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A mulher muçulmana: uma visão panorâmica de Meca a São Paulo

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DIRCEU ALVES DA SILVA

A MULHER MUÇULMANA:

Uma Visão Panorâmica de Meca a São Paulo.

SÃO PAULO

SP

(2)

S586m Silva, Dirceu Alves da

A mulher muçulmana: uma visão panorâmica de Meca a São Paulo / Dirceu Alves da Silva– 2014.

169 f. : il.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.

Orientador: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira

Bibliografia: f. 150-158

1. Mulher 2. Islã 3. Religião 4. Identidade 5. Gênero I. Título

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DIRCEU ALVES DA SILVA

A MULHER MUÇULMANA:

Uma Visão Panorâmica de Meca a São Paulo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obtenção do título de Mestre em Ciências da

Religião.

Orientador: Profº Dr. João Baptista Borges Pereira

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DIRCEU ALVES DA SILVA

A MULHER MUÇULMANA:

Uma Visão Panorâmica de Meca a São Paulo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da

Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obtenção do título de Mestre em Ciências da

Religião.

Aprovada em:___/___/____

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________

Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira (Universidade Presbiteriana Mackenzie)

___________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lídice Meyer Pinto Ribeiro

(Universidade Presbiteriana Mackenzie)

___________________________________________________________________ Prof.ªDr.ª Margarida Maria Moura

(5)

Dedico este trabalho:

Ao Trino Deus: Pai, Filho e Espírito Santo; à minha esposa Isamara, certamente a minha

maior incentivadora. Aos meus filhos: Francielle, Samuel, Karine e Kamilla. Ao Chikito, xodó e amigo

inseparável.

(6)

Agradecimentos:

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Em memória das grandes Mulheres do Islã.

Aquelas que lutaram inspiradas em Umm Salamah,

em Aisha, Khadija e tantas outras. Em incentivo

àquelas que lutam agora e que se inspiram nas

que já lutaram. Em legado àquelas que lutarão

na busca de uma relação verdadeiramente igual,

verdadeiramente livre, e verdadeiramente

emancipada em todas as sociedades do mundo.

(8)

RESUMO

Nesta Pesquisa, volvemos nosso olhar para o mundo da mulher muçulmana, através de períodos registrados na história que, marcam a trajetória desta mulher desde o período pré-islamico, nos desertos e oásis da Península Arábica. Sua epopeia desde Meca até a cidade de São Paulo. Cobrindo um tempo aproximado de mil e quatrocentos anos. Sua presença e seu desempenho social, religioso e político. Suas relações com o profeta Maomé, suas relações com as revelações corânicas e suas lutas pela igualdade de gênero são pontuadas por este trabalho. Contemplamos, através de um olhar panorâmico, períodos em que esta mulher deixou suas marcas incontestes e sinais fortes de uma presença marcante de sua performance. Nossos olhares perscrutadores focaram esta mulher em períodos distintos, tais quais: o período pré-islamico; o período das novas revelações do profeta Maomé; o período do califado islâmico; o período da chegada ao Brasil, o período de escravidão, imigração e de reversão ao Islã, já em solo brasileiro. E, por fim, coroando este trabalho, um olhar especial sobre o mundo da mulher muçulmana em São Paulo e sua religiosidade, percorrendo as questões culturais e de identidade, seus conflitos advindos das relações de gênero muitas vezes balizada por relações assimétricas com o gênero masculino. Os conflitos culturais e os enfretamentos da discriminação e preconceito étnico-árabe e as reivindicações de um Islã mais brasileiro. A pesquisa se pautou qualitativamente por observações participantes, depoimentos e entrevistas com mulheres muçulmanas de imigração e descendentes e revertidas brasileiras, além de visitas a mesquitas da capital Paulista.

(9)

ABSTRACT

In this research, we´ll turn our eyes to the Muslim women´s world, her trajectory was described in the pre-Islamic period, in the deserts and oases of Arabian Peninsula. Her epic from Mecca even São Paulo city. This period comprise one thousand and four hundred years approximately. Her presence and social, religious and political acting. Her relation with Muhammad, Koran revelation and her fight to gender equality are appointed in this research. Contemplate periods when this woman left her undeniable accomplishments and strong signs of her presence. The research is focused in this woman in different periods: pre-Islamic period, new revelations of Muhammad period, the Muslim khalifat period, the arrival in Brazil period, the slavery period; immigration and conversion to Islam in Brazil. And finally, a special focus to Muslim women in São Paulo city and her religiousness that include cultural habits and her sameness; her conflicts arising from an unequal relationship with male gender. The cultural conflicts and her fight against ethnic-Arabian discrimination and prejudice, beside an Islam more adapted to Brazilian culture. The research was based on qualitative observations, interviews with Muslim women immigrants and descendants, Brazilian women converted to Islam, and visits to mosques in the São Paulo city.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E FOTOS:

Figura 1 – Protótipo da Mulher Muçulmana Malê Figura 2 – Escravo Muçulmano Malê

Foto 1 – Mulheres Muçulmanas em Oração na Mesquita Brasil – São Paulo Foto 2 Mulher muçulmana Brasileira Revertida Mesquita do Pari São Paulo.

Foto 3 Jovens Muçulmanas de Reversão/Imigração Mesquita do Pari São Paulo.

Foto 4 Jovens Negros Muçulmanos e Movimento Hip Hop São Paulo

Foto 5 Jovens Mulheres Muçulmanas e o Corão na Mesquita do Brás São Paulo.

Foto 6 Mulheres Muçulmanas de Burca.

INDUMENTÁRIAS DA MULHER MUÇULMANA: Foto 7 O Niqab

Foto 8 A Burca Foto 9 O Hijab Foto 10 O Xador

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ABREVIAÇÕES:

1. CDIAL – Centro de Divulgação do Islã para a América Latina (e Caribe) 2. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO...13

1. A ORÍGEM DO ISLÃ...16

1.1 A Construção da Ummah Islâmica...19

1.2 Um Islã, Duas Orientações: Xiitas e Sunitas...22

1.3 A Mulher Muçulmana no Período Pré-Islâmico...25

1.4 A Mulher Muçulmana e As Novas Revelações de Maomé...30

1.5 A Mulher Muçulmana Na Busca da Igualdade de Gêneros...34

1.6 Mulheres e Esposas: A Relação com o Profeta Muhammad...41

1.7 A Mulher Muçulmana no Período do Califado Islâmico...48

2. O ISLÃ EM TERRAS BRASILEIRAS...52

2.1 O Islã em Terras Brasileiras, Oriundo de Escravidão...54

2.2 A Religião como Motivação de Liberdade...61

2.2.1 Fugas e Origem dos Quilombos...63

2.3 Islamismo e Comunidades de Quilombos...65

2.4 O Islã em Terras Brasileiras, oriundo de Imigração...68

2.5 A Mulher Muçulmana nos Primórdios da Imigração Para O Brasil...71

2.6 A Mulher Muçulmana Revertida no Brasil (São Paulo)...74

2.6.1 A Mulher Muçulmana Revertida e o Contato Cultural...76

2.6.2 A Mulher Muçulmana Revertida e a Arabização...79

3. SINAIS DE UM ISLÃ BRASILEIRO...81

3.1 Arabização: Obstáculo e Motivação Para Um Islã Brasileiro...81

3.2 Fatos que Podem Fortalecer a Idéia de Um Islã Brasileiro...84

3.3 A Face Possível de Um Islã Brasileiro...89

3.4 A Face Brasileira do Islã Periférico...95

3.4.1 Sinais da Institucionalização do Islã Periférico Brasileiro...98

3.4.2 A Presença da Mulher Muçulmana no Islã Periférico de São Paulo...103

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4. A RELIGIOSIDADE DA MULHER MUÇULMANA NA CIDADE DE SÃO PAULO

4.1 Focando a Mulher Muçulmana na Cidade de São Paulo...110

4.1.1 A Mulher Muçulmana em São Paulo na Visão de Um Líder Revertido...113

4.1.2 Contatando a Mulher Muçulmana de Imigração em São Paulo...117

4.1.3 Contatando a Mulher Muçulmana de Reversão em São Paulo...126

4.1.4 A Mulher Muçulmana e a Dominação Masculina...130

4.1.5 A Mulher Muçulmana e as Revelações Corânicas...137

4.1.6 A Mulher Muçulmana e suas Indumentárias...142

CONSIDERAÇÕES FINAIS...146

Referências Bibliográficas...150

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13

INTRODUÇÃO.

A mulher, o gênero feminino em geral, em todas as partes do globo, ao longo da história da humanidade, tem travado uma luta, em muitos momentos, luta inglória, pela sua liberdade e pela sua emancipação frente, principalmente, ao gênero masculino. Este trabalho sofre de uma restrição que acaba por limitá-lo e muito, uma vez que, a proposta de investigação do mundo da mulher muçulmana e sua religiosidade nasceram de um olhar masculino. A maioria dos pesquisadores desta temática são do sexo feminino, o que admito, levam muita vantagem. Porém, não me fiz de rogado. Um olhar masculino, ainda que panorâmico, através da história e pontuado por situações reais de observações participantes, depoimentos e entrevistas podem ser úteis para o avanço no entendimento deste tema tão complexo. A bibliografia creio eu, pertinente e adequada ao tema proposto, deram a consistência e liga necessária ao tecido desta investigação. Portanto, o trabalho se baseou em uma boa pesquisa bibliográfica e nas pesquisas de campo, junto a algumas comunidades islâmicas da cidade de São Paulo e mais as participações observantes e entrevistas com mulheres revertidas e de imigração, além de brasileiros revertidos que ampliaram o campo de visão do assunto contribuindo com suas experiências e vivências com a mulher muçulmana nas comunidades islâmicas de São Paulo e entorno.

Antes de adentrarmos, especificamente, o mundo da mulher muçulmana na cidade de São Paulo e entorno, buscamos situar a mulher muçulmana e sua performance através da história, desde Meca até São Paulo. Nosso olhar, ainda que limitado, procurou abarcar os principais períodos da história islâmica desde o período pré-islamico até as mesquitas paulistas, e como o Islã chegou em terras brasileiras, sempre e, principalmente, tendo o cuidado de cavar as pepitas de ouro, raras e escondidas nessa epopeia, ou seja, as mulheres muçulmanas em cada um destes períodos históricos.

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14 Dividido em quatro capítulos e suas respectivas divisões e subdivisões, o trabalho iniciou no Capítulo 1, com a construção da Ummah islâmica e a participação fundamental das primeiras mulheres muçulmanas. Suas performances e cimentação do sistema islâmico mundial. Destaque para Khadija, Aisha e Umm Salamah. Suas lutas pela igualdade de gêneros já naqueles tempos, e seus papeis sociais, políticos, religiosos e familiares. Lembrando que o termo religião e religiosidade são tratados nesta pesquisa como complementos, ou seja, religião islâmica e religiosidade islâmica, sem a preocupação de definir, separadamente os termos.

O capitulo 2 descortina, ainda que limitadamente, a chegada do Islã em solo brasileiro. Destaque para o Islã de escravidão e a presença marcante do sexo feminino. A formação dos quilombos e comunidades quilombolas e a revolta Malê, fatos que marcam a resistência contra a desigualdade fortemente influenciada pela religião islâmica. Volvemos neste capítulo nosso olhar para os imigrantes muçulmanos que chegam ao Brasil fugindo de conflitos armados étnicos e religiosos na Grande Síria, Líbano e Egito entre outros. Nessa página da imigração, a presença feminina muçulmana não só é detectada, como também exerce fascínio pelo seu desempenho. A mulher brasileira revertida começa a aparecer por aqui. Seus primeiros contatos interétnicos e as questões da arabização já se encontram em ebulição.

O Capítulo 3 faz uma alusão com dados verificáveis a um Islã que reivindica mais cores brasileiras e menos cores árabes. São sinais de um Islã que nasce nas periferias de São Paulo em movimentos de minorias negras, principalmente. Busca um entendimento e razões do clamor contra o preconceito e discriminação por parte das mulheres brasileiras revertidas, quando participantes de comunidade árabes com forte etnicismo. Além dos movimentos de jovens negros do Hip Hop nas periferias de São Paulo, incluindo mulheres, reivindicando um Islã brasileiro e não arabizado, ideológico e político, referenciado por ícones muçulmanos ao redor do Planeta, como por exemplo, Malcolm X.

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15 cidade de São Paulo. As relações de gênero que envolve essa mulher, as relações dessa mulher revertida brasileira com a mulher de imigração e os conflitos e/ou fricções interétnicas conforme trata Roberto Cardoso de Oliveira (1976). As relações dessa mulher com as revelações corânicas especificamente para sua vida religiosa, social, política e cultural. E o assunto que é discutido quase que interminavelmente, ou seja, o vestuário da mulher muçulmana desde sua concepção cultural, religiosa até seu uso já consolidado e as fortes polêmicas que envolvem uma simples vestimenta.

Por fim dialogamos com outros discursos que polemizam, adequam, harmonizam e antagonizam este tema tão rico e tão distinto que, a reboque de pontos de vistas discrepantes ainda não encontrou lugar e acomodação. Dentre estes discursos, não deixamos de apontar, inclusive, as mídias em geral.

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1. A ORIGEM DO ISLÃ.

Para adentrar, especificamente, o mundo religioso da mulher muçulmana na cidade de São Paulo, é necessário, antes, apresentar, historicamente, uma visão panorâmica da performance da mulher muçulmana a partir da origem do seu sistema religioso e as bases gerais que o sustentam, não obstante, sua complexidade e variações culturais ao redor do planeta. O Islã não é somente um grande sistema religioso. É, além disso, um fenômeno histórico, social, cultural e ideológico de alcance mundial. Envolto em uma complexidade tal, que seria ingenuidade dizer que o Islã é um só.

Existem, neste fascinante e complexo sistema religioso, muitos islãs. Cada um desses, envoltos em suas próprias convicções e exalando suas próprias nuances culturais, sociais e ideológicas, embora, o Corão e o Sunnah, e acrescentado a esses, certas observâncias e ritos religiosos, são os elementos aglutinadores dessa crença, ou seja, o epicentro de todos os muçulmanos ao redor do mundo.

Geertz, em sua comparação do modus vivendis de mulçumanos em países de culturas diferentes, no caso Marrocos e Indonésia, argumenta que, nestas duas sociedades, apesar das diferenças radicais em seu curso histórico atual e, o resultado final em seu desenvolvimento religioso, a islamização tem sido um processo ambivalente. “Por um lado este processo tem consistido em um esforço para adaptar um sistema de crenças e rituais universais, muito bem integrado teoricamente, padronizado e relativamente invariável, dentro das realidades de uma concepção local, inclusive individual, moral e metafísico”. Por outro lado, as questões interétnicas quando se trata da transposição de fronteiras culturais e sua assimilação por outros povos elenca outras possibilidades, dentre elas uma espécie de assimilação e aculturação. (GEERTZ, 1994, p. 78).

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17 preferiram utilizar o jilbab1, vestimenta que, por via de regra, está mais associada ao uso das muçulmanas mais idosas e, religiosamente falando, mais ortodoxas da região do Oriente Médio, dentro da religião islâmica. O jilbab é, portanto, uma assimilação e aculturação de um símbolo oriundo do Oriente Médio e adequado ao Sudeste Asiático pelas jovens muçulmanas javanesas. Verificamos, portanto, que a religião como outras formas sociais, conforme afirmou Geertz, pode descrever objetos, instituições, cognições, práticas, experiências, identidades, símbolos, valores, moralidades dentre outros, cujas propriedades variaram no tempo e no espaço, contudo, isto não significa que tenha existido em todo tempo nem em todo espaço. (GEERTZ, 2001, p. 157).

Cabe-nos agora, volver nosso olhar para o Islã e apresentar os contornos históricos da sua origem e de seu estabelecimento ao redor do mundo, com o foco, sempre voltado, na atuação do gênero feminino, além de toda a gama de complexidades inerentes à sua própria estrutura religiosa.

O estabelecimento do islã, primeiro na península Arábica2 e, posteriormente, nas demais regiões adjacentes, não pode prescindir da construção de uma identidade que, aos poucos e consistentemente, vai se constituindo na grande comunidade universal que reúne em torno de si, elementos étnicos, culturais, sociais, ideológicos, políticos e religiosos. Esses elementos emprestam o que podemos denominar de tijolos que são assentados nas paredes e que vão constituindo-se no edifício que culminará na existência da Ummah Islâmica mundial. Possuidora de elementos identitários que a evidenciam, praticamente, em todas as partes do globo, onde estão os muçulmanos.

Segundo Fernand Braudel3 a história do Islamismo antecede as peregrinações de Mohamed:

“A história do islamismo tem raízes anteriores à pregação de Maomé, pois é constituída não só pelo que o profeta legou, mas também por toda a herança dos

1Jilbab: Origem Persa, Do árabe jilbab, Uma peça de vestuário exterior de corpo inteiro, tradicionalmente cobre a cabeça e as mãos, deixando o rosto à mostra. Parecido com o Hijab, contudo tem alguns detalhes que o diferenciam. Usado em público por algumas mulheres muçulmanas. Minha ênfase.

2 A Arábia, também conhecida como península Arábica ou Árabe, é uma vasta península localizada

na junção da África e da Ásia, a leste da Etiópia e ao norte da Somália, ao sul da Palestina, da Jordânia e da Mesopotâmia, e ao sudoeste do Irã. (escola.britannica.com.br/article/480639/peninsula-Arabica). Minha ênfase.

3 O francês Fernand Braudelse formou em História pela importante Universidade de Sorbonne.foi um

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18 povos que anteriormente dominaram a região aonde veio a proliferar o Islão. A civilização derivada, de segundo grau, não se edificou a partir de uma tábua rasa, mas na turfa dessa civilização matizada e muito viva que a precedeu no oriente próximo” (BRAUDEL, 1989, p.56).

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1.1 A Construção da Ummah Islâmica.

Observado em seu conteúdo primeiro em Meca e seguidamente em Medina, a identidade islâmica é definida por volta de 622 em Medina, ou seja, a Ummah4, uma comunidade social com identidade definida e que partilha princípios comuns. A partir desse momento, a força ideológica do movimento islâmico começa a ser sentida e vivida:

“A filiação a esta associação (Ummah) significa o conhecimento dos seus estatutos, a crença em seus princípios, a obediência às suas determinações e uma vida coerente com a mesma [...] Quem entrar no Islã tem de aceitar, primeiro, os seus fundamentos racionais e crer neles totalmente, até que constituam, para ele, uma ideologia.” (Ribeiro, 2013 apud ATTANTÁWI, s.d., p.20).

Segundo Ribeiro, além de uma aceitação dos seus fundamentos de maneira absoluta, também é a assimilação de um conjunto coerente de representações, valores, crenças, atividades religiosas, princípios morais, estéticos e filosóficos que amalgamam, ideologicamente, a identidade islâmica.

Desta maneira, a ideologia funciona como uma força que oculta as contradições, reconstrói em um plano imaginário um discurso relativamente coerente que vai nortear as relações dos agentes, dando forma e significado a suas representações, inserindo-os na unidade das relações de uma nova estrutura. (OLIVEIRA, 1976, p. 40).

Maomé vai organizando e unindo em torno da Ummah mais clãs, mais tribos, mais povos e mais territórios. Com este franco crescimento, necessário foi, além do Corão, o surgimento da Shariah e do Sunnah, além de outros escritos para a regulamentação da prática religiosa e da vida civil muçulmana, ambas as práticas não se separam, pelo contrário se ajustam e coexistem.

O Corão vai se tornar a mais importante fonte da jurisprudência islâmica, sendo o Sunnah5, obra que narra a vida e os caminhos do profeta Muhammad, a segunda fonte mais importante. Não é possível praticar o islã sem consultar ambos

4 Ummah: comunidade islâmica universal. Uma comunidade social com identidade definida e que

partilha princípios comuns em qualquer parte do mundo. http://www.arresala.org.br/dic.ph. Minha

ênfase.

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20 os textos. A partir do Sunnah relacionada, mas não igual, vem os Ahadith6, que significam as narrações do profeta. Um hadith7 é uma narração acerca da vida do profeta ou o que ele aprovava – já a Sunnah é a própria vida do profeta, suas experiências de vida. Portanto, apesar das semelhanças, não são iguais em seu propósito. O ijma8, por sua vez, significa o consenso da comunidade, aceito como uma fonte menor de autoridade. O Qiyas9 é o raciocínio por analogia, foi usado pelos intérpretes da religião e leis islâmicas. O Mujtahidun10, usado para tratar de situações em que as fontes sagradas não fazem referência alguma e não prevêem regras concretas. Algumas práticas incluídas na Shariah11 têm também algumas raízes nos costumes locais Al-Urf12. A shariah é o corpo da lei religiosa islâmica.

O termo Shariah significa “caminho” ou “rota para a fonte de água”, é a estrutura que regula as questões públicas e privadas de todos os adeptos do islamismo, ou seja, para todos os muçulmanos que vivem sob um sistema legal baseado na figh13princípios islâmicos da jurisprudência e também para os muçulmanos que vivam fora dos seus domínios. Por fim, a Shariah lida com os mais diferentes aspectos da vida cotidiana dos muçulmanos, tais como a política, sociedade, economia, sexualidade, higiene, negócios, bancos, contratos, família etc.

Todos estes escritos, tendo como carro chefe o Corão, conferiram uma identidade ao islamismo. A Ummah estava em plena gestação. Mais tarde, os laços de sangue, ou seja, a origem étnica seria substituída pelos laços de fé, sem, contudo, isentar-se dos conflitos interétnicos procedentes de sua iminente universalização religiosa. Mohamed ansiava pela universalização do novo credo

6 Ahadith - é o plural de hadith. Minha ênfase.

7 Hadith - significa "discurso". Um provérbio ou da tradição do Profeta Muhammad. Minha ênfase. 8 Ijma - literalmente, significa "consenso". Refere-se o consenso dos estudiosos muçulmanos sobre

um assunto específico. Ijma “está dividido em dois tipos:” Ijma “jaliy" é quando todos os estudiosos

concordam explicitamente sobre um assunto. O segundo tipo é "Ijma” sukuti, onde um estudioso sabe

de um assunto específico e não falou contra ela, por isso é considerado um acordo de silêncio. Minha ênfase.

9 Qiyas

– significa dedução analógica da lei (raciocínio individual). Minha ênfase.

10 Mujtahidun usado nos casos novos em que não há nenhuma referencias pelas fontes sagradas e nem jurisprudência. Minha ênfase.

11Shariah - um abrangente e transmutável sistema de jurisprudências islâmicas, encontrado no Alcorão e na Sunnah, que cobre todos os aspectos da vida, incluindo as rotinas diárias, higiene, papéis familiares e responsabilidades, a ordem social e conduta, diretivas sobre as relações com muçulmanos e não-muçulmanos, obrigações religiosas, transações financeiras e muitas outras facetas da vida.

12 Al-Urf Leis motivadas pelos interesses públicos, desde que autorizadas pelas fontes principais na seguinte ordem: Alcorão, Sunnah, Ijma e Qiyas. Minha ênfase.

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21 religioso que unisse o povo e o identificasse numa mesma unidade religiosa, política e de valores. É o crescimento e avanço do islamismo ultrapassando fronteiras e tornando-se um sistema religioso mundial com, primariamente, reivindicações de cunho estritamente religioso e com idéias nobres que seriam disseminadas entre povos diferentes, de culturas e identidades distintas, porém, considerados todos iguais pelo novo credo e pelo seu código maior de conduta religiosa, o Corão.

Baptista revela estes ideais apregoados para, entre outras intenções, cimentar a base pela qual se sustentaria todo o mundo islâmico, independentemente de fronteiras culturais étnicas, políticas e ideológicas. Assim, foi ordenado por Muhammad e assim foi se dando a construção daquele que é, hoje, um dos maiores sistemas religiosos do mundo. Eis os pilares do modus vivendis de cada mulçumano em qualquer parte do planeta:

“Uma religião simples com a qual os fiéis se identificam e que assenta em cinco pilares: crer num Deus único, Aláh, de quem Maomé foi mensageiro; orar cinco vezes ao dia; dar esmola aos pobres; jejuar no Ramadão; e fazer a peregrinação a Meca, pelo menos uma vez na vida. Uma comunidade em que o predomínio dos laços de sangue seja substituído por uma união de fé, em que os cidadãos rezam e trabalham, obedecem a Deus e aos decretos dos homens. Uma comunidade sem limites nem fronteiras geográficas, regida por princípios de solidariedade interna, porque se trata de um só povo, porque se trata de uma só comunidade: a Ummah Muslimaŗ. Esta unidade seria a garantia da sobrevivência dos povos que a ela aderissem, uma vez que estes, solidários entre si, seriam mais capazes de se proteger contra investidas de tribos vizinhas. Após a morte de Maomé, em 632, e no cumprimento das ambições do Profeta, dá-se a expansão islâmica em direcção aos povos vizinhos, levada a cabo pelos califas inicialmente escolhidos como sucessores de Maomé e que teria por

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1.2 Um Islã, Duas Orientações: Xiitas e Sunitas.

Com a sua identidade constituída e em pleno avanço, o império com base fundante em uma espécie de teocracia vai experimentar, com a morte de seu fundador, seu primeiro grande teste de sobrevivência e, provavelmente, sua primeira grande crise. Com o falecimento de Muhammad e a não indicação de um sucessor ou mesmo a forma de como este deveria ser escolhido, o império islamico entra em crise de sucessão e de fonte de autoridade. A escolha do seu sucessor suscitou grandes e fracturantes questões que ainda prevalecem até hoje, caso do grande cisma, após a morte de Muhammad, que dividiu os muçulmanos em Xiitas e Sunitas. O cisma que deu origem as duas orientações islamicas, ou seja, Xiitas e Sunitas, teve sua orígem na guerra civil de 4 de dezembro de 656. A guerra declarada contra Ali, iria colocar em lados opostos os partidários de Amir (sunitas) e os partidários de Ali (xiitas).

Sunitas: grupo majoritário; insistem no sunnah (caminho) que vem do fundador sem interrupção. Afirmam que os quatro califas foram sucessores legítimos de Maomé. Xiitas: sustentam que os legítimos sucessores são os familiares de Maomé, a começar do seu primo e genro Ali. Esses sucessores (em número de 7 ou 12) são conhecidos como "imãs". Os xiitas estão, principalmente, no Irã e África. (http://www.mackenzie.br).

Os xiitas (Shiat Ali, que significa facção de Ali), foi formada por apoiadores de Ali e nasceu ainda no tempo dos três primeiros califas. Veio adquirir com a dinastia Omíada e por oposição a esta uma força extra. Os xiitas defendiam que o novo líder da Ummah deveria ser descendente direto do profeta Muhammad e não eleito, daí a lógica de que a autoridade islâmica caberia, legitimamente, por direito divino, a Muhammad e aos seus descendentes.

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23 Imãs. Por outro lado, os sunitas consideram o Sunnah importante fonte de direito, bem como o Ijma.

Para os sunitas, a escolha do califa Abu Bakr Assadik para sucessor de Muhammad, foi a mais acertada, uma vez que este mantinha uma relação muito próxima com o profeta. Em seguida, Abu Bakr teria escolhido Omar I pelo fato de este também ser próximo de Muhammad e também pelo fato de sua antiga e experiente relação com o mundo do Islã.

As qualidades de Ali e suas características de muçulmano fiel eram reconhecidas, contudo, a sua pouca idade era apontada pelos sunitas como uma desvantagem na sucessão, além de considerarem que a sucessão familiar seria contrária aos ensinamentos islamicos. (BRAUDEL, 1989, p.56).

Segundo Braudel, além do momento cismático que dividiu o islamismo em duas ramificações internas principais, ou seja, xiitas e sunitas, lembramos ainda do do sufismo14 que não é, nesta pesquisa, temática principal. Sunitas e xiitas são os dois grupos majoritários dentro do sistema religioso islamita. Podemos ver que a base de sua identificação e código de conduta religiosa permaneceu, de modo geral, intacta, ou seja, sobreviveu sem maiores danos à sua primeira grande crise: Abu Bakr Assadik, sogro do profeta Muhammad, foi escolhido pelo consenso da comunidade (Ijma) para a direção da Ummah a partir de 632 até 634, este falece em fins de 634. Umar ibnal-Khattab (Omar I) assume, como segundo califa, as rédeas da Ummah, cuja escolha foi antencipada por Abu Bakr, recorrendo ao mesmo expediente que o levou à liderança máxima do Islão, ou seja, o Ijma, consenso da comunidade. A antecipação de Abu Bakr na escolha de Omar I teve como propósito evitar o que seria a segunda grande crise da comunidade islâmica. A unificação da peninsula Arábica e a conquista da Síria, do Egito, de Jerusalém e da Pérsia se dá durante o primeiro e o segundo califados. Percebemos a franca expansão e estabilização da Ummah.

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24 Omar I foi assassinado em 644, sem, contudo, nomear um seu sucessor, como procedeu Abu Bakr, antes de morrer, contudo, um conselho foi designado para fazê-lo.

Sobe ao poder o terceiro califa Uthman Ibn Affan, este liderou os muçulmanos entre 644 a 656. Não foi pacífica sua subida ao poder e liderança da Ummah, tanto que, seu assassinato ocorreu em 656, por muçulmanos insatisfeitos quanto à forma de sua subida ao poder e quanto à sua maneira de liderar a comunidade muçulmana.

Sucede ao califa Uthman Ibn Affan o califa Ali Ibn Abu Talib, genro e primo do profeta Muhammad, casado com Fátima, filha do profeta. Ali é o quarto califa que sobe ao poder e ao comando da Ummah. Foi nomeado num momento em que a maioria dos seus apoiantes à liderança da comunidade islâmica estava em Medina. Ali acaba assassinado em 661 por um muçulmano de nome Amir Muwiya, que não se conformava com sua nomeação para líder e o acusava de ser o responsável pela morte de Uthman, o terceiro califa, que pertencia ao clã de Muwiya, os Omiádas.

Fica evidenciado que os primeiros quatro califas, ou seja, Abu Bakr, Omar I, Uthman e Ali foram escolhidos pelo expediente do Ijma, ou seja, o consenso da comunidade. Foram considerados os mais virtuosos e mais importantes para a Ummah e, ainda hoje, como os mais importantes para o mundo muçulmano.

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1.3 A Mulher Muçulmana no Período Pré-islamico.

Com base na genealogia árabe pré-islamica15, que remonta às narrativas bíblicas de Gênesis capítulo dez, supostamente, assinala que os árabes seriam descendentes de Sem (daí “semitas”), um dos filhos de Noé, que teriam se dividido em dois grupos principais: o dos “árabes genuínos” (os “kalbitas” ou “iemenitas”), camponeses sedentários do sudoeste da península, cujo epônimo16 seria o patriarca bíblico Qahtan, descendente direto de Sem; e o dos “árabes arabizados” (os “qaisitas”), habitantes nômades e seminômades do centro e norte da Arábia, cujo antepassado seria Adnan, descendente de Ismael, filho de Abraão com a escrava Hagar.

Fica claro que os primeiros árabes eram os, atualmente conhecidos beduínos, povos nômades, habitantes do deserto e profundos conhecedores da península Arábica. Estes habitavam esta região bem antes do nascimento e instituição do Islã. O elemento étnico era e ainda é o elo de reconhecimento nacional do genuíno árabe pré-islâmico. Por muitos e muitos anos, pastores beduínos nômades da região norte e da região central da península Arábica se locomoviam para a região do Crescente Fértil. Com eles veio o seu ethos e sua maneira de organizar-se socialmente.

Além dos árabes beduínos, com característica nômade, havia os árabes urbanos, ou seja, habitantes sedentários que fizeram com que surgissem cidades como Meca e Yatrib (Medina). Estas cidades se tornaram grandes centros de comércio. Não havia, neste período, o que podemos denominar de uma união política destes povos. Esta união acontece a partir de pontos comuns como, por exemplo, o idioma árabe e a fé religiosa ainda politeísta. Existiam, aproximadamente, mais de 360 divindades cultuadas. Este politeísmo irá ter fim com a união destes povos em torno da nova fé que surgia no horizonte: o islamismo.

15 Período pré-islamico: Cada clã ou etnia possuía um ou mais deuses que poderiam ou não ter um correspondente nos demais grupos. Na região de Meca, as principais deusas eram Manat, Uzzah e

al-Lat, adoradas através de estátuas de cerâmica de formato totêmico e antropomórfico, e filhas de

Allâh, um deus hierarquicamente superior aos demais, o que refletiria, talvez, o surgimento de um monoteísmo rudimentar, pouco antes do início da era islâmica. Revista "História Viva"-

edição especial "Grandes Religiões n. 4: Islamismo", maio de 2007. Grifos meus – ênfase minha.

16 Epônimo: adjetivo. s. m. Que, ou o que dá seu nome a alguma coisa

– no caso Qahtan,

descendente bíblico de Sem, dá seu nome aos “árabes genuínos” , ou seja, aos habitantes sedentários do sudoeste da península Arábica. (Dicionário Brasileiro Globo. São Paulo: Globo, 1996,

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26 Surge a Caaba (casa de Deus, ou melhor, neste período, de todos os deuses). Também surge a pedra negra, supostamente trazida do céu pelas mãos do anjo Gabriel. (HOURANI, 1996, p. 25).

Meca e Medina além de fortes pontos comerciais e rota para diversos outros destinos, possuíam ainda um grande corpo de sacerdotes religiosos, representantes de vários “deuses” e/ou entidades religiosas.

Esta característica de uma religiosidade acentuada permitia ainda que, através do fator religião, ideologicamente, os sacerdotes pudessem imprimir um controle sobre as populações ali fixadas e também sobre aquelas consideradas flutuantes. Para Meca e Medina concorriam muitas etnias que viviam espalhadas por toda a Península Arábica e, mesmo de fora dela. Este movimento tinha como objetivo último, congregar as diversas rotas comerciais para um só centro. A religiosidade politeísta e a presença de deuses para todos os gostos era o principal fator de atração e concentração dos povos árabes peninsulares. Este movimento vai originar, mais tarde, com novo ethos, o que vemos hoje na moderna Meca monoteísta e unida em torno do Islã.17

Como vimos, na região de Meca e Medina, no período imediatamente anterior ao Islã, os povos sedentários (agricultores, artesãos e comerciantes) não se consideravam árabes, e nem eram assim chamados por outras comunidades (tanto nômades como sedentárias) da península. De fato, os “árabes”, pouco antes da época de Mohamed e de seus contemporâneos, eram os beduínos nômades, que viviam no deserto e nas periferias dos oásis e cidades. Para eles, os rebanhos e as terras de pastagens eram coletivos, pois não existia propriedade individual do solo. Assim, a unidade social era o grupo, e não o indivíduo. Este tinha direitos e obrigações apenas como membro de uma coletividade organizada em torno de várias famílias, que, através de relações de parentesco, formavam clãs, a fim de unirem-se em torno de um núcleo comum mais amplo, a etnia, o limite do reconhecimento nacional árabe pré-islâmico. (Revista “História Viva”, edição especial: “Grandes Religiões” nº 4: Islamismo”, maio de 2007).

A ordem social árabe pré-islâmica, especialmente a sedentária, pautava-se pela hierarquização das relações sociais, em que a possibilidade de ascensão social era reduzida para quem não fosse cidadão de plenos direitos, isto é, que não pertencesse à relação “homem-nobre-livre”, superior à da “mulher-plebeu-escravo”. Embora homens e mulheres ocupassem funções sociais bem determinadas, em que

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27 não poderiam imiscuir-se nas responsabilidades uns dos outros, as relações patriarcais dominavam sobre as matriarcais. Portanto, ao chefe de família aristocrata (beduíno ou sedentário), era facultado possuir o número de esposas, concubinas e escravos que pudesse manter, na medida em que possuí-los e ostentá-los era sinal de riqueza pessoal e da etnia, requisitos para ser considerado “nobre” e, pois, cidadão pleno. (KEDDIE, 2007, p. 59).

O ambiente feminino deste período se restringia a um ambiente doméstico, onde as mulheres, além de terem a função de educarem seus filhos e zelarem pela honra familiar, cultivavam lavouras e cuidavam dos rebanhos coletivos. Havia aquelas que trabalhavam como pequenas comerciantes e artesãs locais, contudo, o comércio de longas distancias efetuados pelas caravanas eram restritos aos homens por via de regra.

Outras questões de grande complexidade social, tais como a poligamia praticada pelos árabes pré-islâmicos atendia a um objetivo de auto proteção social contra a desagregação familiar e desestruturação do grupo, além de objetivar um fim comercial. Os riscos para uma vida nestes moldes eram grandes e imediatos, tais quais: morte, sequestro, desaparecimento ou mesmo uma fuga de um grupo para outro.

Por estas e outras situações ameaçadoras da estabilidade e manutenção do clã, medidas sociais importantes eram previstas, como por exemplo, quando muitos dos homens do clã ausentavam-se para viagens comerciais, a etnia tinha o dever de cuidar da viúva, da mulher abandonada e de seus órfãos. Esta realidade social prevista permitiu que outro homem (às vezes um parente), desposasse a mulher e adotasse seus filhos. Esta previsão e, assimilação pelo clã, pode e deve ser considerado o embrião da questão poligâmica no Islã, ainda hoje, em alguns países.

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28 muitos nascimentos de bebes do sexo feminino, numa mesma família ou clã, o infanticídio18 de algumas meninas era praticado com o funesto costume de enterrá-las vivas.

Segundo Oliveira, os grupos sociais que se articulam em termos políticos com base em critérios étnicos, trazem, consequentemente, implicações para a cultura. Os sinais de identificação e de afirmação são influenciados, diretamente pela cultura, para dar realce às fronteiras desta relação. Desta forma, pode ocorrer a revitalização de traços culturais específicos e tradicionais, ou seja, o estabelecimento de tradições históricas para justificar e glorificar a identidade, no nosso caso, da afirmação de uma classe social superior, ou seja, do homem-nobre-livre, em detrimento da mulher-plebeu-escravo. Portanto, os traços culturais herdados de tribos peninsulares árabes eram usados como estratégias na relação de confronto cotidiano e na afirmação de uma classe social superior em detrimento da outra. Os valores da cultura podem ser capazes de dar força nesta confrontação afirmativa. A identidade, portanto, serve para marcar o lugar do outro grupo, para deixar nítido o contraste entre eles, para singularizar um em relação ao outro e para marcar diferenças hierárquicas entre eles. Ou ainda, quando se refere às questões que envolvem unidades étnicas assimetricamente relacionadas, mas, contudo presas a um sistema de dominação-sujeição, caso do gênero masculino sobre o feminino, neste período, a que nos referimos, da dominação da mulher muçulmana pelo homem muçulmano; pode corresponder, perfeitamente, a uma estrutura de classes, em que as questões dominação-sujeição obedecem a uma dinâmica social. (OLIVEIRA, 1976, p. 13).

A comunidade islâmica derivada após 622, denominada de segundo grau, não foi, portanto, construída a partir de uma tábua rasa, mas sobre uma base mais que embrionária, que já deixava descortinar-se como uma estrutura que, não obstante, possuir em sua “genética” uma saudável e ávida busca pela existência, matizada e muito vivaz; evidenciou-se também como um sistema absolutamente marcado pela dominação masculina que, com momentos de exceção na história,

18 Em épocas de crises econômicas, aliadas a altas taxas de natalidade feminina numa mesma

família ou clã, era permitida a prática do infanticídio feminino, exclusivamente, cuja prática, na maioria

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29 caracterizou-se por ser uma comunidade indelevelmente identificada pelo domínio patriarcal. (BRAUDEL, 1989, p. 5).

Neste tempo pré-islâmico, sobretudo na Arábia, quando as mulheres eram contadas com a herança recebida pelos homens. Não só a terra, não só os camelos, não só o carneiros. As mulheres faziam parte do pacote herdado. A mulher era, literalmente, tida como um objeto. Terminado o período pré-islamico, ou seja, tempo de gestação do islamismo, foi criada uma espécie de hiato histórico entre Meca e Medina. Baptista faz alusão a outras situações prejudiciais à mulher no período, imediatamente posterior às novas revelações trazidas ao profeta, que davam um relativo status igualitário às mulheres:

Todavia, a partir do período de Medina surgem versos corânicos discriminatórios em razão de gênero, constituindo severas limitações aos direitos civis e políticos das mulheres. O papel de guardião e o exercício da autoridade do marido sobre a esposa ganha legitimidade através de versículos corânicos como: Os homens são superiores às mulheres pelas qualidades com que Deus os elevou acima delas e porque os homens gastam os seus bens a dotá-las. As mulheres virtuosas são obedientes e conservam cuidadosamente durante a ausência de seus maridos, o que Deus lhes confiou. Aí vive e é alimentado o dever de obediência das esposas aos maridos, tornando, consequentemente, lícito o direito dos maridos disciplinarem as suas esposas sempre que estas não acatem tal dever. Associadas a tal princípio islâmico que rege a relação entre o casal, surgem outras limitações aos direitos das mulheres. Como exemplo de tais limitações temos a proibição de a mulher aparecer e falar

publicamente [...]. (BAPTISTA, 2011, p. 109 – grifos meus).

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30

1.4 A Mulher Muçulmana e as Novas Revelações de Muhammad.

Contudo, uma nova revelação é trazida à baila desta realidade, inpensada por nós ocidentais, a respeito da condição da mulher muçulmana pré-islamica: “Ó vós que credes! Não vos é lícito herdar às mulheres, contra a vontade delas. E não as impeçais de se casarem de novo (...)” (Surata 4.19)19.A partir de novas revelações do profeta Muhammad, as mulheres vislumbram alguns momentos, na história do Islã, de quase uma mudança de atuação na estrutura social, familiar e religiosa, sobretudo. Não ficam, por um curto período, a reboque das interpretações dominantes masculinas e misóginas que, infelizmente, já apontavam, um horizonte sombrio para o gênero feminino no Islã. Este período sombrio viria com o período dos califas.

Mas, antes desse tempo, uma esperança, no que tange à performance da mulher está iniciando. Tudo, relativamente ao período pré-islamico, muda. Metaforicamente, seria o tempo do desabrochar das flores. Agora as mulheres estão em pé de igualdade com os homens. Esta igualdade, em pleno século VII, estava distante, pelo menos uns mil e duzentos anos antes de qualquer idéia, que pudesse surgir, relativa aos movimentos feministas ocidentais em luta pelos direitos das mulheres.

Este curto tempo, em que as novas revelações do profeta deixaram para trás as imposições discriminatórias do período pré islamico e do tempo sombrio do califado, que se aproximava, foi um tempo em que as mulheres, sequer mencionadas nas revelações, veem sua condição mudada. Tanto que uma das onze esposas de Muhammad Umm Salamah Hind bint Abi Omaiyah, perguntou a este: “por que só se mencionam os homens no Corão e as mulheres não?”. A resposta conforme relata a socióloga muçulmana Fátima Mernissi (1999), veio algum tempo depois.

Uma nova surah20 (capítulo do Corão) revelada ao profeta Muhammad iniciava-se, originariamente por versos para lá de discriminatórios das mulheres, pior que isso, elas não eram nem lembradas. Sua existência nestas questões era

19 Alcorão

– Surata 4.19 - Minha ênfase

20 Surah ou Surata

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31 absolutamente negada. As mulheres, até então, tinham sua existência lembrada em situações pontuadas, tais como: cozinhar, plantar, colher, gerar filhos e entregá-los aos maridos, uma vez que a estrutura matrifocal de família, só viria a existir com as novas revelações dadas ao profeta Muhammad. A partir destas novas revelações, versos com forte ênfase na igualdade de gêneros, praticamente, permeavam todos os setores da vida, tais como o religioso, civil, e, sobretudo familiar.

A estrutura familiar, agora, é matrifocal. As novas revelações promoveram as mulheres muçulmanas em geral e, apontavam para uma relação, no mínimo libertadora, do jugo e do ranço patrifocal: “Os homens submissos, Os homens crentes, Os homens piedosos, Os homens sinceros, Os homens pacientes, Os homens que temem a Allâh, Os homens que dão esmola, Os homens que jejuam, Os homens que custodiam suas partes pudendas, Os homens que invocam muito a Allâh”. Estas eram antes, as menções do Corão. Após o questionamento de Umm Salamah ao profeta Muhammad, passaram a mencionar ambos os sexos: e as mulheres submissas, e as mulheres crentes, e as mulheres piedosas, e as mulheres sinceras, e as mulheres pacientes, e as mulheres que temem a Allâh, e as mulheres que dão esmola, e as mulheres que jejuam, e as mulheres que custodiam suas partes pudendas, e as mulheres que invocam muito a Allâh. Para eles, (homens e mulheres), Allâh preparou perdão e magnífica recompensa21. (MACHADO, 2010, p. 84).

A grande maioria daqueles que se debruçam sobre as questões de gêneros no Islã, são de opinião firmada, de que o Corão é menos discriminatório das mulheres quando comparados a muitos ahadith. Para os estudiosos do assunto, o Corão atribui igualdade de direitos a homens e mulheres, contudo, muitos ahadith contradizem esta perspectiva corânica de igualdade. Exemplo disso são os ahadith que vieram após o Corão e juntamente com ele, são, respectivamente, as fontes mais respeitadas como códigos de conduta da Ummah islâmica, contudo, ahadith entram, não poucas vezes, em contradição com o Corão. Vejamos, por exemplo, no Bukhari encontramos um hadith que, contrariamente ao Corão, discrimina e rebaixa o gênero feminino:

21 Corão

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32

“O Profeta exortou as mulheres a serem generosas nas suas oferendas, pois quando vislumbrou as chamas do Inferno, constatou que a larga maioria das pessoas atormentadas eram mulheres.22 As mulheres ficaram furiosas, tendo-se

uma delas levantado de imediato para saber a que razão se devia aquilo. – Porque –

respondeu ele – as mulheres resmungam muito e são ingratas para com os seus

maridos! Mesmo que os pobres passem a vida a fazer coisas por vocês, basta-vos

estar aborrecidas com qualquer coisa para dizerem: ‘Nunca me fizeste bem nenhum!’

E então as mulheres começaram a tirar as alianças energicamente e atirá-las à capa

de Bilal.” (Bukhari 1.28, Abu Dawud 439). Minha ênfase – Grifos Meus.

Podemos reparar que o tom e o conteúdo do hadith supramencionado esta repleto de domínio masculino. Em contrapartida, quando comparamos com o questionamento de Umm Salamah ao profeta, acima citado, percebemos o tom conciliador e igualitário para os gêneros femininos e masculinos, da nova revelação corânica, trazida ao profeta Muhammad.

Percebemos, entre outras verdades, que a esposa do profeta tem a liberdade de questioná-lo quanto ao tom discriminatório contra as mulheres e o poder de fazer com que Muhammad busque, através de novas revelações corânicas, a contestação dos escritos dos Ahadith que submetem as mulheres a níveis inferiores em relação ao gênero masculino. Enquanto ahadith condenam mais mulheres do que homens ao inferno de fogo, o Corão não faz exigência nenhuma de submissão absoluta da mulher a seu marido, pelo contrário, exige que os maridos sejam generosos com as esposas, tratem-nas com gentileza. O exemplo de tratamento, quase simétrico, dispensado por Maomé às suas esposas, fica evidenciado neste versículo do Corão:

Para os homens e mulheres que se submetem ao Islão, para os homens e mulheres crentes, para os homens e mulheres obedientes, para os homens e mulheres verdadeiros, para os homens e mulheres que são pacientes, para os homens e mulheres que são humildes, para os homens e mulheres que dão para caridade, para os homens e mulheres que fazem jejum, para os homens e mulheres que preservam a sua castidade e para os homens e mulheres que se empenham no louvor a Allah, para todos eles Allah reservou o perdão e uma grande recompensa. (Corão 33.35).

Este é o verso que surge após a intervenção questionadora de Umm Salamah, o confronto entre narração e revelação, uma tendo como fonte um hadith e a outra um verso do Corão, deixam patente que, os versos corânicos buscam a igualdade de gêneros:

Repare como neste versículo o Alcorão trata da mesma forma homens e

mulheres, referindo a um igual grau de perdão e iguais recompensas.23 No hadith atrás narrado, por outro lado, são condenadas ao fogo do Inferno mais

22 Minha ênfase - Grifos meus.

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33 mulheres que homens, devido ao facto de serem ingratas em relação aos maridos. O Alcorão não exige em parte nenhuma que a mulher seja obediente ao marido. É ao

marido que se adverte para que seja generoso para com a esposa24.

.

Ao longo da história, as mulheres sofreram preconceitos e violência física e moral. Na época pré-islâmica, havia vários costumes agressivos em relação às mulheres. Muito mais por uma questão de interpretações paralelas ao texto corânico, do que propriamente as prescrições do Corão, com poucas exceções. Com a revelação do Corão, essas práticas foram quase abolidas por novas revelações trazidas ao profeta e pela intervenção destemida, heróica, inteligente e visionária de uma Umm Salamah, de uma Aisha e outras tantas mulheres e esposas do profeta Muhammad.

24 Alcorão: 4ª Surata, Ân Nissã, versículo 19. É um verso do Sunnah, capítulo especial sobre as

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34

1.5 A Mulher Muçulmana na Busca da Igualdade de gêneros.

A mulher agora existe. Sua existencia, sua presença, sua notabilidade por parte do sexo masculino agora é real. Não foi necessário um movimento de cunho feminista. Não que fosse injusto ou desnecessário caso houvesse. Mas foram necessárias a voz e autoridade legítima de uma representante do gênero feminino: Umm Salamah. Esta foi uma das primeiras vozes do mundo, não só do mundo muçulmano, a reivindicar igualdade e justiça nas relações de gênero na história da humanidade. Neste curto período, esta igualdade foi tão acentuada, no aspecto religioso, a ponto de ser permitido às mulheres islâmicas o acesso direto, sem intermediação alguma, ao Enviado de Allâh, (profeta Muhammad), ou seja, em palavras mais diretas, as mulheres não tinham nenhum obstáculo ou mesmo impedimento no exercício pleno da busca do sagrado:

O Profeta nunca tratou nenhuma das suas esposas como subordinada. Não só se

limitava a tratá-las com dignidade, mas também se aconselhava junto delas com freqüência acerca de várias questões, seguindo mesmo os conselhos que elas lhe davam. Com efeito, o conselho de Umm Salamah que consistia no sacrifício

de um animal em Hudaybiya revelou-se muito positivo. (Alcorão – Sura Ãn Nissã cap.

4, verso 19). Minha ênfase

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35 Segundo Fátima Mernissi, Aisha possuía em seu quarto uma porta de comunicação direta com a mesquita. (MERNISSI, 1999, p.131). O fato de que o lugar das mais íntimas relações entre um homem e uma mulher, ou seja, o leito nupcial, o lugar da maior cumplicidade entre os gêneros feminino e masculino e, da conjunção carnal, estar interligado ao lugar da mais intima e profunda relação com o sagrado, oferece-nos uma ideia, próxima do ideal, de como a nova revelação dada ao profeta, mudou para melhor, pelo menos neste período, a performance da mulher muçulmana, além de deixar patente que a vida em sua plenitude e manifestações, as mais legítimas da humanidade, não estavam dissociadas do sagrado como argumenta Émile Durkheim: as representações religiosas, ou seja, as crenças caracterizam-se por impor um certo olhar que divide a realidade entre o sagrado e o profano, enquanto oposições mais absolutas, ou, mais especificamente, as crenças são [...] representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e a relação que elas mantêm, seja entre si, seja com as coisas profanas. Neste caso, a separação entre o profano e o sagrado na performance de Aisha, ou seja, em seu trânsito entre o quarto de dormir e a porta de acesso à mesquita lar não permite a separação entre o céu e a terra, pelo contrário, passa-nos a idéia de fusão dessas duas representações. (DURKHEIM, 2004, p.24).

O real e o eterno, ou seja, neste caso, não há dissociação do secular com o sagrado. É nesta mescla, nessa fusão, que segundo Durkheim se encontra o eterno. A fusão do sagrado e do secular (temporal), ou seja, do céu e da terra, isto é, tudo que existe e, tudo que é concebível por meio da consciência, não é capaz de esgotar a realidade. Mas o homem, porque possui linguagem, possui também um portal para o real. Este portal, que é a função designada pelo termo “coração”, é ao mesmo tempo existente e indefinível. É o lugar em que cada homem é único, sem identidade, é um lugar de pura criatividade e contato com o misterioso novo. (MACHADO, 2010, p.79).

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36 Como amostras dessa igualdade de gêneros que floresce e murcha tão rapidamente, reportamo-nos entre tantas, a três das esposas do profeta: Khadija, Umm Salamah e Aisha que, entre todas, se destacaram na solidificação do Islã.

Khadija e Aisha representam para o Islã uma espécie de nascimento e emancipação. Khadija, a primeira esposa de Muhammad, foi uma viúva rica que deu emprego para Muhammad e em seguida lhe propôs casamento. Esta mulher era da idade de 40 anos, enquanto Maomé estava com 25. Este foi o único casamento monogâmico do profeta, a partir daí, a poligamia era praticada pelo mensageiro de Allâh. Os demais casamentos foram com mulheres viúvas e filhas de amigos. O apoio de Khadija foi essencial para que o profeta tivesse segurança e tempo para iniciar a trajetória de suas peregrinações e disseminação da fé islâmica, isento das preocupações e obrigações diárias de um homem comum. Khadija, muito provavelmente, tenha sido a primeira mulher muçulmana. Foi a ela que Muhammad, primeiro, falou sobre as revelações. Após tomar ciência das revelações recebidas pelo profeta Muhammad, sua esposa (Khadija) se converteu ao Islã e providenciou tudo o que o profeta precisava para irradiar a nova fé por toda a península Arábica. (ABD’ALLAH, 1989, p. 29)

Por outro lado, talvez, representando o desfecho, ainda que parcial, mas, sem dúvida nenhuma, fundamental para a consolidação da estrutura básica do mundo islamico, Aisha, em especial, torna-se um ícone. Sua história, em particular, é emblemática quando focamos o gênero feminino em geral. Estas mulheres são inspirações para as mulheres muçulmanas de hoje. Boa parte delas ainda emprestam seus nomes às fiéis muçulmanas dos dias atuais, portanto, referir-se a elas é, no mínimo, fazer justiça a todas as muçulmanas do século vinte e um. Aisha empresta-nos fatores historicos, culturais, sociais, ideológicos e, sobretudo, religiosos de sua performance, para uma espécie de comparação com o desempenho da mulher muçulmana hodierna. Vejamos mais um hadith discriminatório, encontrado no Bukhari25, que discriminou e ridicularizou a mulher muçulmana, nos dias do profeta Maomé: “As coisas que invalidam as orações foram

25Bukhari

– Muhammad Ibn-Ismail AL-Bukhari. Foi um estudioso árabe, nascido em Bukhoro (Hoje

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37 me referidas (referidas a Aisha). Afirmaram: ‘a oração é invalidada por um cão, um burro e uma mulher26(no caso de passarem à frente de alguém que esteja a fazer as suas orações)”.

Aisha, indignada e furiosa, responde e contesta este hadith. Ela declara de maneira irônica: fui transformada (as mulheres) em cães. “Do meu leito, eu via o profeta rezar, minha cama estava entre ele e o Qiblah27. Caso eu precisasse de alguma coisa, me levantava em silêncio e de mansinho, pois não gostava de passar pela frente dele.” A narrativa do hadith é fortemente caracterizada pela dominação masculina, desrespeitosa em relação ao gênero feminino. Aisha, corajosamente, desafiou este preconceito e esta visão misógina da mulher por parte deste intérprete dos ahadith. O agravante desta situação, é o fato de que atribuíam estes pensamentos maculinos dominantes ao profeta e, se atribuíam ao profeta, consequentemente, seriam atribuídas ao Corão. Portanto, o Corão, na visão dominadora masculina, era que ditava e sustentava tais (discriminações) contra as mulheres:

Estes eram preconceitos sociais dominantes, por parte dos homens, em relação às mulheres, que os levaram a criar este tipo de ahadith para as poderem subjugar e para que as mulheres não pudessem usar o Alcorão para reclamar a sua igualdade em relação aos homens. O Alcorão foi revelado ao Profeta para que ele pudesse conferir igual dignidade e estatuto às mulheres, mas a sociedade não estava, de qualquer forma, preparada para tal, tendo tentado rebaixar as mulheres através da criação destes ahadith. Uma vez que não as podiam controlar através do Alcorão,

recorreram a outra arma para denegrir o estatuto das mulheres.28

Esta situação era enfrentada e desafiada com gualhardia por uma Aisha, contudo, nem todo o tempo haverá Aishas e, assim, sem serem desafiados e confrontados, pensamentos ridículos e discriminatórios como este, vão se tornando passíveis de aceitação e vão sendo assimilados pela massa étnica, cultural, social, civil e religiosa, que amalgamam, ao longo dos séculos a comunidade islâmica.

A ausência de uma confrontação, como esta de Aisha, que desafie e critique a discriminação feminina, deixa a situação da mulher a reboque das vontades dominadoras dos homens muçulmanos, mascarada por uma pseudo religiosidade e

26 Minha ênfase

– Grifos meus.

27 Qiblah - É a direção da Kaába, a qual os muçulmanos de todo mundo se direcionam no momento

das orações diárias obrigatórias e recomendadas. (http://www.arresala.org.br/dic.php). Minha ênfase.

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38 cultura assimilada e aceita como se fossem verdades absolutas. Uma questão dupla aflora, emerge desta situação, em que o Corão é usado para dar sustentação ilegítima a uma situação de domínio e sujeição do gênero feminino. De um lado, numa ótica política de confronto de consciências, o Corão necessariamente é um instrumento de tomada de posição e de responsabilidade coletiva, não pode, portanto, ser interpretado, exclusivamente, à baila de uma vontade dominante masculina. Por outro lado, a submissão ao Corão passaria a uma discussão política inclusiva, ou seja, a submissão à lei corânica abarcaria em igualdade de direitos e deveres toda a Ummah islâmica, ou seja, os gêneros masculino e feminino. Nisto residiria o exercicio pleno e igualitário da comunidade muçulmana mundial. (MACHADO, 2010, p. 88).

Segundo Clifford Geertz, a religião é o fator de legitimização e autoridade, através de sua doutrina (ensino), pelo qual o grupo social é redimensionado e submetido. Para o Islamismo, e, mais especificamente ainda, para as questões das relações de gênero, aquilo que é implicitamente praticado pelos contornos do ethos29 é remetido para a ética sistematizada em normas e regras. Quando ocorre o fenômeno da transferência do ethos para a norma e/ou regra consagrada, abre-se a possibilidade real para que a religião se torne legitimadora de um estilo de vida específico e próprio. O fenômeno da transferência é completado, quando este estilo de vida normatizado pela religiosidade, bem como por seus códigos de conduta, apropriados por um determinado grupo social, dá-se o revestimento de uma função ideológica. Este fenômeno torna-se evidente na Ummah islamica, quando tratamos das questões que envolvem o Corão, os ahadith e as suas interpretações no que tange às relações de gêneros. (GEERTZ, 1989, p. 104-105). Este fator da transferência aventado por Geertz auxilia-nos na compreensão da tendência dominadora, por parte dos homens muçulmanos, sobre as mulheres. O que se observa hoje é o resultado histórico de camadas culturais superpostas que formam um todo contrário às relações igualitárias de gêneros na Ummah islâmica. O código religioso islâmico, no caso o Corão, equivocadamente, vem sendo utilizado para dar sustentação a esta relação assimétrica entre homens e mulheres no Islã.

29 Ethos: expressão de um grupo social ou individual que a partir de seus traços identitários: vestuário, comportamento e costumes, religiosidade e cultura, indica que seu portador é proveniente

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39 Fica marcado, para referência, na história da mulher muçulmana, o relacionamento das esposas do profeta e a coragem, determinação, gualhardia e visão de futuro, com as quais elas enfrentaram os desafios da dominação masculina predominante de seu tempo. Nesta ocasião, em especial, elas foram , em certa medida, beneficiadas pela liderança de Maomé.

No tempo da transição entre Meca e Medina, profundamente marcado pela revelação do Corão, não são poucas as argumentações de que as mulheres, entre elas as mulheres do profeta Muhammad, ocupavam lugares de proeminência, chefiavam e dirigiam, tendo como base uma estrutura matrifocal.

O que predominava era o modelo de uma linhagem matrifocal, ou seja, a continuidade da linhagem originava-se do nome da mãe para a família e para os filhos e não do pai. (AHMED,1992, p.41). Segundo Zakia Daoud, no período de liderança de Muhammed, as mulheres detinham uma grande independência e um trânsito praticamente livre em face do poder masculino. Elas podiam escolher com total liberdade os seus maridos e com a mesma liberdade podiam repudiá-los sem qualquer interferência ou mesmo retaliação. A poligemia30 era permitida e praticada.

Aisha, esposa do profeta Muhammad, é exemplo desta prática. Os filhos pertenciam à sua mãe e à sua tribo, diferentemente dos dias atuais, em que a pertença dos filhos é do pai e da família deste. (DAOUD, 1993, p. 15).

É historicamente certo dizer que o período entre o pré-islamismo e o califado foi o período de relações quase igualitárias de gênero. Tempo em que a mulher muçulmana podia transitar com liberdade nas questões políticas, religiosas, familiares e civis em geral.

Para Machado está claro que uma igualdade perfeitamente harmoniosa, total e irrestrita, provavelmente, nunca tenha sido alcançada, porém, as bases para uma futura reivindicação, o testemunho da história e a experiência vivida pelas, podemos

30 Poligemia. A mulher podia ter mais de um marido. É o contrário da Poligamia masculina, quando o homem podia ter mais de uma esposa. Note como é o inverso de antes das novas revelações dadas

ao profeta Maomé. Esta prática vai durar por apenas este período que denominamos de

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1. 6 Mulheres e Esposas: a Relação com o Profeta Muhammad.

Historicamente, as mulheres muçulmanas marcaram de forma notável e admirável, a construção da Ummah e a sua identidade no mundo. A participação fundamental e indispensável tem início, já nos primórdios da gestação da comunidade islâmica.

A maioria dos estudiosos e historiadores do tema, que tratam das mulheres do profeta, apontam o número de treze esposas na seguinte ordem: Khadija bint Khuwaylid, Ela foi a primeira mulher com quem ele se casou. Ela foi a única esposa que ele teve, até que ela morresse. Ele teve filhos e filhas com ela. Nenhum de seus filhos viveu muito. Todos eles morreram. Suas filhas foram Zainab, Ruqaiya, Umm Kulthum e Fátima. Zainab foi casada com seu primo por parte de mãe, Abu Al-‘As bin Al-Rabi e isto foi antes da Al-Hijra (Hégira)31. Ruqaiya e Umm Kulthum foram ambas casadas com ‘Uthman bin ‘Affan, sucessivamente (i.e. ele se casou com uma após o falecimento da outra). Fátima casou-se com ‘Ali bin Abi Talib, e isto foi no período entre as batalhas de Badr e Uhud. Os filhos e filhas que Fátima e ‘Ali tiveram foram Al-Hasan, Al-Husain, Zainad e Umm Kulthum.É bem sabido que o Profefa foi, excepcionalmente, autorizado a ter mais do que quatro mulheres por diversas razões. As esposas com que ele se casou foram treze. Nove delas continuaram vivendo após ele. Duas morreram durante sua vida: Khadijah e a Mãe dos pobres (Umm Al-Masakeen) — Além delas, houve Zainab bint Khuzaima com quem ele não consumou seu casamento.

Sawdah bint Zam’a: Ele se casou com ela em Shawwal, no décimo ano de seu ofício profético, poucos dias após a morte de Khadijah. Antes disso, ela foi casada com um primo por parte de pai, chamado As-Sakran bin ‘Amr.

‘Aishah bint Abu Bakr: Muhammad se casou com ela no décimo primeiro ano de seu ofício profético, uma ano após se casar com Sawdah, e dois anos e

31 Hégira: do árabe Hijra, o que significa cortar as relações, renunciara uma tribo, ou migrar. Refere-se à partida do profeta Maomé de Meca, em 622 d.C. Mais precisamente em 16 de julho de 622, pelo calendário Juliano. O termo se aplica a qualquer muçulmano de imigração, pois marca a proclamação

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FIGURA 1. Islamismo de Escravidão. Mulher Brasileira Negra Muçulmana com  Indumentárias Típicas da Herança Muçulmana na Bahia
FOTO 2. Mulher muçulmana brasileira revertida. Faz a leitura do Corão.
FOTO 8  –  INDUMENTÁRIAS DA MULHER MUÇULMANA  –  BURCA
FOTO 11  –  INDUMENTÁRIAS DA MULHER MUÇULMANA  –  Niqab Radical.

Referências

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