisibilizadomedianteomovimento dasociedadecivilorganizada,nofinaldadécadade1980, naesteiradaReformaSanitária.Estaveioreivindicar,no Congresso,políticassociaisqueasseguremplenosdireitos aoscidadãos:“pelaprimeiraveznahistóriadopaísasaú-deévistasocialmentecomodireitouniversaledeverdo Estado,istoé,comodimensãosocialdacidadania”(Luz, 1991,p.84).Essaproposiçãosustenta-setantonasdiscus-sõesdaVIIConferênciaNacionaldeSaúde,queincluiem seu relatório a necessidade da participação comunitária, quantonosdesdobramentosdaVIIIConferênciaNacional deSaúde,quesublinhouanoçãodeque,paraaimplantação deumareformasanitária,éimprescindívelumambiente democrático onde se encontrem a emergência de novos sujeitospolíticos,aliberdadedodiscensoeogovernodos cidadãos.
Nestetexto,sercidadãoesujeitodedireitosãoformas de subjetividade, formas de viver e de relacionar-se con-sigo.Mesmoqueforjadasemdeterminadotempo-espaço, Oobjetivodesteartigoédescrevereanalisaroconceito
desaúdenaPsicologiapormeiodaspráticaspsicológicas queoestabelecem.Paratanto,entendem-sepráticaspsico-lógicascomopráticasdiscursivasprovocadorasdeformas desubjetivaçãonacontemporaneidade.Podemoscitar,como exemplosdepráticaspsicológicas,acriaçãodeespaçosdes-tinadosàsaúde:spas,academiasdeginástica,programasde qualidadedevidanosespaçosdetrabalho,unidadessanitá-riasecentrosdeatendimentopsicossociais.Nãoqueremos dizerqueaspráticasemsaúde,comoatividadeartificialda condiçãohumana,sejamalgoatual.Asaúdetornou-sefoco deinvestimentosapartirdaModernidade,edificando-seno capitalismonaformacomoaconcebemoshoje.
Nossa discussão sobre saúde no campo da Psicologia utilizaoconceitodesubjetividadeporque,aofalarmosde práticasdiscursivas,nosreferimosaexercícioscotidianos quedizemrespeitoàrelaçãoqueoserhumanoestabelece consigomesmoecomomundoapartirdecódigos,regras enormasproduzidassocialmente.Ouseja,asaúde,quando pensadapelaPsicologia,edificaumasériederegulamentos emodulaçõesqueestabelecemomodocomooserhumano deveserelacionarconsigomesmoecomomundo.
produzem efeitos nas relações entre saúde, cidadania e estadodedireito.
Desse modo, quando elegemos determinado objeto, como,nestecaso,asaúde,nãoofazemosdequalquerlugar –nósotomamosapartirdaqueleterritórionoqualaprende-mosaolhá-lo.Asaúde,então,passaaserumarealidadeque operadeterminadosprocessosexistenciaisaomesmotempo emquesóépossívelapartirdedeterminadasoperações,de certoscamposdeconhecimento,nosquaisocorremtranspor-tes,traduções,interpretações,istoé,formasdeobjetivação que,aodaremsentidoadeterminadosfenômenos,produzem modosdenosrelacionarmosconosco.
Quandoseenuncia“saúdeparatodosem2000”,comona AssembléiaMundialdeSaúdenoanode1977,ou“adicionar nãosóanosàvida,masvidaaosanos”(Paim&Almeida Filho,2000,p.44),implica-seumaoutraformadeobjetivara saúdee,porcontadisso,deproduzirverdadessobreasaúde.A Psicologiaentranessaesteiradeproblematizaçãoàmedidaque saúdeestárelacionadanãosócomoalgoparatodos,mascomo produçãodevida,quepodeserentendidaporcondiçõesfísicas, psicológicasesociais,ouseja,osaspectosorgânicos,compor-tamentaisesociaisconstitutivosdaformadeobjetivaroser humanoemumserbiopsicossocial.Pormeiodaobjetivação dasaúde–biológica,psicológicaesociológica–,objetiva-se tambémdeterminadosujeito,umsujeitotridimensionalizado e,aomesmotempo,tripartido:biopsíquicossocial.
A saúde passa a figurar como categoria de análise na Psicologia Social quando esta se volta para os processos deproduçãoemsaúde–sejamessesprocessosformasde conhecimentooutecnologiasdecuidado,prevençãoemanu-tençãodasaúde.Dessemodo,opresentetextoproblematiza arelaçãoentresaúdeePsicologia,propondodiscutircomose conformamdeterminadosmodosdesubjetivaçãomediante odispositivodasaúdenaredepública.Objetiva-se,apartir disso,perscrutardequemodoaspráticasemPsicologia2, relativas às políticas públicas, forjam tanto o conceito de saúde no qual se sustentam, quanto os sujeitos que são abordadosporelas.
Operamos com a idéia de que saúde não é um objeto que encontramos através dos tempos, independentemente darelaçãoquesetemcomeleedomodocomoéacessado. Estamosfalandodealgoqueestáperenementesendoforjado: asregras,asações.Lida-secomalgoemmovimento,que tambémproduzdeterminadosmovimentos.APsicologia,ao tornar-separtedodispositivodasaúde,criaourecrudesce certosmodosdeviver,forjandosubjetividades.Oconceitode modosdesubjetivaçãoouformasdesubjetividade,noqual seamparaestetexto,fundamenta-senosestudosdeFoucault (1998)sobreumaontologiahistóricadopresente.Estadiz respeitoaomodocomonostornamossujeitosdedetermi-nadasverdades,ouseja,amaneiracomonossubjetivamos. Asdiscussõesdoautorcentram-senasquestõesreferentesà verdadeeàpolíticaouaosabereaopoder.
Asaúdeaquicomoaentendemos,emtermosderelações desaber/poder,nãoagesobreoindivíduo,massobresua
ação.Assim,quandoasaúdeédefinidacomoumaquestão integral, plural, na ânsia de integrar, de tornar o sujeito indivisível,completo,nãoseestáagindosobreoindivíduo, massobrearelação,asaçõesqueeleestabelececonsigoe osoutrosemtermosdecuidadoseatençãointegral.Oque sequerapontaréquenãoexisteumaunidadedoconceitode saúde,masformasqueoconceitovaiassumindodeacordo comoscamposqueoatravessam.Saúdepodeestarligada àspolíticaspúblicaseobjetivadacomoumaquestãoplural, biopsicossocial,mastambémpodeestarrelacionadaaoculto docorpo.
ParapercorrerarelaçãoentrePsicologiaesaúde,situa-remostrêseixosquepassamaconstituiraPsicologiacomo ciênciaeasfissurascriadasnesseseixoscomoespaçopara aemergênciadasaúdenocampodaPsicologia.Esseseixos sãorazão,inconscienteepsicotécnicas.Otextoseguecerta linearidade,querdizer,situaremosprimeirooeixodarazão, depoisoeixodoinconscientee,finalmente,odaspsicotéc-nicas.Maséimportanteterclaroqueessasconformações nãosãolineares,nãoocorrememseqüência–primeirouma, depoisasoutras.Elassãoformasquevãosetecendoese atravessando. Compreendemos que a conformação desses eixosnãoéumprocessodeevolução,dedesenvolvimento eprogressoatravésdostempos,masdeacontecimentos,de irregularidadesqueseengendramemdeterminadostempos-espaços,caracterizandoumahistoricidadedesseseixos.Em algunsmomentos,umououtroeixointensifica-seeexcluios demais;emoutros,esseseixosreforçam-se.Queremosdizer quesetratadejogos,deestratégiasemovimentossociaisdo cotidianoenãoumacronologiadegrandeseventoshistóricos. Essestrêseixos,compreendidoscomoumconjuntodeenun-ciações,visibilidadeserelaçõesdeforça(Deleuze,1988),são vistoscomopráticasqueseestabelecemnocotidiano.Logo, essaspráticaspsicológicas,constituídaspelostrêseixos,são responsáveis por forjar objetos dos quais passamos a nos ocupar,comoaquiloquepodeedeveserpensado,falado, queéocasodasobejtivaçõesdarazão,doinconscientee daspsicotécnicas.
APsicologiaeasaúdedaspopulações:organismoe indivíduo
Noquetangeaoprimeiroeixo–razão–,aPsicologia tornou-se uma disciplina científica por meio das relações que se estabelecem entre Ciências Humanas e práticas sociaisnofinaldoséculoXIX,propondo-sea“descobrir” oquetornavaossereshumanossujeitosdarazão.Ouseja, aPsicologiaemergedentrodascondiçõesdepossibilidade queaepistemedamodernidadeindustrialpermitiu.Desse modo,aPsicologiavolta-separaaconsciênciaeinstituium domíniodarazão,dosprocessosconscientesecognitivosque permitemaoserhumanosaberquemé,dequemaneiraage eporqueagededeterminadasformasenãodeoutraspara governarasimesmoetornar-sehumano,sujeitodarazão quediferedaquiloquefoiosolodecomparação:aespécie animal.Assim,aPsicologia,naquelemomento,nãotinha comofocoasaúde,tampoucoadoença.
Mesmoque,comoapontaPaimeAlmeidaFilho(1998), as bases doutrinárias dos discursos sociais sobre saúde tenham aparecido na metade do século XVIII, na Europa 2 MedianteaPsicologiahospitalar,comunitária,clínica,dotrabalhoe
Ocidental,comoumprocessodedisciplinamentodoscorpos econstituiçãodasintervençõessobreossujeitos,aPsicologia nãoosentendiadessemodo,poisestavavoltadaparaosfe-nômenosdaconsciência.Aspráticashigienistassãoalvodo campodaMedicinanessemomento,nãoseatendoafatores deordempsicológica,esimdehigienesocial.Ahigiene, entendidacomoconjuntodenormatizaçõesaseremseguidas eaplicadasemâmbitoindividual,produzumdiscursosobre aboasaúdeatreladoàesferamoral.“Foinobiológico,no somático,nocorporalque,antesdetudo,investiuasociedade capitalista.Ocorpoéumarealidadebio-política.AMedicina éumaestratégiabiopolítica”(Foucault,1995,p.80).
Ahigienizaçãodoespaçopúblicoconstituídonoscentros urbanosacarretaumagamadepreocupaçõespolítico-sani-tárias.Nessecenário,começamaproliferarosmovimentos higienistas,emqueaMedicinafiguracomoatorprincipal dastecnologiasdedisciplinamento(conjuntamentecomo Estado).Apolítica(polícia)médicaestabeleceoEstadocomo definidor de políticas, leis referentes à saúde no coletivo, ecomofiscalizadordesuaaplicaçãosocial,remetendoos discursoseaspráticasdesaúdeàinstânciajurídico-política (Paim,1986).
Com a Revolução Industrial, segundo Paim (1986), a saúdepassaaserincorporadanaspautasdereivindicações dostrabalhadoresmedianteoincrementodesuaparticipa-çãopolítica,principalmentenaAlemanha,naInglaterrae naFrança,produzindoumimpactosobreascondiçõesde vida e saúde das suas populações. A relação entre condi-çõesdevidaesaúdedaspopulaçõescriaanecessidadede açõesgovernamentaisemtermosdecontroleeorganização social,oqueprovocaaemergênciadeumcampodeações quepassaasernomeadodeMedicinaSocial.AMedicina Socialresultadesseprocessopolíticoesocial,postulando aplicaçãodaMedicinanocamposocial,visandoàcurados malesdasociedade.Apesardoseufracasso,forneceasbases doutrináriaspara,subseqüentemente,sepensaremasquestões desaúdenasociedade.
Paralelamente,nosEUAenaInglaterra,constitui-seo movimento chamado de Sanitarismo, ligado à questão da açãodoEstadonasaúde.Essemovimentovisavaàaplicação detecnologiaseprincípiosdeorganizaçãoracionalparaa expansãodeatividadesprofiláticas(saneamento,imunização econtroledevetores)paraasclassespopulareseossetores excluídos da população. Esse conjunto de relações entre saneamento,imunizaçãoecontroledevetoresencontrano paradigmamicrobianoasuajustificativaevemareforçaro movimentoSanitarista,promovendoasbasesdoprocesso dehegemonização,batizadodeSaúdePública,queredefine a teoria e a prática no campo da saúde social no mundo ocidental.
Nessaperspectiva,oquemarcaoconceitodesaúdenão épropriamentesuadefiniçãoenquantorelaçãocomaausên-ciadedoenças,masocontroleprecisodaspopulaçõesno quetangeàsquestõessanitáriasedeorganizaçãodoespaço urbano. Nesses períodos, vislumbra-se o nascimento dos hospitaiscomotecnologiadecontroledoscoletivosapartir do esquadrinhamento dos grupos sociais, separando-se a gamadepopulaçãoquecolocaemriscooespaçourbano. Nãoexisteefetivamenteuminvestimentoempráticasdecura, esimdeisolamento.
QuandoaPsicologiafunda-secomociência,emmeados do século XIX, encontra como foco de investimentos os processosdaconsciênciaenãotemapretensãodevoltar-se para discussões e investigações relativas à saúde, pois estabelecia, como condição de investigação, “indivíduos saudáveis”.Entretanto,concomitantementeaoprocessode constituiçãodaPsicologiacomociência,comoumadisci-plina,engendra-se,nassociedadesocidentais,certomodode organizaçãosocialdoqualcomeçamaproliferarpráticasde higienesocial(asilos/hospícios).Ouseja,aMedicinaentra naesteiradocontrolesocialdaspopulaçõeseadotacomo focodeinvestimentoosprocessosdesaúdeedoençados grupossociais.Éimportantedizerqueseefetuamaçõesde controledaspopulações(natalidade,mortalidade,saneamen-to,distribuiçãodoespaçourbano).Entretanto,oolhareos investimentosrecaemsobreosindivíduos,poisémediante o reforço do individualismo, registro das objetivações da modernidade,queasmicropolíticasganhamespaço,marcam oscorposeproduzemsubjetividades.
Comofoiressaltadoanteriormente,oprimeiroeixoda Psicologia sustentava-se em pesquisas laboratoriais com ênfase nos processos mentalistas, tais como experiência conscienteepercepção.APsicologianãoteciarelaçõescom umconceitodesaúdeoucomoconceitodecura,vistoqueos processosmentalistasanalisadossevoltavamparaindivíduos sem características de adoecimento. No início do século XX, não encontramos importantes práticas psicológicas voltadasparaasafecçõesdapopulação,mesmoqueWundt (Farr, 1999) tenha realizado um extenso trabalho sobre a sociedadeporinteressar-sepelosfenômenosdamenteem geralenãodeumindivíduoisolado(linguagem,religião, costumes,magia).Mas,comoessesfenômenosestudados porWundtnãopoderiamserapreendidosemlaboratórioe tampoucoreduzidosaoorganismo,essapartedotrabalhodo autorfoinegligenciadapelaPsicologia,quereforçouanoção deindivíduo/organismo.OquefezaPsicologia,pormeio de seus estudos laboratoriais, foi estabelecer uma relação entre mente e organismo, dandostatusde organicidade e individualismoaosprocessoscognitivos.
Psicologiaeaconstruçãodeseusujeitopsíquico
EmrelaçãoaosegundoeixodaformaçãodaPsicologia comociência–oinconsciente–,outromovimentomarca aspráticasemPsicologia,porém,apartirdaformaçãode umoutroterritório:odadiferençaqueosujeitofazdesi emrelaçãoàrazão.Diferençapornãosetratarsomentedo campodarazãocomoconstitutivadoindivíduo,masdeuma regiãodedesconhecimento;diferençaemrelaçãoaum“eu” conscientedesimesmo,deimpossibilidadedogovernode siporferramentasdaconsciência–produçãodesujeitosdo inconsciente,sujeitosdodesejo.Diferentedoquefoiapon-tadonoprimeiroeixo,nãosetratadosujeitoqueconhece, masdosujeitomarcadopelodesconhecimento,poiséonde oserhumanosedesconhecequesetornasujeitoenãoonde seconhece.
Psicologia.Dessemodo,asbasesdepráticasindividualistas no campo da Psicologia encontram-se nas produções das práticas médicas. Freud parte de uma noção de indivíduo –complexodeÉdipo–parapensarocoletivo,eJungparte deumanoçãodecoletivo–arquétipos–parapensaroin-divíduo.Ambos,porsuaformaçãomédica,voltam-separa asafecçõesdaalma,paraaquiloquenãoeradoorganismo, masquesemanifestavanocorpo–sintomas.
NaPsicologia,criam-setecnologiasparaoserhumano tornar-se sujeito do desconhecimento, e esse desconheci-mentoéoquelhepossibilitarátornar-sehumano,ouseja,a essênciadohumanoestaránodesconhecimento.Emoutras palavras,oinconscientetorna-searegiãoondeseencontraa verdadedosujeito.Énosprocessosinconscientesenãonos conscientesqueselocalizaaverdadedosmodosdeviver. Então,parasedesenvolvercomohumano,paracompreender omodocomoviveetransformá-lo,sãonecessáriasestratégias deautoconhecimento–umautoconhecimentoquesefazpor meiodepráticasqueacessemaquiloquesedesconhecedesi mesmo.Paratanto,foinecessáriaacriaçãodaartedeescutar efalardesi,aartedaconfissãocontemporânea,poiséoOutro queteráachavedoqueoprópriosujeitodesconhece.Entra-seemumjogodedecifraçãopsicológicaengendrado,entre outros,pelametáforaedípica,principalmentepeloencontro comaEsfinge.
Nessecontexto,emergemastecnologiasdasubjetividade mediante a Psicanálise, e traça-se uma das possibilidades deaPsicologiavoltar-separaasaúdepormeiodapsico-patologia.Astecnologiasnãosãomaisumamaneiradese libertar dos pecados da alma, mas um modo de tornar-se um“eu”psicológico,um“eu”que,pormeiodeanálisedo inconsciente,seconstituideformasaudável,mesmoquea saúdesejaforjadacomoumafiguraneurótica.Apesardea Psicanáliseconsiderar-seumcampodistintodaciência,da PsicologiaedaMedicina,elasurgenoescopodaprópria Medicina.IssoporqueFreudteveaMedicinacomoforma-çãoefocalizou,principalmente,“ostranstornosdaalma”, aspsicopatologias,omesmoquefaziaaMedicina,voltan-do-separaosadoecimentos–masnãoosorgânicos,esim ospsíquicos–aoinvestir,emumprimeiromomento,nas subjetividadeshistéricasqueconformavamumcertomodo efiguraexistencialdaépoca.
Rose(2001)salientaque,namodernidade,oindivíduo passaaserproduzidocomoum“eu”,umaexistênciasingular quemarcariaasfronteirasentreumavidainterior–oeu–eo queestariaforadesseterritório.Encontra-senaPsicologiaum dosvetoresdeconstituiçãodesse“eu”,tantonaconformação destecomoindivíduo(primeiroeixo)quantonaconformação de um sujeito do inconsciente. Trata-se de uma forma de subjetivaçãopelaqualoindivíduosereconheceeserelaciona consigomesmomedianteformasdeatençãoquedirigeasi próprioeaosoutros.Segundooautor,quandopensamosem formasdesubjetivação,oobjetonãoéesse“eu”,nemahis-tóriadesseindivíduo,masasrelaçõesqueestabelececonsigo mesmo,aspráticas,osexercíciospelosquaisserelaciona consigomesmocomo“eu”,como,porexemplo,nabusca porestabelecimentospsicológicos.Sãojogos,estratégiasque colocamemquestãoosmodosdeviver,aliás,queengendram osmodosdeviverapartirdelutasporimposiçõesdesentidos, porconformaçãodeformasexistenciais.
Outraquestãoimportanteéqueasatençõesdaspráticas psicológicas,nosprimeirosmomentosdoséculoXX,voltam-separaosindivíduosquepodiamdispordaatençãomédica, ouseja,aspráticaspsicológicasnãotinhamcomoobjetoa populaçãoemgeral.Assim,umadascríticasfeitas,muitas vezes,àPsicanáliseatédeterminadomomentodoséculo,é queelaerafundamentalmenteelitista,mesmoquealgumas discussõessituassemumcampocoletivo–TotemeTabu, Mal-estardaCultura.Nessesentido,seaspráticaspsicológi-casnoprimeiroeixosituamaatençãonoindivíduo,masnão emtermosdesaúde,nosegundoeixo,toma-seoconceitode saúdepelaMedicina,amparando-seempráticasindividuais enãoemumconjuntodapopulaçãooudosfenômenosde população–epidemiologia.
Osinstrumentosqueossereshumanos,historicamente, adotamparaconstituíremasimesmossãocompreendidos, naabordagemdestetexto,comoproduçõesculturais,práticas designificação,práticassimbólicas,lutasporimposiçãode sentidosqueestabelecemformasderelaçãodoserhumano consigomesmo,comoum“eu”,comoumindivíduocom umainterioridade.Assim,vemosqueénaemergênciaena confluênciadasciênciashumanasenaturais,entreelas,a Psicologia,queseedificaumoutroconceitodesaúdeese modificaanoçãodesujeito,noçãoestadeumsujeitoque deveserconsideradodemaneirapluralnasuarelaçãocom omeioambiente.Nessecaso,quandoaPsicologiavolta-se paraosfenômenosdenormalidadeeanormalidade,funda umainterioridadeemqueseencontramascondiçõespara aproduçãodesaúdeoudoença.Talinterioridadeganhaum campodeexterioridade,poispassaaserobjeto,passaapro-duzirverdadessobreosujeito,torna-seumarealidadeque precisaseracessadamedianteastecnologiaspsicológicas.
TantoaMedicinaquantoaPsicologia,aofocaremasaúde enelainvestirem,conformamumaregiãodeinterioridade, deprivatividadequeseencontranocorpoounaalma/mente, ouseja,tantoumaquantoaoutratornammaterializáveisos corpos e as almas/mentes, realidades factíveis, artificiais, nosentidodeseremforjadasedecriaremnecessidadesde investimentospúblicos.Aoprivatizaraexistênciaquandoesta éforjadaemumainterioridade,abre-seanecessidadedetor-ná-lapúblicacomopossibilidadedecontrole,dedisciplina, degoverno.APsicologia,então,conjuntamentecomoutros discursosquesevoltamparaasaúde,promoveanoçãode queacessaro“euinterior”éummododeproduçãodesaúde, poiséesse“euinterior”queseencontraemumestadode imperfeição,deincompletude,deincapacidade.
Todavia,deve-seacentuarquenãosetratadeummovi- mentodaPsicologiaparanomearcertoestadodeincapacida-de,deanormalidade,caracterizandoumaformadepensarem queaspalavrasnomeiamosobjetos.Pelocontrário,mediante as práticas discursivas, as ações cotidianas da Psicologia fazememergiressarealidadedeumoutroincapazemsua interioridade.Aspráticasdiscursivasencontram-seentreas palavraseascoisas,nãoexistindoumaequivalênciaentre ambas,esimoestabelecimentoderegrasdeequivalência quesecriamnesseentreapartirdeexercíciosedeações nocotidiano.
pareceres,avaliações,atéexercícioscomportamentais,como falardesiprivadamenteouemgrupo,atentarparaaspróprias condutas,controlarosexcessos,responsabilizar-seporseus atoseassimpordiante.ÉlógicoqueaPsicologiaentrana esteiradasdiscussõesdequeohumanoéconstituídoemseu meio,masessaperspectivaimplicaanoçãodequeexistem realidades independentes – humano e meio, indivíduo e sociedade–,incrementandoanecessidadedeumaatenção integralàsaúde.
APsicologiaeosocial:asaúdedaspopulações
Oterceiroeixo,caracterizadocomopsicotécnicas,am-para-se no estreitamento de práticas psicológicas e saúde tecidoapartirdaSegundaGuerraMundial.Énessemomento que encontramos matizes do terceiro eixo de práticas em Psicologia: as psicotécnicas. Essas práticas não propõem umateoriadosujeito,comoodarazãoeodoinconsciente, massão,antesdetudo,psicologiasaplicadas,tecnologias da subjetividade produzidas a partir do encontro com as formasdeadministração,deotimização,deadestramentodos corpos.Sãotecnologiasparaqueossujeitossirvammelhor àsinstituições,que,assimcomoosproduzem,osenvolvem de tal forma que eles não mais conseguem “pensar-se”, “conhecer-se”, “observar-se” sem a mediação desse vetor –asinstituições.
Essastecnologiasproduzemsujeitosdeumaengrenagem, peçasqueconstituirãoumtodoe,porqueseexperimentam comopartedeumtodo,tambémseexperimentamcomoin-dispensáveisàmanutençãodessetodo.Sãosujeitosoperários, alunos,militaresqueseconformamdentrodeinstituições deenclausuramento,comoasfábricas,asescolas,oexér-cito.Sãopeçasdeumaengrenagem,poisnãosãotomados individualmente,mesmoqueastécnicastenhamumcunho individual,masfocadoseinvestidoscomogruposquedevem serreguladosparaoaperfeiçoamento.Paraooperárioser operário,eleprecisadafábrica;paraoalunoseraluno,ele precisadaescola;paraomilitarsermilitar,eleprecisado exército.Osespaçostornam-seascondiçõesdeexistência dessasformasdesujeito,sendoimprescindívelinvestirnos corposcomomododesustentaçãodessesespaços.Osmar-cadoresproduzidosnesseeixodizemrespeitoàscategorias hierárquicas profissionais, intelectuais e econômicas que classificameorganizamosespaçoscoletivos.
Na contemporaneidade, encontramos as psicotécnicas aplicadas nos treinamentos, qualificações e capacitações organizacionais com vistas a melhorar a qualidade de vida. O importante dessas técnicas é a edificação do su-jeito necessário. Entretanto, há hierarquias, distinção nos graus de profissionalização, que surgem quando se criam classificações – hierárquicas, intelectuais – que utilizam, como critérios, escalas de comparação: mais apto/menos apto;maisinteligente/menosinteligente.Objetiva-se,com aspsicotécnicas,onivelamentodossujeitosemrelaçãoa critériosdenormalidadeeanormalidadequeseaproximam dadefiniçãodoconceitodesaúdecomoausênciadedoença. Nessaesteira,aspráticaspsicológicaspassamaocupar-sedo sujeitotrabalhador,tantonasorganizaçõesdetrabalhoquanto nascomunidadesurbanas,formandoumsujeitopsicológico apartirdanoçãodefuncionalidade,ouseja,épormeioda
relaçãoqueosujeitoestabelececomseucotidianodetraba-lhoqueseráconsideradoobjetodepráticaseinvestimentos daPsicologia.
AspráticasemPsicologianãofocalizaramespecificamen- teoqueveio,noséculoXX,marcaroprópriocampo:adife-rençanoquetangeàrelaçãosaúde/doença,principalmente nodomíniodaspsicopatologiasdaalma,daaprendizagem, dotrabalho,dapobrezaeoutrosmaisqueforaminventados comomododeequalizaçãodeprocessosdesubjetivaçãoe “biopolitização”doscorpos,tendoemvistareformassociais, sanitárias,habitacionais.Oquesefocalizasãoaçõesdecunho individualistaeadaptacionista.
Essasaçõespsicológicasindividualistaseadaptacionistas estãonapublicaçãodoRelatórioFlexner,dosEUA,querede- fineoensinoeapráticamédicaapartirdeprincípiostecno-lógicosrigorosos,combasesemumalógicapositivista.Sua ênfaseestánapesquisaexperimentaldebasesubindividual, geralmentesobredoençasinfecciosas.Omodeloconceitual flexnerianoreforçaaseparaçãoentreindividualecoletivo, privadoepúblico,biológicoesocial,curativoepreventivo, umprocessosemelhanteaocampodaspsicotécnicas:nor-mal/anormal,apto/nãoapto...
ÉnesseterritórioqueaPsicologiacomeçaaconstruir umcampodefocoseinvestimentosemquesevoltaparaas populaçõese,posteriormente,paraasaúdedessescoletivos. APsicologiavemacontribuircompesquisasquantitativas, validadasestatisticamenteparaclassificar,organizareinvestir naspopulaçõesdemodoaestabelecerasbasesdodesenvol-vimentohumanoeosmodoscomoestedeveserfeitopor meiodetécnicasdecuidadosdasfamílias,dostrabalhadores, enfim,dosconjuntosestabelecidoscomofocosdeatenção.
SegundoPaimeAlmeidaFilho(1998,p.301),foiareto-madadaproposiçãodeWinslow,datadadadécadade1920, “aarteeaciênciadepreveniradoençaeaincapacidade, prolongaravidaepromoverasaúdefísicaementalmediante osesforçosorganizadosdacomunidade”,querecrudesceua necessidadedesevoltarparaascomunidadesenelasinvestir. Comela,prescrevem-sequatrotarefasbásicasparateoriae práticadeuma“NovaSaúdePública”queorientaráomodo comooconceitodesaúdepassaaserexperimentado:pre-vençãodasdoençasnão-infecciosas;prevençãodasdoenças infecciosas;promoçãodasaúde;melhoriadaatençãomédica edareabilitação.
Na década de 1960, encontramos uma mobilização popular em torno de questões sociais: direitos humanos, pobreza,racismo...Nessemomento,aPsicologiacomeça, efetivamente,afigurarnascomunidades(iníciodaPsicologia Comunitária)enosHospitais(iníciodaPsicologiaHospita-lar).SãomovimentosdiferentesquemarcamaPsicologia, pois,noespaçocomunitário,aPsicologiavolta-separaos fenômenosdapopulação,emespecialdaquelacommenos acessoaosbenssociaisecuidadosàsaúde,cujaspráticas caracterizam-seenquantoprofilaxiaouprevençãodasdoen-çasmentais.AinscriçãodaspráticasemPsicologiaocorre medianteaproduçãodeumsujeitopsicológicoapreendido pelosprocessosmentaisdesaúdeeadoecimento.
Psicologia–apsicossomática.Assim,estabelece-sequeo sujeito psicológico produz formas de afecções orgânicas; portanto,osesforçosdessecampovoltam-separaacom-preensão dos fenômenos psicológicos do indivíduo que o fazemadoecer.
AáreadasaúdecomunitáriaoudaMedicinacomunitária implementacentroscomunitáriosdesaúdeparaefetuarem açõespreventivasecuidadosbásicosapopulaçõesgeografi- camentedefinidas.Essapropostarecuperaoarsenaldiscur-sivo da Medicina Preventiva, principalmente a ênfase nas ciênciasdaconduta(Sociologia,AntropologiaePsicologia). Aemergênciadasciênciasdacondutaocorreemvirtudeda necessidadedeaçõessobreosmodosdeviverdepopulações consideradasvulneráveis.Nessesentido,asaçõespreventivas deveriamrecairsobreaconduta,sobreasformasdeviverdas populaçõescomoestratégiasdecontrole.Oconhecimento dosprocessossocioculturaisepsicossociaisnãosedestinaa facilitararelaçãomédico-pacienteouagestãoinstitucional comonomovimentoprecedente,maspossibilitaraintegração deequipesdesaúdenascomunidadesproblemáticasatravés daidentificaçãoecooptaçãodeagenteseforçaslocaispara osprogramasdeeducaçãoemsaúde.Ofracassodasações sobreaspopulaçõesconsideradasvulneráveisérápidonos EUA,mas,comendossodaOMS,essesprincípiospassam afazerpartedosdiscursosdasagênciasoficiais.Em1963, órgãosgovernamentaispropõem-seaincluiraparticipação dapopulação(Paim,1986).
APsicologia,comociênciadocomportamento,abree criaumespaçoparaocontroledascondutasedoscompor-tamentosquepossamcausarprejuízosàsaúdedapopulação edesorganizarosespaçosurbanos,contribuindoparaconfor- maroconceitodesaúdeemrelaçãoaoscorposecomporta-mentosdosindivíduos.Essainclusãolocal,nasperiferias, levandodecertaformaosaberacadêmicoaoslocaismenos favorecidos,vemaoencontrodosmodelospreventivosde saúde,nosquaissevisaàintervençãonosguetosparadimi-nuirtensões,comumavisãodequeainclusãoéfeitacoma idadeprofissionaisàscomunidadescarentes,consideradas problemas não-sociais, visto que o enfoque das práticas médicas/psicológicas acontece sobre os indivíduos dessas comunidadesenãonoscentrosurbanosqueproduzemessas comunidadesperiféricas.APsicologiapassaacontribuircom aspesquisasepidemiológicas,mas,agora,comumcaráter de epidemiologia psíquica, que contribui para modos de governodaspopulações.
NaAméricaLatina(Brasil,ChileeColômbia),devidoà atuaçãodaOPSeaopatrocíniodefundaçõesdosEUA,são implantadosprogramasdesaúdecomunitária.Em1977,a AssembléiaMundialdaSaúdelança,comofoiescritono iníciodotexto,aconsigna“saúdeparatodosnoano2000” comapolíticadeextensãodacoberturadosserviçosbásicos desaúde.Noanode1974,noCanadá,orelatórioLalonde defineasbasesdeummovimentopelapromoçãodaSaúde –“adicionarnãosóanosàvida,masvidaaosanos”(Paim &AlmeidaFilho,2000,p.44).Estabelece-seomodelodo campodasaúdecompostodequatropólos:biologiahuma-na;sistemadeorganizaçãodosserviços;ambiente(social, psicológico,físico);estilodevida(riscotrabalho,padrões deconsumo,qualidadedevida).
Em1978,aAlmaAta–ConferênciaInternacionalsobre atençãoprimáriaàsaúde–reafirmaasaúdecomodireitodo “homem”,deresponsabilidadepolíticadosgovernoseinter-setorial.Énessemomentoqueseefetivaanoçãodesaúde comoumaquestãodedireitoque,noBrasil,nadécadade 1980,tomaráconsistênciajurídico-políticacomaconstitui-çãodoSUS,baseadanaConstituiçãode1988:
Asaúdetemcomofatoresdeterminantesecondicionantes,entre outros,aalimentação,amoradia,osaneamentobásico,omeio ambiente,otrabalho,arenda,aeducação,otransporte,olazer eoacessoaosbenseserviçosessenciais;osníveisdesaúde dapopulaçãoexpressamaorganizaçãosocialeeconômicado País(Leifederal,n°8080/90,art.3°,p.22).
Nosanosseguintes,constitui-seumprojetonomeadode SILOS–SistemasLocaisdeSaúde,commodelodistritali-zado–,configurando-seasprimeirasiniciativasdereforma setorialdesaúdenospaísessubdesenvolvidos.Essasações sociaisvoltadasparaapromoçãodesaúdesãosintetizadas na Carta de Ottawa, de 1986, que define o movimento a partirdequatrodiretrizes:integraçãodasaúdecomopráticas depolíticaspúblicassaudáveis;atuaçãodacomunidadena gestão do sistema de saúde; reorientação dos sistemas de saúde;ênfasenamudançadosestilosdevida.Éexatamente nesteúltimoeixoqueaPsicologiavaiestarsituadaenquanto campodesaberquepropõequaispoderiamseressesestilos referentesaumaformadesersaudável.
Com as psicotécnicas, encontramos um estreitamento daspráticaspsicológicasque,mesmooriundasdecampos distintos,acabamporreforçarecriarnovosrecursosparaa noçãodeindivíduo,comportamentoeadoecimento.APsico-logiaseguenaesteiradasdiscussõesdesaúdedapopulação comomododepolitizarsuasações;entretanto,sustenta-se empráticasindividualizantes,privatistaseassistencialistas, propondo,pormeiodetecnologiaspsicológicas,ocontrole daspopulações.
Assim, vimos que a Psicologia enquanto ciência mo-dernaincitaummovimentodeprivatizaçãodaexistênciae daexperiênciaquandolocalizaosujeitoemumadimensão de interioridade do indivíduo – razão e inconsciente –, o quereforçaeforjaaindividualizaçãodasexistências,pois se foca no indivíduo. Ao mesmo tempo, as psicotécnicas aplicadas investem nas populações por meio de epide-miologiaspsíquicasquetornamesseindivíduoumobjeto públicoquandoconsideradoempopulação,tomadoemsua dimensão pública de relação com o outro. Nesse sentido, quandoforjamoscidadãospsicológicos,ofazemosapartir docampodaPsicologiapormeiodeumalibertaçãodessa interioridadeconsideradaconstituintedoindivíduo.Então, opera-setantonadireçãodeumaprivatizaçãodaexistência quantodeumapublicizaçãodeinterioridadesquedevemser expostascomomododeseterumcidadãosaudável,masa ênfaseestánosindivíduos.
Parafinalizar,nosdiasdehoje...
programas de modificação de comportamentos de risco, comofumar,sedentarismo,dietas.Alémdisso,osorganismos internacionaisestabelecemedeterminamoprojetoCidades Saudáveis,daOMS.Em1991,aOMSatualizaoprincípio depromoçãodesaúde,incorporandoaquestãododesen-volvimentoeconômicoesocial.Saúdepassaaserdescrita comoumestadodebem-estarfísico,psíquicoesocial,em consonânciacomasdiscussõessobremeioambiente,ouseja, saúdeambientalcomoprioridadesocial.
NoBrasil,aimplantaçãodoSistemaÚnicodeSaúdeacar-retaumasériedediscussõestantonoâmbitoepistemológico, quantonometodológico.AsproposiçõesdoSUSapontam paraasaúdecomodireitodocidadãoedeverdoEstado;saúde comoumaquestãointegral;saúdenãomaiscomoausência dedoença,mascomoumaquestãoplural;saúdecomouma questãocoletiva,nãopública,àmedidaqueopúblicoremetia amodelosdeprogramasassistencialistasdadécadade1960 e1970;saúdeapartirdedadosepidemiológicosconstruídos comapopulação,enãomaisbaseadaemdadosmercadoló-gicos.APsicologiapassa,então,afigurarnasconferências desaúdeenosestabelecimentosdaredepúblicadesaúde, reorganizandoaspráticaspsicológicastantonosentidoaca-dêmicoecurricularquantonodemercadodetrabalho.
O que é importante enfatizar, aqui, é que não se trata apenas de uma concepção de conhecimento, mas de uma edificaçãoqueproduziumarcadoresnaformadeossujeitos reconhecerem-seerelacionarem-seconsigomesmos,ouseja, asdiretrizesdeintegralidadeeinterdisciplinaridadepropostas peloSUScriamanecessidadedearticulaçãoentrecamposde saberdistintosnasaúdepública–Psicologia,Enfermagem, Nutrição,Fisioterapia,Fonaudiologia,TerapiaOcupacional, EducaçãoFísica–,nãoserestringindounicamenteàMedici-na,aosabermédico3.“Saúdeparatodos”ou“todosdevemos buscarsaúde”sãomaisdoqueenunciaçõesnomomentoem quesetornamumapráticacotidiana,umaaçãosocialpara encaminharindivíduosemdireçãoàsaúde,aumavidacom maissaúde,entendendoqueestaétantobiológicaquanto psicológicaesocial.
QuandoaPsicologiaconforma-secomopartedetrata-mentosemsaúde,porexemplo,noqueserefereàqualidade
de vida, não se trata apenas de um projeto político, pois implicaqueabordemosessapossibilidadederelaçãocom ocorpoeaexistênciacomoumaformadepensarasaúde. Operam sobre nós mesmos certos modos particulares de existênciaederelaçãoconoscoquetransformamodiscurso dasaúdeemexistênciassaudáveismediantepráticaspsico-lógicasebiológicas.
As políticas públicas em saúde, a partir de considera-çõesdecunhomédico,abordamasaúdedocorpoenquanto organismo biológico por meio de práticas médicas. Esse discurso,aoencontrar-secomoutros,comoodacidadania, dahumanização,daatençãointegral,formadospordistintos camposdesaberqueencontramosnaspolíticasdesaúde,será complementado,reforçado;emrelaçãoaoutrosdiscursos, seráantagônico(quandoseestabeleceasaúdecomouma questãopluralemqueoutrasdisciplinas,alémdaMedicina, passam a operar sobre esse corpo, psicologizando-o: por exemplo, quando a Psicologia começa a trabalhar com a psicossomática).Dequalquerforma,acabaporcolocarem evidênciaaquiloquedeveservistoefalado,aquilodoqual devemosnosocuparnacontemporaneidade:asaúde.
Referências
Foucault,M.(1995).MicrofísicadoPoder.RiodeJaneiro:Edições Graal.
Foucault,M.(1998).HistóriadaSexualidadeII.RiodeJaneiro: EdiçõesGraal.
Luz, M. (1991). Notas sobre as políticas de saúde no Brasil de “transição democrática”- anos 80.Physis: Revista de Saúde Coletiva,1(1).77-96.
Paim,J.(1986).Saúde,crises,reformas.Salvador:CentroEditorial eDidáticodaUFBA.
Paim,J.&AlmeidaFilho,N.(1998).SaúdeColetiva:uma“nova saúdepública”oucampoabertoanovosparadigmas?Revista
SaúdePública,32,(4),299-316.
Paim,J.&AlmeidaFilho,N.(2000)Acrisedasaúdepúblicaea utopiadasaúdecoletiva.Salvador:Casadaqualidade. Rose,N.(2001)ComosedevefazerahistóriadoEu?Educação&
Realidade,26(1),35-57.
3 Areaçãomédicaemrelaçãoaessemovimentoaparecenacontempo-raneidadecomoAtoMédico,queobjetivaregulamentaraaçãomédica erestringirasaçõesnocampodasaúdeaodomíniomédico.OAto Médicoencontraespaçoparaessaregulamentaçãonopróprio“senso comum”,que,aoprocurarespaçosdeatençãoàsaúde,procuraporuma atençãomédica.Amudançaimplicadesinstitucionalizaçãodasaúde comodomínioexclusivamentemédico–mudançaqueabrangetanto usuáriosquantotrabalhadoresdasaúde.
Recebidoem12.01.2005 Primeiradecisãoeditorialem12.04.2005 Versãofinalem15.07.2005