Leishmaniose visceral: estudo de flebotomíneos e infecção canina
em Montes Claros, Minas Gerais
Visceral leishmaniasis: a study on phlebotomine sand flies and canine infection
in Montes Claros, State of Minas Gerais
Érika Michalsky Monteiro
1, João Carlos França da Silva
2, Roberto Teodoro da Costa
2,
Daniela Camargos Costa
1, Ricardo Andrade Barata
1, Edvá Vieira de Paula
3, George Luis Lins
Machado-Coelho
4, Marília Fonseca Rocha
3, Consuelo Latorre Fortes-Dias
5e Edelberto Santos Dias
1RESUMO
A le i sh m a n i o se vi sc e ra l n o Bra si l e sta va i n i c i a lm e n te a sso c i a d a a á re a s ru ra i s, m a s d e vi d o à s d i ve rsa s a lte ra ç õ e s n o a m b i e n te c o m o , d e sm a ta m e n to s, u rb a n i za ç ã o e i n te n so p ro c e sso m i gra tó ri o , o c o rre u a e x p a n sã o d a s á re a s e n d ê m i c a s, le va n d o à u rb a n i za ç ã o d a d o e n ç a , p ri n c i p a lm e n te n a s re gi õ e s Su d e ste e Ce n tro Oe ste d o p a í s. No m u n i c í p i o d e Mo n te s Cla ro s, si tu a d o a o n o rte d e Mi n a s Ge ra i s, f o i f e i to u m e stu d o p a ra ve ri f i c a ç ã o d a si tu a ç ã o d a LV. No a n o d e 2 0 0 2 f o i re a liza do inq ué rito so ro ló gic o c a nino e no pe río do de se te m b ro de 2002 a a go sto de 2003 fo i fe ito le va nta m e nto e nto m o ló gic o , u tiliza n do a rm a dilha s lu m in o sa s de CDC. A pre va lê n c ia da LV c a n in a a pre se n to u ta xa m é dia de in fe c ç ã o e m to rn o de 5%. A fa u n a de fle b o to m ín e o s e stim a da fo i de 16 e spé c ie s, to ta liza n do 1043 e xe m pla re s. Lutzomyia longipalpis f o i a e sp é c i e p re d o m i n a n te c o m 7 4 %, o q u e su ge re a su a p a rti c i p a ç ã o n a tra n sm i ssã o d e LV e m Mo n te s Cla ro s.
Pal avr as-chave s: Le i sh m a n i o se vi sc e ra l c a n i n a . Lutzomyia longipalpis. Leishmania. Fle b o to m í n e o s.
ABSTRACT
Vi sc e ra l le i sh m a n i a si s i n Bra zi l w a s i n i ti a lly a sso c i a te d w i th ru ra l a re a s. Ho w e ve r, d u e to se ve ra l e n vi ro n m e n ta l m o d i f i c a ti o n s su c h a s d e f o re sta ti o n , u rb a n i za ti o n a n d i n te n se m i gra to ry p ro c e sse s, th e re h a s b e e n a n e x p a n si o n o f e n d e m i c a re a s, le a d i n g to u rb a n i za ti o n o f th e d i se a se , m a i n ly i n th e c e n tra l a n d n o rth e a ste rn re gi o n s o f Bra zi l. In th e m u n i c i p a li ty o f Mo n te s Cla ro s, lo c a te d i n th e n o rth o f th e sta te o f Mi n a s Ge ra i s, a n e p i d e m i o lo gi c a l su rve y o n VL wa s c a rri e d o u t. A c a n i n e se ro lo gi c a l i n q u i ry wa s c a rri e d o u t i n 2 0 0 2 a n d a n e n to m o lo gi c a l su rve y, u si n g lu m i n o u s CDC tra p s, wa s p e rf o rm e d f ro m Se p te m b e r 2 0 0 2 to Au gu st 2 0 0 3 . Ca n i n e VL p re va le n c e sh o we d a n a ve ra ge i n f e c ti o n ra te o f a ppro xim a te ly 5%. An e stim a te d 16 spe c ie s c o m prise d the phle b o to m in e sa n d fly fa u n a , b a se d o n a to ta l o f 1043 spe c im e n s. Th e p re d o m i n a n t sp e c i e s wa s Lutzomyia longipalpis wi th a ra te o f 7 4 %, su gge sti n g i ts p a rti c i p a ti o n i n th e tra n sm i ssi o n o f VL i n th e m u n i c i p a li ty o f Mo n te s Cla ro s.
Ke y-words: Ca n i n e vi sc e ra l le i sh m a n i a si s. Lutzomyia longipalpis. Leishmania. Ph le b o to m i n e .
1 . Centro de Pesquisas René Rac ho u da Fundaç ão Oswaldo Cruz, B elo Ho rizo nte, MG. 2 . Universidade Federal de Minas Gerais, B elo Ho rizo nte, MG. 3 . Fundaç ão Nac io nal de Saúde, B elo Ho rizo nte, MG. 4 . Universidade Federal de Ouro Preto , Ouro Preto , MG. 5 . Fundaç ão Ezequiel Dias, B elo Ho rizo nte, MG.
En de r e ço par a cor r e spon dê n ci a: Dr. Edelberto Santo s Dias. Labo rató rio de Leishmanio ses/CPqRR. Av. Augusto de Lima 1 7 1 5 , 3 0 1 9 0 -0 0 2 B elo Ho rizo nte, MG. e-mail: edel@ c pqrr.fio c ruz.br
Rec ebido para public aç ão em 1 1 /5 /2 0 0 4 Ac eito em 1 5 /1 2 /2 0 0 4
As leishmanioses são doenças enzoóticas e zoonóticas causadas por protozoários parasitas, morfologicamente similares, do gênero
Le i sh m a n i a ( Kinetoplastida: Trypanosomatidae) , podendo
acometer o homem6.
A leishmaniose visceral ( LV) vem se tornando um importante problema de Saúde Públic a, devido à sua inc idênc ia e alta letalidade, não só nas Américas mas na Europa, África, Ásia e
Oriente Médio17. Nas Américas, a LV ocorre desde o México até a Argentina, sendo que cerca de 90% dos casos humanos descritos
são proc edentes do Brasil1 6. A LV apresenta amplo espec tro
No Brasil, a transmissão de Le ishm a nia cha ga si, principal agente etiológico da LV, se dá pela picada de fêmeas de insetos díptero s pertenc entes à família Psyc ho didae, tendo c o mo princ ipal vetor Lu tzo m yi a lo n gi pa lpi s. Mais rec entemente,
Lu tzo m yi a c ru zi fo i também inc riminado c o mo veto r no Estado de Mato Grosso do Sul1 5. A espécie L. lo ngipa lpis está bem adaptada ao ambiente peridomiciliar, alimentando-se em uma grande variedade de hospedeiros vertebrados, entre aves, homem e outros animais silvestres ou domésticos.
O c ão vem sendo apontado c omo reservatório da doenç a, e, c o mo ho spedeiro do méstic o , é, pro vavelmente, o mais im po r tante r e se r vató r io natur al r e lac io nado c o m c aso s humanos. Esse hospedeiro, apresenta variaç ões no quadro c línic o da doenç a, passando de animais aparentemente sadios a oligossintomátic os podendo c hegar a estágios graves da doenç a, c om intenso parasitismo c utâneo1 7 1 0. Assim, o c ão representa uma fonte de infec ç ão para o vetor, sendo um
importante elo na transmissão da doenç a para o homem1 1.
Nos últimos dez anos, a LV vem passando por um proc esso de urbanizaç ão, aspec to esse que deve ser c onsiderado na epidemiologia da doenç a. A endemia vem passando de doenç a quase que exc lusiva de áreas rurais para uma distribuiç ão m aio r e m ár e as ur b anas. Exe m plo s de ste fe nô m e no de expansão -urbanizaç ão são surto s epidêmic o s em diverso s estados do B rasil8 1 9 2 0 2 1.
Deane, trabalhando no Ceará, abordava com muita preocupação, a expansão e o fenômeno de urbanizaç ão da LV, fato hoje consolidado, com a doença instalada definitivamente em cidades de médio e grande porte, como Teresina, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Montes Claros, Januária, entre outras9.
Os principais determinantes dos níveis epidêmicos da LV nos gr ande s c e ntr o s são : c o nvívio m uito pr ó xim o ho m e m / reservatório( cão) , aumento da densidade do vetor, desmatamento acentuado e o constante processo migratório1 8.
Estudos recentes da dinâmica de transmissão da LV, enfatizam duas variáveis a serem consideradas nos programas de controle: a sazonalidade da variação da população de flebotomíneos e o número de cães infectados1 2. Assim, este trabalho visa avaliar a situação da transmissão de LV do município de Montes Claros, através de inquérito sorológico canino, levantamento da fauna flebotomínica do município e do estudo do comportamento das espécies encontradas em relação à endofilia e exofilia.
MATERIAL E METÓDOS
Ár ea de estudo. O munic ípio de Montes Claros loc aliza-se na região norte do estado de Minas Gerais, na bac ia do Alto Médio São Franc isc o, situado na área do “Polígono das Sec as” ( Figura 1 ) .
A área do município ocupa aproximadamente 4 .1 3 5 km2 ,
correspondendo 0 ,6 % da superfície do estado de Minas Gerais. Montes Claros está a 6 3 8 metros de altitude, tendo sua posição determinada pelas seguintes coordenadas geográficas: 1 604 2 ‘1 6 ” de latitude sul e 4 304 9 ‘1 3 ”de longitude oeste, distante 4 2 0 km da capital mineira.
O clima é do tipo tropical semi-úmido, com temperatura média em to r no de 2 50C e c o m estaç ão sec a pr o lo ngada ( aproximadamente 5 meses/ano) . Dados climatológicos indicam pr e c ipitaç ão anual e m to r no de 5 2 0 mm, c o m as c huvas ocorrendo entre os meses de outubro a março e umidade relativa variando de 5 2 a 8 0 %.
Escolha dos bair r os. Para o estudo da taxa de infecção do reservatório canino e do levantamento entomológico, foram escolhidos dez bairros do município. A escolha se baseou em dados anteriores de prevalência e incidência canina elevadas,
como também na ocorrência de casos humanos da doença2 2. Os
bairro s estudado s fo ram: Mo rrinho s, Vila Mauric éia, Vila Guilhermina, Chiquinho Guimarães,Vila São Franc isc o de Assis,
Jõao B otelho, Santa Rita I, Vila Oliveira, Alterosa e Village do Lago II ( Figura 1 ) .
Em c a da b a ir r o fo i e s c o lh ido a le a to r ia m e n te um a residênc ia para a realizaç ão das c apturas entomológic as. Estas foram georeferenc iadas através do Sistema de Posic ionamento Global ( GPS) , onde foram medidas as c oordenadas latitude, longitude e a altitude do loc al.
Inquér ito canino . Para o diagnóstic o da leishmaniose visc e r al c anina ( LVC) fo i r e alizado um inq ué r ito c anino c ensitário, no ano de 2 0 0 2 , onde foram analisados todos os c ães domic iliados na área urbana dos bairros esc olhidos.
Amostras de sangue foram obtidas através de punção da veia marginal auricular utilizando-se microlancetas descartáveis. O sangue obtido, por capilaridade, foi transferido para papel de filtro marca Klabin número 2 5 . Cada amostra foi devidamente identificada com os dados do cão e do proprietário.
A téc nic a utilizada para o diagnóstic o foi a Reaç ão de
Imunofluoresc ênc ia Indireta ( RIFI)4. Como antígeno, foram
utilizadas promastigotas de Le i sh m a n i a ( L.) a m a zo n e n si s
( MHOM/B R/6 0 /B H6 ) em c resc imento logarítmic o no meio LIT. O c onjugado utilizado foi anti-imunoglobulina de c ão, fr a ç ã o I gG, m a r c a da c o m is o tic ia n a to de fluo r e s c e ín a ( B io manguinho s, FIOCRUZ, Rio de Jane ir o ) . As r e aç õ e s po s itiva s ( diluiç ã o igua l a 1 : 4 0 ) fo r a m r e pe tida s pa r a c onfirmaç ão do resultado.
Ap ó s o d i a gn ó s ti c o , o s c ã e s s o r o p o s i ti vo s fo r a m rec olhidos e eutanasiados no Centro de Controle de Zoonoses de Montes Claros, de ac ordo c om téc nic as já prec onizadas pelo Ministério da Saúde.
Estudo entomológico. Para a realização das capturas de flebotomíneos foram utilizadas armadilhas luminosas do tipo CDC2 6. As capturas foram realizadas no período de setembro de 2 0 0 2 a agosto de 2 0 0 3 no município de Montes Claros, nas residências georeferenciadas dos bairros em estudo, durante 3 dias c onsec utivos por mês, sempre na primeira semana. Em c ada residênc ia, foram c oloc adas duas armadilhas, uma no intradomicílio e outra no peridomícilio, de maneira sistemática e de forma pareada, para fornecer subsídios para os estudos de endofilia e exofilia. As armadilhas foram expostas às 1 7 :0 0 horas e recolhidas às 9 :0 0 horas do dia seguinte.
Os flebotomíneos capturados foram acondicionados em tubos de hemólise contendo álcool 70% devidamente identificados e enviados para o Laboratório de Leishmanioses do Centro de Pesquisas René Rachou em Belo Horizonte, para montagem entre lâmina e lamínula e posterior identificação, que foi realizada, através da classificação proposta por Young e Duncan3 0.
RESULTADOS
No inquérito sorológic o c anino foram examinados 4 7 9 5 animais, dos quais 2 3 6 foram positivos para LV. A prevalênc ia da LVC se distribuiu de forma variada nos bairros estudados, fic a n do e m to r n o de 5 % a ta xa m é dia de in fe c ç ã o do munic ípio ( Tabela 1 ) .
A fauna de flebotomíneos do munic ípio de Montes Claros, foi c onstituída de 1 6 espéc ies, sendo elas: Bru m pto m yia sp,
Lu tzo m yia c a ve rn ic o la, L. e va n dro i, L. in te rm e dia, L. le n ti,
L. lo ngipa lpis, L.m igo ne i, L. pe re si, L. pe sso a i, L. q uinq ue fe r,
L. r e n e i, L. s a l l e s i, L. s o r d e l l i i, L. t e r m i t o p h i l a,
L. tri n i d a d e n si s, L. w h i tm a n i. Fo r am c aptur ado s 1 0 4 3 exemplares no período de setembro de 2 0 0 2 a agosto de 2 0 0 3 , sendo 7 2 6 ( 6 9 ,7 %) machos e 3 1 7 ( 3 0 ,3 %) fêmeas ( Tabela 2 ) .
L.lo ngipa lpis foi a espécie mais encontrada, totalizando 7 4 ,1 % do s exemplares c apturado s ( Figura 2 ) . Os resultado s em relaç ão ao c omportamento das espéc ies foram: 3 6 2 ( 3 4 ,7 % ) fo r am c aptur adas no intr ado m ic ílio e 6 8 1 ( 6 5 , 3 % ) no peridomic ílio ( Figura 3 ) .
A Tabela 3 apresenta o número mensal de espéc ies de fleb o to míneo s c aptur ado s no munic ípio , segundo sexo e espéc ie, no período de setembro de 2 0 0 2 a agosto de 2 0 0 3 .
Na relaç ão de flebotomíneos c apturados mensalmente, segundo bairros e sexo pôde-se observar que o bairro João B o te lh o a pr e s e n to u o m a io r ín dic e de fle b o to m ín e o s c apturados ( 3 2 ,8 % ) .
Tabela 1 - In qu érito de LVC realizado em cães domiciliados n o Mu n icípio de Mon tes Claros, an o de 2002.
Bairros Total de cães No de cães positivos Prevalência de LVC ( %)
Alterosa 594 20 3,6
Chiquinho Guimarães 397 9 2,3
João Botelho 172 17 9,9
Morrinhos 1169 74 6,3
Vila São Francisco de Assis 625 39 6,2
Santa Rita I 248 12 4,8
Vila Guilhermina 470 17 3,6
Vila Mauricéia 307 11 3,6
Vila Oliveira 324 28 8,6
Village do Lago II 489 9 1,8
Total 4795 236 4,9
Tabela 2 - Flebotomín eos captu rados n o Mu n icípio de Mon tes Claros, Min as Gerais, n o período de setem bro de 2002 a agosto de 2003.
Espécies Machos Fêmeas Total Percentagem
Brum pto m yia - 1 1 0,1
Lutzo m yia ca vernico la 1 - 1 0,1
L. eva ndro i - 1 1 0,1
L. interm edia 34 18 52 5,0
L. lenti 10 12 22 2,1
L. lo ngipa lpis 619 154 773 74,1
L. m igo nei 3 - 3 0,3
L. peresi 1 - 1 0,1
L. pesso a i - 1 1 0,1
L. quinquefer 7 12 19 1,8
L. renei 2 19 21 2,0
L. sa llesi 22 73 95 9,1
L. so rdellii 1 1 2 0,2
L. term ito phila - 2 2 0,2
L. trinida densis 4,1,5,1,5
l. whitm a ni 3 - 3 0,3
Lutzo m yia sp 20 21 41 3,9
Na Tabela 4 e Figura 4 , pode ser observada a relaç ão entre o número de L. lo n gi p a lp i s c apturados e a prevalênc ia c anina no munic ípio de Montes Claros.
DISCUSSÃO
Desde a déc ada de 7 0 , vem sendo verific ado o fenômeno
da urbanizaç ão da LV2 7. As transformaç ões ambientais, tais
c omo sec as prolongadas e periódic as, seguidas de migraç ão,
Fi gu r a 2 - Po r ce n ta ge m d e L. lo ngipa lpis e m r e l a çã o a s d e m a i s e spé ci e s captu r adas n o Mu n i cí pi o de Mon te s Cl ar os, Mi n as Ge r ai s.
Figu r a 3 - Com por tam e n to das e spé cie s de Fle botom ín e os captu r ados e m Mon te s Cl ar os e m r e l ação à e n dof i l i a e e x of i l i a.
Tabela 3 - Nú mero men sal das espécies mais n u merosas de flebotomín eos captu rados, n o Mu n icípio de Mon tes Claros, n o período de 2 0 0 2 a agosto de 2 0 0 3 .
Ano Meses L. interm edia L. lenti L. lo ngipa lpis L. quinquefer L. renei L. sa llesi
2002 f f f f f f
set 5 - 5 1 1 6
out 5 - 45 - 4 11
nov 2 4 17 - 1 28
dez - 4 28 10 7 12
2003 jan - - 4 - - 1
fev - -15 - - 3
mar - 1 5 1 3 3
abr 2 2 21 - - 4
mai 2 - 2 - 2 1
jun - - 5 - 1
-jul - - 3 - - 1
ago 2 1 2 - - 3
Total 18 12 152 12 19 73
Fi gu r a 4 - Cor r e l ação e n tr e n ú m e r o de L. lo ngipalpis captu r ados e pr e val ê n ci a da LVC n o Mu n i cí pi o de Mon te s Cl ar os, Mi n as Ge r ai s.
ur b anizaç ão c r esc ente e êxo do r ur al, vêm ac ar r etando a expansão das áreas endêmicas e o aparecimento de novos focos da doenç a. Estes fatores levam a uma reduç ão do espaç o ecológico da doença, facilitando a ocorrência de epidemias2 9.
Como principais determinantes dos níveis endêmicos atuais da LV, atr ib ui-se uma sé r ie de fato r e s inte r r e lac io nado s. Salientam-se a existência de práticas agrárias, exploração do solo, interrupç ão da vigilânc ia epidemiológic a, proc esso de
Tabela 4 - Distribuição do número de flebotomíneos capturados por bairro ( período de setembro de 2002 a agosto de 2003) e prevalên cia de LVC ( an o 2002) n o Mu n icípio de Mon tes Claros, MG.
Bairros L. lo ngipa lpis capturados Prevalência da LVC
%
Alterosa 8 3,6
Chiquinho Guimarães 1 2,3
João Botelho 273 9,9
Morrinhos 92 6,3
Vila São Francisco de Assis 70 6,2
Santa Rita I 113 4,8
Vila Guilhermina 19 3,6
Vila Mauricéia 59 3,6
Vila Oliveira 134 8,6
Village do Lago II 4 1,8
urbanizaç ão, áreas sem c ondiç ão de moradia adequada, e consequentemente a presença de cães infectados, propiciando a adaptação da Leishm a nia ao novo nicho ecológico2 1. As epidemias registradas em importantes centros urbanos do país evidenciam como o processo migratório do campo para as grandes cidades influenciou na mudança do perfil epidemiológico da LV2 7.
Obrigatoriamente, outros fatores devem estar envolvidos, em especial o potencial de transmissão decorrente da densidade vetorial e taxa de infecção dos vetores, além da vulnerabilidade das pessoas susc etíveis ao desenvolvimento da doenç a. Os inquéritos sorológicos na população de cães e os levantamentos entomológicos, nas áreas endêmicas, revelam em alguns locais, prevalênc ia da LVC muito alta e a presenç a predominante e abudante do vetor, o que redunda em elevado risco de transmissão para o homem2 7.
No município de Montes Claros, é encontrado um ambiente característico e propício à ocorrência de LV. As habitações são, em sua maioria extremamente pobres, com deficiência na coleta de lixo e de saneamento básic o, em algumas áreas muitos mo r ado r e s po ssue m b aixo s índic e s só c io -e c o nô mic o s, a c o nvivê nc ia c o m animais do mé stic o s é b astante e le vada, resultando em acúmulo de matéria orgânica , proporcionando c ondiç ões favoráveis para a oc orrênc ia da transmissão da do e nç a. Outr o fato r impo r tante na tr ansmissão e que se assemelha ao descrito por Sherlock, é que a LV vem ocorrendo com mais frequência em áreas quentes, onde o clima é seco com média de chuvas anuais de 5 5 0 mm2 4.
Ne s te e s tudo fo r a m c a ptur a do s 1 . 0 4 3 e xe m pla r e s , apresentando 1 6 espécies diferentes ( Tabela 2 ) . Em todos os bairros estudados foram capturados flebotomíneos, com alguns locais apresentando grande densidade vetorial, como é o caso dos bairros Jõao Botelho, Vila Oliveira, Santa Rita I e Morrinhos. Estes pontos c oinc idem proporc ionalmente c om a taxa de prevalência da LVC elevada ( Tabela 4 e Figura 4 ) .
Nossos resultados permitem-nos considerar que alguns fatores estão influenciando a eco-epidemiologia da LV no município de Montes Claros. Sherlock, observou na Bahia e em outras regiões do país, que a pobreza, desnutrição, grande número de cães infectados, além da alta densidade de flebotomíneos tanto no intradomicílio como no peridomicílio, estão associados com o grande número de animais domésticos e péssimas condições sanitárias e baixo nível sócio-econômico2 4.
É conhecido que a densidade da população de L. lo ngipa lpis
que transmite L. cha ga si esteja associada também ao peridomicílio, sendo freqüente sua presença em locais com animais domésticos13 25.
Camargo-Neves et al5 consideram a necessidade de analisar
a superfíc ie da densidade vetorial e c orrelac ioná-la c om os aspectos ambientais do peridomicílio, tais como presença de vegetação, raízes, troncos de árvores e matéria orgânica no solo, representando possíveis abrigos e criadouro para o vetor5.
No município de Montes Claros, L. lo ngipa lpis foi a espécie predominante, tanto no intradomicílio c omo no peridomicílio, com 7 4 ,1 % em relação as outras espécies. Esta espécie esteve
presente em todos os meses e bairros estudados, o que reforça a sua adaptabilidade a ambientes domésticos.
A importância da presença de L. lo ngipa lpis nos ambientes urbanos, se faz devido a essa espécie estar bem adaptada e ter um papel importante na epidemiologia da doença, como também
sua ampla distribuiç ão ao longo do país2 3. Além de ser a
espéc ie mais c omum, tanto dentro c omo fora das habitaç ões,
L. lo ngipa lpis também tem sido a mais encontrada no norte do estado de Minas Gerais, onde a LV aparece de forma endêmica.
Os dados da Tabela 3 mostram que os flebotomíneos foram encontrados na maioria dos meses estudados, porém a densidade vetorial foi significativamente maior entre os meses de outubro a abril, que parecem seguir o padrão encontrado por Marzochi et al19, onde observou que altas temperaturas e alta umidade relativa do ar, coincidem com o pico de transmissão da infecção da LV, que ocorre durante a estação chuvosa, quando os insetos invadem os domicílios à noite para se alimentarem em humanos e cães1 9.
Um importante aspec to de doenç as ligadas a vetor, é a existência de uma população de hospedeiros, que é efetivamente responsável pela manutenção e dispersão da doença2 8. Portanto, o conhecimento dos reservatórios é importante para o efetivo controle da LV. Convém lembrar que, outros fatores de risco da LV talvez sejam mais complexos, como a urbanização do ciclo de transmissão e a manutenção de um ciclo enzoótico no município3.
França-Silva et al1 4 realizaram um inquérito sorológico no munic ípio de Montes Claros, no ano de 1 9 9 7 , onde foram avaliados 3 3 .9 3 7 cães da área urbana e rural, e verificaram que a taxa média de prevalênc ia da LVC foi de 9 ,7 % . Seus e studo s r e ve lar am a im po r tânc ia do c ão c o m o r e se r vató r io par a
L. c h a ga si no munic ípio1 4.
Roc ha realizou um estudo no ano de 2 0 0 1 , onde foram analisados 6.928 cães em apenas 15 bairros do município de Montes Claros, e verificou que a prevalência da LVC média anual foi 4,6%22.
A taxa média de prevalência da LVC no estudo realizado no município de Montes Claros em 2 0 0 2 , foi de 4 ,9 %, com bairros onde verificou-se taxas variando entre de 8 ,6 e 9 ,9 %, como João Botelho e Vila Oliveira. Esse estudo demonstra que a prevalência da LVC continua sendo um grande problema no município de Montes Claros.
Os resultados obtidos sugerem que a LVC está amplamente distribuída no município de Montes Claros, caracterizando a região c omo importante área endêmic a, devido à presenç a elevada do vetor e ao grande número de casos caninos da doença, traduzindo-se em um grave problema de saúde pública.
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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