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A produção das perdas dentárias: narrativas de usuários do SUS

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Academic year: 2017

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DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ODONTOLOGIA PREVENTIVA E SOCIAL

A PRODUÇÃO DAS PERDAS DENTÁRIAS: NARRATIVAS DE

USUÁRIOS DO SUS

(2)

A PRODUÇÃO DAS PERDAS DENTÁRIAS: NARRATIVAS

DE USUÁRIOS DO SUS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Odontologia, área de concentração Odontologia Preventiva e Social, do Departamento de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, sob orientação da Professora Dra. Elizabethe Cristina Fagundes de Souza.

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Dantas, Jussara de Azevedo.

A produção das perdas dentárias: narrativas de usuários do SUS/ Jussara de Azevedo Dantas. – Natal, RN, 2007.

110f.

Orientadora: Elizabethe Cristina Fagundes de Souza.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências da Saúde. Departamento de Odontologia. Área de Concentração Odontologia Preventiva e Social.

1. Odontalgia – Dissertação. 2. Prótese dentária– Dissertação. 3. Perda de dente– Dissertação. 4. Serviços de Saúde Bucal – Dissertação. I. Souza, Elizabethe Cristina Fagundes de. II. Título.

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pais, José Adelino Dantas e Letice de

Azevedo Dantas, eternos exemplos de

amor, integridade, dedicação e

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A Deus, por ter iluminado o meu caminhar durante essa árdua trajetória e me

fortalecido a fim de que este sonho pudesse se concretizar.

Aos meus pais, pela total doação e apoio incondicional à felicidade dos filhos.

A Robson, pelo amor e dedicação com que vivenciou todas as etapas na construção

deste trabalho.

A minha orientadora, professora Betinha, pelo exemplo de ética e paixão pela pesquisa

que nos propicia um desejo incessante de busca pelo conhecimento. Com carinho, agradeço as

preciosas reflexões que me ampliaram o olhar sobre os diversos caminhos da pesquisa a

serem trilhados.

Aos irmãos, Eduardo Janser, Rossana e Eugênio, pelo exemplo de dedicação e apoio

fundamentais em todos os momentos. Eduardo e Rossana, obrigada pelo olhar sincero que

sempre desejava “boa sorte” e não me deixava desistir. Aos sobrinhos queridos Lucas, Luisa e

Isadora pela inspiração de um amor sincero.

A querida cunhada Elane, pelo exemplo de determinação, pelas palavras de carinho e

estímulo tão importantes ao longo desta árdua caminhada.

As queridas amigas Ana Larissa, Karen e Ana Maria, pela riqueza da nossa amizade

que vence o tempo, a distância e nos proporcionou o crescimento na vida.

Às professoras que examinaram o projeto da qualificação, Profª Aurigena e Profª

Raimundinha. Obrigada pelo estímulo e pelas preciosas sugestões, tão oportunas naquele

momento.

A Professora Edna Maria da Silva, pelo estímulo e oportunidade de experimentar a

pesquisa na iniciação científica.

A todos os professores do mestrado e a todos os professores convidados. Obrigada

pela riqueza das discussões teóricas e pelo incentivo à incansável busca do saber.

A todos os funcionários da biblioteca, pela total disponibilidade e simpatia com que

nos acolheram.

(6)

nossa convivência fez surgir uma bela amizade que nos fortaleceu, nos ajudou a superar

barreiras e prosseguir em prol de um objetivo comum.

Às amigas, Heloísa e Dona Teresinha, pela acolhida maravilhosa, pela confiança e

pelo incentivo, fundamentais nos momentos difíceis.

À querida Núbia, pela alegria na convivência do trabalho, pela delicadeza com os

pacientes e pela imensa contribuição.

Aos meus pacientes, pela compreensão nos momentos de ausência.

Aos entrevistados desta pesquisa, pela sincera disponibilidade e espontaneidade com

que contaram suas histórias, que, pela sua riqueza, indicaram novos caminhos a serem

trilhados.

À Prefeitura Municipal de São Tomé, na pessoa do Prefeito Francisco Estrela Martins,

do Secretário de Saúde, José Alcivan da Silva e da Coordenadora do Programa de Saúde da

Família, Alcélia Maurício.

A todos que, de alguma forma, torceram por mim!

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A compreensão ampliada dos efeitos da perda dentária exige escuta dos sujeitos que a experimenta. Este estudo, de abordagem qualitativa, investigou, na história odontológica de usuários do SUS, a partir do relato de suas experiências com os serviços de saúde bucal, os motivos que os levaram à perda dentária e as repercussões desta em suas vidas. A coleta de dados foi realizada por meio da técnica de entrevista narrativa, adaptada, utilizando-se roteiro semi-estruturado. Os sujeitos entrevistados, num total de seis (três da zona urbana e três da zona rural), foram usuários de Unidades de Saúde da Família. Consideraram-se os seguintes critérios de inclusão: presença de desdentamento (perda total em ambas as arcadas, ou em uma delas, ou perda parcial a partir de seis elementos em uma das arcadas); idade ente 25 e 59 anos; qualquer gênero; ser morador dos municípios de São Tomé/RN e Natal/RN. A partir do conteúdo das entrevistas foi elaborada a história odontológica de cada entrevistado. Tais narrativas, sistematizadas em histórias odontológicas, foram analisadas com base em estudo de Souza71 e na proposta de Schütze, sugerida por Jovchelovitch, Bauer34. Os resultados indicaram que a experiência de dor foi o principal motivo pela procura por assistência odontológica. As formas de enfrentamento da dor deram-se pelo uso de medicações caseiras e alopáticas e pela busca do serviço de saúde. A procura pela exodontia foi favorecida pela dificuldade de acesso geográfico ou pela grande demanda reprimida, o que produziu agravamento das lesões e descrédito na eficácia do tratamento restaurador. A prática do autocuidado através da escovação com juá ou creme dental e o controle do consumo de açúcar não foram suficientes para evitar a perda dentária. Foram identificados sentimentos de culpa relacionados à falta de cuidado. A aceitação da perda dentária como natural teve forte relação com a garantia de ausência de dor e a crença de fazer parte do processo de envelhecimento. A convivência das pessoas com a prótese dentária mostrou a diferença entre o que era natural e o que era artificial e, a partir daí, foram aparecendo situações de estranhamento com a prótese. A limitação da prótese quanto ao aspecto funcional pode ser compensada pela restituição da estética, ao possibilitar a expressão do sorriso. A partir deste estudo e considerando o elevado número de perdas dentárias, especialmente em populações de menor poder aquisitivo, que convivem com limitações próprias da condição de desdentado e ou com próteses de má qualidade que não reabilitam, adequadamente, sugere-se a realização de pesquisas de abordagem qualitativa que inclua, também, outros atores implicados na produção de cuidados e serviços de saúde – profissionais e gestores.

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For a complete comprehension of the effect of tooth loss is necessary to listen to the patients that have it. This study, of qualitative approach, investigate, in the dental history of users of SUS, listening to his/her experiences with the services of dental care, the reason that lead his/her to dental lost and the repercussion of this in his/her life. The collect of data was made by narrative interview, obeying to a pre-defined schema. The subjects interviewed were six (three of urban zone and three of rural zone), all of them were users of Family Health Units. The criterions of inclusion were the followings: the presence of tooth lost (total lost in both dental arch or in one of them, or partial lost in at least six elements in one of the arches); age between 25 and 59; male or female; to live in municipal district of São Tomé/RN or Natal/RN. Based on previous interviews was elaborated the odontological history of each patient. Such narratives, systemized in odontological history, were analyzed taking as base the studies of Souza71 and the proposal of Schutze, suggested for Jovchelovitch, Bauer34. The results show that toothache was the main reason for the search of odontological care. The patients confront the ache with home-made medicaments, allopathic ones, and searching for dental care. The searching for exodontics was stimulated for geographic access difficulties or for repressed demand, which as a result produced the aggravation of the lesions and the discredit in restoration’s treatment. The self-care practice of tooth-brush with juá or toothpaste and the controlled ingestion of sugar was not sufficient to avoid dental lost. Guilty sentiments were identified in relation with lack of care with teeth. The acceptance of dental lost as a natural factor is an important motivation in lack of pain and in the belief that it was a simple part of life in old age. Life with dental prosthesis makes clear the difference between which was natural and which was unnatural, and difficulties with the prosthesis appeared. The limitation of the prosthesis in its functional aspect can be compensated by esthetic restitution, making possible smiling expression. Starting with this study and considering the high number of dental lost, mainly in low-rent population, which live with toothless limitations or bad-quality prosthesis which do not rehabilitate adequately, we suggested the realization of qualitative researches which include, also, another actors in heath care services such as professionals and administrators.

(9)

Figura 1 – Mapa do Rio grande do Norte

(10)

CEO Centro de Especialidades Odontológicas

CPO-D Índice de dentes cariados, perdidos e obturados

FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

OMS Organização Mundial de Saúde

PNAD Programa Nacional por Amostra de Domicílios

PSF Programa de Saúde da Família

(11)

1 INTRODUÇÃO... 09

2 A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA... 16

2.1 Caracterização do estudo... 16

2.2 Lugar da pesquisa... 18

2.3 Sujeitos da pesquisa... 21

2.4 Técnicas e instrumentos de coleta... 22

2.5 Análise dos dados... 24

2.6 Aspectos éticos... 25

3 NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS DE USUÁRIOS COM PERDAS DENTÁRIAS: AS HISTÓRIAS ODONTOLÓGICAS... 26

3.1 Alegria... 26

3.2 Força... 31

3.3 Paciência... 36

3.4 Coragem... 40

3.5 Simplicidade... 45

3.6 Felicidade... 49

4 TRILHANDO PISTAS DA PRODUÇÃO SÓCIO-CULTURAL DA PERDA DENTÁRIA... 56

4.1 Práticas odontológicas, dor de dente e perda dentária... 56

4.2 Acesso, resolutividade e perda dentária... 66

4.3 Algumas facetas do cuidar-se... 75

5 PROTESISMO: REVERSO DA PERDA DENTÁRIA E DE SUA NATURALIZAÇÃO ... 85

5.1 Prótese como desejo e ilusão... 89

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 100

(12)

1 INTRODUÇÃO

Compreender o processo de adoecimento exige aproximação ao cotidiano das pessoas,

buscando-se extrapolar a visão biologicista, historicamente predominante nos saberes e

práticas de saúde e considerar os aspectos psico-socio-culturais que integram a dinâmica

complexa do processo saúde-doença.

A perda de dentes é considerada tema de relevância para a saúde pública, tendo em

vista que, na maioria das vezes, é decorrente das doenças bucais mais prevalentes, cárie e

doença periodontal38,54,27. Tal importância ganhou maior destaque, no Brasil, a partir dos

elevados índices de perda dentária detectados nos diversos levantamentos epidemiológicos

realizados, nos últimos anos, e pelo conseqüente impacto negativo na qualidade de vida dos

indivíduos acometidos.

Para Oliveira54, o grau de perda dentária resultante do avanço das patologias bucais e

de traumatismos caracteriza o edentulismo como agravo. Dessa forma, este perpassa vários

fatores que vão desde a impossibilidade de realização de um tratamento restaurador devido ao

avanço das lesões bucais, o tipo de prática odontológica até as características culturais da

população.

Na ausência de intervenção profissional, as doenças bucais evoluem inicialmente de

forma assintomática, chegando a acometer os tecidos mais profundos do dente e provocando

situações em que há extrema dor, incômodo e sofrimento para o indivíduo. Apenas nesse

estágio tardio de evolução da doença, quando os sintomas dolorosos tornam-se fisicamente

não suportáveis e priva o indivíduo da realização de suas atividades cotidianas normais, o

usuário busca a resolução dos seus problemas nos serviços de saúde60,66.

Considerando a inexistência de uma atenção secundária estruturada e capaz de dar

suporte às demandas da atenção básica, o tipo de tratamento ofertado nesse nível de atenção

limita-se, basicamente, ao tratamento mutilador, o que tem contribuído para o elevado

número de extrações dentárias em dentes passíveis de conservação66,80,81.

Esse fato contraria um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS),

(13)

diversos graus de complexidade, formam também um todo indivisível, configurando um

sistema capaz de prestar um atendimento integral”43.

Apesar de a perda dentária comprometer aspectos funcionais, estéticos e psicossociais

das pessoas acometidas e estar associada a sentimentos negativos e a situações de privação

social, observa-se acentuada naturalização dessa perda. Por um lado, quem a sofre associa a

algo natural e intrínseco ao processo de envelhecimento e, por outro lado, profissionais e

serviços de saúde priorizam a extração dentária como forma de cuidado e solução imediata

para o alívio da dor38,69,81.

Soma-se ainda o fato de o maior número de extrações dentárias ocorrerem em

populações de baixo nível socioeconômico81, provavelmente, devido ao menor acesso a

noções de cuidado em saúde bucal e também ao tipo de serviço odontológico ofertado.

Considerando que a essa parcela da população só são ofertadas ações básicas restritas, não

existindo ofertas de ações reabilitadoras, a população adulta permanece desdentada durante

toda a vida ou desenvolve múltiplas estratégias para superar a mutilação e recompor a

auto-imagem através da aquisição de próteses de baixa qualidade, na rede privada66.

Os avanços científicos alcançados nas diversas áreas de conhecimento e, entre estas,

na Odontologia, como por exemplo, nas especialidades de dentística e prótese, são inegáveis

em termos de benefícios e melhoria na qualidade de vida das pessoas. No entanto, a

“modernização” técnica na Odontologia não foi capaz de proporcionar melhoria no nível de

saúde bucal da população, já que esteve pautada em práticas de natureza curativista e

mutiladora, que elegeu a exodontia como o procedimento predominante.

Observa-se em alguns países desenvolvidos, por exemplo, Noruega e Estados Unidos,

marcante redução no número de dentes extraídos na população de adultos e idosos. Isso

guarda relação com uma mudança geral de atitude em relação à aquisição de hábitos

promotores de saúde bucal, associados a uma relevante evolução na filosofia de educação das

instituições formadoras de recursos humanos, refletindo-se também na clínica sob a forma de

uma incipiente mudança no paradigma pautado em ações de prevenção e promoção de

saúde82. Dessa forma, reconhece-se uma tendência mundial de redução do número de

edêntulos18, embora esse processo seja muito lento, necessitando de formas mais eficazes de

(14)

Apesar de visualizarmos essa conquista em populações de melhor poder aquisitivo,

sabemos que indivíduos pertencentes a grupos de menor condição sócio–econômica ainda

convivem com altos índices de dentes perdidos. O mais recente levantamento das condições

de saúde bucal da população brasileira, SBBrasil 200340, como já referimos, destacou, além

de outros aspectos, a gravidade da perda precoce e seu incremento com o avanço da idade.

O levantamento das condições de saúde bucal de adultos e idosos, realizado em 1986,

mostrou que, no CPO-D (índice de dentes cariados, perdidos e obturados) de 22,5 para a

população de 35-44 anos, o componente extraído foi de 14,96 e representou 66,5% deste

CPO-D. Nessa mesma população, 3,74% necessitou de prótese total superior e 0,78% de prótese

inferior e na faixa etária de 50-59 anos, 5,72 e 0,97, necessitaram, respectivamente, de prótese

total superior e inferior42. Já no último levantamento das condições de saúde bucal da

população brasileira, realizado em 2003, vimos que a situação relativa ao componente perdido

pouco se alterou, ficando em 13,23, o qual representou 65,72% de um CPO-D de 20,13. Quanto

à necessidade de prótese, observou-se que 2,52% dos indivíduos necessitaram de prótese total

superior e 2,88 de prótese total inferior para a população de 35-44 anos. Na faixa etária de

65-74 anos, 16,15% e 23,81% das pessoas necessitaram, respectivamente, de prótese total superior

e inferior40. Tais resultados também revelaram que mais de 28% dos adultos não possuem

nenhum dente funcional (todos os dentes foram extraídos, e os que restam têm a sua extração

indicada) em pelo menos uma das arcadas. Desses, mais de 15% necessitam de pelo menos

uma dentadura. A população idosa apresentou quase 26 dentes extraídos em média por pessoa,

e três a cada quatro idosos não possuem elemento dentário funcional68.

A análise dos dados explicita que, em 1986, 1,6 milhão de pessoas entre 35-59 anos

eram totalmente edêntulas, assim como não possuíam dentes artificiais e, somando-se a 1,5

milhão de indivíduos que necessitavam de prótese superior ou inferior, resultava em mais de

3 milhões de adultos e idosos que necessitavam de algum tipo de tratamento reabilitador.

Considerando a população de 2003, observou-se que 1,44 milhão de pessoas, entre 35-74

anos, estavam totalmente edêntulas e não possuíam nenhum aparelho protético. Estas

acrescidas aos 2,6 milhões que necessitavam apenas de prótese superior ou inferior,

acarretavam uma população de mais de 4 milhões de adultos e idosos que necessitavam repor

seus dentes perdidos54.

No Brasil, a realização de extrações múltiplas e em larga escala é considerada a

(15)

diagnóstico epidemiológico realizado em 1986 mostra que a extração em massa dos dentes é

uma prática inevitável que acontece de forma mais evidente a partir dos 30 anos de idade. Até

esta idade, as pessoas ainda buscam atendimento na perspectiva de ter a sua saúde bucal

restabelecida, mesmo diante de dificuldades de acesso, da não resolutividade e da ineficácia

das ações nos serviços públicos odontológicos, além dos elevados custos no sistema privado

de atendimento59. De acordo com Pinto59 (p.27): “gradativamente as extrações começam a ser

aceitas como a solução mais prática e econômica tanto para os pacientes quanto para os

profissionais. Esses, afinal, em último caso sempre têm a compensação financeira dos ganhos

proporcionados pelas próteses”.

Na população adulta brasileira, a figura do desdentado representa o reflexo de práticas

mutilatórias, hegemônicas, nos serviços públicos odontológicos, assim como da priorização

no atendimento, quase exclusiva, de escolares de seis a doze anos, em detrimento de adultos e

idosos. Sendo assim, o declínio no índice de cárie em adolescentes e crianças não tem sido

verificado na população adulta e idosa18,54,82.

Sob as mais diversas razões, em um acentuado número de serviços, a única forma de

atendimento ofertado à população era a exodontia. Até 1992, esse procedimento estava entre

aqueles mais bem remunerados pelo Sistema de Saúde, o que explicava, segundo o Ministério

da Saúde, os quase 35 milhões de exodontias realizadas anualmente. Em janeiro de 1992, foi

assinada uma portaria que alterou radicalmente a Tabela de Financiamento dos Serviços

Odontológicos do SIA/SUS (Sistema de Informações Ambulatóriais do SUS), propondo uma

maior valorização de ações de promoção de saúde e prevenção de doenças82. No entanto, ao

longo da história de construção das políticas públicas de saúde, as ações de saúde bucal

ofertadas à população adulta eram basicamente de natureza mutilatória e reparadora e não

sofreram grandes alterações logo após a implementação do Sistema Único de Saúde em

199035.

Estudos epidemiológicos evidenciam a falência da atenção odontológica curativista

restrita, visto que não proporcionou melhoria no nível de saúde bucal da população. Isso

ficou evidente através de uma avaliação realizada pela OMS (Organização Mundial de

Saúde), na Nova Zelândia, no fim da década de 1970, mostrando que lá estava a melhor

cobertura às necessidades restauradoras da população escolar (13-14 anos) e a maior

percentagem de edêntulos entre sete países industrializados estudados18 (Hunter citado por

(16)

Esse modelo de prática cirúrgico-mutilador hegemônico na odontologia é centrado

essencialmente no dentista, no dente e na doença e desconsidera a articulação com ações de

promoção. Desse modo, tem produzido uma naturalização da perda dentária que a

Odontologia ajudou a institucionalizar através da separação do dente do corpo70. Como

conseqüência, tal modelo produziu também um quadro caótico na saúde bucal composto por

milhões de desdentados, adultos e idosos, os quais necessitam de reposição de seus dentes e

não têm acesso ao serviço especializado, visto que o mesmo não é ofertado no âmbito do

serviço público54.

A partir de tais constatações, visualizamos que a perda dentária foi reproduzida e

naturalizada tanto pelo serviço de saúde quanto pelo usuário, de forma acrítica,

negligenciando-se os diversos aspectos subjetivos que permeiam e interferem neste processo.

Os dados epidemiológicos, por si sós, revelam a gravidade do problema perda dentária.

No entanto, a limitação da leitura meramente quantitativa desses dados está, principalmente,

em não expor o aspecto subjetivo relacionado à perda dentária. O estudo de Vargas80, ao

analisar pessoas que experimentaram a perda dentária, identificou problemas tanto funcionais

quanto psicossociais como dificuldades para falar e mastigar, modificações no comportamento

(isolamento, depressão e agressividade), dificuldade de inserção no mercado de trabalho e

alterações no convívio social69,80. Em geral, essas alterações emocionais podem ser decorrentes

da relação entre perda dentária e envelhecimento, desencadeando no indivíduo o sentimento de

“ser velho”69.

Na tentativa de minimizar essa dívida assistencial e prover uma reorganização da

atenção à saúde bucal, o Ministério da Saúde lançou as diretrizes para a Política Nacional de

Saúde Bucal41, intitulada de Brasil Sorridente, embasada, principalmente, pelo último

levantamento das Condições de Saúde Bucal da População Brasileira. Essas diretrizes

apontam para ampliação da atenção básica, garantindo o acesso aos demais níveis de atenção,

buscando assegurar a integralidade das ações em saúde bucal. É nesse sentido que propôs a

implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), como unidades de

referência para as equipes de saúde bucal em nível regional41. Tal política encontra-se em

implantação nos diversos municípios brasileiros, em graus diferenciados, conforme as

singularidades de cada lugar, cujo efeito ainda não é palpável do ponto de vista de resultados

(17)

dentária e abre perspectivas de mudança do modelo hegemônico, oriundo da Odontologia de

Mercado como o denomina Capel17, para um modelo integral centrado no usuário70.

Diante da complexa problemática que envolve as perdas dentárias, que perpassa fatos

decorrentes da gravidade das lesões bucais, do modelo de práticas mutilador e iatrogênico,

além de fatores culturais da população e dos serviços, torna-se necessário desviarmos o olhar

para o indivíduo concreto, em sua subjetividade, para tentarmos compreender a experiência

do desdentamento, assim como a possibilidade de conviver com a prótese. A partir da

ampliação da escuta desse usuário, talvez seja possível contribuir na definição de pistas que

nos auxiliem na mudança de modelo. É nessa perspectiva de contribuição que se inclui o

presente estudo.

A complexidade de sentidos, individual e coletivo, associada à perda dentária sugere a

necessidade de compreendermos a condição de desdentado em uma abordagem qualitativa. O

conhecimento desses relatos e singularidades dos indivíduos poderá ampliar o significado dos

dados epidemiológicos relativos ao edentulismo, ultrapassando-se a leitura meramente

quantitativa para a compreensão dos efeitos da perda dentária nas subjetividades de quem a

sofre. Espera-se que os resultados desta investigação possam contribuir na reorientação das

práticas em saúde bucal, no sentido de salientar a importância de se resgatar a antiga dívida

social e humana produzida pela prática odontológica mutiladora. A importância da presente

investigação ressalta-se também pela existência de poucos estudos que tratem do tema perda

dentária numa abordagem qualitativa.

O objetivo deste estudo é investigar, na história odontológica de usuários do SUS, a

partir do relato de suas experiências com os serviços de saúde bucal, os motivos que os levaram

à perda dentária e as repercussões desta em suas vidas.

A apresentação dos capítulos está descrita a seguir.

Na introdução buscou-se, de forma sucinta, contextualizar o problema perda dentária,

através de uma aproximação dos dados epidemiológicos sobre perdas produzidos na literatura,

bem como o significado destes no contexto sócio-cultural de vida dos indivíduos. Esta fase

termina por explicitar o objetivo que norteou a realização desta pesquisa, assim como a

(18)

O segundo capítulo apresenta a trajetória metodológica, com descrição de algumas

características do contexto social de realização da pesquisa, os critérios de inclusão para os

entrevistados, além de informações sobre o método utilizado e a forma de analisar o material

coletado no campo.

No terceiro capítulo foram apresentadas as histórias odontológicas a partir da

sistematização das narrativas dos entrevistados, que receberam nomes fictícios. Foram

compostas seis histórias, que expressam a sistematização dos resultados empíricos da pesquisa.

O quarto e o quinto capítulos foram produzidos a partir dos temas emergentes nas

narrativas que compõem as histórias odontológicas dos entrevistados. Tais temas foram

discutidos a partir do diálogo entre os conteúdos das narrativas e da literatura revista. No quarto

capítulo, os temas destacados foram: experiência de dor e as suas formas de enfrentamento

diante da inevitabilidade da perda dentária; o acesso ao serviço ao longo da trajetória

odontológica dos entrevistados, além da resolutividade das ações em saúde ofertadas a esses

sujeitos; o cuidado, tanto em relação às formas como as pessoas se autocuidaram, quanto ao

tipo de cuidado recebido na vivência dos serviços de saúde. A questão da prótese dentária

como uma forma de conviver com a condição de desdentado, mas que também apresenta suas

limitações, foi o tema abordado no quinto capítulo.

No sexto capítulo, apresentamos nossas considerações finais a partir da convergência e

das divergências de sentidos presentes nas narrativas dos usuários.

(19)

2 A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

2.1 Caracterização do estudo:

Este estudo é de abordagem qualitativa e foi realizado a partir de relatos de pessoas

que vivenciam a experiência da perda dentária.

A estratégia metodológica utilizada foi a análise da narrativa, esta entendida como a

forma de os indivíduos ou grupos estabelecerem encontros entre si ou com determinadas

situações71. De acordo com Kleinman, citado por Souza71, as narrativas representam o

significado das experiências dos indivíduos com a doença as quais sofrem influências da

coletividade.

O caráter dinâmico de um discurso consiste em reconhecer o vínculo exigido entre o

discurso e seu contexto de interlocução, incluindo um sujeito dirigido a alguém, onde sua fala

representa uma resposta relacionada a eventos, pessoas ou outras falas. Desta forma, o

discurso representa um posicionamento em um ambiente de interação e não uma subjetividade

isolada64.

Para Rabelo64, o discurso relaciona-se a algo que está além do próprio ser e causa

efeitos concretos sobre o presente vivido pelos indivíduos. As narrativas construídas por estes

não refletem de forma imperfeita os fatos que foram vistos e feitos, nem um mundo de idéias

ou representações limitado a si próprio, mas a forma como é organizada sua experiência pela

interação com outros.

Além de reconhecermos o fato de a experiência possuir múltiplas facetas, fluidez e

indeterminação, ela representa uma problematização e um entendimento da vivência dos

indivíduos em seu mundo, remetendo-nos ao conhecimento de consciência e subjetividade e,

principalmente, intersubjetividade e ação social. Anterior à subjetividade viria a

intersubjetividade, uma vez que esta se dirige ao ‘presente vivido’, onde os indivíduos

executam suas ações, compreendem-se e dividem o mesmo tempo e o espaço4. O estudo das

narrativas representa a forma de ter acesso às experiências dos indivíduos e compreender o

(20)

experiência da doença no estabelecimento de maior ética e empatia no diálogo entre

profissional e paciente e a sua rede de cuidados36.

As histórias clínicas são também narrativas construídas na interação de discursos entre

profissional e paciente. Para Castiel16, por meio da interpretação médica há uma reformulação

da estória de adoecimento do paciente e uma transformação desse relato em história clínica, a

qual será destrinchada em diagnóstico, tratamento ou possíveis encaminhamentos. Isso

fornece subsídios para os pacientes construírem suas próprias narrativas.

A história clínica surgiu inicialmente entre os gregos como uma necessidade de

registro escrito da observação médica do adoecimento individual. Desde então tem passado

por diversas modificações, principalmente após o advento da psicanálise, a qual introduziu os

aspectos subjetivos do paciente na produção da doença, potencializando novas formas de

conceber a doença (Entralgo, citado por Souza71).

Souza71 utilizou a idéia de patografia a partir de sua revisão sobre história clínica em

que autores como Pedro Lain Entralgo destacou o relato patográfico psicanalítico baseado em

fatos reais e “fantasiosos”; Luis David Castiel sugeriu a construção narrativa das hestórias

clínicas baseadas em acontecimentos e elementos fictícios; e Anne H. Hawkins produziu relatos patográficos com base na experiência de doentes reais articulada com personagens da

literatura.

A partir desses referenciais, em seu estudo com doentes de câncer de boca, Souza71

utilizou a noção de “hestórias patográficas”, aproximando-se das idéias de patografia e

“hestórias clínicas” apresentadas pelos autores destacados acima. A partir da estratégia

metodológica das “hestórias patográficas”, a autora buscou nas narrativas dos doentes a trama

de situações repercutidas nos corpos doentes, vividas consciente e inconscientemente.

Para Souza71 a patografia possibilita:

(21)

Com base nas referências acima, propomos, nesta investigação, a noção de “história

odontológica” para, a partir de narrativas de pessoas em condição de desdentamento, compreender como se deu a perda dentária e quais as repercussões desta em suas vidas.

A história odontológica aqui proposta refere-se ao resgate da relação da pessoa em

condição de desdentamento com os serviços de saúde e com os cuidados bucais, incluindo o

autocuidado. Buscamos compreender como se deu o processo de produção da perda dentária,

suas repercussões e as re-significações realizadas frente à condição de desdentamento.

2.2 Lugar da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida nos municípios norte-riograndenses de São Tomé e Natal

(figura 1). Figura 1 - Mapa do Rio Grande do Norte

(22)

O município de São Tomé, localizado na mesorregião Agreste Potiguar e na

microrregião Borborema Potiguar do Estado, é considerado de pequeno porte e limita-se com

os municípios de Lajes, Caiçara do Rio do Vento, Campo Redondo, Lajes Pintadas, Santa

Cruz, Sítio Novo, Barcelona, Rui Barbosa, Currais Novos e Cerro Corá, o que abrange uma

área de 872 km2. De acordo com o censo de 2000, a população total residente é de 10.798

habitantes, com 5.345 do sexo masculino (49,50%) e 5.453 do sexo feminino (50,50%), dos

quais 5.600 vivem na zona urbana (51,90%) e 5.198 na zona rural (48,10%). O município

dista 107 km de Natal (capital), e a sua densidade demográfica é de 12,36 hab/km. A

população estimada em 01.07.2005 foi de 10.380 habitantes44. Observa-se que, entre os anos

de 2000 e 2005, São Tomé apresentou um crescimento populacional negativo.

Após a década de 1970 a população rural do Estado iniciou uma etapa de crescimento

negativo em virtude de crise na base da economia do Estado, a qual era financiada

principalmente pela atividade agropecuária, pela mineração e pela produção do sal. Os censos

revelam uma migração crescente do campo para a cidade. Inicialmente este deslocamento

seria para a sede do município e depois para municípios com um maior grau de

desenvolvimento econômico no Estado. Essa migração deu-se especialmente em busca de

emprego, do ensino superior e de melhores condições de vida. Esse fato produziu um aumento

da densidade urbana entre os anos de 1980 e 2000, o que provocou uma valorização do espaço

urbano e, conseqüentemente, as pessoas de menor poder aquisitivo tiveram de ocupar as áreas

mais distantes do centro, como os loteamentos irregulares ou favelas22.

A escolha do município de São Tomé deu-se em função da ausência de um serviço

odontológico especializado no local, na época de elaboração do projeto de pesquisa, tanto na

esfera pública quanto na privada, com inexistência de articulação, nessa época, a um serviço

de referência regional. Esse fato favoreceu o exercício de práticas mutilatórias que continuam

sendo naturalizadas pelos serviços e pela população. Considerou-se também a viabilidade

operacional da pesquisa pelo fato de a pesquisadora ter fácil acesso às unidades de saúde,

visto que é integrante de uma das Equipes de Saúde Bucal do PSF (Programa de Saúde da

Família) naquele município.

Vale destacar que, em julho de 2006, foi inaugurado um CEO (Centro de

Especialidades Odontológicas) em São Paulo do Potengi, o qual serve como referência para a

atenção secundária odontológica dos municípios da região e, dentre estes, o município de São

(23)

município em direção à construção do conceito de integralidade nas ações em saúde. Contudo,

consideramos que, no período de realização das entrevistas (novembro a dezembro de 2006),

ainda não havia repercussões da implantação desse Centro no que se refere ao impacto na

situação de perda dentária no município de São Tomé.

Em São Tomé, a rede de saúde dispõe de 01 hospital, 01 policlínica, 01 centro de

saúde, 05 postos de saúde, 29 leitos8. A assistência odontológica é distribuída em quatro

consultórios localizados no centro de saúde, no posto de saúde e no hospital, todos situados na

zona urbana, dando suporte às demandas das equipes de saúde bucal de todo o município,

inclusive da zona rural. A escolha da zona rural como referência de moradia para os

entrevistados deu-se em função das precárias condições de vida em que vive essa população,

assim como da dificuldade de acesso a serviços odontológicos por parte de algumas

comunidades rurais.

O município de Natal, capital do estado, possui outra realidade, ao dispor de melhor

estrutura de serviços odontológicos, tanto na atenção básica, com a expansão das Equipes de

Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família, o que sugere maior acesso a informações

relativas à prevenção e à promoção de saúde bucal à população urbana, quanto na assistência

especializada que, supostamente, dá suporte às demandas originárias da rede básica.

A escolha do bairro de Cidade Nova (figura 2), localizado no Distrito Oeste da cidade,

deu-se em função deste ter sido o primeiro Distrito a implantar PSF, em Natal, e a Unidade de

Saúde da Família do bairro foi uma das primeiras a ser implantada, em 1999. Considerou-se,

da mesma forma, facilidade de acesso da pesquisadora ao local.

A ocupação da área de Cidade Nova deu-se na década de 1960 e, em 1971, foi

instalado o “forno do lixo” na região, por iniciativa da Prefeitura Municipal de Natal. Com

isso, foi se instalando uma população carente, naquela região, que dependia do lixo para

sobreviver. Os lotes existentes na área também foram adquiridos por famílias provenientes do

interior do Estado, que vinham para Natal à procura de trabalho. A partir daí, teve início

instalação de equipamentos urbanos como escolas, postos de saúde, linha regular de ônibus,

além de outros serviços básicos. Apenas em 1994, Cidade Nova foi oficializada como bairro.

A população estimada do bairro, em 2005, é de 15.889 habitantes e limita-se ao norte com o

(24)

Guarapes, Planalto e Felipe Camarão. O bairro possui um estabelecimento de saúde, que é a

Unidade de Saúde da Família Cidade Nova32.

Figura 2 - Mapa de Natal com Distritos Sanitários, Bairros e Unidades de Saúde.

Fonte: SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo -2005

2.3 Sujeitos da pesquisa

A escolha dos entrevistados ocorreu, de forma intencional, entre usuários do SUS,

freqüentadores das Unidades de Saúde da Família referidas que sofreram perda dentária em

algum momento de suas vidas. O número de entrevistados foi delimitado após ter sido

realizada leitura do material coletado nas entrevistas, a partir do critério de saturação de

(25)

De acordo com Turato76, não se pode delimitar a priori o número de entrevistados

anteriormente à experiência de pesquisa. Após estar ambientado no local da pesquisa, o

pesquisador analisará os casos emergentes naquele campo de acordo com o propósito de

composição da amostra e, durante a coleta de dados ou ao término desta, o investigador

poderá dizer a quantidade de sua amostra. O autor ressalta a possibilidade crescente de

inclusão de entrevistados de acordo com os interesses da pesquisa.

Na composição da amostra partiu-se de dois critérios principais: ser usuário de

Unidade de Saúde da Família, ter presença de desdentamento e idade entre 25 e 59 anos,

independentemente do gênero. Tal faixa etária foi escolhida com base no referencial

epidemiológico que mostra aumento no número de extrações a partir dos 25 anos81, bem como

após os 30 anos, quando estas ocorrem em larga escala59. Associou-se ao referencial

epidemiológico a classificação demográfica de idade adulta na faixa entre 20-59 anos65. Para

presença de desdentamento, considerou-se perda total em uma das arcadas ou nas duas

arcadas (maxilar e mandibular), ou perda parcial a partir de seis elementos em uma das

arcadas. Foram excluídas aquelas pessoas que não eram usuários de Unidades de Saúde da

Família, assim como as que não concordaram em participar da pesquisa.

No município de São Tomé, além dos critérios anteriormente descritos, só foram

incluídos usuários que moram na zona rural e que sempre residiram no município.

Em Natal, além dos critérios já descritos, foram incluídos na pesquisa aqueles usuários

que sempre residiram no Distrito Oeste da cidade ou que vieram a residir no mesmo até a

idade de 25 anos, visto que nessa faixa etária observa-se um aumento considerável no número

de exodontias realizadas, de acordo com a literatura citada anteriormente. Então foram

selecionados usuários, freqüentadores da Unidade de Saúde da Família Cidade Nova,

localizada naquele distrito, por este ter sido o primeiro distrito a receber o Programa de Saúde

da Família em Natal, como também pela facilidade de acesso ao bairro pela pesquisadora,

conforme referimos anteriormente.

O total de pessoas entrevistadas foi seis, sendo três residentes na zona urbana e três na

(26)

2.4 Técnicas e instrumentos de pesquisa

Utilizou-se a entrevista narrativa como estratégia de coleta de dados. De acordo com

Jovchelovitch e Bauer34, esse é considerado um tipo de entrevista não-estruturada, em

profundidade, que assume características especiais. O pressuposto dessa entrevista consiste no

fato de a perspectiva do informante ser mais bem explicitada nas histórias através da

utilização de sua própria linguagem na narração dos eventos, em que se deve minimizar a

influência do entrevistador. Dessa forma, a narrativa evidencia a realidade vivenciada por

aqueles que contam a história e possibilita interpretações individuais do mundo.

As formas de conduzir a entrevista, de acordo com Turato77, podem ser de três tipos:

dirigida, semidirigida e não-dirigida, apesar da literatura referir-se aos termos estruturada,

semi-estruturada e não-estruturada. Para o autor, na entrevista semidirigida, os dois

integrantes possuem momentos que podem dar a direção, o que favoreceria a coleta de dados

de acordo com o objetivo proposto. O entrevistador deve considerar determinados aspectos da

fala do informante: 1- palavras que contêm elementos relevantes podem despertar, no

observador, expressões faciais ou ruídos que estimulem o sujeito a comentar mais o assunto;

2- o entrevistador, ao considerar uma fala incompleta, pode sugerir que o entrevistado se

aprofunde sobre o assunto; 3- quando o pesquisador avalia que a fala ficou obscura, pode

solicitar que o entrevistado explicite com mais clareza o que quis dizer.

Neste estudo, utilizou-se a perspectiva de entrevista narrativa, adaptando-a a um

roteiro de temas a serem explorados durante a conversa. Dessa forma, a entrevista adquiriu

caráter semidirigido.

O estudo das narrativas originou-se da Poética de Aristóteles e tem apresentado grande

relevância nos últimos anos, em virtude de uma maior conscientização sobre a importância de

contar histórias na conformação dos fenômenos sociais. A narrativa possibilita que as pessoas

relembrem acontecimentos, gerem uma seqüência de acordo com suas experiências e

obtenham supostas explicações para os fatos. A experiência e o modo de vida das diversas

comunidades, grupos sociais e subculturas determinam as palavras e sentidos das histórias

contadas34. De acordo com Jovchelovitch e Bauer34, o ato de contar histórias está relacionado

tanto à dimensão cronológica em que há uma seqüência de eventos, quanto à dimensão não

cronológica, em que o todo será constituído pela sucessão dos fatos, ou pela apresentação de

(27)

de acordo com esses autores, a narrativa representa uma tentativa de ligação dos

acontecimentos descritos em relação ao tempo e ao espaço.

Jovchelovitch e Bauer34 também destacaram que a coerência e o sentido da narrativa

serão dados pelo enredo, que também fornece o contexto para a compreensão dos

acontecimentos, atores, descrições, objetivos, moralidade e relações que integram a história.

Na narrativa, o enredo possibilita que a história tenha começo e fim, pois sabemos que a vida

humana e grande parte dos fenômenos sociais não possuem início ou fim definidos. O enredo

também estabelece critérios para selecionar os acontecimentos que farão parte da narrativa.

Desse modo, a compreensão da narrativa se dá tanto pela seqüência cronológica dos eventos,

a qual permite uma interpretação sobre o uso do tempo pelo contador da história, quanto pelo

aspecto não cronológico, evidenciado nas funções e sentidos do enredo.

Como já referido, neste estudo elegemos a técnica da entrevista narrativa adaptada a

roteiro semi-estruturado (apêndice II), com a pretensão de construir a história odontológica de

cada usuário entrevistado. Dessa forma, foi realizada uma investigação do processo de

produção da perda dentária através do relato de indivíduos pertencentes a diferentes

realidades, buscando identificar os motivos da perda dentária, bem como as suas repercussões

na vida dos indivíduos.

2.5 Análise dos dados

Os conteúdos das entrevistas foram sistematizados em narrativas, buscando-se

construir a história odontológica de cada entrevistado, à semelhança da proposta de estudo

realizado por Souza71. A partir da construção dessas histórias, foram identificados e

sistematizados os temas e situações predominantes no enredo da narrativa que caracterizaram

a produção da perda dentária em cada história, considerando a existência de sentido e

coerência interna dos fatos. Em seguida, foram explorados a partir de aporte conceitual e

referências teóricas sobre os mesmos.

Na análise das narrativas, consideramos também a proposta de Schütze citado por

Jovchelovitch e Bauer34, que propõe seis passos: 1- transcrição detalhada do material verbal;

(28)

onde e por quê”) e não-indexado (revela valores, juízos e toda forma de uma generalizada

“sabedoria de vida”); 3- utilização dos componentes indexados do texto para a análise do

ordenamento dos acontecimentos de cada indivíduo, que seria as “trajetórias”; 4- investigação

das dimensões não-indexadas como forma de “análise do conhecimento” (opiniões, conceitos

e teorias gerais, reflexões e divisões entre o comum e o incomum que possibilitam a

construção das teorias operativas); 5- agrupamento e comparação das “trajetórias”

individuais; 6- identificação de trajetórias coletivas a partir do estabelecimento de

semelhanças entre as trajetórias individuais34,36.

2.6 Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob registro 135/06. Os participantes foram

informados sobre os objetivos da pesquisa e todas as implicações que estão descritas no

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I), seguindo as diretrizes e normas de

(29)

3 NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS DE USUÁRIOS COM

PERDAS DENTÁRIAS: AS HISTÓRIAS ODONTOLÓGICAS

As narrativas dos usuários entrevistados, aqui apresentadas sob a forma de histórias

odontológicas, foram construídas a partir do conteúdo das entrevistas realizadas. Tivemos o

cuidado de evitar qualquer forma de identificação dos usuários, atribuindo a eles nomes

fictícios. Esses entrevistados narraram as suas experiências com as perdas dentárias

vivenciadas em contextos diversos.

Uma abordagem focalizada na experiência possibilita-nos perceber dimensões

importantes da aflição e do tratamento que não estão mostrados nem nos estudos realizados

sob a ótica biomédica, nem nas tradicionais pesquisas antropológicas e sociológicas

realizadas4.

As entrevistas trouxeram à tona as experiências dos indivíduos com a perda dentária,

constituindo narrativas que resultaram na composição de histórias odontológicas dos

entrevistados. A partir delas buscamos compreender o significado do sofrimento e da perda

dentária na vida desses indivíduos. Apresentamos a seguir seis histórias odontológicas,

construídas a partir dos relatos dos entrevistados, às quais atribuímos identidades fictícias de

Alegria, Força, Paciência, Coragem, Simplicidade e Felicidade. A escolha desses nomes foi baseada em características pessoais dos entrevistados, percebidas pela pesquisadora durante a

realização das entrevistas.

Alegria

Mulher, 55 anos, separada, 3 filhos, agricultora, residente na zona rural

Aos 15 anos, Alegria revelou que foi extrair um dente na cidade. “Esse dente doeu

tanto, ah meu Deus... eu passava a noite todinha mamãe me balançando...” Contou-me que teve hemorragia e perdeu cerca de 3 litros de sangue. Pensou que ia morrer, “aí eu me lembro

(30)

Naquela época, Alegria morava na zona rural, e sua casa ficava distante das demais

residências da região. Seu pai trabalhava em outra cidade, para arranjar dinheiro para o

sustento da família. Ficava com sua mãe em casa. Confessou-me ter tido uma vida muito

aperriada e sofrida. Quanto à alimentação, contou-me que havia sido muito deficiente. “Aí nós fumo criada aquelas pessoa fraca... né, a gente não tinha aquelas resistências, que passa bem, que come aqueles comer bem fortificado, a gente fica aquelas pessoa forte, né, aí eu acho que por aí foi que começou os dente a ficar fraco, né, e começou a se furar”.

Associou seus dentes fracos à vida sofrida que levara. “Eu acho assim que foi... eu

acho assim que foi procedida de mal... de mal passar dia, assim, porque a gente foi criado aquela vida... que a gente, olhe, ninguém teve um fortificante pra mode confortar os dentes, o nascimento dos dentes, a gente foi aquela pessoa sofrida”. Narrou um episódio que ocorreu aos 8 anos de idade, em que chorou com dor de dente. Passava cinco, seis dias dentro de uma

rede, sem dormir nem de dia nem de noite. Sua mãe lhe dava aqueles remédios de purgante de

azeite de carrapato. Com dois, três dias aquele dente melhorava e deixava de doer. Contou-me

que sua mãe colocava pimenta do reino pisada dentro do dente e, às vezes, cravo. Comentou

que aquela lã de cravo chegava a passar até um mês dentro do dente, “... e lá se foi, e lá se foi,

né, e os dente tudo se estrangando...”.

Após seu casamento ainda continuou com aquela vida sofrida. Deixava as filhas

pequenas com a vizinha e na quinta-feira ia extrair. “Saía de casa de 5 horas, chegava aqui

distraía o dente, e eu voltava pra trás quando chegava em casa era 12 horas em ponto, agora isso no pé, minha fia, mais era sofrimento, mais eu digo: eu arranco esse dente...!”.

Indaguei: mas ia extrair? Ela respondeu que sim, mais ou menos de 15 em 15 dias.

Contou-me que algumas vezes o doutor não estava ou faltava energia elétrica e, então, dava a

viagem perdida, “mas nunca esmulici, até que terminei... extraí tudinho num deixei nem um

caco na boca. E graças a Deus de dor de dente hoje tou, tou salva, e dou muito valor a pessoa que extrai um dente, porque precisa de muito nervo, a pessoa que dá pra ser um doutô, extrair um dente, tirar, Ave Maria eu acho muito admirável...,(risos) dou muito valor!”. Achava que um “doutor” precisava de muito nervo!

Perguntei-lhe o porquê. Ela respondeu que achava muito difícil a pessoa ter aquela

(31)

eu acho muito importante o doutô extrair um dente”. Interroguei o que seria para ela ficar salva do dente. “Ave Maria é uma graça!” Falou, referindo-se tanto ao fato de ela mesma

ficar salva do dente, quanto à importância da atitude do profissional “que arranca pra gente

ficar livre dele”. Indaguei-lhe novamente por que achava tão importante. Ela respondeu que seria o fato de o profissional ter nervo para extrair aquele dente, assim como a cicatrização

daquela “cisura aberta”. Perguntei, então, o que a tinha feito querer extrair os dentes. “Eu

achava assim..., porque as dor que eu sofria, né, passava um noite, duas noite, três sofrendo dentro de uma rede, né, aquelas dor maior do mundo, porque uma dor de dente é triste...é triste demais!” Perguntei: como é para a senhora a dor de dente? “Ela é assim minha fia, ela dá aquela dor... Ave Maria, furando... aquilo chega dói até os caroços dos olhos da gente, é muito triste, tirana a dor de dente!”. Falou-me que um dente estragado na boca poderia trazer muitas doenças, trás até a morte. Que a pessoa poderia ficar salva daquilo, e destacou:

disse que as pessoas não têm cuidado “de fazer a limpeza da boca e graças a Deus foi o que

fez eu extrair de um por um e terminar...”. Pedi-lhe para falar como seria esse cuidado. Falou que seria pelo sofrimento de dor vivido e pelo mau hálito que fica naquela pessoa “que a

gente vê que tem dente estragado na boca”. Referiu-se a isso como um descuido, uma vez que

a pessoa poderia ter uma boca saudável livre. Indaguei o que ela fazia para cuidar dos dentes.

Respondeu que escovava, mas nem sempre tinha pasta, era difícil. Então escovava com juá ou

carvão. Perguntei: com carvão, como era? Relatou que pisava o carvão, fazia aquele pozinho,

aquela gominha, colocava na escova e escovava. Também se referiu à utilização da raspa do

juá. Mas, confessou que isso “num era bem cuidado não”, especialmente pelo fato de não

haver uma freqüência diária na escovação. Contou, então, que finalmente extraiu todos os

dentes: “E até que hoje tou com a boca limpa de dente, e hoje não sinto mais dor de dente,

pra mim, Ave Maria foi a maior graça, mais porque eu tinha aquele cuidado, eu tinha aquela vontade, meu desejo era extrair tudinho... (risos)”.

Pedi-lhe que falasse como é que conseguia chegar até o dentista. Respondeu que era a

vontade que tinha de extrair. Era o maior sofrimento. Deixava os filhos com a sogra e vinha

na companhia de uma vizinha, que também vinha extrair. Andava duas léguas a pé. Após

meia hora da extração, retornava para casa. Indaguei: O que a senhora achava do

atendimento? Ela respondeu que fora mais ou menos. Era umas 10 ou 15 pessoas para serem

atendidas. O dentista chamava o paciente, aplicava injeção (a anestesia) e mandava aguardar.

Após 30 minutos, chamava novamente pela ordem: “aí pegava o alicatão e começava a

(32)

Contou-me da hemorragia que teve. Sua sogra disse que era fraqueza e fez um pirão.

Após comer o pirão o dente não sangrou mais. Perguntei-lhe se havia algum outro tipo de

tratamento. “Eu acho que não, aqui não, era só isso mesmo...” Contou-me também que

aquele fora o primeiro dente que havia perdido, um queixar (molar). Perguntei como havia

sido com os outros. Falou que os dentes começaram a se furar e doer, que ele passava uma

noite, duas doendo. Contou que sua mãe era da agricultura, que não tinha aquela atividade..., e ela, a filha, com apenas 15 anos procurara o dentista. Disse que tomava um comprimido, o

dente desinflamava e, então, extraía. Pedi que falasse como era quando o dente estava

inflamado: “Eu ficava com o queixão inchado... por acolá e não podia nem bater com um

dente um no outro que doía muito, aí quando deixava, aí quando ele desinflamava, que não doía mais, eu tava agüentando comer, não tava mais doendo, aí é que eu vinha extrair, foi assim... e até que consegui!” Falou sobre a distância que andava até o local de atendimento do dentista: “não era fácil não!”. Quando chegava em casa ficava de repouso, não fazia serviço

pesado. No dia seguinte, a gengiva começava a fechar, “graças a Deus eu tive sorte!”. Destacou a que tivera sorte, porque o doutor trabalhava bem, aplicava a injeção (anestesia) e

passava um medicamento caso o dente tivesse inflamado. Falou que seus dentes não deram

trabalho de extrair.

Pedi que falasse mais sobre o que ocorria antes de extrair um dente: “Doía muito, doía

muito, aí que nem eu disse, aí mamãe fazia, dava purgante de azeite, eu ficava só dentro de uma rede, e ela fazia esse purgante, aí não levava sol quente não ia pra poeira, não pisava o pé no chão e ficava até que aquilo passava e o dente deixava de doer”. Mas, com o passar do tempo, o dente voltava a doer. Sua mãe fazia outro purgante e ela ficava boa. Perguntei se

havia dentista nesse tempo. Respondeu que sim, mas sua mãe não a levava de imediato.

Comentou, então, que os dentistas do seu tempo não eram bons como os de hoje, pois

“arrancava dente cru”. Narrou a extração do seu primeiro dente, com um determinado dentista, em que a anestesia não pegou, foi muito doloroso, teve hemorragia e sofreu muito.

Após esse primeiro, com os demais não teve problema, mas, não foi mais com o mesmo

dentista. Falou que o último dente que extraiu foi outro dentista (o terceiro), e que ele já tinha

“aquela capacidade, aquele entendimento melhor...”. Perguntei qual havia sido o último

dente que perdera. Respondeu que havia sido uma presa, e que fazia mais ou menos uns 10

anos. Revelou que não havia extraído seus dentes todos em seguida, que demorava..., “eu

(33)

terminei...” Pedi que falasse o que sentiu depois que tirou os dentes. “Eu senti um grande alívio porque agora eu não sinto mais dor dente, eu não perco mais uma noite de sono por causa de um dente doer, eu não vou sentir mais dente ficar ruim, dente ficar furado, dente ficar preto, dente ficar azul, dente cair um pedaço e ficar outro!”.

Alegria passou a usar prótese. Pedi-lhe que falasse sobre as próteses que usara. Contou-me que a primeira tinha sido só na arcada superior, pois ainda tinha os dentes

inferiores. A segunda já tinha sido as duas e que aquela, que estava usando no momento de

nossa conversa, já era a terceira. Pedi que falasse sobre como era usar prótese. “Acho bom,

porque a gente come bem, a gente mastiga, a gente come um pedacinho de rapadura, eu acho bom trincar no dente (risos), acho bom os dente... ah mais eu sem os dente não sei comer nada...” Contou que com a prótese o comer ficava mais gostoso de mastigar, mas com a “gengiva” não era bom não, pois com a “gengiva” não poderia mastigar.

Pedi que falasse como foi a sua vida depois de perder os dentes... “Ave Maria, foi uma

vida nova que eu encontrei, porque com os dente mesmo meu não faltava aquele aperreio, quando pensava que não tava com um dente doendo, passava a noite sem poder dormir, a boca ficava... o queixo inchado e aquela dificuldade todinha. E depois que eu arranquei, que eu extraí tudinho, graças a Deus tudo isso acabou, desapareceu, mas... também vivi de novo por isso depois que extraí”. Perguntei-lhe o que sentia com a prótese. Respondeu que não sentia nada não, “fica bom..., a gente come uma comida melhor e fica tudo melhor depois que

a gente come, tudo eu acho melhor”.

Indaguei se as pessoas da comunidade conseguiam atendimento. Contou um episódio

que aconteceu com um velhinho que morava perto de sua casa e que tinha os dentes doentes

na boca. Ele veio extrair um dente, deu uma doença e morreu. Depois disso, ficou com medo

e resolveu extrair seus dentes. Perguntei novamente como era para as pessoas conseguirem

atendimento. Disse-me que era fácil, mas as pessoas não davam importância, ficavam com a

“boca cheia de dente cariado, não cuidava”. As pessoas não queriam extrair. Além do

descuido das pessoas, revelou que isto acontecia também devido à dificuldade em ir ao

dentista. Afirmou que hoje os dentistas são melhores e as pessoas têm mais “cuidado com a

boca”. Referiu-se ao profissional dentista de forma positiva, dizendo que achava admirável, uma pessoa ter a coragem de estudar para ser um dentista, fazer uma “cirurgia de um dente,

(34)

Perguntei-lhe, então, o que achava da perda dentária. Respondeu: “porque eu acharia que

aquele dente furou-se, eu sofri muito... né, mamãe sofria comigo, passava a noite sem dormir, e eu fiquei com aquela atitude de toda vez que um dente meu se furasse, eu não vou mais guardar na boca não, eu vou tirar, e assim fui fazendo até que terminei, nunca mais quis ficar com dente furado na boca”. Perguntei: por quê? Respondeu que poderia inflamar, dar uma doença, “criar uma ferida na boca, a boca estoura, toda coisa ruim eu imaginava que podia

acontecer”.

Força

Mulher, 38 anos, casada, três filhos, dona-de-casa, trabalha na loja de artesanato do marido,

residente na zona urbana

“Ah, eu fui privilegiada, eu vim perder meus dentes, eu estava cum... pra lá de quinze anos, estava com quase vinte anos, quando meus dentes vieram estragar, o superior, né!”. Força relata que isso se deveu à falta de orientação de sua mãe, a qual julgava ser um pouco desligada para caso de doença. Naquele tempo, ela morava em Pernambuco e lá quase nunca

procurava o dentista. Contou que quando seu dente começou a ficar cariado, sentiu uma dor

pra valer, ficou desesperada, nunca havia antes sentido dor de dente. “Aí quando eu vi o

primeiro dente cariar que doeu muito... eu passei um mês com dor de dente, ele inflamou, eu ia pra o médico, o médico passava antibiótico, eu tomava, em vez de ir melhorando não, de tanto antibiótico veio prejudicar os outros”.

O médico, segundo contou-me, passou o antibiótico e a mandou ir para casa, mas, em

sua opinião, ele deveria ter feito uma limpeza ou ter lhe orientado. Força conta que tomou o

antibiótico, após um mês o dente não desinflamou, e ela voltou para outro médico: “Eu pedi a

ele que extraísse, ele perguntou: dói? Eu digo: dói não! Meu dente doendo, eu digo dói não, pois então vamos extrair”. Disse-me que se ele fosse um médico legal, ele tinha dito para

fazer uma limpeza ou recuperar, “hoje os dentistas não querem extrair, quando um dente tá

inteiro né, eles vão limpar, vão fazer canal e, antes não, no meu tempo era só pegar e...

arrancar, o dente só cariado”. Ela disse que sempre pedia ao dentista para ele extrair o dente que estava doendo e outro vizinho, que estivesse bom. E recordou uma de suas visitas ao

dentista, quando perguntou: “doutô, em vez do senhor extrair só um, extraia os dois, ele e esse

(35)

pode extrair? Ele disse: é a senhora que quer, pode!” E continuou: “assim foi, tirando tudinho, até o último”. E para isso o dentista pedia que ela assinasse um termo. Perguntei sobre esse termo que ela assinara. “Era... não complicando a eles, que eles não queria e

queria extrair, porque cada dente que eles extraem, eles estão ganhando né, e a paciente que vai querendo extrair mesmo, com medo de sofrer dor de dente, pra eles não era perca, pra eles era ganho, aí simplesmente ele tirava...”. Para Força, tirando de dois, três dentes, ela logo colocaria a prótese o que seria uma vantagem uma vez que esta não estragava. Revelou

que ainda possui dentes na arcada inferior e que fuma, por isso eles ficam encardidos: “mas

enquanto não der problema neles, sempre eu estou nessa dentista daí, que eu sou hipertensa, aí eu tenho direito, mas quando eles estão trabalhando... que eu vou lá e brigo...” Perguntei em que situações ela brigava. Ela respondeu que quando está com o dente doendo e procura a

dentista do posto e a agenda está cheia, com vaga apenas para o mês seguinte. Contou que

nesse caso, se não tivesse “isso... (referindo-se ao dinheiro) pra pagar”, teria que esperar até o

mês seguinte para ser atendida. Questionei se ela ficava com dor. Falou que ficava tomando

antibiótico e analgésico. Comentou que sua filha esteve com uma dor de dente, tomou um

remédio e a dor passou, mas enfatizou que ela não deveria ficar acomodada, “porque cada vez

mais, ele vai..., acabando o dente, esse é o meu problema de usar prótese, porque com o dente normal não, o sorriso da gente fica mais bonito... a gente fica com a aparência mais bonita! E com a prótese não, é diferente! Agora foi que eu vim perceber, depois da idade avançada é que eu percebo o quanto faz falta o dentinho da gente, viu! Se eu pudesse eu mandava implantar tudinho novamente, de um por um (risos), de um por um... (...) porque não é uma coisa que você tá tirando pra fazer higiene toda hora, todo instante limpado, se você come um doce agarra, e você vai escovar, é pior que os dentes normal da gente”. Contou que sempre incentiva seus filhos a escovarem os dentes e procurarem atendimento,

devido a sua própria experiência de sofrimento.

Com relação à extração dos seus dentes anteriores, revelou ainda insatisfação com o

tempo de espera entre a extração e a colocação da prótese, “a prótese, eu não esperei não, na

época eu fiquei com muita vergonha quando retirou os quatro dentes da frente, aí eu fiquei com muita vergonha”. Força extraiu os quatro dentes ao mesmo tempo, em um único atendimento. Falou que colocou os quatro dentes, mas que incomodava, pois a prótese tinha

um ferrinho que foi cariando os demais dentes. Então, mandou extrair tudo. “Aí pronto, aí foi

(36)

Ressaltou que antes os dentistas não explicavam as coisas como atualmente: “era olhar,

passava aquele materialzinho que ele tem pra retirar... o sujo do dente né? Aí pegava o alicate e tirava”. Na opinião de Força, hoje em dia está melhor, não pelo fato de ter mais dentistas, pois ainda está muito difícil, mas que hoje tem dentista bom, que senta e explica ao

paciente. Revela que a dentista do posto da parte da tarde é muito “carrasca”, uma vez que

ela “não explica a gente as coisas”. Contou-me que sua filha mais nova de 7 anos esteve com

o rosto muito inchado, mas a dentista não atendeu, disse que “não podia nem mexer”. A

dentista da sua área é a do turno matutino, mas ela estava de férias. O médico já havia pedido

para ela procurar a dentista, mas ela disse que não ia, preferiria esperar chegar uma dentista

legal, “que saiba compreender as pessoas, mas essa da tarde eu não vou não minha filha, eu

prefiro sair daqui até lá...” (referindo-se a outro posto em bairro vizinho).

Perguntei-lhe como havia sido o primeiro dente que ela havia perdido. Falou que foi

na região anterior: “O primeiro dente foi esse que..., começou cariar assim... a gente começa

a cariar assim entre um e outro, logo, na frente, aí, quando eu vi os dois cariando, aí eu mandei extrair, o não cariado e o cariado (...). Aí depois começou, ah quando um começa, aí começa tudo, se não tem um tratamento adequado, então vai embora de um por um”. Indaguei sobre o que seria esse tratamento adequado. “É sempre o acompanhamento do

dentista..., fazendo aquelas limpeza que ele faz, se tiver cariado obturar, se precisar de uma..., de restaurar, restaurar, mas a gente pobre tem isso? Não tem!” Continuou ainda narrando como funcionava o atendimento da dentista do posto. “Você tá com dor de dente,

você vai a dentista, ela faz aquela limpeza, aí coloca aquela massinha que não é platina não é nada é só aquela massinha, pronto. É como tá no dente da menina também, é a mesma coisa, por isso que tá doendo, e o meu de vez em quando dói, aí incha de lado, aí eu digo, mas, num tá obturado?” Referiu que este procedimento seria um tratamento de faz de conta para o pobre, já o rico teria direito a colocar platina e a um tratamento melhor. Perguntei

porque seria esse faz de conta. Ela não sabia explicar se era material adequado que elas não

recebiam e voltou a falar sobre o tratamento do posto. “Mas o tratamento da gente, não é bom

não! Porque você faz obturação, mais quando você abre a boca, tá aquela ruma de pedaço preto dentro do dente, é mesmo que tivesse cariado” Falou que sempre dizia a sua mãe que preferia a extração ao tratamento restaurador e dessa forma optou por extrair todos os dentes.

“Ou obturação de verdade, ou uma obturação de mentirinha que você passa um mês, dois

Imagem

Figura 2 - Mapa de Natal com Distritos Sanitários, Bairros e Unidades de Saúde .

Referências

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