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ARTIGO DE REVISÃO
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor c
Rev Dor. São Paulo, 2011 jul-set;12(3):270-3
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A cefaleia está
entre as dores mais comuns na infância, e estas apre-sentam mais sensibilidade a dor nas superfícies cor-porais, que pode ser avaliado pela algometria. O obje-tivo deste estudo foi rever na literatura os estudos que avaliaram o limiar de dor a pressão (LDP) em crianças com e sem cefaleia.
CONTEÚDO: Conduziu-se uma busca nos bancos de
dados bibliográicos, incluindo Pubmed (National Li -brary of Medicine), LILACS (Literatura Latino-Ame-ricana e do Caribe em Ciências da Saúde) e ADO-LEC (Saúde na Adolescência) para identiicar estudos cientíicos relevantes. Quatro estudos preencheram todos os critérios de seleção, totalizando 492 crianças e adolescentes, de 5 a 15,8 anos de idade. Destas, 75 tinham migrânea, 61 cefaleia tipo tensional e 356 sem histórico de cefaleia.
CONCLUSÃO: Não há consenso sobre a inluência das
cefaleias no LDP em crianças. Devido à escassez de es-tudos, não se pode concluir que o limiar de dor à pressão é menor em crianças com cefaleia quando comparado com crianças saudáveis.
Descritores:Cefaleia, Crianças, Limiar de dor.
Limiar de dor à pressão em crianças com cefaleia*
Pressure pain threshold in children with headache
Gabriela Natália Ferracini
1, José Geraldo Speciali
2* Recebido da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Ribeirão Preto, SP.
1. Fisioterapeuta pela Universidade Paulista de São José do
Rio Preto; Mestranda em Neurociências da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil.
2. Médico Neurologista, Professor-Associado de Neuro
-logia do Departamento de Neuro-logia, Psiquiatria e Psico -logia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. José Geraldo Speciali
Avenida dos Bandeirantes, 3.900 14049-900 Ribeirão Preto, SP.
E-mail: speciali@netsite.com.br
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Headache is
one of the most common pains during childhood and children have higher sensitivity to pain in body surfa -ces, which can be evaluated by algometry. This study aimed at reviewing in the literature studies evaluating pressure pain threshold (PPT) in children with and wi -thout headache.
CONTENTS: Bibliographic databases were
sear-ched, including Pubmed (National Library of Medicine), LILACS (Latin-American and the Caribbean Literature on Health Sciences) and ADOLEC (Health during Adolescence) to iden -tify relevant scientific studies. Four studies met all inclusion criteria with a total of 492 children and adolescents, aged from 5 to 15.8 years. From them, 75 had migraine, 61 had tension headache and 356 had no headache history.
CONCLUSION:There is no consensus about headache
inluence on PPT in children. Due to the scarcity of stu-dies, one could not conclude that pressure pain threshold is lower in children with headache as compared to heal -thy children.
Keywords:Children, Headache, Pain threshold.
INTRODUÇÃO
A cefaleia está entre as dores mais comuns na infân-cia. Dentre as cefaleias, a migrânea é a principal e acomete 5% a 10% de crianças e adolescentes, sua frequência aumenta com a idade, predomina nos me-ninos até os 7 anos, iguala-se na faixa etária de 7 a 11 anos e posteriormente acomete mais meninas. Nas crianças, assim como nos adultos, a migrânea sem aura é a mais frequente1,2.
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crises de cefaleia migranosa na infância são de curtaduração (1-4 horas) e, mais frequentemente que nos adultos, localizadas bilateralmente3.
Crianças com cefaleia apresentam mais sensibilidade à dor nas superfícies corporais do que crianças saudáveis, uma forma de avaliar esta alteração é com a utilização da algometria4.
A algometria é uma técnica que quantiica a capacidade de percepção e de tolerância dolorosa através da pressão sobre os nociceptores (limiar de dor a pressão). O limiar de dor a pressão é a menor pressão capaz de gerar dor ou desconforto, sendo inluenciado pela idade, sexo e regi -ões do corpo5,6.
Crianças com limiares baixos sentem mais dor, e estí-mulos de intensidade que não causariam dor, tornam-se dolorosos. Essas alterações na faixa etária pediátrica devem ser observadas, e se constatadas, medidas que elevem o limiar de dor deverão ser incorporadas pelo proissional antes de qualquer procedimento que apre -sente risco de dor7,8.
Devido à importância e a pouca divulgação dos conhecimentos sobre limiar de dor em crianças, o objetivo deste estudo foi rever na literatura a cefa-leia em crianças.
DESENVOLVIMENTO
Foi conduzida uma busca em banco de dados compu-tadorizado para identiicar artigos cientíicos relevan -tes para o estudo. Os artigos foram selecionados entre 1993 e 2010 e obtidos em buscas em banco de dados bibliográicos, incluindo Pubmed (National Library of Medicine), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e ADOLEC (Saúde na Adolescência).
Foram incluídos os estudos clínicos, de coorte e casos controlados com dados epidemiológicos das amostras. E excluídos os relatos de casos e revisões da literatura.
Os critérios de inclusão dos artigos foram: casuística com idade entre 4 e 16 anos, avaliação do limiar de dor à pressão em crianças sem histórico de cefaleia e em crianças com diagnóstico de cefaleia segundo os critérios de 1988 e 2004 da Sociedade Internacional de Cefaleia (IHC-II) e utilização da algometria como método de avaliação do limiar de dor a pressão. Os artigos foram selecionados a partir dos dados conti-dos no resumo ou, nos casos em que o resumo não estava disponível, por meio das informações conti-das em seu título.
RESULTADOS
O levantamento de dados resultou no total de 47 artigos cientíicos. Destes, 13 foram selecionados como arti-gos em potencial para o estudo, baseado em seu resu-mo. Dentre os artigos selecionados para o estudo, nove foram descartados. Os motivos para a exclusão foram: não objetivaram avaliar o limiar de dor a pressão (LDP) pelo método de algometria, não havia o relato do critério diagnóstico para cefaleia. Quatro artigos preencheram todos os critérios de seleção, totalizando 492 crianças e adolescentes, de 5 a 15,8 anos de idade. Destas, 75 tinham migrânea, 61 cefaleia tipo tensional e 356 sem histórico de cefaleia (Tabela 1).
O LDP foi menor nas meninas e nas faixas etárias meno-res. As crianças com cefaleia apresentaram limiar de dor a pressão menor do que as saudáveis4,8 (Tabela 2). Todos os estudos avaliados apresentavam limitações cientíicas serem não encobertos e não controlados.
Tabela 1 – Estudos encontrados nos diferentes bancos de dados
Banco de Dados Descritores Resultados Artigos
Selecionados
Artigos Incluídos
Pubmed
LDP em crianças 41 10 2
LDP em crianças com cefaleia 3 3 2
Adolec
LDP em crianças 2 -
-LDP em crianças com cefaleia - -
-Lilacs
LDP em crianças 1 -
-LDP em crianças com cefaleia - -
-Total 47 13 4
Ferracini e Speciali
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DISCUSSÃO
No presente estudo observou-se que a literatura é muito deiciente em abordar o tema limiar de dor a pressão em crianças. Quando a busca foi dirigida para publicações que comparassem LDP em crianças com e sem cefaleia foram localizados apenas 2 estudos4,8. A análise dessas publicações não permitiu conclusões, pois um deles não encontrou diferenças signiicativas entre os grupos com e sem cefaleia enquanto que o outro concluiu que crian-ças com migrânea têm um menor LDP.
O estudo que avaliou o LDP de 48 crianças com migrâ-nea, 61 crianças com cefaleia tipo tensional episódica e 59 crianças sem cefaleia, de exclusivamente 13 anos, em 7 pontos cefálicos e 3 pontos extracefálicos, juntamente com a aplicação de questionário para avaliar a presença de outras dores4. Concluíram que crianças com migrânea relatam outras dores, como dor estomacal e na coluna lombar mais frequentemente do que as crianças com CTTE e as sem cefaleia. Porém, não houve diferença do LDP entre os três grupos avaliados.
Foi avaliado o limiar de dor por pressão e temperatu-ra nas áreas trigeminal e região tenar bilatetemperatu-rais, de 25 crianças migranosas (5 com aura, 20 sem aura) e 28 crianças sem cefaleia, de 9-15 anos8. As crianças
migra-nosas apresentaram limiares de dor a pressão menor do que as crianças sem cefaleia, mas estes limiares foram maiores quando a mãe estava presente no momento da avaliação. Os autores concluíram que as meninas com migrânea são mais propensas a sensibilização central, o qual pode aumentar o risco de continuar sofrendo crises migranosas na idade adulta8.
Outro estudo9 que avaliou 100 crianças saudáveis, 45 me -ninos e 55 meninas de 5,3-15,8 anos, a im de correlacio -nar o LDP e a idade. Foram avaliadas 17 áreas do corpo com um algômetro mecânico, na razão de 0,5 kg/cm2/s. Evidenciaram-se correlações positivas entre idade e LDP nos músculos trapézio, deltoides e supraespinhais, 9 áreas da parede abdominal e parte medial das tíbias. A idade do paciente deve ser considerada nas investigações e avalia-ção clínicas sobre dor em crianças e adolescentes. Con-cluiu-se que quanto menor a idade menor são os limiares. Avaliando o LDP em 12 áreas anatômicas de 69 crianças saudáveis, 33 garotos e 36 garotas com média de 11,4 anos, os autores não encontraram diferença signiicativa do LDP entre os sexos, o LDP aumentou com a idade na região paraespinhal, mas não nas extremidades, podendo ser inluenciado pela consistência do tecido5.
Tabela 2 - Estudos que avaliaram o limiar de dor a pressão em crianças com e sem cefaleia
Estudos País/Local Amostra Resultados
Metsahonkala e col.4 Turku/Escola primária.
168 crianças, 48 com
migrânea, 61 com CTTE e 59
sem cefaleia.
O LDP foi menor em meninas do que em meninos em todos os grupos.
Não houve diferença do LDP
entre os grupos.
Hogeweg e col. 5 Holanda/ 3 escolas primárias. 69 crianças, sem histórico de
cefaleia
LDP na região paraespinhal
foi maior de rostral para caudal;
LDP nas regiões periféricas foi maior do que na
paraespinhal, exceto
tornozelos.
Zohsel e col.8 Germânia/ Hospital da Universidade de Heidelberg.
55 crianças, 27 com migrânea e 28 sem cefaleia.
Crianças migranosas
apresentaram menor limiar de dor à pressão.
Duarte, Goulart e Penna 9
Minas Gerais/ Hospital
das Clínicas da Faculdade Federal.
200 crianças, sem histórico
de cefaleia.
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Crianças portadoras de alguma doença orgânica oufun-cional apresentam redução do limiar de dor à pressão (LDP) em várias regiões do corpo, além das regiões do-lorosas da própria doença. Existe uma associação entre dor abdominal recorrente e dor de crescimento e LDP diminuído, porém não foi encontrada uma relação de causalidade para esta ocorrência, sugerindo existir uma sensibilização central provocada pela recorrência da dor. A determinação do limiar de dor a pressão é uma técni-ca indireta, que provê valores quantitativos, permitindo o controle da velocidade e direção da pressão, a im de estabelecer o comportamento de determinado grupo de nociceptores e, se estes estão sendo inluenciados pelo sistema nervoso central pelas vias aferentes e eferen-tes8,9. A redução global do LDP nas superfícies corpo-rais sugere uma alteração da modulação da dor, com fa-tores periféricos e centrais do sistema nervoso envolvi-dos na percepção da dor4,5,7. O limiar de percepção e de tolerância dolorosa de um determinado nociceptor está relacionado com a capacidade de captação nocicepti-va e dos controles excitatórios e inibitórios superio -res, assim, quando há um desequilíbrio nestes centros, estímulos subliminares produzem percepção dolorosa (alodínia) ou tolerância reduzida (hiperalgesia)4,6,9.
Devido à escassez de estudos, não se pode concluir que o limiar de dor a pressão é menor em crianças com cefaleia quando comparado com crianças saudáveis. A determinação dos limiares de dor a pressão é uma ferramenta útil que pode caracterizar um determinado grupo de pacientes e auxiliar na compreensão do com-portamento álgico.
Estudos futuros devem ser direcionados envolvendo o LDP em crianças com cefaleia e sem histórico de cefa -leia. E, dentro do grupo de crianças com cefaleia qual a importância da presença da redução do LDP na aborda-gem clínico-terapêutica desse grupo. No entanto a ida -de, o local examinado e a presença de doenças dolorosas associadas à cefaleia devem ser considerados quando da estruturação da metodologia aplicada, pois inluenciam o LDP nessas faixas etárias.
CONCLUSÃO
Devido à escassez de estudos, não se pode concluir que o limiar de dor a pressão é menor em crianças com cefa-leia quando comparado com crianças saudáveis.
REFERÊNCIAS
1. Puccini RF, Bresolin AB. Dores recorrentes na infân-cia e adolescêninfân-cia. J. Pediatr 2003;79(Suppl 1):65-76. 2. Hershey AD, Winner PK. Pediatric migraine: recog -nition and treatment. J Am Osteopath Assoc 2005;105(4 Suppl 2):2S-8S.
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4. Metsahonkala L, Anttila P, Laimi K, et al. Extrace -phalic tenderness and pressure pain threshold in children with headache. Eur J Pain 2006;10(7):581-5.
5. Hogeweg JA, Kuis W, Oostendorp RA, et al. The inluence of site of stimulation, age, and gen -der on pain threshold in healthy children. Phys Ther 1996;76(12):1331-9.
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7. Hashkes PJ, Friedland O, Jaber L, et al. Decreased pain threshold in children with growing pains. J Rheu-matol 2004;31(3):610-3.
8. Zohsel K, Hohmeister J, Oelkers-Ax R, et al. Quanti -tative sensory testing in children with migraine: prelimi -nary evidence for enhanced sensitivity to painful stimuli especially in girls. Pain 2006;123(1-2):10-8.
9. Duarte MA, Goulart EM, Penna FJ. Pain threshold and age in childhood and adolescence. J Pediatr 1999;75(4):244-8.
Apresentado em 22 de março de 2011.