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A característica universal de Leibniz: contextos, trajetórias e implicações

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Academic year: 2017

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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Campus Rio Claro-SP

Programa de Pós-graduação em Educação Matemática

Carmen Rosane Pinto Franzon

A Característica universal de Leibniz: contextos, trajetórias e implicações.

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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Campus Rio Claro-SP

Programa de Pós-graduação em Educação Matemática

Carmen Rosane Pinto Franzon

A Característica universal de Leibniz: contextos, trajetórias e implicações.

Texto apresentado à comissão examinadora para obtenção do grau de Doutor em Educação Matemática, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus de Rio Claro-SP.

Orientadora: Arlete de Jesus Brito

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Carmen Rosane Pinto Franzon

Texto apresentado à comissão examinadora para obtenção do grau de Doutor em Educação Matemática, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Rio Claro-SP.

Comissão Examinadora

_______________________________________________________________ Profa. Dra. Arlete de Jesus Brito – Orientadora

Departamento de Educação – UNESP/Rio Claro – SP

Prof. Dr. Iran Abreu Mendes

Departamento de Práticas Educativas e Currículo – UFRN/Natal – RN

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Fumikazu Saito

Departamento de Matemática – PUC/São Paulo – SP

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira

Departamento de Matemática – UNESP/Rio Claro – SP

_______________________________________________________________ Profa. Dra. Rosa Lúcia Sverzut Baroni

Departamento de Matemática – UNESP/Rio Claro – SP

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RESUMO

Durante sua vida, Leibniz persegue o objetivo de criar uma Linguagem universal que comunique perfeitamente o pensamento e assim permita o conhecimento de todas as coisas. Segundo ele, a viabilidade da construção de tal linguagem deriva da convicção de que todo o conhecimento tem por base um número finito de conceitos básicos ou ideias simples que podem ser identificadas e estruturadas hierarquicamente. Em sua concepção para a elaboração de tal linguagem, é necessário: chegar às ideias simples; estipular um sistema adequado de signos – o que ele denomina Característica universal; e estabelecer as regras lógicas para compor ideias complexas – o que ele denomina Gramática racional. Delineamos então como objetivo central deste trabalho apresentar uma pesquisa sobre Linguagem universal e, em especial, sobre a Característica universal e investigar os caminhos percorridos por Leibniz nesta busca. Deste propósito decorrem como objetivos complementares: verificar de que forma Leibniz desenvolve suas pesquisas na Aritmética binária, uma materialização da Característica universal; e expor brevemente seus estudos relativos à Gramática racional. Para dar suporte a este estudo, trazemos ao debate algumas discussões em torno da tentativa de criar uma Linguagem universal que ocorre ao longo do século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, assim como sua importância para o desenvolvimento das ciências. Verificamos que até o fim de sua vida, Leibniz mantém sua proposta de inventar um simbolismo completo e definitivo, no entanto ele reconhece a grandiosidade deste projeto e que as dificuldades intrínsecas a ele o impedem de obter sucesso em sua busca. Mesmo assim, esse esforço contribui de forma decisiva nas ciências, especialmente em matemática, com a criação do Cálculo Infinitesimal e o aperfeiçoamento da Aritmética binária. Salientamos que, na construção do presente texto, buscamos articular três esferas de análise: a historiográfica, a epistemológica e a contextual-histórica.

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ABSTRACT

During his life, Leibniz pursues the goal to create a universal language that perfectly communicates the thought and thus allows the knowledge of all things. According to him, the viability to the construction of a universal language accrues from the fact that all the knowledge sustains itself on a finite number of basic concepts or simple ideas which can be identified and hierarchically structured. In his conceiving for the preparation of such language is necessary: defining the simple ideas; setting a proper system of signs - what he calls

universal characteristic; and establishing the logical rules in order to compose complex ideas – or, as he’s defined, rational grammar. We have defined the main goal of this paper as to present a survey on a universal language, in particular about the universal characteristic and to investigate the paths taken by Leibniz in this pursuit. From this purpose it courses the following secondary objectives: to verify how Leibniz develops his research in Binary Arithmetic, that consists on materialization of the universal characteristic; and briefly to present his rational grammar. To support our goal, we introduce some discussions on the foundation of a universal language that took place on seventeenth century and first decades of the eighteenth century, as well as their importance for the development of science. We have concluded that Leibniz has kept his ideas about creating a definitive and complete symbolism. However, he ends up recognizing the magnitude of this project and the multiples difficulties about it. His efforts, though, contributed for the development of science, especially on mathematics, with the creation of the Infinitesimal Calculus and the improvement of Binary Arithmetic. In the construction of this text, we try to articulate three types of analysis: the historiographical, the epistemological and the historic-contextual.

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Abreviaturas Usadas

LC COUTURAT. L. La logique de Leibniz: d'après des documents inédits.

OC COUTURAT. L. Opuscules et fragments inédits de Leibniz: extraits des manuscrits de la Bibliothèque royale de Hanovre.

NE LEIBNIZ. G. W. Novos Ensaios sobre o entendimento humano. In: Os Pensadores. Tradução de Luiz João Baraúna.

GP GERHARDT, C.I. Die Philosophischen Schriften von Gottfried

Wilhelm Leibniz (Escritos filosóficos de Gottfried Wilhelm Leibniz). Volumes 3, 4 e 7.

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SUMÁRIO

Introdução ... 6

1 Leibniz: a trajetória de um polímata. ... 30

1.1 Um pouco de sua história ... 30

1.2 Suas ideias e suas obras ... 62

2 Característica universal: contextos e trajetórias ... 73

3 Característica universal: projetos e implicações ... 106

3.1 Fontes leibnizianas e o primeiro ensaio da Característica Universal – a Scriptura universalis. ... 106

3.2 Projetos da Característica universal por Leibniz e Aritmética binária ... 132

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Introdução

[...] se pudermos encontrar caracteres ou signos próprios para exprimir todos os nossos pensamentos, tão nítida e exatamente como a aritmética exprime os números, ou a análise geométrica exprime as linhas, poderemos fazer em todas as matérias, enquanto estão sujeitas ao raciocínio, tudo o que pode ser alcançado em Aritmética e em Geometria. [...] Ora os caracteres que exprimem todos os nossos pensamentos, comporiam uma língua nova, que poderia ser escrita e pronunciada: esta língua será muito difícil de ser criada, mas muito fácil de aprender. Será rapidamente aceita em toda parte em virtude da sua grande utilidade e da sua surpreendente facilidade e servirá maravilhosamente à comunicação de diversos povos o que contribuirá para a sua aceitação. [...] Essa língua será o maior órgão da razão. Ouso dizer que este é o último esforço da mente humana, e quando o projeto estiver implementado, não restará aos homens senão serem felizes, pois terão um instrumento que não servirá menos para exaltar a razão, do que o Telescópio serve para aperfeiçoar a vista.1 (LEIBNIZ, 1677)

O excerto acima foi retirado do prefácio do texto Science Générale

(Ciência Geral) escrito por Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) em 1677. Nele estão postos, de modo entusiástico, a viabilidade de se criar uma nova língua e os benefícios decorrentes de sua utilização, argumentos presentes em grande parte de suas pesquisas durante toda sua vida.

Os estudos de Leibniz acerca da criação de uma nova língua, ou uma Linguagem universal 2 desenvolvem-se sob quatro vertentes principais:

1 “[...] si l’on pouvoit trouver des caracteres ou signes propres à exprimer toutes nos pensées,

aussi nettement et exactement que l’arithmètique exprime les nombres ou que l’analyse geométrique exprime les lignes, on pourroit faire em toutes les matières autant qu’elles sont sujettes au raisonnement tout ce qu’on peut faire em arithmètique er Géometrie. [...] Or les caracteres qui expriment toutes nos pensées, composeront une langue nouvelle, qui pourra estre écrite, et prononcée: cette langue sera très difficile à faire, mais très aisée à apprendre. Elle sera bien tost recue par tout le monde à cause de son grand usage, et de sa facilité [merveilleuse] <surprenante> <et elle servira merveilleusement à la communication de plusieurs peuples ce qui aidera à la faire receuvoir>.[...] [Cette langue sera le plus gran organe de la raison.] [...] J’ose dire que cecy est dernier effort de l’esprit humain, et quand le projet sera executé, Il ne tiendra qu’aux hommes d’estre heureux puisqu’ils auront um instrument qui ne servira pás moins à exalter la raison, que le Telescope ne sert à perfectionner la veue.” (LEIBNIZ in OC, p. 155 -157)

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aperfeiçoamento da língua alemã, constituição a posteriori3 de uma língua universal a partir das línguas naturais (a Gramática racional) e construção a priori 4 de uma linguagem simbólica (a characteristica universalis); paralelamente a este último programa, Leibniz desenvolve projetos de construção de uma Enciclopédia universal, com o objetivo de encontrar as noções mais simples do pensamento humano.

Na verdade, à medida que detalha a ideia de uma Linguagem universal, Leibniz define os passos a serem seguidos em direção ao seu objetivo. Compreende que para constituir o alfabeto do pensamento humano, que seria a base do vocabulário desta língua, é necessário analisar todos os conceitos e reduzi-los a termos primitivos. Em suas palavras,

Como eu me aplicasse a esse estudo [a língua universal] mais energicamente, caí forçosamente nesta contemplação admirável, que um certo Alfabeto do pensamento humano, poderia evidentemente ser imaginado, e que da combinação das letras desse Alfabeto e da análise das palavras, todas as coisas poderiam ser tanto descobertas quanto julgadas.5 (LEIBNIZ, ?)

Isto o leva a tentar desenvolver um tipo de inventário do conhecimento humano, o que resulta na construção da Enciclopédia universal.

Uma vez que tais termos primitivos estivessem explicitados e classificados, seria preciso criar caracteres apropriados para representá-los. Leibniz, então, se volta para a tentativa de concretização do que ele identifica como Característica universal. De igual forma, faz-se necessário estabelecer critérios para exprimir as combinações e relações dos termos primitivos:

que são ligados ao uso de simbolismos adequados inspirados na Álgebra denomina por

characteristica universalis ou characteristica realis, ou ainda caractéristique réele.

3 Segundo Pombo (1997) projetos de linguagens a posteriori são “[...] aqueles que, operando sobre materiais linguísticos já constituídos, tanto lexicais como sintáticos, os procuram combinar, reformar e/ou aperfeiçoar [...]” (POMBO, 1997, p. 29)

4 Pombo (1997) define projetos a priori como “[...] aqueles que supõem a invenção total de um

novo léxico e o estabelecimento das suas regras funcionais (seriam predominantemente deste tipo os projectos filosóficos) [...]” (POMBO, 1997, p. 29)

5 “Cui studio cum intentius incumberem, incidi necessario in hanc contemplationem

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Leibniz dedica-se a criar o que denomina Gramática racional. Em outras palavras, a verdadeira Linguagem universal pressupõe a elaboração da Característica universal e da Enciclopédia universal, e de uma Gramática racional.

Os projetos são desenvolvidos ora sucessiva, ora simultaneamente. Não são pensados como alternativos um em relação a outro, mas sim como complementares, quer seja quanto ao ponto de partida, quer quanto às suas finalidades. Com exceção dos trabalhos relativos à constituição de uma Gramática racional, que podem ser localizados em um tempo (de 1678 a 1685), os demais projetos são desenvolvidos ao longo de sua vida, e por meio de múltiplas estratégias. Além do fato de Leibniz não seguir uma investigação ordenada e unitária, ele explora diversos caminhos e abre diversas frentes de trabalho, mas não conclui a maior parte de seus projetos, relegando aos demais estudiosos a tarefa de avançar metodicamente.

O tema da pesquisa que apresentamos no presente trabalho consiste em investigar os caminhos percorridos por Gottfried Wilhelm Leibniz na tentativa de criação de tal Linguagem universal, e em especial, do que denomina Característica universal. Nesta perspectiva, abordamos uma de suas decorrências diretas, a Aritmética binária e apresentamos brevemente os projetos relativos à Gramática racional. Também examinamos alguns estudos desenvolvidos na Europa dos séculos XVII e XVIII a respeito de tal assunto, incluindo os que serviram de inspiração para Leibniz.

A partir da escolha do tema, definimos a pergunta que buscaríamos responder, qual seja, quais os pressupostos de Leibniz na defesa da criação de uma Linguagem universal, em especial, da Característica universal e de que forma este estudo foi por ele desenvolvido e aperfeiçoado?

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Embora esta língua dependa da verdadeira filosofia, ela não depende da sua perfeição. Quer dizer que esta língua pode ser construída, apesar da filosofia não ser perfeita: na medida em que a ciência dos homens crescer, esta língua crescerá também. Nessa perspectiva ela será de uma ajuda maravilhosa e usar aquilo que sabemos para tomar consciência daquilo que nos falta, e para descobrir os meios para alcançar tal objetivo, mas sobretudo poderá servir para eliminar as controvérsias nos assuntos que dependem do raciocínio. Porque então raciocinar e calcular serão a mesma coisa.6 (LEIBNIZ, ?)

Delineamos então, o objetivo principal do presente trabalho, qual seja, apresentar uma pesquisa sobre a Linguagem universal, em especial sobre a Característica universal e investigar os caminhos percorridos por Leibniz na tentativa de tal criação.

Do propósito principal decorrem como metas complementares: verificar e apresentar de que forma Leibniz desenvolve suas pesquisas na Aritmética binária, que, conforme explicitaremos, é a materialização na matemática, da Característica universal; e expor um breve relato sobre seus estudos relativos à Gramática racional.

O objeto de estudo ora proposto pode suscitar ao leitor questionamentos tais como: quais as motivações que nos levaram a escolher, dentre tantos autores, o pensador e filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz? E ao decidir por Leibniz, porque não optar em estudar o Cálculo Infinitesimal, seu trabalho mais celebrado, mas sim seu projeto no tema da Linguagem universal, particularmente no que diz respeito à characteristica universalis?

Com vistas a elucidar estas questões, é necessário retomar nosso histórico enquanto acadêmica.

Ao cursar o Mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, minha orientadora, Dra. Arlete de Jesus Brito, e eu, elegemos enquanto objeto de estudo, a Geometria Analítica segundo uma abordagem histórica.

6 “Cependant quoyque cette langue depende de la vraye philosophie, elle ne depend pas de sa

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Naquela ocasião, pudemos constatar que René Descartes pode ser considerado o criador da Geometria Analítica, ainda que Fermat tenha desenvolvido concomitantemente estudos que o levaram a alcançar princípios semelhantes. A constatação assim colocada deve-se ao fato de que a obra de Descartes teve maior divulgação que a de Fermat, além do que a simbologia usada por Descartes era de mais fácil compreensão que a de Fermat.

Ao compilar parte dos escritos de Descartes, averiguamos que a Geometria Analítica é apresentada como uma concretização matemática do método proposto por ele no Discurso do Método. Ali, Descartes (1985, p. 23) afirma que “[...] o método é necessário para a procura da verdade.” Ele acredita que é preciso encontrar um novo caminho para a Filosofia e dar-lhe uma estrutura de absoluta segurança, o que seria obtido encontrando um método eficiente. Foi a primeira vez que nos deparamos com a questão da busca de um método que permitisse encontrar a verdade nas ciências. Nas leituras realizadas verificamos que Leibniz, depois de Descartes, segue nesta procura.

Na investigação atual, pudemos constatar que a busca por este método se traduz em Leibniz como a criação de uma Linguagem universal, e que este estudioso desempenha papel preponderante nas discussões da época. Assim, no intuito de retomar este indicativo ao qual chegamos durante o Mestrado, decidimos por investigar os estudos leibnizianos acerca deste tema.

É importante lembrar que nosso trabalho adquire relevância e potencial contribuinte para a produção científica nacional uma vez que pode provocar discussões na academia sobre assunto que foi predominante nas pesquisas entre os eruditos por mais de um século, a Linguagem universal. E, não obstante a produção intelectual acerca do assunto tenha se mostrado vasta naquele período, pouco tem sido pesquisado e quase nada tem sido produzido acerca do tema no meio acadêmico brasileiro, especialmente na área de Educação Matemática.

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e artigos a este respeito, apesar do assunto ter permeado grande parte dos estudos que Leibniz realizou durante sua vida e deles terem resultado seus principais trabalhos em matemática.

Feitas estas considerações e para situar o leitor, faremos a seguir uma exposição sucinta sobre as motivações que levam Leibniz à tentativa de criar uma Linguagem universal e, consequentemente, em relação à Característica universal.

Na concepção de Leibniz, por serem vagas, as palavras da língua corrente frequentemente conduzem ao erro. Ele observa as notae7 utilizadas

pelos aritméticos e algebristas e deduz que elas são o que de melhor existe para as pesquisas. Inspirado nesta simbologia, Leibniz imagina que é possível criar uma linguagem de tal forma que por meio dela se torne viável verificar a validade de ideias conhecidas e descobrir novas verdades. Em um manuscrito datado de 1679 que, escreve ele

[...] como eu tenho a sorte de melhorar consideravelmente a arte de inventar ou analisar dos matemáticos, eu tenho começado a ter algumas vezes novos pontos de vista, para reduzir todo o raciocínio humano a uma espécie de cálculo, que servirá para descobrir a verdade. [...] este método servirá como em Matemática, para nos aproximar tanto quanto pudermos ao ponto de partida para raciocinar e determinar exatamente o que é o mais provável.8 (LEIBNIZ, 1679)

O método a que se refere Leibniz trata-se da characteristica universalis, que vai além do ideal da criação de uma Linguagem universal facilitadora da comunicação: ela permite uma espécie de calculus e, uma vez concluída,

7 De acordo com Bacon no De Augmentis, “As notae rerum, que significam as coisas sem a

obra e o intermédio das palavras são de dois tipos: um baseado na analogia outro na convenção. Do primeiro tipo são os hieróglifos e os gestos, do segundo tipo os caracteres reais de que falamos [...]. Ocorre que hieróglifos e gestos tem alguma semelhança com a coisa significada: são uma espécie de emblema, e por essa razão os chamamos notas [...]” (BACON apud ROSSI, 1992, p. 274). Devemos observar que a tradução de notas para o latim é notae. Então, o termo notae significa símbolos ou emblemas.

8 “Et comme j’ay eu le bonheur de perfectionner considerablement l’art d’inventer ou analyse

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possibilita a construção de demonstrações em toda filosofia. No manuscrito

Projet et Essais pour arriver à quelque certitude pour finir une bonne partie dês disputes et pour avancer l’art d’inventer (Projeto e ensaio para se chegar a alguma certeza e para dar fim à maior parte das disputas e avançar na arte de inventar), de 1686, ele comenta que,

[...] por este método chegar-se-ia não unicamente a um conhecimento sólido sobre várias verdades importantes, mas que além disso atingiríamos [uma] Arte de inventar admirável e uma análise que faria algo de semelhante noutras matérias, ao que a Álgebra faz em relação aos Números.9 (LEIBNIZ, 1686)

De acordo com Rossi (2004), o projeto leibniziano de criar uma Linguagem, é fundamentado em três princípios básicos:

1. As ideias podem ser analisadas e é possível descobrir aquele alfabeto dos pensamentos que é constituído pelo catálogo das noções simples ou primárias;

2. As ideias podem ser representadas simbolicamente;

3. É possível configuração simbólica das relações entre ideias e, mediante regras adequadas, é possível proceder para a sua combinação. (ROSSI, 2004, p. 332)

Em outras palavras, para edificar tal língua primeiramente seriam elaboradas listas das noções primitivas ou essenciais do pensamento, para em seguida atribuir símbolos ou caracteres a tais noções, de forma que estes caracteres fossem utilizados em combinações lógicas que dariam origem à Linguagem universal. Para Couturat (1901), é aí que se encontra a originalidade de Leibniz, ou seja, em expressar por meio de signos convenientes as noções simples, e por operações entre estas, noções complexas.

9 “[...] par ce moyen on n’arriveroit pás seulement à une connoissance solide de plusieurs

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Na busca por tais caracteres, Leibniz toma por princípio que eles devem denotar, tanto quanto possível, a natureza das coisas. Leibniz exemplifica esta ideia, em carta destinada a Henry Oldenburg (1618-1677), considerando que nesta língua o nome que

[...] se atribuir ao ‘ouro’ será a chave de todos os conhecimentos que pela natureza humana se podem obter, posto que, do exame desse nome, se revelarão quais as experiências que com ele devem ser estabelecidas racionalmente.10

(LEIBNIZ, ?)

Para Yates (2004), “[...] os signos e caracteres significantes da

characteristica de Leibniz eram símbolos matemáticos [...]” (YATES, 2004, p. 470).

Em fragmento de 1688, intitulado On symbols and the characteristc art

(Sobre os símbolos e a arte característica), Leibniz define símbolo, arte característica, expressão e lei das expressões da seguinte forma:

Eu chamo símbolo um sinal visível que representa pensamentos.

A arte característica é a técnica de formar e ordenar símbolos

de modo que eles reproduzam pensamentos, ou seja, de modo que eles tenham a mesma relação um com outro que os pensamentos têm.

Uma expressão é um agregado de símbolos que representa a

única coisa que é expressa.

A lei das expressões é esta: assim como a ideia de que uma

coisa para ser expressa seja composta de ideias dessas coisas, a expressão de uma coisa é composta destes símbolos para essas coisas.11 (LEIBNIZ, 1688)

10 “Nomen tamem quod in hac língua imponetur, clavis erit eorum omnium quae de auro

humanitus, id est ratione atque ordine sciri possunt, cum ex eo etiam illud appariturum sit, quaenam experimenta de eo cum ratione institui debeant.” (LEIBNIZ in GP VII, p. 13)

11 “I call a symbol a visible sign representing thoughts.

The characteristic art is thus the art of forming and ordering symbols so that they reproduce thoughts, i.e. so that they have the relation to each other that thoughts have to each other.

An expression is an aggregate of symbols representing the thing which is expressed.

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Para Leibniz, um símbolo é tão mais útil quanto mais próximo estiver da coisa a que se refere. Ele define ‘coisa’ como ‘o que pode ser pensado’, e considera que a linguagem para nomear as coisas deve estar tão próxima da realidade, como havia estado àquela utilizada por Adão, cuja gênese foi perdida.

Nesse sentido, na obra As palavras e as coisas, Foucault (2010) analisa uma ideia muito importante para a época, que era consenso geral, de que as palavras mais ocultam do que revelam as coisas.

Este filósofo analisa que “[...] sob sua forma primeira, quando foi dada aos homens pelo próprio Deus, a linguagem era um signo das coisas absolutamente certa e transparente, porque se lhes assemelhava.” (FOUCAULT, 2010, p. 49). A ideia defendida por Foucault é que, segundo a tradição hermética, o nome realmente representa o essencial do que a coisa é, pois eles são depositados por Deus sobre aquilo que designam. Ocorre que “essa transparência foi destruída em Babel para punição dos homens. “[...] As línguas foram separadas umas das outras e se tornaram incompatíveis [...]” (FOUCAULT, 2010, p. 49). A partir de então, com diversas línguas instituídas, as marcas da nomeação se perdem e os nomes das coisas passam a ser mera convenção.

Especialmente no século XVII e início do século XVIII, os estudiosos vêem em tal questão um problema para o avanço do saber e entendem que se faz necessário criar uma Linguagem universal que elimine a confusão das línguas naturais e supere suas imperfeições. Dentre os diversos eruditos que defendem essa ideia podemos citar Seth Ward (1617-1689), professor de astronomia em Oxford. Rossi (2004) comenta que ele via

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Robert Boyle (1627-1691), filósofo, químico e físico irlandês, igualmente comunga com esta ideia. Em carta escrita em março de 1647, dirigida a Samuel Hartlib (1600-1662), Boyle afirma que, assim como a matemática obteve um caráter interlinguístico, seria possível construir uma linguagem composta por caracteres reais. Alega que

[...] se o projeto de um Caráter Real conseguir chegar a efeito poderá restituir ao gênero humano aquilo que veio a perder por causa de seu orgulho na época da Torre de Babel. E na verdade, posto que os nossos caracteres aritméticos são compreendidos do mesmo modo por todas as nações da Europa...não vejo a impossibilidade de fazer com as palavras aquilo que já fizemos com os números (BOYLE apud ROSSI, 2004, p. 295)

John Wallis (1616-1703), matemático britânico, por sua vez, também não fica alheio à discussão em torno da linguagem e da escrita. Fazendo referência a tais questões em sua obra De álgebra (Sobre a álgebra), trata do problema da escrita em geral e também da escrita oculta. O autor foi um dos cultores da álgebra e considera os caracteres utilizados nessa parte da matemática um aspecto particular do problema dos sinais, das cifras e das escritas. Na obra

Mathesis universalis (Ciência Universal), de 1657, dentre outros assuntos, enumera as vantagens que as técnicas dedicadas ao fortalecimento da memória oferecem para o matemático.

Devemos lembrar que, os eruditos que se dedicam a essa busca consideram que essa nova língua será artificial, pois será construída utilizando um artifício humano dado por Deus, a razão, entidade que possibilita ao homem obter o conhececimento das coisas e dele se apropriar.

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Todos que falarem ou escreverem sobre qualquer assunto, pela própria habilidade da língua, concebem não somente as palavras, mas também as ciências. O nome de cada coisa, nesta língua, será a chave de todas as coisas que devam ser ditas, pensadas e nomeadas com a razão sobre a questão.12 (LEIBNIZ, ?)

A propósito, a busca por tal linguagem se confunde, ao longo do tempo, com a tentativa de encontrar um método que trouxesse a verdade à filosofia ou, em termos atuais, às ciências. Trata-se de um assunto averiguado por vários estudiosos, em diferentes momentos da história da humanidade.

Citaremos alguns autores que se debruçaram sobre o tema e seus trabalhos, naturalmente nos desobrigando de abranger todos os aspectos por estes tratados e com mais razão, nos reservando da tarefa de alcançar todos aqueles que o fizeram.

A origem da busca pela Linguagem universal, segundo Gaukroger (2002), remete-nos a Aristóteles (384 a.C-322 a.C.) e a Proclos (412-485). A fonte mais provável de que se tem registro formal, no entanto, ainda segundo o filósofo e historiador britânico, é precisamente a Ars Magna (Grande Arte), de 1305, de autoria de Ramon Lull (1232-1315). Após o falecimento de seu autor, a Ars Magna cai no esquecimento. Somente em 1526, Cornelius Agrippa (1486-1535) retoma o projeto na obra De incertitudine et vanitate scientiarum et artium atque excellentia verbi Dei, declamatio invectiva (Sobre a incerteza e a futilidade das ciências e das artes, e da excelência da palavra de Deus: uma declamação injuriosa), editada e publicada em 1531, a qual, mais tarde, vem a fazer parte da base literária da Irmandade Rosa-Cruz. O autor belga Adrianus Romanus (1561-1615), na obra Apologia pro Archimede (Apologia para Arquimedes), de 1597, desenvolve detalhadamente a ideia de uma mathesis universalis.

No século XVII e início do século XVIII, a tentativa da criação de uma língua artificial atrai diversos estudiosos. Dentre eles, podemos citar Francis Bacon (1561-1628) e João Amós Comênio (1592-1670), que inspiram

12 “Quicunque de aliquo argumento loqui aut scribere volt, huic ipse linguae genius non tantum

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fortemente os demais eruditos. Também adquirem importância considerável nesse estudo René Descartes (1596-1650) com a procura de uma mathesis universalis, e o próprio Leibniz.

Bacon, em particular, colabora para a continuidade dos estudos nesta área. Ele pode ser apontado como um dos eruditos que contribui para que os estudos filosóficos naquela época tenham tomado esta direção. Apesar de não ter desenvolvido projetos específicos, o filósofo e ensaísta inglês defende a ideia da criação de uma língua universal acreditando que os diferentes idiomas representam um entrave para a fiel descrição de fatos e de forças da natureza. Ele se contrapõe ao pensamento de Galileu, para quem só seria possível compreender o universo entendendo a língua e conhecendo os caracteres com os quais ele está escrito.

Galileu defende a ideia de que o universo se expressa através da linguagem matemática, cujos caracteres, segundo ele, são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas. Por sua vez, Bacon acredita que a linguagem matemática não está na natureza, posto que constitui criação do homem, e imagina que para se chegar ao conhecimento, é preciso decifrar as marcas deixadas por Deus. Assim, Bacon e seus seguidores presumem que o segredo não está na escrita, mas sim na imagem, motivo que leva tal associação de estudiosos ser considerada, para não dizer mais, emblemática.

Essa sociedade defende o uso de ideogramas para comunicação e assegura que o seu uso privilegia a memória, já que, uma vez tendo sido apreendido seu sentido, a fonética correspondente a tal ideograma pode não ser imediatamente recordada, mas o significado estará nele impresso e por isso será facilmente recuperado.

Além disso, segundo o grupo baconiano, mesmo que sejam utilizados diferentes idiomas, as pessoas poderão se comunicar. Segundo Eco (2001) Bacon comenta que

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Outro estudioso que tem papel relevante na defesa da criação de uma língua universal artificial é João Amós Comênio, cientista, educador e escritor da Boêmia.

Comênio desenvolve suas investigações nos Reinos Germânicos, onde finaliza sua formação acadêmica, e na Inglaterra. Ali, retoma e aprofunda as observações baconianas a respeito dos caracteres reais, defendendo que os estudos se voltem para a descoberta de uma linguagem real que não seja apenas mais uma maneira de se comunicar, mas que permita desvelar o pensamento e as verdades próprias de cada coisa.

Neste sentido, o educador boêmio assume que, se é possível adaptar os conceitos às formas das coisas, também é possível adaptar a linguagem a expressões e conceitos exatos e precisos (os caracteres chineses seriam um exemplo desta proposta pois representam as coisas diretamente). Assim como Bacon, Comênio acredita na exequibilidade de seu intento. Segundo seu pensamento, é urgente a criação de uma nova língua pois a multiplicidade das línguas causa confusão e representa o maior obstáculo para a disseminação da lux (luz) e para o alcance da pansofia13 entre os povos.

Descartes, defende suas ideias a respeito da mathesis universalis em sua obra Discours de la methode – Pour bien conduire sa raison, e chercher la verité dans les sciences (Discurso do Método – Para bem conduzir a razão e encontrar a verdade nas ciências), de 1637, e apresenta a materialização destes preceitos na matemática no apêndice intitulado La Geometrie.

O filósofo francês demonstra uma postura diversa em relação ao projeto da criação de uma língua universal, muito embora a matemática criada por ele tenha contribuído para o estabelecimento de uma atmosfera favorável a este projeto.

13 Rossi (2004) comenta que Comenius se dedica à busca “[...] de um método, de uma lógica e

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Figura 1 - Folha de Rosto da primeira edição do Discurso sobre o método, de 1637 e seu autor.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Discurso_sobre_o_M%C3%A9todo> Acesso em 03.01.2014

Em carta de 1629 enviada a Marin Mersenne (1588-1648), Descartes descreve as características e finalidades de uma língua filosófica, afirmando que é possível estabelecer uma ordem de todos os pensamentos que podem penetrar no espírito humano, da mesma forma que existe uma ordem estabelecida entre os números. A dificuldade em fazê-lo reside em que, para enumerar e ordenar todos os pensamentos da humanidade é necessário construir a verdadeira filosofia, uma vez que elencar as ideias simples depende de uma listagem ordenada de todos os pensamentos, tarefa, segundo ele, impossível de ser concebida.

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Enciclopédia. Nesta obra estariam reunidas todas as artes e ciências conhecidas. Comentando a carta que Descartes enviou a Mersenne, Leibniz escreve que:

Embora esta língua dependa da verdadeira filosofia, ela não depende da sua perfeição. Quer dizer que esta língua pode ser construída, apesar da filosofia não ser perfeita: na medida em que a ciência dos homens crescer, esta língua crescerá também. Nessa perspectiva ela será de uma ajuda maravilhosa, usar aquilo que sabemos para tomar consciência daquilo que nos falta, e para descobrir os meios para alcançar tal objetivo, mas sobretudo poderá servir para eliminar as controvérsias nos assuntos que dependem do raciocínio. Porque então raciocinar e calcular serão a mesma coisa.14 (LEIBNIZ, ?)

As primeiras ideias sobre Linguagem universal se encontram na primeira obra de Leibniz, escrita em sua juventude no ano de 1666, intitulada Dissertatio de Arte Combinatoria (Tratado sobre a arte das combinações, ou, Tratado sobre a ciência das combinações). Leibniz se refere a este trabalho em diversas oportunidades, asseverando que nele estão contidas as ideias primordiais acerca da Característica universal. No Projet et Essais pour arriver à quelque certitude pour finir une bonne partie dês disputes et pour avancer l’art d’inventer, referindo-se ao De Arte Combinatoria, esclarece que

Foi há mais de vinte anos que eu [desenvolvi um projeto admirável] encontrei a demonstração desta noção importante, e que descobri um método que nos leva infalivelmente à análise geral dos conhecimentos humanos. [fiquei surpreso que os homens o tenham negligenciado] como pode ser verificado através dum pequeno tratado que eu fiz imprimir àquela altura, onde se encontram algumas coisas que denunciam o jovem homem e o aprendiz, mas cujo fundamento é bom, e construi a

14

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partir disso tanto quanto outros assuntos e distrações me permitiram.15 (LEIBNIZ, 1686)

Figura 2 - Folha de Rosto da primeira edição do Dissertatio de Arte Combinatoria, de 1666, e seu autor.

Fonte: <http://www.rarebookroom.org/Control/leiart/index.html> e <http://www.ime.unicamp.br/~calculo/history/leibniz/leibniz.html> Acesso em 03.01.2014.

Nos séculos posteriores, diversos estudiosos dão continuidade às pesquisas antes empreendidas por Leibniz. Podemos citar filósofos como Gottlob Frege (1848-1915), Giuseppe Peano (1858-1932) e Bertrand Russel (1872-1970) que fizeram estudos sobre este assunto.

Passamos agora a explicitar nossas escolhas metodológicas justificando alguns pontos de vista adotados, e a expor a trajetória percorrida para elaboração do presente texto.

15 “Il y a plus de 20 ans que je [me fis un projet admirable] trouva la demonstration de cette

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Quanto ao método de abordar a história, nos aliamos às concepções defendidas por Alfonso-Goldfarb (2008) no trabalho Centenário Simão Mathias: Documentos, Métodos e Identidade da História da Ciência. Assim como a autora, entendemos que “[...] é sempre recomendável para um bom trabalho [...]” (ALFONSO-GOLDFARB, 2008, p. 07) em história da ciência, articular três esferas de análise: a esfera epistemológica, a esfera historiográfica e a esfera contextual-histórica.

Neste sentido, admitimos que,

A primeira dessas esferas se refere aos aspectos intrínsecos das teorias e práticas científicas sob estudo, combinando a crítica textual (assumida a partir de um modelo filológico) e a análise teórico-contextual interna ao texto (através da análise epistêmica de seus principais conceitos e argumentos). A segunda, uma esfera propriamente historiográfica, concerne às várias formas através das quais já se analisou um determinado problema, documento. Finalmente, a terceira diz respeito ao contexto propriamente histórico, com destaque para as circunstâncias sob as quais foi elaborada a documentação em análise (ALFONSO-GOLDFARB et al, 2013, p. 45)

Estas três esferas de análise nortearam a nossa pesquisa e foram articuladas resultando na seguinte estrutura: a presente introdução; um primeiro capítulo que trata da história pessoal de Leibniz, abrangendo a esfera contextual histórica; um segundo capítulo que traz informações sobre a busca de uma Linguagem universal nos séculos XVII e XVIII, compreendendo a esfera historiográfica; e um terceiro capítulo contendo alguns projetos que inspiram Leibniz e uma apreciação sobre seus feitos em termos de Linguagem universal, em especial na Característica universal, comportando aspectos intrínsecos da teoria com análise epistemológica e filológica. Em seguida registramos as referências bibliográficas.

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seguida, ainda neste primeiro capítulo, abordamos indícios da educação que recebe e que pode tê-lo influenciado a desenvolver sua filosofia tendo por base o pensamento aristotélico/platônico. Para tanto, em primeiro lugar averiguamos as contribuições recebidas de seus pais e, por conseguinte, elucidamos alguns aspectos a respeito de sua educação formal: em quais escolas e universidades estuda, a que correntes filosóficas está sujeito e que mestres inspiram seus questionamentos e convicções. Apresentamos a classificação do conhecimento proposto por Bacon. Expomos ainda em linhas gerais algumas dessas ideias, as atividades profissionais que desenvolve e relatamos brevemente alguns de seus trabalhos filosóficos.

No segundo capítulo realizamos um levantamento historiográfico e examinamos as possíveis causas que direcionam os estudos daquela época, e não de outra, para a tentativa da criação de uma Linguagem universal. Para tanto, descrevemos e analisamos brevemente as mudanças relativas à forma de obter o conhecimento entre os séculos XVI e XVII, ocorridas na comunidade científica europeia, fato este que propicia a busca de uma Linguagem universal. Tomamos o cuidado de verificar a concepção de diferentes estudiosos, bem como fatores internos e externos à ciência da época. Analisamos, então, possíveis motivações para que este estudo tenha se desenvolvido por tantos estudiosos e por tão longo período. Apresentamos algumas ideias de Bacon e Comênio a respeito de tal tema e examinamos de que forma eles defenderam a ideia da criação de uma Linguagem universal, uma vez que estes dois personagens contribuíram de forma decisiva para que outros investigadores se dedicassem a projetos similares.

No terceiro capítulo, investigamos mais detidamente os delineamentos da ideação da Característica universal, uma das propostas levantadas por Leibniz no percurso em direção à tentativa da criação de uma Linguagem universal. Elencamos as motivações e os argumentos que utiliza em defesa de sua tese. Expomos, em seguida, o ensaio presente em sua primeira obra

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deu conta da necessidade de criar um sistema de regras lógicas. Desvendamos, então, seus pressupostos no aperfeiçoamento da Aritmética binária, uma das mais destacadas concretizações da characteristica universalis. Por fim, tecemos algumas considerações a respeito de nossa pes-quisa.

A última parte do trabalho lista nossas referências bibliográficas.

Quanto ao modo de tratar a História, levamos em conta que é importante, ao estudarmos algum assunto pertencente ao passado, tentar nos despir dos pré-conceitos que temos, ou que pensamos ter, e tratar as ideias que pareçam estranhas e obsoletas com igual respeito que temos pelas ideias que hoje fazem parte de nossa cultura. Nas palavras de Rossi

Jamais se deve, como se fazia segundo os cânones da historiografia positivista, conceber o crescimento do pensamento científico como constituído por uma multidão de semianalfabetos da qual emergem milagrosamente defensores das verdades hoje codificadas. (ROSSI, 1992, p. 339).

Saliente-se desde já que, muito embora as crenças nas quais se baseiam as comunidades científicas de outrora pareçam guardar certa incompatibilidade com o que se admite atualmente, as teorias delas decorrentes não deixam de ser científicas. De igual forma, deve-se ter em vista que as teorias tidas como corretas atualmente, provavelmente não o serão em uma época futura. Thomas Kuhn (1992) 16 leva em consideração esta concepção de transcendência dos tempos em obra publicada há mais de quarenta anos, A estrutura das revoluções científicas. Ao se referir aos historiadores da ciência, Kuhn afirma que

[...] em vez de procurar as contribuições permanentes de uma ciência mais antiga para nossa perspectiva privilegiada, eles procuram apresentar a integridade histórica daquela ciência a partir de sua própria época (KUHN, 1992, p.22).

16 Frisamos que neste trabalho não nos alinharemos com a concepção de paradigma científico,

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O autor sustenta este ponto de vista afirmando que, de acordo com ela, as ideias de Galileu não devem ser estudadas em comparação com as concepções adotadas pela ciência moderna, mas sim em relação às partilhadas por seu grupo, seus contemporâneos e sucessores imediatos.

Para evitar anacronismos tentamos articular o aspecto epistemológico com o contexto histórico, como recomenda Alfonso-Goldfarb (2008), pois para ela os anacronismos cometidos ao se fazer história da ciência decorrem em grande parte da falta de articulação entre estes aspectos.

Ainda, em relação à completa fidelidade dos acontecimentos históricos, consideramos assim como Lima (2006), que por sermos “[...] criaturas históricas, não podemos deixar de ser parciais. Por mais arraigada que a quimera positivista se mantenha, ela empobrece a escrita da história. A exatidão é, muitas vezes, sinônimo de superficialidade.” (LIMA, 2006, p. 95). É preciso entender que uma exposição totalmente transparente e imparcial dos fatos históricos torna-se inatingível, uma vez que a verdade historiográfica é condicionada à ação de um agente, que interpreta os fatos e estabelece critérios para a consumação do trabalho.

Por sua vez, Dias (2012), baseado em (1990), Ginzzburg (1989), Ferreira (1998) e Portelli (1996), comenta que a partir da década de 1970, a ampliação do conceito de fonte histórica adquire relevância, deixando de ser vista “[...] ancorada na analogia da água que brota da pedra ou da terra, inodora, insípida, incolor, transparente, cristalina, límpida para saciar a sede de informações históricas do historiador.” (DIAS, 2012, p. 303). Assim, o poder de prova atribuído a documentos diminui, importando mais ter em conta que perguntas foram feitas em função dos problemas enfrentados pelo historiador e em que se apoia para interpretar seus achados, além das respostas a que chega.

Também consideramos, assim como Foucault (2002) na obra

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conjuntos e séries; distinguindo o que é pertinente ou não. Diferentemente do que ocorria outrora, atualmente a história encara o documento como na arqueologia, reconstruindo-o, acompanhando sua vibração em sua própria época. Dessa forma o conhecimento não é retratado como algo que se desenvolve em direção a uma perfeição constante, segundo a qual a ciência atual se considera superior à antiga.

Feito estes esclarecimentos, entendemos ser oportuno tecer algumas considerações no sentido de esclarecer o fato de que, em um programa de pós-graduação em Educação Matemática, estejamos apresentando uma tese cujo conteúdo diz respeito à História da Matemática.

Em primeiro lugar, é salutar lembrar que, atualmente, a História da Matemática enquanto componente curricular faz parte, senão da totalidade, da maior parte dos currículos tanto de cursos de Extensão quanto de Formação de Professores, além de cursos de Pós-graduação em Matemática ou Educação Matemática. Reconhecer a relevância da inserção de conteúdos da História da Matemática em tais cursos é ter consciência da importância de que os professores e futuros professores tenham conhecimento de como foi e como vem sendo produzido o saber matemático.

Em contrapartida, consideramos que, além de constar como uma disciplina da estrutura curricular, a participação orgânica da História da Matemática nas disciplinas de conteúdo específico adquire relevância uma vez que se levando em conta a história, resta potencializada a capacidade de compreensão e apreensão de conteúdos da matemática e, por conseguinte, otimizadas as ações pedagógicas futuras levadas a efeito pelo professor. É o que Miguel e Brito (1996) comentam no artigo A história da matemática na formação do professor de matemática. Eles afirmam que “[...] por meio dela (história nas disciplinas) o licenciado seria beneficiado, uma vez que lhe seria dada oportunidade de construir os seus conhecimentos de matemática dentro de um perspectivo histórico e sócio cultural”. (MIGUEL, BRITO, 1996, p. 50).

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A produção gerada na pesquisa [em história da matemática] poderá se constituir em contribuições importantes para que os professores de Matemática possam contar com mais uma possibilidade didática no processo de construção significativa do conhecimento matemático por meio de situações didáticas e atividades para o ensino de Matemática apoiado no uso dos materiais produzidos nas pesquisas em história da Matemática no Brasil [...] (MENDES, 2012, p. 89)

No que diz respeito ao assunto tratado no presente trabalho, por se tratar de um tema pouco discutido atualmente, o material se encontra em obras complexas e muito volumosas, em outros idiomas – muitas vezes em latim, dificultando a pesquisa para preparações de atividades pedagógicas. Recorrentemente tais obras abordam o tema de forma fragmentada, nem sempre com explicações suficientes ou diretas para uma rápida compreensão.

Então levando em consideração estas questões, entendemos ser pertinente trazer um trabalho que inclua História da Matemática dentro de um programa de pós-graduação em Educação Matemática.

Decidido o tema, os objetivos, as escolhas metodológicas e a forma que daríamos ao texto, partimos então em busca do material bibliográfico que daria suporte a nossa pesquisa: fragmentos de textos, cartas, livros, teses, dissertações, periódicos, artigos de revistas científicas além de conteúdo disponível na rede mundial de computadores. Utilizamos como arquivos em nossas pesquisas sítios eletrônicos de universidades, de bibliotecas, acadêmicos e especializados nos estudos leibnizianos, nacionais e de outros países. Empregamos para nossa pesquisa tanto fontes primárias quanto fontes secundárias.

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Leibniz, bem como os textos que encontramos escritos em inglês.

Dois editores em particular tornaram-se basilares para a construção da presente pesquisa. São eles Carl Immanuel Gerhardt (1816-1899) e Louis Couturat (1868-1914). Ambos publicaram obras que reúnem cartas, fragmentos de textos e textos completos de Leibniz, transcritos literalmente, ou seja, em latim ou em francês, que adquirem suma importância para quem se dedica a estudar a obra de Leibniz.

Filósofo, matemático e linguista francês, Couturat publicou as obras

Opuscules et fragments inédits de Leibniz: extraits des manuscrits de la Bibliothèque royale de Hanovre (Opúsculos e fragmentos inéditos de Leibniz: extratos dos manuscritos da Biblioteca Real de Hanôver), publicada em volume único no ano de 1903, em Paris, que contém transcrições de manuscritos retirados das obras de Gerhardt; e La logique de Leibniz: d'après des documents inédits (A lógica de Leibniz: a partir de documentos inéditos), de 1901, também em volume único, que contém uma análise criteriosa da lógica de Leibniz bem como algumas transcrições de manuscritos, alguns extraídos dos livros de Gerhardt.

O editor alemão Gerhardt deteve-se em extensos volumes contendo as transcrições dos escritos de Leibniz, reunidos em duas obras. São elas Die Philosophischen Schriften von Gottfried Wilhelm Leibniz (Escritos Filosóficos de Leibniz), publicada em sete volumes, entre 1875 e 1890, em Berlim; e a igualmente importante Leibnizens mathematische Schriften (Escritos Matemáticos de Leibniz), publicada em sete volumes, aos quais se somou um último livro denominado Der Briefwechsel von Gottfried Wilhelm Leibniz mit Mathematikern (A Correspondência entre Gottfried Wilhelm Leibniz e Matemáticos), todos publicados em Berlim entre 1849 e 1899. Salientamos que não é necessário conhecer a língua alemã para utilizar estes livros uma vez que os manuscritos transcritos estão ou em latim, ou em francês.

Quando nos referimos, em citações, aos textos de Leibniz contidos nas obras destes dois autores consideramos que são fontes primárias, uma vez que são transcrições dos escritos de Leibniz.

Vale comentar que os manuscritos de Leibniz permaneceram durante quase cento e cinquenta anos em poder da Königlichen Bibliothek zu Hannover

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Atualmente a administração dessa biblioteca está gerenciando a catalogação sistemática e a publicação, inclusive na rede mundial de computadores, de seus escritos tornando acessíveis a pesquisadores de todo mundo. São disponibilizados para consulta pela Biblioteca de Gottfried Wilhelm Leibniz do Estado da Baixa Saxônia, em espaço denominado Coleções Digitais de Leibniz, no sítio eletrônico http://www.leibnizcentral.de/. A biblioteca, dedicada às obras de seu patrono que lhes nomina, foi fundada oficialmente em 1943, e conta com aproximadamente 1,6 milhões de volumes e 8.000 periódicos. Em honrosa tarefa, a biblioteca mantém muitos arquivos digitalizados com os manuscritos originais de Leibniz, obras de fundamental importância para a história da ciência e para todos aqueles que buscam fontes seguras e legítimas.

Enquanto fonte secundária, em relação ao trabalho de Leibniz, consideramos os textos de historiadores e comentadores de seus estudos, tendo o cuidado de conferir as informações constantes em diferentes fontes de uma mesma época, procurando minimizar a influência das concepções ideológicas de seus autores. Também são fontes secundárias as informações que obtivemos por meio de livros e textos sobre o panorama da época e sobre a história pessoal de Leibniz.

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1 Leibniz: a trajetória de um polímata.

Nesta primeira parte do texto, buscamos reconstruir historicamente a vida e a obra de Leibniz. Tivemos o cuidado de verificar as circunstâncias segundo as quais foram elaboradas suas teorias e de observar a trajetória de seus estudos além de averiguar possíveis motivos que o levaram a se dedicar ao tema Linguagem universal. Trazemos também um breve relato sobre suas atividades profissionais.

1.1 Um pouco de sua história

Gottfried Wilhelm Leibniz nasce e morre na região conhecida atualmente como Alemanha, onde passou a maior parte de sua vida. É registrado com o nome Gottfried Wilhelm Leibnütz,e aos vinte anos, não se sabe exatamente por qual motivo, mais tarde passa a se identificar como Leibniz. Ross (1984), comenta este fato afirmando que “Leibniz mudou a forma de seu nome de ‘-ütz’ para ‘-iz’: ele nunca usou a forma ‘-itz’, que se tornou a normal em sua vida e só recentemente saiu de moda.” (ROSS, 1984, p. 11). Chega ao mundo em 1º de julho de 1646, na cidade luterana de Leipzig, localizada na região da Saxônia, que na época fazia parte do Sacro Império Romano-germânico e é provável que alguns aspectos religiosos, sociais e políticos destes territórios tenham influenciado suas ideias. Vem a falecer após setenta anos, em 14 de novembro de 1716 na cidade de Hanôver, depois de ter passado uma semana acamado, vítima de gota. Essa doença é conhecida como a doença dos reis ou

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O Sacro Império Romano-Germânico era composto por uma infinidade de lugarejos submetidos a diferentes formas de domínio, dentre as quais reinados, principados, ducados, eleitorados e condados. Vigente do século XIII ao início do século XVII englobava os países atualmente conhecidos como Alemanha, República Tcheca, Suíça, Áustria, Liechtenstein, Bélgica, Luxemburgo, Eslovênia, Países Baixos, parte da Polônia, França e Itália.

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dos Trinta Anos é um dos mais violentos conflitos da história da humanidade, causando cerca de oito milhões de mortes e deixando para trás um território arrasado, especialmente a parte que equivale à atual Alemanha. Cidades e aldeias inteiras desaparecem e inúmeras propriedades são destruídas. Muitos sobreviventes deixam a região no intuito de reconstruírem suas vidas em outro lugar.

Leibniz chega ao mundo neste ambiente – ele nasce dois anos antes do fim da Guerra dos Trinta Anos. Naquele momento, não há, portanto, o que possa ser chamado de nação alemã, o conjunto de localidades que vem a constituir esta nação encontra-se dividido e enfraquecido. Cabe frisar que a unificação da Alemanha enquanto Estado Nacional consuma-se apenas no ano de 1871 e, antes disso, apesar de haver povos compartilhando a língua e os costumes alemães, não se pode falar em estado alemão. Devemos levar em consideração que uma situação como esta não muda rapidamente. Disto se infere que Leibniz vive num ambiente de conflitos no qual não pode vislumbrar uma coexistência pacífica entre as diferentes crenças religiosas. Provavelmente, esta situação o motiva a basear sua filosofia num ideal de união e paz.

Atualmente Leibniz é considerado um polímata, ou, como é chamado pelos alemães: um universalgenie (gênio universal). Conforme o pensamento de Dilthey, Leibniz, assim como Platão e Aristóteles realiza a missão suprema da filosofia, qual seja, a de elevar “[...] a cultura duma época à consciência de si mesma e à clareza sistemática, aumentando o poder desta cultura [...]”. (DILTHEY, 1947, p. 35).

Considerá-lo um polímata se justifica pelo fato de que, durante sua vida, desenvolve teorias abrangendo diversos temas, legando importantes contribuições ao que hoje conhecemos como matemática, filosofia, lógica, física, direito, política, mecânica, metafísica, lingüistica, teologia e história. Tal como é comum na literatura, utilizamos uma classificação atual para identificar seus estudos.

No que se refere à segmentação das áreas do conhecimento, Francis Bacon (1561-1628) na obra, The Advancement of Learning17 (O progresso do

17 O título original completo da obra é The proficience and advancement of learning: divine e

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conhecimento), de 1605 apresenta ao longo do texto uma nova categorização, para a época, com relação às ciências, além de defender a excelência do conhecimento. Ele adota quatro critérios para classificar o conhecimento. O primeiro critério leva em conta a memória, a imaginação e a razão. Afirma que “[...] as partes do conhecimento humano fazem referência às três partes do entendimento humano, que é a sede do saber: a História à sua Memória, a Poesia à sua Imaginação e a Filosofia18 à sua Razão” (BACON, 2007, p. 112). O segundo critério leva em conta a individualidade e a generalidade das descobertas, ligados respectivamente à História e à Filosofia. Outra forma de distinção que Bacon adota, o terceiro critério, diz respeito à divisão entre teoria e prática, conhecimento e ação, que ele denomina especulativo e operativo. Aplica este critério apenas à Filosofia. O quarto critério leva em conta o divino e o não divino, o qual é subdividido de modo aparentemente indefinido entre natural, humano e civil (ou social). Este último critério de divisão dos saberes reflete sua maior preocupação que é separar a filosofia da teologia, a razão da fé. Esta visão está na base de sua contribuição para a configuração da modernidade. Para ele,

O conhecimento humano é como as águas, as quais umas descem do alto e outras brotam de baixo; de um lado está informado pela luz da natureza, de outro inspirado pela revelação divina. A luz da natureza consiste nas ideias da mente e nas notícias dos sentidos; porque o conhecimento que o homem recebe do ensino é cumulativo e não original, como a água, que além de sua própria fonte se nutre de outros mananciais e correntezas. Assim, pois, em conformidade com estas duas iluminações ou origens, o conhecimento se divide primeiro em Teologia e Filosofia. (BACON, 2007, p. 136).

Quanto à História, Bacon a divide em História Natural, Civil, Eclesiástica e Literária. Considera que a História da Cosmografia é uma mistura de História Natural, Civil e Matemática. Ao longo da obra, ele estabelece diversas outras

esta obra em inglês, pois “[...] pretendia, assim, atingir um público mais amplo, objetivando ganhar apoio para a grandiosa empresa científica que projetava; tinha consciência de que o trabalho científico era algo muito dispendioso e não poderia ser realizado por um único indivíduo.” (ANDRADE, 1999, p. 09).

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subdivisões de cada uma dessas partes da História. Para ele, História é a história do mundo que tem por tarefa descrever e apresentar o estado geral do saber ao longo das épocas, com o propósito de “[...] tornar sábios os doutos no uso e administração do saber [...]” (BACON, 2007, p. 113). Afirma ainda que deveria existir

[...] uma história correta do saber, onde se contenham as antiguidades e origens dos conhecimentos e suas seitas; suas invenções, suas tradições, suas diferentes administrações e seus cultivos; seus florescimentos, suas oposições, decadências, diminuições, esquecimentos, desaparições, com as causas e ocasiões destes, e todos os demais eventos relacionados com o saber, ao longo das idades do mundo [...] (BACON, 2007, p. 113)

Em relação à Poesia, afirma que ela deve ser sumamente livre, a não ser quanto à medida das palavras e é tomada em dois sentidos: no que diz respeito às palavras, incluída, então, na arte da Retórica, ou no que diz respeito ao conteúdo, sendo então parte da História Simulada. Divide a Poesia em Poesia Narrativa, que é uma mera imitação da história; Representativa ou Dramática, que é como uma História Visível; e Alusiva ou Parabólica, que é utilizada quando se quer expressar algum propósito ou ideia particular.

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inaequalibus aequalia addas, omnia erunt inaequalia.”) (BACON, 2007, p. 137,138) serve tanto para a Matemática quanto para a Justiça.

No que diz respeito à Filosofia Natural, Bacon a subdivide em Física e Metafísica. Afirma que na Física se estuda o que está inserido na matéria, sendo, portanto, transitório, e que ela se ocupa do que só admite na natureza uma existência e um movimento. Na Metafísica se estuda o que é abstrato e fixo, se ocupando do que supõe na natureza uma razão, um entendimento e um plano. Com essa classificação, Bacon distingue a Metafísica da Teologia e também da Filosofia Suprema. Ainda nessa obra, Bacon situa a Física, que descreve “[...] as causas fixas e constantes [...]” (BACON, 2007, p. 146), num termo médio entre a História Natural, que descreve “[...] a variedade das coisas [...]” (BACON, 2007, p. 146) e a Metafísica. Assim, a História Natural faz parte também da Filosofia Natural. Ele compara os conhecimentos a pirâmides que têm por base a história; “[...] assim da Filosofia Natural a base é a História Natural, no andar seguinte a base é a Física, e no andar contíguo, o ápice, é a Metafísica.” (BACON, 2007, p. 150).

A História da Natureza é dividida por Bacon em História das Criaturas, História das Maravilhas e História das Artes ou História Mecânica, conforme se refiram à natureza em seu curso normal, à natureza em seus erros e variações e à natureza alterada ou trabalhada, respectivamente. Segundo ele, o uso da História Mecânica é o mais fundamental para a filosofia natural

[...] pois, não só ministrará e sugerirá para o presente muitas práticas engenhosas em todas as indústrias, mediante a conexão e transferência das observações de uma arte à prática de outra, uma vez que as experiências de diversos mistérios sejam submetidas à consideração de uma mesma pessoa, mas que além disso, dará uma iluminação mais verdadeira e real sobre as causas e axiomas que até agora se alcançou. (BACON, 2007, p. 117)

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ou Comensurada, que é uma das Formas Essenciais das coisas19. Os estudos relativos à Quantidade indefinida seriam algo relativo à Philosophia prima, ou,

Filosofia suprema. Ainda, classifica a Matemática em Pura ou Mista. A Geometria e a Aritmética, ciências que lidam com a Quantidade Determinada separadas dos axiomas da filosofia natural, pertencem à Matemática Pura, enquanto à Matemática Mista pertencem as ciências que se ocupam de certos axiomas ou partes da filosofia natural e da Quantidade determinada auxiliar e incidentes a eles. Neste grupo, Bacon coloca a Perspectiva, a Música, a Astronomia, a Cosmografia, a Arquitetura, a Engenharia e outras que aparecerão à medida que a natureza for sendo desvelada.

Ainda, em relação às três partes da Filosofia Natural (História Natural, Física e Metafísica, que as denomina como Partes Especulativas da natureza), associa as Partes Operativas, que têm correspondência e analogia com as anteriores, e são respectivamente Experimental, Filosófica e Mágica. As Partes Operativas dizem respeito a “[...] um tipo de invenção que está ao alcance do empírico.” (BACON, 2007, p. 156)

Quanto à Filosofia Humana ou Humanidades, divide-a em duas partes: Simples e Particular, que diz respeito ao homem segregado, ou Conjugada e Civil, que diz respeito ao homem na sociedade. No entanto, antes de se dedicar a cada uma destas divisões constitui o que chama de conhecimento em conjunto da Natureza Humana, que se refere “[...] às simpatias e concordâncias entre espírito e corpo, que, sendo mistas, não se podem propriamente atribuir às ciências de um ou de outro.” (BACON, 2007, p. 164).

Em seguida, subdivide a primeira destas partes em: conhecimento concernente ao corpo humano, no qual inclui, dentre outras artes, a Medicina e o que denomina arte da Atividade ou Atlética; e conhecimento concernente ao Espírito, o qual é subdividido em: substância da alma ou espírito e suas faculdades ou funções e conhecimento concernente à mente.

Ao conhecimento relativo à natureza ou substância da alma ou espírito pertencem as considerações sobre a origem da alma, até que ponto ela escapa das leis da matéria, sua imortalidade e, portanto, deve ser limitado pela religião.

19 Para Bacon o estudo das formas essenciais ou diferenças verdadeiras “[...] são em número

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Divide em Adivinhação, que é o poder da mente em fazer predições, e Fascinação, que é o poder e ação da imaginação sobre outros corpos do de quem imagina.

Quanto ao conhecimento relativo às faculdades da mente, haveria duas partes: Racional ou Entendimento e Razão (Artes Intelectuais); e Moral ou Vontade, Apetite e Afeto. Bacon afirma que

[...] os Conhecimentos Racionais são a chave de todas as demais artes; pois, como afirma Aristóteles oportuna e elegantemente, a mão é o instrumento dos instrumentos,e a

mente é a forma das formas, assim destes se pode afirmar que

são a Arte das Artes; e que não só dirigem, como confirmam e reforçam, assim como o costume de atirar não capacita somente parada dar um tiro certeiro, mas também para atirar com um arco mais forte. (BACON, 2007, p. 185)

Para ele, as Artes Intelectuais são divididas em quatro partes, de acordo com os fins a que se referem, sendo: Arte da Inquirição ou Invenção e Descobrimento; Arte do Exame ou Juízo; Arte da Custódia ou Memória e Arte da Eloquência ou Tradição; servindo respectivamente para descobrir aquilo que se busca ou propõe; julgar aquilo que se descobre; reter aquilo que se julga e finalmente comunicar aquilo que se retém.

Bacon subdivide cada uma dessas Artes, mas nos reportaremos apenas à subdivisão da Arte da Inquirição ou Invenção e Descobrimento, pois é aqui que Bacon coloca a Lógica e o que hoje denominamos Gramática. Desta forma, propõe que a Arte da Invenção pode ser: das Artes e Ciências ou do Discurso e Argumentos. Bacon comenta que embora ele inclua a Lógica como Arte da Invenção das Ciências, ela apenas passa por alto, uma vez que o estudo dessa parte do conhecimento encontra-se deficiente. Quanto à Arte da Invenção dos Argumentos, Bacon considera que os Argumentos consistem em Proposições, e Proposições em Palavras, e Palavras não são senão os signos ou sinais das coisas.

Referências

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