ALISSON CARVALHO DE ALENCAR
AS IMPLICAÇÕES DOS RESTOS A PAGAR NA GESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA: O CASO DE MATO GROSSO
ALISSON CARVALHO DE ALENCAR
AS IMPLICAÇÕES DOS RESTOS A PAGAR NA GESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA: O CASO DE MATO GROSSO
Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Administração Pública.
Orientador: Armando Santos Moreira da Cunha
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Alencar, Alisson Carvalho de
As implicações dos restos a pagar na gestão da saúde pública: o caso de Mato Grosso / Alisson Carvalho de Alencar. – 2015.
70 f.
Dissertação (mestrado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.
Orientador: Armando Santos Moreira da Cunha. Inclui bibliografia.
1. Despesa pública – Política governamental. 2. Orçamento. 3. Direito à saúde. 4. Política de saúde. I. Cunha, Armando, 1947- . II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título.
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial aos meus pais Reginaldo Alencar e Gladys Alencar, pelo apoio incondicional.
À minha amada esposa Cristiane, fonte de inspiração e determinação.
À Sofia, querida filha.
RESUMO
O tema saúde é o centro do debate nacional e internacional acerca da necessidade de evolução das políticas públicas a serem adotadas pelos órgãos públicos. Portanto, o Estado tem obrigação de executar programas que forneçam, a todos, ações concretas voltadas ao resguardo do direito à saúde. Nessa perspectiva, o objetivo da pesquisa é avaliar as implicações dos restos a pagar na gestão da saúde pública de Mato Grosso, nos anos de 2008 a 2014. Nesse intento, a partir de pesquisa documental, bibliográfica e de campo, observou-se que o Estado está inserido em um ciclo vicioso de inscrição de restos a pagar. As despesas represadas no período mantiveram uma dinâmica de evolução, prejudicando a execução financeira dos programas prioritários da saúde mato-grossense. Segundo os dados, a realização financeira programática deixou de ser considerada ótima em 2008, com 92% de realização, para caracterizar-se como regular em 2014, com 66% de execução. Por meio do estudo de caso, identificou-se que não há como Mato Grosso obter resultados excelentes na implementação dos interesses de sua sociedade se o Estado encontra-se com a credibilidade abalada em relação aos credores, por postergar seus compromissos financeiros, sem respeitar, ou ter a capacidade de executar o orçamento aprovado, adquirindo bens e contratando serviços lançando mão de mecanismos emergenciais que elevam o custo da compra pública e potencializam o poder das empresas na execução do orçamento. Além de deteriorar a programação orçamentária e financeira, criando verdadeiros orçamentos paralelos, conclui-se que o excesso de despesas repassadas do exercício em que deveriam ocorrer para os subsequentes, prejudicou a qualidade dos serviços públicos executados na saúde do Estado, dificultando a realização deste direito fundamental, imprescindível à vida.
ABSTRACT
The health issue is the center of national and international discussion about the need for development of public policies to be adopted by public agencies. Therefore, the State has an obligation to implement public policies that provide at all, concrete actions aimed at safeguarding the right to health. From this perspective, the objective of the research is to evaluate the implications of remains to pay in the management of public health of Mato Grosso, in the years 2008 to 2014. In that intent, from documentary research, literature and field it was observed that the state is inserted into a vicious cycle of remains to pay. Expenses dammed in the period maintained a dynamic evolution, damaging the financial implementation of the priority programs of Mato Grosso health. The programmatic financial realization is no longer considered optimal in 2008, with 92% of performance, to be characterized as a regular in 2014, with 66% of execution. Through the case study, it was identified that there isn't way to Mato Grosso get excellent results in the implementation of the interests of their society if the state meets the credibility shaken as against creditors, by excessively delaying its financial commitments without respect, or have the ability to perform the approved budget, by purchasing goods and contracting services through emergency mechanisms that increase the cost of buying public and enhance the power of the companies, in the implementation of the budget. In addition to damage the budget and financial programming, creating real parallel budgets, it is concluded that the excess costs passed on the year in which should occur for subsequent, damaged the quality of public services run on state health, hindering the realization of this right fundamental, essential to life.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CF - Constituição Federal
FIPLAN - Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças do Estado LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA - Lei Orçamentária Anual LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal PPA - Plano Plurianual
RAP - Restos a Pagar
RAPP - Restos a Pagar Processados RAPNP - Restos a Pagar Não Processados STF - Supremo Tribunal Federal
SUS - Sistema Único de Saúde
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 (Evolução dos Restos a Pagar)
Gráfico 2 (Diferença no crescimento dos percentuais de RAP e de Receita Arrecadada) Gráfico 3 (Dinâmica do float)
Gráfico 4 (RAP na saúde)
Gráfico 5 (Percentuais de RAP e Despesas Pagas na saúde) Gráfico 6 (Flutuação de RAP na saúde)
Gráfico 7 (Dinâmica dos RAP na saúde)
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 (Perfil dos Entrevistados) Tabela 2 (Evolução do Restos a Pagar)
Tabela 3 (Comparação de RAP com a Receita estadual) Tabela 4 (Investimentos Pagos x RAP Total)
Tabela 5 (Float das despesas orçamentárias) Tabela 6 (Restos a Pagar na saúde)
Tabela 7 (RAP na saúde x Despesas Pagas na saúde) Tabela 8 (Float de RAPP na saúde)
Tabela 9 (Float de RAPNP na saúde) Tabela 10 (Float na saúde)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 12
2 OBJETIVOS ... 14
3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ... 15
4 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ... 16
5 REFERENCIAL TEÓRICO ... 30
6 METODOLOGIA ... 33
7 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS ... 34
8 CONCLUSÃO ... 59
REFERÊNCIAS ... 63
1 INTRODUÇÃO
Pesquisas1 demonstram que o tema saúde é o centro do debate nacional e internacional acerca da necessidade de evolução da gestão das políticas públicas a serem adotadas pelos
organismos Estatais. Esse tema também é considerado um importante objeto de pesquisa no meio
acadêmico (SARLET E FIGUEIREDO, 2008), bem como é foco de reportagens na imprensa
especializada.2
No Brasil, a Constituição Federal (CF) de 1988 assegura3 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco
de doenças e de outros agravos, bem como o acesso universal igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação. Nessa linha, a mesma Constituição prescreve a necessidade
de investimentos mínimos de recursos públicos pela União, Estados e Municípios na promoção da
saúde pública4, com o objetivo de garantir a adoção de ações concretas do Poder Público para atender, suficientemente, os anseios sociais.
Assim, dado o caráter essencial da saúde pública, a literatura (SARLET, 2007) a
caracteriza como um direito fundamental de todo cidadão, relacionado diretamente à dignidade da
pessoa humana. Do mesmo modo, por se tratar de um requisito para a vida, Gonçalves (2006) compreende a saúde como uma necessidade humana básica.
Há, portanto, a obrigação de o Estado agir executando políticas públicas que forneçam,
a todos, ações concretas voltadas ao resguardo do direito à saúde, independentemente da situação
econômica das pessoas.
Nessa linha, Bucci (2006, p.39) define política pública como:
Programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo
1
Conforme “Relatório Mundial de Saúde 2010: Financiamento dos Sistemas de Saúde”, Organização Mundial de Saúde, disponível em http://www.who.int/eportuguese/publications/WHR2010.pdf?ua=1, acesso em 23.07.15.
2
http://veja.abril.com.br/tema/desafios-brasileiros-saude-publica. 3
Art. 196. 4
judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.
Todavia, mesmo ciente de se tratar de um direito fundamental de todos os cidadãos,
observa-se que o Estado brasileiro não tem se desincumbido, de forma eficaz, do dever de garantir o
acesso universal e pleno dos cidadãos à saúde. Isso decorre de notícias rotineiras e de âmbito
nacional acerca das precariedades do Sistema Único de Saúde5, bem como de dados oficiais6 que atestam as mortes evitáveis por doenças e surtos que deveriam estar controlados.
A propósito Sarlet e Figueiredo (2008)7 identificam as dificuldades do Brasil em efetivar o direito fundamental à saúde, o que ensejou a multiplicação de demandas judiciais
buscando a implementação de ações de saúde diante da omissão estatal.
Em Mato Grosso, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/MT) averiguou que a baixa
qualidade da saúde decorre também da ineficiência na execução dos programas planejados nas leis orçamentárias (MATO GROSSO, 2012).
Nesse sentido, pesquisas (REZENDE E CUNHA, 2014; ALMEIDA JÚNIOR, 2011) e
reportagens8 demonstram que a falha na implementação dos programas orçamentários constitui um dos efeitos do uso em excesso, pelos gestores públicos brasileiros, da inscrição de despesas em
restos a pagar, como uma suposta solução para gerar resultados superavitários irreais e fantasiosos
nas prestações de contas da União Federal, Estados e Municípios.
5
http://www.sindmedgabc.com.br/index.php/noticias/408-saude-esta-.html - acesso em 23.07.15.
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/11/23/valter-pereira-critica-precariedade-do-sus - acesso em 23.07.15.
6
Relatório sistêmico da saúde brasileira, publicado pelo Tribunal de Contas da União – TCU (BRASIL, 2014). 7
“As dificuldades de efetivação do direito à saúde, por meio da plena disponibilização dos serviços necessários ao bom funcionamento do SUS e da garantia de oferta das diversas prestações na área de saúde refletiram-se no incremento das ações judiciais nesta seara, cujo principal objeto centrou-se na pretensão ao fornecimento de medicamentos. Saliente-se que, nesta época, os medicamentos anti-HIV/AIDS chegaram ao mercado, e os doentes, premidos pela necessidade de acesso aos novos (e custosos) fármacos, buscaram no Judiciário a garantia do tratamento devido. Instado a manifestar-se a respeito, o Supremo Tribunal estabeleceu o que manifestar-se tornaria o leading camanifestar-se sobre a matéria: no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286/RS (DJ de 24-11-2000), reconheceu o dever do Estado em oferecer o tratamento a pacientes aidéticos, tal como já previsto pela Lei nº 9.313/96107. O acórdão afirmou o caráter fundamental e subjetivo do direito à saúde, na condição de ‘prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República’, representando consequência constitucional indissociável do direito à vida. Com isso, fortaleceu-se a posição que já vinha sendo adotada pelas instâncias iniciais, no sentido da admissão da aplicabilidade imediata e direta das normas constitucionais que positivam o direito à saúde (arts. 6º e 196), numa opção de cunho ‘garantista’, fortemente comprometida com a concretização do dever de proteção à saúde atribuído ao Estado – e, portanto, também ao ‘Estado-juiz’”.
8
http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/7413.
Segundo Rezende e Cunha (2014), o aumento dos restos a pagar, ou seja, despesas
reconhecidas para as quais não houve tempo suficiente para o seu efetivo pagamento no mesmo
exercício financeiro, além de rolar o orçamento e as dívidas para os exercícios seguintes, criando
falsos superávits, prejudicam a transparência das contas públicas, impedem o controle efetivo dos
seus resultados, distorcem a execução financeira, bem como inviabilizam a programação
orçamentária e diminuem a qualidade do gasto público.
Especificamente acerca do impacto na qualidade do gasto público9, o contínuo processo de reinscrição de despesas represadas dos orçamentos anteriores, as quais por algum motivo não
foram quitadas, afeta o cumprimento dos programas de governo previstos na Lei Orçamentária
Anual, elaborada com respaldo na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Plano Plurianual, conforme
Furiati (2011), Fernandes (2004) e Silva et all (2008). É dizer, como a despesa escapou do
orçamento anterior (restos a pagar), ela impactará o orçamento vigente, já que o gestor terá que
utilizá-lo para custear compromissos atrasados. Nessa linha, a gestão guia-se com o olhar no
retrovisor, esquecendo-se da programação idealizada para o presente e futuro. Logo, ao executar
programas de orçamentos anteriores, os problemas sociais atuais não são atendidos com eficiência, prejudicando a qualidade dos serviços públicos implementados (REZENDE e CUNHA, 2014).
Logo, diante da necessidade de aprimoramento da qualidade da saúde pública, o
presente projeto de pesquisa busca resposta para o seguinte problema: quais as implicações dos
restos a pagar na gestão da saúde pública no Estado de Mato Grosso?
2 OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa é avaliar as implicações dos restos a pagar na gestão da
saúde pública no Estado de Mato Grosso, nos exercícios de 2008 a 2014, período que compreende
dois ciclos do Plano Plurianual.
Para atingir-se o objetivo geral é imprescindível a consecução de objetivos
intermediários (VERGARA, 2013). Nessa linha, foram definidos os seguintes objetivos intermediários:
a) avaliar a evolução anual dos restos a pagar do Estado de Mato Grosso, nos anos de 2008
a 2014;
9
b) analisar a evolução dos restos a pagar na saúde pública do Estado de Mato Grosso, nos anos de 2008 a 2014;
c) apurar as implicações dos restos a pagar na execução físico-financeira dos programas na área de saúde do Estado de Mato Grosso, nos exercícios de 2008 a 2014;
d) identificar efeitos administrativos da evolução dos restos a pagar na gestão das políticas públicas de saúde no Estado de Mato Grosso.
3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Com o intuito de demarcar os aspectos a serem tratados, esta pesquisa qualitativa
buscou avaliar as implicações dos restos a pagar na gestão da saúde pública no Estado de Mato
Grosso, no período de 2008 a 2014.
O período de 2008 a 2014, objeto de pesquisa, constitui o lapso temporal de vigência
dos dois últimos Planos Plurianuais - PPA, com exceção do exercício de 2015, o qual não será
objeto de análise por estar vigente, não havendo dados consolidados a serem apreciados. Os PPAs
são peças orçamentárias que integram estratégias e diretrizes nacionais, apresentando prioridades
macros para a distribuição dos recursos nas variadas áreas de interesse da sociedade, de modo que
nenhum investimento de duração superior a 12 (doze) meses possa ser executada sem prévia
previsão no referido plano (FURTADO, 2014).
A propósito, somente foram objeto de estudo as implicações, ou seja, as consequências
dos restos a pagar na administração da saúde pública do Estado de Mato Grosso. Logo, afasta-se do
campo da pesquisa, bem como do seu objetivo, a análise da efetividade das políticas públicas de saúde, ou seja, a avaliação dos seus resultados em relação ao interesse da sociedade, impacto social.
Nessa linha, dos assuntos que integram o referencial teórico, destaca-se: o direito
fundamental à saúde; o orçamento público e os obstáculos da gestão orçamentária brasileira; e as
implicações dos restos a pagar.
Para isso, a pesquisa contou, ainda, com: a avaliação da progressão dos restos a pagar
do Estado de Mato Grosso de 2008 a 2014; a análise da evolução dos restos a pagar na saúde
exercícios de 2008 a 2014;a identificação de efeitos administrativos da evolução dos restos a pagar na gestão da saúde de Mato Grosso, a partir de entrevistas com atores envolvidos.
4 RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Na linha adotada na contextualização do problema inserido no item de introdução,
observa-se que o excesso dos restos a pagar na Administração Pública brasileira e as suas
implicações na gestão da saúde pública são temas importantes nas discussões científicas,
acadêmicas, jurídicas e sociais, conforme referências inseridas na introdução deste trabalho.
No Brasil, embora a Constituição Federal tenha assegurado ser a saúde direito de todos
e dever do Estado, observa-se, na prática, que o Poder Público não exerce com eficiência essa
missão de garantir o acesso universal e pleno dos cidadãos à saúde. Isso decorre de notícias
rotineiras e de âmbito nacional que evidenciam as precariedades do Sistema Único de Saúde10, bem como de dados oficiais, como o relatório sistêmico da saúde brasileira, publicado pelo TCU11, que atestam as mortes evitáveis por doenças e surtos que deveriam estar controlados.
Em relação a Mato Grosso, segundo o Parecer Prévio emitido pelo TCE nas contas de
governo do Estado no exercício de 2014 (MATO GROSSO, 2014), a saúde pública apresenta
graves problemas. Em comparação com a média dos demais Estados brasileiros, na avaliação da
saúde, Mato Grosso supera o desempenho nacional em apenas 3 (três) indicadores oficiais,
permanecendo pior em 7 (sete). Os três indicadores que o Estado apresenta escore superior à média
Brasil são: Proporção de Nascidos Vivos de Mães com 7 ou mais Consultas de Pré-Natal; Taxa de
Mortalidade por Doença do Aparelho Circulatório/Cérebro-Vascular; e Cobertura Imunizações Pentavalente.
Por outro lado, os sete indicadores com resultados piores que a média nacional são:
Taxa de Mortalidade Neonatal Precoce; Taxa de Mortalidade Infantil; Taxa de Internação por IRA
(Infecção Respiratória Aguda) em menores de 5 anos; Taxa de Detecção de Hanseníase; Razão de
Exames Citopatológicos Cérvico-Vaginais em Mulheres de 25-59 anos; Taxa de Incidência de Dengue; e Incidência de Tuberculoses todas as formas.
10
http://www.sindmedgabc.com.br/index.php/noticias/408-saude-esta-.html - acesso em 23.07.15.
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/11/23/valter-pereira-critica-precariedade-do-sus - acesso em 23.07.15.
11
Nessa linha, comparando-se a evolução do resultado de Mato Grosso nas avaliações
feitas nos exercícios de 2010 a 2014, verifica-se que o Estado piorou o seu desempenho nos
seguintes indicadores: Taxa de Detecção de Hanseníase (aumento de 2,68%); Cobertura de
Imunização Pentavalente (redução de 4,41%); e Incidência de Tuberculose todas as formas (incremento de 36,66%).
Assim, o TCE apontou que a baixa qualidade da saúde decorre também da ineficiência
na execução dos programas planejados nas leis orçamentárias (MATO GROSSO, 2012).
Pesquisas (REZENDE E CUNHA, 2014; ALMEIDA JÚNIOR, 2011) e reportagens12 demonstram que a falha na implementação dos programas orçamentários constitui um dos efeitos
do uso em excesso, pelos gestores públicos brasileiros, da inscrição de despesas em restos a pagar.
Portanto, pretende-se contribuir para o aprimoramento da gestão da saúde pública no
Estado de Mato Grosso (em busca da máxima efetividade da saúde), mediante a análise das
implicações dos restos a pagar na implementação desse direito fundamental. Isso porque a manutenção de um cenário de postergação da implementação de políticas públicas de saúde, em
razão do excesso de inscrição de restos a pagar, poderá gerar danos irreparáveis à vida dos
brasileiros.
5 REFERENCIAL TEÓRICO
5.1 O direito fundamental à saúde e as respectivas políticas públicas
As políticas públicas em saúde compõem a área de ação social do Estado direcionada
para a melhoria das condições de saúde da população e dos ambientes natural, social e do trabalho.
Sua missão específica, relacionada às outras políticas públicas da área social, compreende a
organização das funções públicas governamentais para a promoção, proteção e recuperação da
saúde dos indivíduos e da coletividade (PAIM E ALMEIDA, 1988).
No Brasil, a partir da Constituição Federal (CF) de 1988, as políticas públicas de saúde
orientam-se pelos princípios de universalidade e equidade no acesso às ações e serviços e pelas
diretrizes de descentralização da gestão, de integralidade do atendimento e de participação da comunidade, na organização de um sistema único de saúde no território nacional.
12
http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/7413.
Nesse sentido, a Carta Magna brasileira dispõe que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças
e de outros agravos, bem como o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação. Assim, estabeleceu o Princípio do Acesso Universal e Igualitário às Ações
e Serviços de Saúde, enquanto concretização da isonomia, impondo ao Estado o dever de agir
fornecendo, a todos, prestações materiais e jurídicas voltadas ao resguardo do direito à saúde, independentemente da situação econômica das pessoas.
No mesmo norte, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, em
reiterados casos, vem enfatizando o caráter fundamental do direito à saúde.13
Como se vê, as políticas públicas se materializam através da ação concreta do Poder
Público, através de seus agentes, e de atividades institucionais que as realizam em cada contexto e
condicionam seus resultados.
Nessa linha, Bucci (2006, p.39) define política pública como:
Programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.
Assim, é possível afirmar que políticas públicas em saúde representam o conjunto de
ações concretas do Estado voltado a tutelar a vida de sua população (BRASIL, STF, 2000).
Nesse contexto, a partir da interpretação dos dispositivos constitucionais, busca-se
determinar a extensão e o conteúdo do direito fundamental à saúde, bem como das respectivas
políticas públicas a serem implementadas. O primeiro passo depende da atuação do Poder
Legislativo, criando leis que definam os contornos da saúde pública brasileira, e da Administração
Pública, executando ações concretas para o cumprimento da legislação vigente.
Percebe-se que a CF abraçou a tese mais abrangente do direito à saúde, ao incluir, em
suas diretrizes, as dimensões preventiva, promocional e curativa. Por essa razão, as políticas
públicas na área de saúde devem ter como objetivo tanto a recuperação, cura propriamente dita,
como a promoção e a prevenção, voltadas à proteção e redução do risco de doença. Explicando,
Sarlet e Figueiredo (2008) esclarecem que recuperação, ou saúde curativa, é a garantia de acesso,
13
pelos indivíduos, aos meios que lhes possam propiciar a cura da doença, ou, ao menos, uma sensível
melhora na qualidade de vida. Já redução do risco de doença, ou saúde preventiva, diz respeito à
execução de ações que busquem evitar o surgimento de doença, através de deveres específicos de
proteção. Por último, o termo promoção prestigia a busca pela qualidade de vida, competindo aos
órgãos públicos a realização de ações que aprimorem as condições de vida e de saúde das pessoas,
garantindo o mais alto nível possível de saúde.
No mesmo sentido, Sarlet e Figueiredo (2008) pontuam:
Na condição de direito a prestações (direito positivo), e especificamente como direito a prestações em sentido amplo, o direito à saúde impõe deveres de proteção da saúde pessoal e pública, assim como deveres de cunho organizatório e procedimental (v.g. , organização dos serviços de assistência à saúde, das formas de acesso ao sistema, da distribuição dos recursos financeiros e sanitários, etc; bem como a regulação do exercício dos direitos de participação e controle social do SUS, notadamente pela via dos Conselhos e das Conferências de Saúde). Por sua vez, como direito a prestações em sentido estrito, o direito à saúde fundamenta as mais variadas pretensões ao fornecimento de prestações materiais (como tratamentos, medicamentos, exames, internações, consultas, etc.).
A propósito, pelas normas do Sistema Único de Saúde14, aos entes da federação (União, Estados, incluindo o Distrito Federal, e Municípios) compete, de forma cooperada, a execução dos
serviços públicos de saúde. À União cabem as funções de financiamento e de formulação da política
nacional de saúde, assim como a coordenação das ações intergovernamentais. A coordenação, o
acompanhamento e a avaliação do sistema único em seus territórios são deveres dos Estados, além
do apoio técnico e financeiro aos respectivos Municípios, inclusive as ações supletivas e
suplementares. Aos Municípios, por sua vez, compete efetuar a prestação dos serviços de saúde
com o auxílio técnico e financeiro estadual e federal.
Nessa toada, a referida cooperação financeira dar-se-á na modalidade de
descentralização de recursos federais para Estados, Distrito, Federal e Municípios, bem como por meio de descentralização de recursos estaduais para Municípios, as chamadas transferências fundo a
fundo.
Todavia, mesmo ciente de se tratar de um direito fundamental de todos os cidadãos, o
Estado brasileiro não tem se desincumbido, de forma eficaz, do dever de garantir o acesso universal
e pleno dos cidadãos à saúde. De fato, são rotineiras e de âmbito nacional as notícias acerca das
precariedades do Sistema Único de Saúde15.Além disso, dados oficiais, como o relatório sistêmico
14
Lei nº 8.080/90, arts. 16, 17 e 18. 15
http://www.sindmedgabc.com.br/index.php/noticias/408-saude-esta-.html - acesso em 23.07.15.
da saúde brasileira, publicado pelo TCU16, atestam a ocorrência de mortes evitáveis por doenças e surtos que deveriam estar controlados.
Em Mato Grosso, a situação não é diferente. Dados do Tribunal de Contas do Estado
(MATO GROSSO, 2014) atestam que a saúde estadual alcançou resultados ruins, o que demonstra
má qualidade das políticas públicas desenvolvidas. Em comparação com a média dos demais
Estados brasileiros, observa-se que Mato Grosso supera o desempenho nacional em apenas 3 (três)
indicadores oficiais, permanecendo pior em 7 (sete). Os três indicadores que o Estado apresenta
escore superior à média Brasil são: Proporção de Nascidos Vivos de Mães com 7 ou mais Consultas
de Pré-Natal; Taxa de Mortalidade por Doença do Aparelho Circulatório/Cérebro-Vascular; e
Cobertura Imunizações Pentavalente.
Por outro lado, os sete indicadores com resultados piores que a média nacional são:
Taxa de Mortalidade Neonatal Precoce; Taxa de Mortalidade Infantil; Taxa de Internação por IRA
(Infecção Respiratória Aguda) em menores de 5 anos; Taxa de Detecção de Hanseníase; Razão de
Exames Citopatológicos Cérvico-Vaginais em Mulheres de 25-59 anos; Taxa de Incidência de
Dengue; e Incidência de Tuberculoses todas as formas.
Além disso, segundo o TCE/MT, Mato Grosso não cumpriu o compromisso
constitucional de cooperação financeira com os Municípios na execução da saúde pública (MATO
GROSSO, 2014). Nos exercícios de 2011 a 2014, observou-se atrasos e inadimplências parciais que
prejudicaram a realização de políticas públicas de saúde, com reflexos sociais. Nesse sentido, segue
trecho de Acórdão do TCE/MT:
Sendo obrigatórios os repasses, dada sua natureza de transferência legal e de instrumento de cooperação federativa, os parciais inadimplementos e os atrasos, além dos reflexos sociais já verberados neste voto, maculam as leis de finanças públicas e o pacto federativo constitucionalmente travado entre o Estado de Mato Grosso e seus municípios, situação de todo nefasta e inconciliável com os princípios constitucionais fundamentais, pois para que se possa permitir o planejamento e a orçamentação por parte dos governos descentralizados, deve haver o mínimo de previsibilidade nas transferências oriundas do governo central. (MATO GROSSO, Contas de Gestão do Fundo Estadual de Saúde, 2012).
No mais, a própria Constituição Federal assegura a obrigação de Estados e Municípios
aplicarem, anualmente, um percentual mínimo (12% e 15%, respectivamente, da arrecadação dos
impostos) de recursos públicos orçamentários na promoção da saúde pública, com o objetivo de
16
garantir a adoção de ações concretas do Poder Público para atender, suficientemente, os anseios
sociais.
5.2 O orçamento público e os obstáculos da gestão orçamentária brasileira
Para Martins e Nascimento (2012), finanças públicas constituem operações que buscam
obter, distribuir e aplicar dinheiro público imprescindíveis à realização dos objetivos do Estado na
satisfação das necessidades e interesses sociais, inclusive, e em especial, a saúde.
De fato, para prestar os mais variados serviços aos cidadãos, seja saúde, educação,
segurança ou qualquer outro, o Poder Público necessita de: recursos, captados através do processo
de receita; gestão, ou seja, a forma de administrar tais recursos buscando a obtenção dos resultados
planejados (interesse social); e realização de despesa, em outras palavras, a utilização dos recursos na consecução dos objetivos traçados - serviços públicos (FURTADO, 2014).
Nesse enfoque, pesquisas17 e reportagens18 demonstram que as finanças públicas e o equilíbrio fiscal nas organizações públicas representam o centro do debate acerca da necessidade de
adoção de providências pelo Poder Público para o aprimoramento dos resultados.
No Brasil, somente com a edição da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF) foram estabelecidas normas claras de finanças públicas destinadas
à responsabilidade na gestão fiscal da União, dos Estados e Municípios. A LRF exigiu a adequação
dos gestores públicos aos requisitos de responsabilidade na gestão fiscal. Com essa finalidade,
estabeleceu que as finanças públicas pressupõem uma ação planejada e transparente, de modo a
prevenir riscos (princípio da prevenção) e corrigir desvios capazes de desequilibrar as contas
públicas, impondo o cumprimento de melhores performances na comparação entre receitas e
despesas.
Assim, a avaliação completa das finanças públicas de determinada entidade
político-administrativa deve expressar os resultados da atuação governamental ao longo de determinado
exercício financeiro. Representam as contas globais que demonstram o retrato da situação das
finanças da unidade federativa, revelando o cumprimento, ou não, do orçamento, dos planos de
governo e dos programas governamentais. Apresentam, ainda, os níveis de endividamento e o
17
http://seer.ufrgs.br/index.php/AnaliseEconomica/article/view/10906/6484.
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8541/TESE_CAIO%20CESAR%20MUSSOLINI.pdf. 18
atendimento, ou não, aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento jurídico para
as políticas públicas da saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos
balanços gerais prescritos pela Lei n.º 4.320/64. Por isso é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento.19
Nesse contexto, a atividade financeira do Estado realiza-se por meio do orçamento público, ou seja, uma estimativa legal para arrecadação de receita e fixação da despesa, de modo a cumprir as necessidades da sociedade. No Brasil, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece que o orçamento público deve cumprir três etapas, com a finalidade de garantir planejamento e transparência no processo de obtenção, distribuição e aplicação de dinheiro público essenciais à realização dos objetivos do Estado na satisfação das necessidades e interesses da sociedade (MARTINS e NASCIMENTO, 2012).
A primeira etapa consiste na definição de um Plano Plurianual - PPA (de quatro anos)
com estratégias e diretrizes nacionais, apresentando prioridades macros para a distribuição dos
recursos nas variadas áreas de interesse da sociedade, de modo que nenhum investimento de
duração superior a 12 (doze) meses possa ser executada sem previsão no referido plano. Após, o
segundo passo seria a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, a qual guiará o
orçamento a ser executado no ano subsequente, tendo a missão de balancear o planejamento
previsto com a realidade do exercício seguinte. Por fim, a elaboração do orçamento anual, com a
previsão da receita e o estabelecimento das despesas para o ano subsequente, seguiria as diretrizes
da LDO, bem como o planejamento definido no PPA (FURTADO, 2014).
Para Almeida Júnior (2011), no papel o processo orçamentário brasileiro não deixa a
desejar, em comparação com outros países. O rito começa com a elaboração do PPA, estabelecedor
do conjunto programas e ações do governo para quatro anos, com seu início assegurado no segundo
ano de mandato do governo eleito. A LDO orienta a elaboração dos orçamentos fiscais, da
seguridade social e dos investimentos do Estado. Por sua vez, a Lei Orçamentária Anual - LOA
19
define o orçamento para o exercício seguinte, sintonizada com as diretrizes, objetivos e metas da
LDO e do PPA, iniciando-se a execução orçamentária propriamente dita.
Nesse sentido, Rezende e Cunha (2014) destacam que, em tese, “o orçamento da nação
é o instrumento por meio do qual os cidadãos do país devem controlar as decisões sobre as
prioridades na repartição dos recursos que o Estado deles extrai compulsoriamente por meio do
pagamento de impostos”. Todavia, no Brasil o orçamento encontra-se acometido de graves
enfermidades que o impedem de exercer a sua função (REZENDE E CUNHA, 2014; ALMEIDA
JÚNIOR, 2011).
A primeira das enfermidades é a existência de uma forte miopia. Para Rezende e Cunha
(2014), o orçamento brasileiro não segue o rito para o qual foi criado, deixando turva a sua visão de
longo prazo. Há uma inversão do planejamento orçamental nacional, de modo que a programação
de execução de projetos macros, com base em prioridades estratégicas, é substituída pelo interesse
temporário do então gestor/governo em ações de menor importância para o futuro do país. Assim, o
PPA sofre uma mutação para adequar-se aos propósitos definidos em LOAs, alterando em cento e
oitenta graus a rota planejada de destinação dos recursos públicos.
Segundo, o orçamento tem dificuldade para se adaptar a mudanças. Segundo Rezende e
Cunha (2014), tanto o acelerado ritmo de urbanização brasileiro quanto as mudanças no perfil etário
da sua população prejudicaram o sucesso do orçamento no dever de atender às necessidades por
serviços sociais básicos, como saúde e educação. De fato, por um lado aumentou-se a demanda por
tais serviços, mas por outro norte os recursos financeiros não acompanharam esse crescimento.
Além de que outras áreas, como as políticas de transferência de renda, foram priorizadas nos
últimos anos, competindo, em posição privilegiada, com as demais áreas sociais.
Com isso, o orçamento perde importância e os atores envolvidos em sua execução desinteressam-se pelo orçamento. Assim, perde-se qualidade no padrão de elaboração do orçamento, a mídia não confere atenção devida, o legislativo simplesmente aprova o projeto encaminhado pelo executivo ou atenta-se para questões periféricas, assuntos de menor importância, e a população perde interesse na matéria.
Nesse contexto, ausente o interesse na elaboração, discussão e aprovação do orçamento,
a prioridade de todos (população, legislativo, executivo e órgãos de controle) passa a ser a sua
execução, especificamente a implementação da despesa. Dessa forma, perde-se visão de futuro, já
que a execução de despesa se prende ao passado em razão do grande volume de gastos represados.
5.3 As implicações dos restos a pagar na gestão pública
A execução orçamentária constitui a realização das prescrições estabelecidas na LOA,
ou seja, o processo de arrecadação da receita e concretização da despesa. A receita é arrecadada por
meio de lançamento dos tributos, repasse mediante transferências dos demais entes federativos,
ingresso provenientes de constituição de dívidas ou alienação de bens. Em relação à despesa, sua
realização ocorre em três etapas: com o empenho20, seguido da liquidação21 e, por fim, o pagamento22.
Furtado (2014) esclarece que o empenho, estágio inicial da despesa pública, constitui
reserva de parte da dotação orçamentária disponível para a realização de um dispêndio público
específico. Após a sua emissão, o empenho pode ser cancelado, oportunidade em que retorna à
dotação disponível, liquidado ou sofrer a inscrição em restos a pagar (despesas postergadas para
serem cumpridas no exercício subsequente). Por sua vez, a liquidação, estágio seguinte da despesa
20
“O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição” (Lei n. 4.320/64, art. 58).
21
“A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar: I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base: I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço" (Lei n. 4.320/64, art. 63). 22
pública, representa o processo de verificação do direito adquirido do credor, tendo por base títulos e
demais documentos comprobatórios. O terceiro estágio da despesa é o pagamento, caracterizando-se pela transferência de dinheiro ao credor devidamente identificado no estágio da liquidação.
No Estado de Mato Grosso, o TCE/MT sedimentou o significado de resultado da
execução orçamentária, como sendo a diferença entre a receita orçamentária executada (arrecadada)
no período e a despesa orçamentária empenhada no mesmo exercício23. Assim, constatada a existência de situação deficitária na execução orçamentária, compete ao Administrador Público
identificar suas causas e realizar ações corretivas, por exemplo, a instituição e o efetivo
cumprimento da programação orçamentária e financeira24, o efetivo acompanhamento das metas de resultado primário e nominal25 e a limitação de empenho e de movimentação financeira nos casos previstos na LDO26.
Por sua vez, o Resultado Primário constitui um indicador fiscal que expressa a diferença
entre receitas e despesas do governo, excluindo-se da conta os valores com receitas e despesas
advindos de juros. Logo, somente são avaliadas as despesas e receitas não-financeiras. Seu objetivo
primordial é apresentar o valor “poupado” a ser destinado ao pagamento dos juros da dívida
pública. Ou seja, o Resultado Primário demonstra a capacidade de um determinado governo pagar
suas contas rotineiras (custeio, pessoal e investimentos), sem esquecer da administração de sua
dívida (BRASIL, 2014)27.
Para a União Federal, o cálculo do Resultado Primário é realizado com base na receita
efetivamente arrecadada e na despesa paga em determinado exercício. Nos Estados e Municípios, o
cálculo da despesa primária diverge. Isso porque devem ser inseridas não apenas as despesas pagas,
mas também as liquidadas e inscritas em restos a pagar. Então, o Resultado Primário deve consistir
na diferença entre as receitas não-financeiras arrecadadas e as despesas não-financeiras, soma das
23
Isso em sede de Resolução Normativa n. 43/2013 (MATO GROSSO, 2013). 24
Arts. 8º e 13 da LRF cumulado com os arts. 47 a 50 da Lei 4.320/64. 25
Arts. 4º e 53, III da LRF. 26
Art. 9º da LRF. 27
O Manual de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional (BRASIL, 2014) define Resultado Primário da seguinte forma:
despesas liquidadas com as inscritas em restos a pagar não processados (BRASIL, 2014, p. 220 a
232).
Acontece que, em algumas situações durante a realização do orçamento, despesas são
empenhadas, reconhecidas portanto, ainda que pendentes de condição, mas não são oportunamente
liquidadas ou pagas no mesmo exercício. Nesses casos ocorre inserção das despesas nas contas de
restos a pagar, para serem eventualmente pagas no exercício subsequente28.
Nesse contexto, segundo Resende e Cunha (2014), há duas espécies de restos a pagar: a)
os processados, os quais já foram liquidados, mas seu pagamento encontra-se postergado, gerando
para a unidade federativa um saldo maior nos resultados das contas públicas; b) os não processados,
composto de despesas autorizadas, mas não liquidadas, ou seja, obras ainda não concluídas,
aquisições ainda não recebidas ou serviços pendentes de execução.
Para Feijó, Medeiros e Albuquerque (2008):
a) Restos a pagar processados – despesas em que o credor já tenha cumprido com as suas obrigações, ou seja, já tenha entregue os bens ou serviços, e em que tenha reconhecido como líquido e certo o seu direito ao respectivo pagamento. Trata-se dos empenhos liquidados no exercício anterior e ainda não pagos. b) Restos a pagar não Processados – despesas que ainda dependem da entrega, pelo fornecedor, dos bens ou serviços ou, ainda que tal entrega tenha se efetivado, o direito do credor ainda não foi apurado e reconhecido. Tratam-se de despesas empenhadas no exercício anterior, ainda não liquidadas e não pagas.
Segundo o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (BRASIL, 2014), o
Demonstrativo dos Restos a Pagar integrará o Relatório Resumido de Execução Orçamentária
(RREO), no qual a escrituração das inscrições deverá evidenciar o montante e a variação da dívida
pública no período, detalhando, pelo menos, a natureza e o tipo de credor. Este demonstrativo
deverá destacar, também, os restos a pagar inscritos em exercícios anteriores e em 31 de dezembro
do exercício anterior ao período de referência, discriminando os valores pagos, liquidados, cancelados e o seu respectivo saldo.
Analisando o modelo Demonstrativo de Restos a Pagar inserido no referido manual
oficial, verifica-se que este apresenta, no mínimo, as seguintes colunas a serem preenchidas pela
Administração Pública: a) inscritos; b) em exercícios anteriores; c) em 31 de dezembro; d) pagos; e)
cancelados; e f) saldo.
28
Na lacuna referente aos “RAPs inscritos” deverão ser identificados os valores
registrados em exercícios anteriores e em 31 de dezembro do exercício anterior ao exercício de referência.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) não determina
claramente acerca das despesas que são passíveis de inscrição em restos a pagar. Entretanto, o seu
artigo 42 estabelece a vedação ao governante de contrair obrigações em seu último ano de mandato
sem que exista a respectiva cobertura financeira, eliminando desta forma as heranças fiscais.
Nesse sentido, sob a ótica da Lei nº 4.320/1964, caso exista receita de caixa, integrante
do ativo financeiro do ente público, no fim do exercício, e existindo, concomitantemente, uma
despesa empenhada, esta deverá ser registrada no passivo financeiro, caso contrário o ente público
estará apresentando em seu balanço patrimonial um superávit financeiro (ativo financeiro – passivo
financeiro) indevido. Isto é, a receita que permaneceu no caixa na abertura do exercício seguinte já
está comprometida com o empenho que foi inscrito em restos a pagar.
Nos “Exercícios Anteriores” serão identificados os restos a pagar inscritos em anos
passados, com exceção daqueles inscritos em 31 de dezembro do exercício anterior ao exercício de
referência. Destaca-se que os saldos de restos a pagar não processados, que durante o exercício de
referência foram liquidados, mas não pagos, deverão, no exercício seguinte, ser identificados na coluna restos a pagar processados e não processados liquidados inscritos em exercícios anteriores.
A coluna identificada como “em 31 de dezembro” refere-se ao saldo de restos a pagar
inscritos em 31 de dezembro do exercício anterior ao exercício de referência. Por exemplo, se o
exercício de referência do demonstrativo for 2015, o título dessa coluna será “em 31 de dezembro
de 2014”.
O item “Pagos” se refere, obviamente, àqueles saldos inscritos em restos a pagar que
foram pagos no decorrer do exercício financeiro de referência. No momento da quitação da despesa
empenhada pelo valor estimado, deve-se verificar a existência de diferença entre o valor registrado
e o valor real a ser pago, em caso afirmativo e se o valor real for superior ao valor inscrito, a
diferença será empenhada em “despesas de exercícios anteriores”. Sendo o valor real inferior ao
valor inscrito, o saldo existente será cancelado.
Nesse ponto, é válido salientar que o pagamento dos restos a pagar deve obedecer a
A coluna “cancelados” identificará aquele montante de restos a pagar que, por algum
motivo, seja por insuficiência de recursos, pela inscrição indevida ou para atender dispositivo legal, foi cancelado pela gestão pública.
O citado Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (BRASIL, 2014)
estabelece que o cancelamento de restos a pagar “consiste na baixa da obrigação constituída em
exercícios anteriores, portanto, trata-se de restabelecimento de saldo de disponibilidade
comprometida, originária de receitas arrecadadas em exercícios anteriores e não de uma nova
receita a ser registrada”.
Contudo, esse cancelamento deve ser devidamente justificado. Isso porque cancelar
empenho referente a despesa já liquidada, sem justificativa legal, pode configurar “calote” e crime
de responsabilidade. Por outro lado, aquela obrigação ainda não adimplida poderá ter seu empenho
cancelado, devido, por exemplo, à inexecução contratual.
Assim, o cancelamento de empenhos ou de despesas inscritas em restos a pagar, mesmo os não processados, é medida que requer avaliação criteriosa, uma vez que embora seja passível de
penalização o gestor que deixa de promover o cancelamento de restos a pagar inscrito em valor
superior ao permitido em lei, não pode ele, também, lesar o fornecedor de boa-fé.
Ainda, tem-se as lacunas “saldo” e “saldo total”. A primeira apresenta o montante de
restos a pagar, diferenciando os processados dos não processados, enquanto a segunda identifica o
importe total de restos a pagar, somando-se os valores referentes aos restos processados e aos restos
a pagar não processados. Todos os valores apresentados em tais colunas estão pendentes de
pagamento, isto é, não se inclui o importe identificado no item “pagos”.
Todos os quesitos apresentados são necessários à contabilização do ente público,
possuindo a finalidade de dar a devida transparência às informações sobre a execução dos restos a
pagar e promover o seu regular acompanhamento.
Porém, pesquisas(ALMEIDA JÚNIOR, 2011) e reportagens29 demonstram que gestores públicos brasileiros utilizam em excesso o procedimento de inscrição de despesas em restos a pagar
como uma solução para gerar resultados superavitários irreais, fantasiosos, nas prestações de Contas da União Federal, Estados e Municípios.
29
http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/741.
Segundo Rezende e Cunha (2014), o aumento dos restos a pagar, ou seja, despesas
reconhecidas para as quais não houve tempo suficiente para efetivo pagamento no mesmo exercício
financeiro, além de rolar o orçamento e as dívidas para os exercícios seguintes, criando falsos
superávits, prejudicam a transparência das contas públicas, impedem o controle efetivo dos seus
resultados, distorcem a execução financeira, bem como inviabilizam a programação orçamentária e
diminuem a qualidade do gasto público.
Especificamente acerca do impacto na qualidade do gasto público30, o contínuo processo de reinscrição de despesas represadas dos orçamentos anteriores, as quais por algum
motivo não foram quitadas, afeta o cumprimento dos programas de governo previstos na Lei
Orçamentária Anual, elaborada com respaldo na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Plano
Plurianual, conforme Furiati (2011), Fernandes (2004) e Silva, Cândido Júnior e Gerardo (2008). É
dizer, como a despesa escapou do orçamento anterior (restos a pagar), ela impactará o orçamento
vigente, já que o gestor terá que utilizá-lo para custear compromissos atrasados. Nessa linha, a
gestão guia-se com o olhar no retrovisor, esquecendo-se da programação idealizada para o presente
e futuro. Logo, ao executar programas de orçamentos anteriores, os problemas sociais atuais,
inclusive na saúde, não são atendidos com eficiência, prejudicando a qualidade dos serviços públicos implementados (RESENDE e CUNHA, 2014).
Segundo Silva, Cândido Júnior e Gerardo (2008), é possível mensurar o montante de
despesas que foram postergadas de um exercício para o outro. Para tanto, basta calcular o float
(flutuação) de restos a pagar, obtido pela diferença entre o valor das despesas inscritas em restos a
pagar no final do ano e a soma do montante dos restos a pagar pagos no exercício financeiro com o
montante de restos a pagar cancelados, realizando esta operação tanto para os RAP processados quanto não processados.
Em Mato Grosso, o Poder Executivo foi alertado pelo Tribunal de Contas do Estado,
acerca do excesso de inscrição de despesas como restos a pagar (MATO GROSSO, 2013). Esta
situação assemelha-se com a que ocorre a nível federal com o orçamento da União, com potencial
de repercutir na qualidade das políticas públicas implementadas pelo Governo Estadual, nas áreas
essenciais, como a saúde.31
30
Entende-se por qualidade do gasto público o seu desempenho no atingimento do interesse social (BRUNET, BERTÊ e BORGES, 2008).
31
Nesse alinhamento teórico, objetiva-se contribuir para o aprimoramento da gestão das
políticas públicas na área de saúde brasileira, em busca da máxima efetividade desse direito. Uma
forma de abordar o assunto é por meio da análise das implicações dos restos a pagar na gestão desse
direito fundamental. Isso porque a manutenção de um cenário de postergação da implementação de
políticas públicas de saúde, em razão do excesso de inscrição de restos a pagar, poderá gerar danos
irreparáveis à vida dos brasileiros.
6 METODOLOGIA
Serão apresentados, neste capítulo, o método desenvolvido, a coleta e o tratamento dos
dados.
6.1 Descrição do Método
A pesquisa consistiu em estudo de caso, tratando das relações causais em eventos
contemporâneos, especificamente, avaliando as implicações dos restos a pagar na gestão da saúde
pública em Mato Grosso, nos exercícios de 2008 a 2014. Nota-se que se trata de eventos sem
possibilidade de manipulação de comportamentos relevantes.
Nessa linha, o estudo consistiu em um estudo de caso único, já que foi selecionado o
Estado de Mato Grosso, como instituição política relevante, considerando ainda a facilidade de o pesquisador obter dados confiáveis acerca da matéria. De fato, a plena possibilidade de acesso, pelo
pesquisador, aos documentos, registros e arquivos, físicos ou eletrônicos, do Estado de Mato Grosso e dos órgãos de controle, em especial o TCE/MT, foi essencial na escolha da referida instituição.
Já os exercícios de 2008 a 2014, a serem objeto de estudo, compreendem os dois
últimos ciclos de Plano Plurianual do Estado, com exceção do ano de 2015, o qual encontra-se
vigente, não havendo dados consolidados a serem objeto de análise, os quais são suficientes para
repassar o cenário detalhado das referidas consequências dos restos a pagar na administração das
políticas públicas na área de saúde.
Acerca da adequação do método de estudo de caso à vertente pesquisa, Yin (2010)
leciona que há três condições que determinam o tipo de método de pesquisa a ser escolhido: a) o
tipo de questão de pesquisa proposto; b) a extensão do controle que um investigador tem sobre os
eventos comportamentais reais; c) o grau de enfoque sobre eventos contemporâneos em oposição
aos eventos históricos. Ainda conforme Yin (2010), esse método de pesquisa deve ser utilizado com
preferência no exame dos eventos contemporâneos, desde que os comportamentos relevantes não
possam ser manipulados, podendo ser utilizado, então, em diversas situações, de modo a contribuir
para o entendimento dos fenômenos individuais, grupais, organizacionais, sociais e políticos.
O foco da pesquisa refere-se ao “como” os restos a pagar interferem na gestão da saúde
pública no Estado.
Por outro lado, em relação aos meios de investigação, a pesquisa foi bibliográfica,
documental e de campo.
Bibliográfica, pois propôs-se a realizar um estudo sistematizado, tendo como base todo
material publicado e acessível ao público em geral, acerca de temas relacionados ao conteúdo da
presente pesquisa, em especial: direito fundamental à saúde; orçamento público e os obstáculos da gestão orçamentária brasileira; as implicações dos restos a pagar na gestão pública.
A pesquisa documental decorreu da necessidade de analisar documentos constantes nos
acervos oficiais do Governo do Estado de Mato Grosso, em especial os disponibilizados nos sites
oficiais, bem como no Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças do Estado -
FIPLAN. Também foram analisados os documentos públicos disponibilizados pelo Tribunal de
Contas do Estado de Mato Grosso (relatórios, pareceres prévios, acórdãos de julgamentos), os quais
apresentam os resultados do Governo do Estado nos anos de 2008 a 2014.
Portanto, foi possível analisar, nos balanços e peças orçamentárias do Estado de Mato
Grosso nos referidos anos, bem como nos documentos oficiais do TCE/MT, os seguintes dados: a) a
evolução dos restos a pagar do Estado de Mato Grosso, por exercício, de 2008 a 2014, bem como
sua comparação com o orçamento previsto e os investimentos; b) a progressão dos RAP na saúde
mato-grossense no referido período; c) os efeitos dos restos a pagar na execução físico-financeira dos programas de governo na área de saúde do Estado de Mato Grosso, nos exercícios de 2008 a 2014.
Por sua vez, a pesquisa de campo consistiu em entrevistas semiestruturadas com sete
Grosso32. Isso com o objetivo de identificar efeitos administrativos da evolução dos restos a pagar na gestão das políticas públicas de saúde de Mato Grosso, a partir da experiência e dos conhecimentos práticos dos atores citados, pessoas essas que ocupam cargos de liderança na execução dos diversos programas prioritários na saúde estadual.
O perfil dos entrevistados está caracterizado na tabela adiante:
Tabela 1 (Perfil dos Entrevistados)
Entrevistado Cargo Escolaridade Experiência Profissional na Saúde Pública de MT (anos)
Ano de Ocupação do cargo 1 Superintendente de Gestão Estratégica em Saúde
Mestrado em Economia
11 2015
2 Superintendente
de Assistência Farmacêutica
Mestrado em Ciências da
Saúde 10 2015
3 Superintendente
de Vigilância em Saúde
Mestrado em Avaliação de Programas e Serviços de Saúde
20
2015
4 Superintendente
de Regulação Graduação em Farmácia 25 2015
5 Superintendente
de Gestão Hospitalar e Ambulatorial
Graduação em Farmácia / Mestrado em Ciência
Veterinária
25 2015
6
Superintendente de Atenção à
Saúde
Graduação em Enfermagem
28 2015
7 Superintendente de Programação, Controle e Avaliação Graduação
Pós-Graduação em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde
12 2015
Portanto, todos os entrevistados possuem, no mínimo, graduação, bem como detêm mais de 10 anos de experiência na saúde pública de Mato Grosso.
32
6.2 Coleta e Tratamento de Dados
Tendo como base o referencial teórico, analisou-se os dados constantes na pesquisa
documental e de campo, mediante uma abordagem qualitativa, da forma detalhada a seguir.
Para apurar-se o objetivo intermediário de avaliar a evolução anual dos restos a pagar do Estado de Mato Grosso, nos anos de 2008 a 2014, foram seguidas as etapas adiante. Inicialmente,
correlacionou-se o crescimento dos restos a pagar (de 2008 a 2014) com os resultados
orçamentários de Mato Grosso, evidenciando sua evolução em comparação com a receita e com os
investimentos. Isso foi alcançado mediante a análise do Balanço Orçamentário (Anexo 12 da Lei
4.320/64), Balanços Financeiro (Anexo 13 da Lei 4.320/64) e Patrimonial (Anexo 14 da Lei
4.320/64), Demonstrativo da Dívida Flutuante (Anexo 17, da Lei 4.320/64), bem como de
Relatórios do FIPLAN (em especial o FIP 226 - Demonstrativo de Restos a Pagar), todos de 2008 a
2014.
Em seguimento, de acordo com o objetivo intermediário de análise dos efeitos dos restos a pagar na saúde do Estado de Mato Grosso (de 2008 a 2014), analisou-se o float (flutuação)
dos restos a pagar processados e não processados, de 2008 a 2014, na execução do orçamento
mato-grossense (especificamente do Fundo Estadual de Saúde, unidade responsável pela realização
financeira da área finalística da saúde, desconsiderando-se o orçamento da Secretaria Estadual de
Saúde, o qual destina-se estritamente ao custeio das despesas de pessoal), identificando o montante de despesas postergadas para os exercícios seguintes.
Após, em relação ao objetivo intermediário de apurar as implicações dos RAP na
execução dos programas de saúde, comparou-se a evolução dessas despesas represadas com os
resultados da execução físico-financeira dos programas na referida área, nos exercícios de 2008 a 2014, previstos nos Relatórios de Ação Governamental – RAG.
Foram selecionados programas prioritários da área finalística da gestão da saúde,
definidos nos Planos Plurianuais de 2008-2011 e 2012-2015. A escolha priorizou a relevância dos
programas, sendo selecionados dois, de cada PPA, com maior volume de recursos destinados. A
propósito, no PPA 2012-2015, os dois programas escolhidos são os únicos na área finalística.
Em relação ao PPA 2008-2011, foram selecionados os programas finalísticos 276
(reorganização da rede de atenção de média e alta complexidade com foco na regionalização) e 278
(implementação do processo de gestão do SUS). O primeiro objetivou o aprimoramento da gestão
prestados à população. O segundo buscou garantir a efetividade dos serviços de média e alta
complexidade, através da organização das ações de atenção à saúde, descentralizando os serviços por meio de pactos de cooperação e articulação com os Municípios.
No que toca ao PPA 2012-2015, foram selecionados os programas 326 (fortalecimento
da gestão do SUS) e 327 (ampliação do acesso de forma equitativa e com qualidade ao sistema e
serviços de saúde), dentro do objetivo estratégico 05 – ampliar a rede de atenção e de vigilância em
saúde.
Por conseguinte, realizou-se entrevistas buscando identificar os efeitos administrativos
dos RAP na gestão da saúde, ou seja, “como” os Restos a Pagar influenciaram a administração da
saúde pública mato-grossense, na visão dos atores da área. Aliás, executou-se entrevistas
semiestruturadas, com a utilização de roteiro (Apêndice 1), sem contudo conter perguntas
previamente estabelecidas. A escolha pelo perfil semiestruturado de entrevistas deveu-se à
facilidade de acesso aos entrevistados, os quais assinaram Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice 2), permitindo a observação de suas expressões pelo pesquisador.
A partir daí, os efeitos apresentados por tais atores foram categorizados e relacionados
com as consequências identificadas pelo pesquisador, na investigação bibliográfica e documental,
bem como nas entrevistas. Nessa oportunidade, formulou-se a conclusão do estudo, com as implicações dos restos a pagar na gestão da saúde pública em Mato Grosso.
7 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
7.1 Avaliação da evolução dos restos a pagar do Estado de Mato Grosso, nos exercícios de
2008 a 2014
A dinâmica dos restos a pagar no Estado de Mato Grosso ocorreu da forma apresentada na Tabela 2, constando os valores nominais (não reajustados)33 de RAP processados e não processados, com o objetivo de demonstrar a evolução das despesas tanto empenhadas quanto liquidadas, inseridas para pagamento nos exercícios subsequentes:
Tabela 2 (Evolução do Restos a Pagar)
Exercício RAP Processados (inscritos + RAP Não Processados TOTAL RAPP e RAPNP
33
reinscritos) (inscritos + reinscritos) (inscritos + reinscritos)
2008 R$ 320.040.514,09 R$ 247.457.289,78 R$ 567.497.803,87 2009 R$ 385.808.931,60 R$ 493.562.918,66 R$ 879.371.850,26 2010 R$ 124.598.394,13 R$ 299.531.191,52 R$ 424.129.585,65 2011 R$ 353.176.845,71 R$ 343.318.269,96 R$ 696.495.115,67 2012 R$ 366.229.344,94 R$ 473.022.541,14 R$ 839.251.886,08 2013 R$ 336.144.284,40 R$ 814.940.129,52 R$ 1.151.084.413,92 2014 R$ 350.313.613,20 R$ 358.568.467,48 R$ 708.882.080,68 Fonte: Relatório FIP 226 (2008 a 2014) – FIPLAN.
Percebe-se que os Restos a Pagar no Estado de Mato Grosso mantiveram uma linha de crescimento, evolução no período sob análise. De fato, alcançaram o valor de R$ 1.151.084.413,92 em 2013, o que representou um avanço de 102% em relação aos RAP de 2008, ou seja, o montante mais do que duplicou em apenas cinco anos. Aliás, o teto de sobras a pagar de orçamentos antigos alcançado em 2013 ocorreu em razão do aumento dos RAP não processados, os quais evoluíram R$ 341.917.588,38 (72%) em apenas um ano.
Esses dados indicam a evolução da dificuldade de o Estado executar suas despesas no exercício orçamentário planejado. Assim, a cada exercício, um volume maior de despesas é inserido nas contas de RAP e postergado para cumprimento em momento posterior.
Observa-se, por outro lado, que nos exercícios de 2010 e 2014, último ano dos dois respectivos mandatos de Governador, houve redução dos restos a pagar em relação aos anos anteriores. Realmente, como exemplo, os RAP foram reduzidos em 39% de 2013 para 2014, consistindo em redução de R$ 442.202.333,24. Já em 2010, essa diminuição significou 52% dos RAP de 2009, alcançando restrição de R$ 455.242.264,61.