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O direito a ter direitos efetivos : as dimensões normativas e eficácia do direito fundamental social à assistência jurídica integral e gratuita de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) à luz do atual regime jurídico co

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Academic year: 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DOUTORADO EM DIREITO

TIAGO FENSTERSEIFER

O DIREITO A TER DIREITOS EFETIVOS:

as dimensões normativas e eficácia do direito fundamental social à assistência jurídica integral e gratuita de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) à luz do atual regime jurídico constitucional e infraconstitucional da Defensoria Pública brasileira

Orientador: Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DOUTORADO EM DIREITO

O DIREITO A TER DIREITOS EFETIVOS: AS DIMENSÕES NORMATIVAS E

EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA DE TITULARIDADE DOS

INDIVÍDUOS E GRUPOS SOCIAIS NECESSITADOS (OU

VULNERÁVEIS) À LUZ DO ATUAL REGIME JURÍDICO

CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA

TIAGO FENSTERSEIFER

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DOUTORADO EM DIREITO

TIAGO FENSTERSEIFER

O DIREITO A TER DIREITOS EFETIVOS:

as dimensões normativas e eficácia do direito fundamental social à assistência jurídica integral e gratuita de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) à luz do atual regime jurídico constitucional e infraconstitucional da Defensoria Pública brasileira

Tese realizada como exigência final para a obtenção do título de Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

ORIENTADOR: PROF. DR. INGO WOLFGANG SARLET

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F341 Fensterseifer, Tiago

O direito a ter direitos efetivos: as dimensões normativas e eficácia do direito fundamental social à assistência jurídica integral e gratuita de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) à luz do atual regime jurídico constitucional e infraconstitucional da Defensoria Pública brasileira. / Tiago Fensterseifer. – Porto Alegre, 2016.

276 f.

Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, PUCRS.

Orientação: Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet.

1. Direitos fundamentais. 2. Defensoria pública. 3. Direito público - Brasil. 4. Acesso à justiça. 5. Sistema Judiciário. 6. Direitos sociais. I. Sarlet, Ingo Wolfgang. II. Título.

CDD 341.27

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TERMO DE APROVAÇÃO

A Tese intitulada “O DIREITO A TER DIREITOS EFETIVOS: AS DIMENSÕES NORMATIVAS E EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA DE TITULARIDADE DOS INDIVÍDUOS E GRUPOS SOCIAIS NECESSITADOS (OU VULNERÁVEIS) À LUZ DO ATUAL REGIME JURÍDICO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA

PÚBLICA BRASILEIRA”, apresentada por seu autor TIAGO

FENSTERSEIFER como requisito final para a obtenção do título de Doutor em Direito, junto ao Doutorado em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), submeteu-se a banca avaliadora na data abaixo.

Porto Alegre, 29 de março de 2016.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet

Presidente da Banca e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

______________________________________

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Aos meus amados pais, Vitor e Varna, por todo o suporte afetivo e material que sempre estiveram por detrás de cada aventura e desventura deste filho caçula. Dos primeiros passos escolares no Colégio Martin Luther, em Estrela, até a obtenção do título de Doutor em Direito que está próximo de se concretizar. Mesmo quando estivemos geograficamente distantes (Costa Rica, Estados Unidos, Florianópolis, São Paulo, Santos, Munique, Campinas, etc.), o amor sempre nos manteve próximos, muito próximos. Espero um dia representar para a Lulu e a Bela o mesmo exemplo de amor, de cuidado e dedicação à família que vocês representam para mim.

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questão revela, ao meu ver, o acertado entendimento vigente na Defensoria Pública paulista de que o fortalecimento institucional passa também, para além da qualificação e aprimoramento da assistência jurídica prestada diretamente aos usuários dos nossos serviços, pelo aperfeiçoamento técnico e produção científica dos seus membros, notadamente em temas institucionais sensíveis, como é, sem dúvida, o objeto desta pesquisa.

À CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado-sanduíche, tornando possível a realização de pesquisa junto ao prestigiado Instituto Max-Planck de Direito Social e Política Social de Munique, na Alemanha.

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“A proteção dos fracos (ou vulneráveis) é um tema antigo e central de cada ordem jurídica e social. O problema decorre do fato de que nenhuma sociedade existe na qual todos os membros são igualmente fortes. Em muitos aspectos, há relações de poder diferenciadas (diferenças de poder ou potência), causadas, em parte, por fatores naturais (gênero, raça, idade, capacidade, estado de saúde), em parte por fatores sociais (classe social, educação, formação) e, em parte, por fatores econômicos (patrimônio, renda). A experiência tem mostrado que, pela desigualdade de forças, há sempre o risco de o mais forte – podendo ele ser um indivíduo ou grupo - explorar a sua superioridade em detrimento dos mais fracos. Há, portanto, a necessidade de proteção dos mais fracos. A demanda por essa proteção, desde então, tem encontrado cada vez mais compreensão e reconhecimento no decorrer do tempo. Isso se aplica, em especial, para a proteção da criança, da mulher, dos idosos, dos deficientes e dos pobres”. (Eike von Hippel) 1

“El derecho de acceso a la justicia, dotado de contenido jurídico propio, significa, lato sensu, el derecho a obtener justicia. Configurase, así, en suma, como el derecho a la propia realización de la justicia. Uno de los componentes principales de ese derecho es precisamente el acceso directo a un tribunal competente, mediante un recurso efectivo y rápido, y el derecho a ser prontamente oído por dicho tribunal, independiente e imparcial, a niveles tanto nacional como internacional (artículos 25 y 8 de la Convención Americana). Como me permití señalar en una obra reciente, podemos aquí visualizar un verdadero derecho al Derecho, o sea, el derecho a un ordenamiento jurídico - a niveles tanto nacional como internacional - que efectivamente salvaguarde los derechos fundamentales de la persona humana.” (A. A. Cançado Trindade)2

1Tradução livre do autor da passagem: “Der Schutz des Schwächeren ist ein altes und zentrales Thema

jeder Rechts- und Sozialordnung. Das Problem ergibt sich aus der Tatsache, dass keine Gesellschaftsordnung existiert, in der alle Mitglieder gleich stark sind, sondern dass in vielerlei Hinsicht unterschiedliche Kräfteverhältnisse (Machtunterschiede) bestehen, die teils durch natürliche Faktoren bedingt sind (Geschlecht, Rasse, Alter, Begabung, Gesundheitszustand), teils durch soziale Faktoren (Schichtzugehörigkeit, Erziehung, Ausbildung), teils durch ökonomische Faktoren (Vermögen, Einkommen). Erfahrungsgemäss besteht bei ungleicher Kräftelage stets die Gefahr, dass Stärkere - mag es sich nun um Einzelpersonen oder um Gruppen handeln - seine Überlegenheit auf Kosten des Schwächeren ausnutzt. Deshalb bedarf der Schwächere des Schutzes. Die Forderung nach einem solchen Schutz hat im Laufe der Zeit denn auch zunehmend Verständnis und Anerkennung gefunden. Das gilt insbesondere für den Schutz des Kindes, der Frau, der Alten, der Behinderten und der Armen”. HIPPEL, Eike von. Der Schutz des Schwächeren. Tübingen: J.C.B.Mooh, 1982, p. 1.

2 Passagem do voto de A. A. Cançado Trindade, Ex-Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

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RESUMO

O objetivo da presente tese é empreender estudo sobre o atual regime jurídico constitucional e infraconstitucional da Defensoria Pública no Brasil, inclusive pelo prisma da sua nova posição perante o Sistema de Justiça. Frente ao novo cenário legislativo institucional inaugurado pela Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Poder Judiciário), passando, entre outros diplomas, pela Lei 11.448/2007 (que consagrou sua legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública), pela reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria – Lei 80/94 (realizada por meio da Lei Complementar Federal 132/2009), pela Emenda Constitucional 74/2013 (Autonomia da DPU e da DP/DF), pela Emenda Constitucional 80/2014 e pelo Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), vislumbra-se para a Defensoria Pública um novo paradigma de atribuições e papel a exercer no âmbito do Sistema de Justiça, rompendo com sua concepção clássica de feição liberal individualista - centrada quase que exclusivamente na atuação judicial individual na área criminal – em prol da sua legitimidade para atuar, tanto no âmbito individual quanto coletivo, na tutela e promoção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (liberais, sociais e ecológicos) de titularidade das pessoas necessitadas (tanto pelo prisma econômico quanto organizacional). À luz desse novo marco normativo, desenvolve-se a consagração do direito fundamental social à assistência jurídica integral e gratuita de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXXIV), inclusive como conteúdo do direito-garantia fundamental ao mínimo existencial. Tomando por base o modelo público de prestação de assistência jurídica aos necessitados por meio da Defensoria Pública consagrado pelo nosso texto constitucional (art. 134), cabe ao Estado (Estado-Legislador e Estado-Administrador), tanto no plano federal quanto estadual (e distrital), o dever de progressividade no sentido de assegurar adequada estruturação à instituição, sob pena de intervenção judicial na hipótese de omissão ou atuação insuficiente (à luz do princípio da proporcionalidade).

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ABSTRACT

The aim of this thesis is to undertake study on the current constitutional and infra-constitutional legal regime of the Public Defender in Brazil, including through the prism of his new position in the Justice System. Under the new institutional legislative scenario opened by Constitutional Amendment 45/2004 (Reform of the Judiciary), and complemented, among other legal instruments, by the Federal Law 11.448/2007 (which established its legitimacy to the class action), by the reform of the National Law of Public Defense – Federal Law 80/94 (held by the Federal Law 132/2009), by the Constitutional Amendment 74/2013 (Constitutional Autonomy of Federal Public Defense), by the Constitutional Amendment 80/2014, and by the New Civil Procedure Code (Law 13.105/2015), sets to the Public Defense a new paradigm of assignments and role to play in the Justice System, breaking with its classic liberal individualistic design - focused almost exclusively on individual judicial action in criminal law - for the sake of legitimacy to act, both at the individual and collective procedure, in the protection and promotion of fundamental rights of all generations or dimensions (liberal, social and ecological) of ownership of those in need (both economic and organizational perspective). In light of this new regulatory framework, the thesis develops the consecration of the fundamental social right to full and free legal assistance ownership of individuals and needy social groups (or vulnerable) in the Federal Constitution of 1988 (art. 5, LXXIV), including it as content of the fundamental right-guarantee the existential minimum (minimum core obligation). Based on the public model for providing legal assistance to those in need through the Public Defender enshrined in our Constitution (art. 134), the State (Legislator and State-Administrator), both at the federal and state levels, the progressivity duty to ensure proper structuring the institution, under penalty of judicial intervention in the case of omission or insufficient performance (under the principle of proportionality).

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ABREVIATURAS

AC – Apelação Cível ACP – Ação Civil Pública

ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (da CF/88) ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AgRg - Agravo Regimental

AI – Agravo de Instrumento

AIDEF - Associação Interamericana de Defensorias Públicas ANADEP – Associação Nacional dos Defensores Públicos

ANADEF – Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais AP – Ação Popular

APP – Área de Preservação Permanente AR – Ação Rescisória

ARE – Agravo em Recurso Extraordinário

CCB – Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002) CDC – Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) CEDH – Corte Europeia de Direitos Humanos

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CIDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CNMP – Conselho Nacional do Ministério Púbico

CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público CPC – Código de Processo Civil (Lei 5.869/73)

CPP – Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41) DESC – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais DP – Defensoria Pública

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EC – Emenda Constitucional

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) EIA - Estudo de Impacto Ambiental

IC – Inquérito Civil

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica

LACP – Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.437/85) LAJ - Lei de Assistência Judiciária (Lei 1.060/50) LC – Lei Complementar

LC 80/94 - Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei Complementar Federal 80/94)

LC 132/2009 - Lei Complementar Federal 132/2009

LCE 988/2006 – Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual 988/2006)

LEP – Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) LO – Lei Ordinária

MC - Medida Cautelar

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MJ – Ministério da Justiça

MP – Ministério Público

MPF – Ministério Público Federal MPU – Ministério Público da União MRE – Ministério de Relações Exteriores MS – Mandado de Segurança

MSC – Mandado de Segurança Coletivo

NCPC – Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OEA – Organização dos Estados Americanos OMS – Organização Mundial da Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PEC – Proposta de Emenda Constitucional PF – Polícia Federal

PGR – Procurador-Geral da República

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PIDCP – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) PL – Projeto de Lei

PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) PNSB – Política Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007) PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PROCON – Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor PUC/RS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Rcl – Reclamação Constitucional

RE – Recurso Extraordinário

RePro – Revista de Processo (Editora Revista dos Tribunais) REsp – Recurso Especial

RG – Repercussão Geral

RMS - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança SINPDEC - Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil SNDC - Sistema Nacional de Defesa do Consumidor SUS - Sistema Único de Saúde

STA – Suspensão de Tutela Antecipada STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça

TAC – Termo de Ajustamento de Conduta TJ – Tribunal de Justiça

TRF – Tribunal Regional Federal

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 21

DEFENSORIA PÚBLICA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E ACESSO À JUSTIÇA ... 21

1.ALGUMASPALAVRASINICIAISACERCADOOBJETODEPESQUISA: SITUANDOO“ESTADODAARTE”DODIREITOFUNDAMENTALÀ ASSISTÊNCIAJURÍDICAEDADEFENSORIAPÚBLICANAATUAL CONFORMAÇÃODOSISTEMADEJUSTIÇABRASILEIRODELINEADOPELA CF/88 ... 21

2.MAPADAPESQUISAEMPREENDIDAEPERCURSOTRILHADOPARAO DESENVOLVIMENTODATESE ... 35

CAPÍTULO I ... 39

O CONCEITO DE JURÍDICO DE NECESSITADO E O REGIME JURÍDICO DE ESPECIAL PROTEÇÃO DOS INDIVÍDUOS E GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 39

1. OREGIMEJURÍDICO(CONSTITUCIONALEINFRACONSTITUCIONAL)DE ESPECIALPROTEÇÃODOSINDIVÍDUOSEGRUPOSSOCIAIS “NECESSITADOS”(OU“VULNERÁVEIS”) COMOPREMISSAÀEDIFICAÇÃO DOESTADOSOCIALEDEMOCRÁTICODEDIREITOESTABELECIDOPELA CF/88 ... 39

2.OCONCEITOJURÍDICODENECESSITADO(OUVULNERÁVEL)NACF/88E NALEGISLAÇÃOINFRACONSTITUCIONAL:PARAALÉMDOESPECTRO INDIVIDUALEESTRITAMENTEECONÔMICO ... 52

2.1. As dimensões do conceito jurídico de necessitado (ou vulnerável) ... 52

2.1.1. Necessitado “em sentido estrito” (ou “em termos econômicos”) ... 54

2.1.2. Necessitado “em sentido amplo” (ou “em termos organizacionais”): as diferentes categorias (e o rol apenas exemplificativo) de indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) no ordenamento jurídico brasileiro à luz das Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condições de Vulnerabilidade (2008) ... 59

2.1.3. Os indivíduos e grupos sociais “hipervulneráveis” ... 71

2.2. A questão da assistência jurídica às pessoas jurídicas ... 74

CAPÍTULO II ... 80

A DEFENSORIA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: O DELINEAMENTO DE UM NOVO REGIME JURÍDICO INSTITUCIONAL E A SUPERAÇÃO DO PARADIGMA LIBERAL NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA PRESTADA PELO ESTADO AOS INDIVÍDUOS E GRUPOS SOCIAIS NECESSITADOS (OU VULNERÁVEIS) ... 80

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1.1. A assistência apenas “judiciária” prestada às pessoas necessitadas antes da CF/88 ... 80 1.2. Distinção conceitual entre “assistência judiciária” e “assistência jurídica” (à luz da nova redação do art. 4º da LC 80/94) ... 83

1.2.1. Educação em direitos das pessoas necessitadas e o caráter democrático-participativo inerente a tal função institucional da Defensoria Pública (arts. 1º e 4º, III, da LC 80/94) ... 94 1.2.2. A gratuidade da justiça (Lei 1.060/50) em face do atual conceito de

assistência jurídica e da nova regulamentação trazida pelo Novo Código de Processo Civil ... 98 1.3. Defensoria Pública, dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos): a superação do paradigma liberal individualista no âmbito da assistência jurídica prestada aos indivíduos e grupos sociais

necessitados (ou vulneráveis)... 102 1.3.1. O princípio da dignidade da pessoa humana como maior objetivo

institucional da Defensoria Pública (art. 3-A da LC 80/94, incluído pela LC 132/2009) ... 102 1.3.1.1. O princípio (e valor) da dignidade da pessoa humana como “limite” e “tarefa” do Estado Social e Democrático de Direito edificado pela Lei

Fundamental de 1988 ... 102 1.3.1.2. Algumas considerações sobre a tese da indivisibilidade e

interdependência dos direitos fundamentais (e dos direitos humanos no plano internacional) na perspectiva da atuação da Defensoria Públicaem prol de uma tutela integral da dignidade das pessoas necessitadas (ou vulneráveis) ... 104 1.3.2. Defensoria Pública, acesso à justiça e direitos fundamentais liberais ... 108 1.3.3. Defensoria Pública, acesso à justiça e direitos fundamentais sociais ... 117 1.3.4. Defensoria Pública, acesso à justiça e direitos fundamentais ecológicos (ou de solidariedade) ... 122 1.3.5. A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública como novo paradigma de acesso à justiça em favor dos indivíduos e grupos sociais necessitados ... 127 1.3.5.1. Defensoria pública, ação civil pública e controle judicial de políticas públicas voltadas à defesa e promoção de direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos) dos indivíduos e grupos sociais necessitados ... 133 2.ACONSAGRAÇÃODOMODELOPÚBLICODEASSISTÊNCIAJURÍDICA NOSISTEMADEJUSTIÇABRASILEIROEDAAUTONOMIA(FUNCIONALE ADMINISTRATIVA)DADEFENSORIAPÚBLICAPORMEIODASEMENDAS CONSTITUCIONAIS45/2004,74/2013E80/2014... 136

2.1. O modelo público (e o serviço público essencial) de assistência jurídica

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2.2.1. A autonomia da Defensoria Pública frente aos três poderes republicanos (Legislativo, Executivo e Judiciário) ... 142 2.2.1.1. A importância da autonomia (funcional e administrativa) da Defensoria Pública (art. 134, § 2º e § 3º, da CF/88) na defesa e promoção dos direitos fundamentais (e, em especial, dos direitos sociais) dos indivíduos e grupos

sociais necessitados (art. 4º, § 2º, da LC 80/94) em face dos entes estatais ... 153 2.2.2. A autonomia da Defensoria Pública em face da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ... 155 2.2.2.1. Distinção entre advocacia privada e o múnus público exercido pela Defensoria Pública ... 155 2.2.2.2. A (in)constitucionalidade da obrigatoriedade de os convênios

complementares de assistência judicial serem firmados com a OAB: a

jurisprudência firmada pelo STF nas ADI 4.163/SP e ADI 4270/SC ... 158 2.2.2.3. A questão da desvinculação dos Defensores Públicos dos quadros da OAB e a não subordinação funcional dos Defensores Públicos ao Tribunal de Ética Disciplinar da OAB (TED): breves considerações sobre a ADI 4.636/DF interposta pelo Conselho Federal da OAB junto ao STF ... 164

CAPÍTULO III ... 173 O DIREITO A TER DIREITOS EFETIVOS: AS DIMENSÕES NORMATIVAS E EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL DE TITULARIDADE DOS INDIVÍDUOS E GRUPOS SOCIAIS NECESSITADOS (OU

VULNERÁVEIS) À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA PRESTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA ... 173

1.ODIREITOÀASSISTÊNCIAJURÍDICANOCENÁRIODODIREITO INTERNACIONALDOSDIREITOSHUMANOS(SISTEMAGLOBALE

SISTEMAREGIONALINTERAMERICANO) ... 173 2.ACONSAGRAÇÃODODIREITOFUNDAMENTALÀASSISTÊNCIA

JURÍDICAINTEGRALEGRATUITANACF/88(ESUANATUREZADE

DIREITOSOCIAL) ... 181 2.1. Do “assistencialismo” estatal ao direito fundamental à assistência jurídica de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) ... 181 2.2. A natureza de direito social (e preponderância da função prestacional)

inerente ao direito fundamental à assistência jurídica aos necessitados (e a sua concretização por meio de políticas públicas progressivas voltadas à criação e estruturação da Defensoria Pública) ... 185 3.ATITULARIDADEDODIREITOFUNDAMENTALÀASSISTÊNCIA

JURÍDICA ... 192 4.ASDIMENSÕESNORMATIVASDODIREITOFUNDAMENTALÀ

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4.2.1. Os deveres de proteção do Estado para com o direito fundamental à

assistência jurídica de titularidade das pessoas necessitadas (ou vulneráveis) . 197 4.2.1.1. O dever estatal de ampliação progressiva do serviço público de

assistência jurídica aos necessitados (à luz da EC 80/2014) ... 202 4.2.2. As perspectivas organizacional e procedimental do direito fundamental à assistência jurídica ... 204 4.2.3. A Defensoria Pública (como garantia institucional) e o direito fundamental à assistência jurídica como cláusulas pétreas da CF/88 ... 207 4.3. A “dimensão subjetiva” do direito fundamental à assistência jurídica ... 210 4.3.1. Breves considerações sobre a dimensão subjetiva do direito fundamental à assistência jurídica ... 210 4.3.2. O direito fundamental à assistência jurídica como conteúdo normativo do direito-garantia fundamental ao mínimo existencial ... 213 5.AEFICÁCIADODIREITOFUNDAMENTALÀASSISTÊNCIAJURÍDICA . 218 5. 1. A “justiciabilidade” do direito fundamental à assistência jurídica ... 218

5.1.1. O controle judicial de políticas públicas de assistência jurídica aos necessitados em face do princípio da separação dos poderes e da reserva do possível ... 218 5.1.2. Análise da jurisprudência do STF sobre o controle judicial de políticas públicas de assistência jurídica ... 223 5.2. O direito fundamental à assistência jurídica na perspectiva da garantia

constitucional da proibição de retrocesso (legislativo e administrativo) ... 231 5.2.1. A garantia constitucional da proibição de retrocesso como limite à atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo nas políticas públicas de assistência jurídica aos necessitados prestada pela Defensoria Pública ... 231 5.2.2. Análise da garantia constitucional da proibição de retrocesso à luz da ADI 5.296/DF (proposta em face da EC 74/2013) ... 235

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21

INTRODUÇÃO

DEFENSORIA PÚBLICA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E ACESSO À JUSTIÇA

“(...) a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos (grifos do autor)” (Mauro Cappelletti e Bryant Garth).3

1. ALGUMAS PALAVRAS INICIAIS ACERCA DO OBJETO DE PESQUISA: SITUANDO O “ESTADO DA ARTE” DO DIREITO FUNDAMENTAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA E DA DEFENSORIA PÚBLICA NA ATUAL CONFORMAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA BRASILEIRO DELINEADO PELA CF/88

Ao passo que a preocupação do mundo jurídico volta-se cada vez mais para a efetivação dos direitos, não se satisfazendo com a sua mera proclamação em belos textos legislativos (a exemplo da CF/88), conforme já nos alertou Norberto Bobbio em passagem clássica4, ganha de modo crescente maior relevância as dimensões organizacional e procedimental dos direitos fundamentais ou mesmo a ideia de proteção dos direitos fundamentais por intermédio do(s) procedimento(s) (Grundrechtschutz durch Verfahren).5 Em alguns aspectos, não deixa de ser uma releitura do “status

3 CAPPELLETTI, Mauro; e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 11-12. Nos

anos 70, Mauro Cappelletti capitaneou profunda pesquisa, denominada de “Projeto Florença”, sobre a questão do acesso à justiça. Como resultado do estudo científico empreendido, v., além da obra citada anteriormente e traduzida para o português, também CAPPELLETTI, Mauro; GORDLEY, James; JOHNSON, Earl. Toward equal Justice: a comparative study of legal aid in modern societies. Milan: Giufre Editore, 1975; e CAPPELLETTI, Mauro (Org.). Acess to Justice and Welfare State. Florença: European University Institute, 1981.

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22

activus” dos direitos fundamentais, conforme a lição clássica de Georg Jellinek.6 O olhar dos juristas contemporâneos está focado mais do que nunca nos mecanismos necessários à transposição dos direitos proclamados nos textos legais para o “mundo da vida”. Os denominados direitos procedimentais (ou direitos de acesso, como referem alguns autores7) cumprem justamente tal função, operando no sentido da efetivação dos direitos ditos “materiais”. Mas, de tão importantes que são para o exercício dos direitos materiais, ou seja, para lhes conferir efetividade, os direitos procedimentais alcançam status jusfundamental. Esse é o caso do direito fundamental à assistência jurídica (ou mesmo do acesso à justiça em termos gerais), objeto nuclear deste estudo. Num mundo ideal onde o exercício dos direitos (sobretudo os de natureza fundamental) é pleno, a sua razão para existir desaparece. Mas não é esse o mundo em que vivemos, infelizmente. O mundo em que vivemos hoje (e, no passado, não foi diferente) perpetua violações constantes aos direitos fundamentais, inclusive no que diz respeito àqueles mais básicos e elementares ao desfrute de uma vida minimamente digna.

O acesso à justiça, para além da existência de Juízes e Tribunais competentes, imparciais e independentes, exige também que sejam asseguradas às pessoas – individual e coletivamente consideradas -, notadamente daquelas que não dispõem de recursos financeiros ou por outra razão se encontram em situação de vulnerabilidade existencial (por exemplo, pessoas pobres, criança e adolescente, pessoas com deficiência, idosos, consumidores, pessoas privadas de liberdade e mulher vítima de violência doméstica, etc.), medidas organizacionais (ou institucionais) e procedimentais capazes de fazer com que as violações aos seus direitos alcancem o Sistema de Justiça e, em última instância, o Poder Judiciário. Além de instrumentos processuais adequados e eliminação das taxas e custas judiciais, é essencial garantir assistência jurídica a tais

6 De acordo com a clássica Statuslehre de Jellinek, os direitos fundamentais apresentam as seguintes

“funções” (Grundrechtsfunkionen): 1) status negativus; 2) status positivus; e 3) status activus. No caso do

status negativus, os direitos fundamentais são tomados como direitos de defesa (Grundrechte als Abwerrechte). O status positivus, por sua vez, configura-se como a função prestacional dos direitos fundamentais (Grundrechte als Leistungsrechte). Já o status activus caracteriza os direitos fundamentais como direitos de participação ativa (Grundrechte als Rechte zur aktiven Teilnahme). HUFEN, Staatsrecht II..., p. 51.

7A doutrina também utiliza a expressão “direitos humanos procedimentais” (procedural human rights),

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pessoas necessitadas, ou seja, colocar à sua disposição, na forma de um serviço público prestado pelo Estado, agentes públicos capacitados para defender e promover os seus direitos, nas mais diversas áreas jurídicas (por exemplo, cível, criminal, previdenciária, trabalhista). Esse foi o “espírito” que norteou a criação da Defensoria Pública brasileira na Constituição da República Federativa do Brasil de 19888 (art. 5º, LXXIV, e art. 134), de modo a garantir o efetivo exercício dos direitos fundamentais pelos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis), em condições de igualdade material e fática, a fim de promover a superação dos óbices, sobretudo de natureza socioeconômica, que se opõem à efetividade dos seus direitos e ao desfrute de uma vida digna.

Qual a relação entre pobreza, desigualdade social e Defensoria Pública, considerando a peculiar realidade social brasileira? A resposta a tal questionamento é fundamental para uma compreensão adequada do papel político e jurídico atribuído constitucionalmente à Defensoria Pública. A ideia em torno do conceito de necessitado ou pessoa necessitada (art. 5, LXXIV, da CF/88) dá os primeiros contornos a respeito da relação proposta acima. A expressão necessitado carrega o significado de vulnerabilidade existencial dos indivíduos e grupos sociais atendidos pela Defensoria Pública, o que está, na absoluta maioria das vezes, diretamente associado à carência de recursos econômicos. Ou seja, num primeiro plano, são as pessoas pobres, individual ou coletivamente consideradas, as beneficiárias do serviço público prestado pela Defensoria Pública. A instituição possui, portanto, o seu foco de atuação centrado na população carente em termos socioeconômicos, encarregando-se, inclusive, da transformação de tal realidade, no sentido de assegurar a tais pessoas condições mínimas de bem-estar (como se verifica na defesa dos seus direitos sociais). Em sintonia com tal assertiva, o art. 3ºA, inciso I, da LC 80/94, inserido pela LC 132/2009, estabelece como objetivo da Defensoria Pública “a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais”, em perfeita sintonia com o art. 1º, III, da CF/88.

A tríade dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proteção dos vulneráveis (ou necessitados) encontra o seu alicerce no centro normativo-axiológico do nosso sistema constitucional. O modelo político-jurídico de um Estado Social e Democrático de Direito, tal como consagrado normativamente na nossa Lei

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Fundamental de 1988, estabelece como função primordial do Direito (e, por consequência, do Sistema de Justiça que o operacionaliza) estabelecer mecanismos protetivos, tanto de cunho propriamente material quanto processual, capazes de assegurar a superação das “vulnerabilidades” dos indivíduos e grupos sociais que as possuam e, por tal razão, não possam exercer os seus direitos com plenitude. Além disso, cabe também ao Estado a criação de instituições (ou organizações) e procedimentos, no âmbito dos poderes republicanos e em todas as esferas públicas, capazes de dar guarida à proteção e efetivação dos direitos de titularidade dos indivíduos e grupos sociais vulneráveis no âmbito do Sistema de Justiça. A Defensoria Pública, por sua vez, como estrutura organizacional de efetivação de tais valores e objetivos constitucionais, por meio do serviço público de assistência jurídica integral e gratuita que presta a tais pessoas, coloca-se como uma peça-chave no novo programa político jurídico estabelecido pela CF/88.

Num país em desenvolvimento, como é o caso do Brasil9, com um cenário socioeconômico tão desigual, a Defensoria Pública tem uma razão bastante significativa para existir, especialmente se os setores políticos estiverem efetivamente comprometidos com o projeto normativo delineado pela CF/88, uma vez que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º), além de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (I), “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (III). Somam-se a tais dispositivos inúmeros outros da CF/88 com o mesmo espírito normativo, como é o caso do inciso X do art. 23, o qual estabelece ser competência comum, ou seja, competência material e, portanto, dever constitucional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”. Ainda, no dispositivo constitucional de “abertura” do Título da Ordem Social (art. 193), está consignado que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Ou seja, bem-estar, justiça social e vida digna estão no âmago do nosso texto constitucional10, conferindo fundamento e legitimidade para a existência de uma instituição pública com o perfil da Defensoria Pública.

9 V. Relatório sobre Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(editado desde o ano de 1990). A edição de 2014 encontra-se disponível em: http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014pt.pdf. Acesso em: 30 de setembro de 2015.

10 Também o art. 170 da CF/88, de modo a somar-se a tal rol de dispositivos constitucionais lastreados

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A Defensoria Pública, portanto, é expressão desse novo paradigma jurídico social ou mesmo de um constitucionalismo social estabelecido pela CF/88.11 Não por outra razão é lá que se verifica a sua gênese constitucional (art. 134). A Defensoria Pública é concebida a partir de um novo Sistema de Justiça consolidado sob a ótica de um Estado Social e Democrático de Direito, tal qual assegurado na CF/88. Por mais que muito avanço se tenha dado no sentido de promover a “primeira onda renovatória” traçada por Mauro Cappelletti, no tocante a assegurar o acesso dos pobres à justiça, bem como a “segunda onda renovatória”, em relação à representação processual dos direitos difusos12, há ainda, na realidade brasileira, conforme refere J. C. Barbosa Moreira, uma

“forte demanda reprimida”, notadamente em relação às parcelas marginalizadas da nossa comunidade estatal, as quais se encontram privadas do acesso aos seus direitos fundamentais. De acordo com a lição clássica de Barbosa Moreira:

“há entre nós, no que concerne à vida jurídica, e particularmente nos estratos menos favorecidos da sociedade, uma forte demanda reprimida, uma enorme quantidade de prestações que não chegam a ser pedidas, de pleitos que não se formulam, de atos que não se praticam (...). O fenômeno tem causas numerosas e variadas. Uma delas, bastante óbvia, é a falta de informação: não poucos, pelo país afora, simplesmente ignoram que têm determinados direitos e que, se algum for lesado ou ameaçado de lesão, é possível reclamar do Estado uma providência reparadora ou acautelatória (...)”.13

e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

11 O constitucionalismo brasileiro edificado à luz da CF/88 a que nos referimos e o reconhecimento da

força normativa do texto constitucional estão alinhados à doutrina constitucional consolidada com base nesse novo paradigma, valendo destacar, a título ilustrativo e pela importância nuclear do pensamento de tais autores para a compreensão do “estado da arte” que vivenciamos hoje no Direito Constitucional brasileiro, a “doutrina da aplicabilidade das normas constitucionais” de José Afonso da Silva (Aplicabilidade das normas constitucionais. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, primeira edição de 1968, substancialmente ampliada posteriormente), a “doutrina da efetividade das normas constitucionais” de Luis Roberto Barroso (O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, primeira edição de 1986) e a “doutrina da eficácia dos direitos fundamentais” de Ingo Wolfgang Sarlet (A eficácia das normas constitucionais. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, primeira edição em 1998). Sem desmerecer o trabalho doutrinário também fundamental de inúmeros outros constitucionalistas, os três nomes em questão representam, de forma emblemática, ao olhar deste autor, a trajetória do Direito Constitucional brasileiro no sentido de romper com a tradição liberal-individualista até então (ou seja, até da CF/88) vigente e dominante na nossa tradição jurídica, assegurando, no seu estágio mais avançado e atual, a centralidade que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana passaram a ocupar no nosso Sistema Jurídico, tanto no Direito Público quanto no Direito Privado.

12 CAPPELLETTI; GARTH, Acesso à justiça..., p. 31 e ss.

13 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento

brasileiro de nosso tempo”. In: Revista de Processo, vol. 67, Revista dos Tribunais, Jul./1992, p. 124 e ss.

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A Defensoria Pública, nesse contexto, dá contornos concretos ao objetivo constitucional estampado nos dispositivos constitucionais referidos, bem como a própria efetivação do extenso rol dos direitos fundamentais sociais consagrados na CF/88. Há, por assim dizer, relação visceral entre o regime constitucional de proteção social e o papel delineado constitucionalmente para a Defensoria Pública. Tal quadro normativo está fundado, inclusive, por força do princípio da justiça distributiva ou compensatória14, na medida em que assegura proteção político-jurídica especial aos indivíduos necessitados e grupos sociais vulneráveis, de modo a alçá-los a um patamar de maior isonomia nas relações que travam com os demais particulares e com próprio Estado, preservando o seu status de cidadão. É, em última instância, o próprio princípio da igualdade que subjaz à assistência jurídica prestadas aos necessitados, tratando determinados indivíduos e grupos sociais de forma desigual, a fim de afirmar (por meio de uma ação política estatal afirmativa) a sua igualdade material no plano político-comunitário15. Não é outro o entendimento de J. J. Gomes Canotilho, segundo o qual “o acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades”.16 Do contrário, a vulnerabilidade existencial de tais pessoas ocasionada pela privação de direitos17 implicaria sua marginalização e exclusão social, bem como a total desconsideração da sua autonomia e condição moral e jurídica de sujeito. Também o princípio da solidariedade (ou da fraternidade) é dirigente do atual Estado Social e

releitura do conceito de “litigiosidade contida” formulado por Mauro Cappelletti, inclusive no sentido de

alertar para que a equivocada interpretação do referido conceito pudesse reforçar o excessivo “demandismo judicial” diagnosticado no âmbito do nosso Sistema de Justiça contemporâneo. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 139 e ss. No entanto, não obstante concordarmos com Mancuso a respeito da importância de se evitar o que ele denomina “demandismo judicial” e mesmo de se buscar a “desjudicialização” dos conflitos, entendemos, na linha da passagem citada por Barbosa Moreira, que ainda hoje a “litigiosidade contida” encontra correspondência na realidade contemporânea, notadamente em se tratando dos indivíduos e grupos sociais necessitados assistidos pela Defensoria Pública, havendo profundo abismo socioeconômico que lhes impede de conhecer seus direitos e, consequentemente, de promover a sua defesa (extrajudicial e judicialmente). A eles, a nosso ver, ainda se mostra atual o conceito de “litigiosidade contida” cunhado por Cappelletti.

14 V. GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Assistência jurídica pública: direitos humanos e políticas

sociais. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 22.

15 A questão da assistência judiciária gratuita vinculada ao princípio da igualdade fática, à luz da

jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, é tratada por ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, especialmente p. 415 e ss.

16 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra:

Almedina, 2003, p. 501.

17 V. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 2.ed. São

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Democrático e contribui para conformar os deveres jurídicos (do Estado e da sociedade) para com os grupos sociais vulneráveis.

A Defensoria Pública, nesse quadrante, exerce um papel constitucional essencial na tutela e promoção dos direitos fundamentais (e humanos) de todas as dimensões (ou gerações) de titularidade das pessoas vulneráveis (ou necessitadas), pautando-se, inclusive, pela perspectiva da integralidade, indivisibilidade e interdependência de todas elas. Ou seja, da mesma forma que a Defensoria Pública atua na tutela dos direitos liberais (ou de primeira dimensão) das pessoas necessitadas, conforme se verifica especialmente no âmbito da defesa criminal, movimenta-se também, e de forma cada vez mais expressiva, no sentido de tornar efetivos os seus direitos sociais (ou de segunda dimensão), o que se registra, por exemplo, nas ações individuais e coletivas que reivindicam prestações do Estado nas áreas da saúde (medicamentos e tratamentos médicos), da educação (vagas em creche e escolas públicas) e da moradia (ações e defesas de natureza possessória). Nesse cenário, com o surgimento dos direitos ecológicos (ou de terceira dimensão), automaticamente a tarefa constitucional de zelar por eles é atribuída à Defensoria Pública, em razão de que aos indivíduos e grupos sociais necessitados também deve ser garantido o desfrute de suas vidas em um ambiente saudável, equilibrado, seguro e, portanto, digno. Somente com o respeito aos seus direitos fundamentais – repita-se, de todas as dimensões - a dignidade de tais pessoas restará devidamente protegida, nos estritos termos ditados pela nossa ordem constitucional (art. 1º, III, da CF/88) e também pela Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (art. 3ºA, I, da Lei Complementar Federal 80/9418, com redação dada pela Lei Complementar Federal n. 132/200919).

As dimensões de direitos fundamentais, na sua essência, materializam os diferentes conteúdos normativos integrantes do princípio da dignidade da pessoa humana,20 o qual, juntamente com a redução das desigualdades sociais, se apresenta como o pilar da arquitetura constitucional brasileira e objetivo maior a ser perseguido por meio da atuação da Defensoria Pública. De modo a reforçar tal entendimento e para não deixar pairar qualquer dúvida sobre a abrangência da legitimidade da Defensoria Pública para a defesa e promoção dos direitos fundamentais de todas as dimensões, a

18 Doravante referida apenas como LC 80/94. 19 Doravante referida apenas como LC 132/2009.

20 Sobre o princípio (e valor constitucional) da dignidade da pessoa humana, v. a obra clássica de SARLET,

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LC 132/2009 – que, por sua vez, trouxe novo espírito normativo para a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/94) – fez consignar no seu art. 4º, inciso X, entre as suas funções institucionais, a tarefa de “promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela” (grifos do autor). Defrontada pela violação a direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos) e à dignidade de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica (ou mesmo organizacional, como será desenvolvido no primeiro capítulo da tese), a Defensoria Pública estará legitimada a atuar, tanto pelo prisma individual quanto coletivo, no sentido de fazer cessar tal situação degradadora dos valores republicanos.

Em reforço à nova amplitude de atribuições a cargo da Defensoria Pública, registra-se a sua inclusão no rol dos entes legitimados para a propositura da ação civil pública (art. 5.º, II, da Lei 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública21), promovida pela Lei 11.448/2007.22 O mesmo entendimento foi seguido na sequencia pela LC 80/94 (com redação dada pela LC 132/2009), ao estabelecer no seu art. 4.º, VII, como função institucional da Defensoria Pública, “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes”. Mais recentemente, a título de registro, também o novel Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) passou a prever tal legitimidade, alterando o art. 3º da 7.853/89. O reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública (e todos os instrumentos judiciais e extrajudiciais adequados à tutela coletiva, como, por exemplo, o termo de ajustamento de conduta) alinha-se o próprio dispositivo da LC 80/94 citado que atribui à instituição a defesa dos direitos fundamentais de todas as dimensões.

A tal cenário legislativo inovador, já bastante ilustrativo do seu novo regime jurídico institucional, soma-se também a norma inscrita no art. 1º da LC 80/94, com a nova redação que lhe foi conferida pela LC 132/2009, ao estabelecer que a “Defensoria

21 Doravante referida apenas como LACP.

22 Outro diploma relevante, com a mesma abordagem ampliativa da legitimidade da Defensoria Pública

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Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal”.23 Antes ainda da ampla reforma da LC 80/94 promovida LC 132/2009, inclusive criando um cenário político-jurídico propício a que tal ocorresse, registra-se o novo perfil dado à Defensoria Pública no plano constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004 (Reforma do Poder Judiciário24), alterando o texto do art. 134 da CF/88. A reforma constitucional em questão fortaleceu sobremaneira a sua dimensão jurídico-constitucional no âmbito do Estado de Direito brasileiro. A consagração da autonomia institucional (funcional, administrativa e financeira) da Defensoria Pública pelo texto constitucional - num primeiro momento apenas às Defensorias Públicas Estaduais, mas posteriormente também à Defensoria Pública da União (DPU) e à Defensoria Pública do Distrito Federal por meio da EC 74/201325 -, permite à instituição que persiga os seus objetivos de forma plena e independente, contribuindo para a efetivação dos direitos fundamentais das pessoas necessitadas, inclusive quando se fizer necessária a litigância em face dos poderes estatais.

O fortalecimento da Defensoria Pública no âmbito do Estado (Social e Democrático) de Direito brasileiro não parou por aí. Mais recentemente, a Emenda Constitucional n. 80/201426 (denominada “Defensoria para Todos”) cravou no texto constitucional o novo perfil constitucional já consagrado no plano infraconstitucional (na LC 80/94). Trata-se, sem dúvida, juntamente com a EC 45/2004, do principal passo dado pelo legislador constituinte derivado no sentido de consolidar o novo paradigma institucional da Defensoria Pública brasileira, inclusive comprometendo-se com a

23 Mais recentemente e como veremos na sequência, o dispositivo em questão teve o seu conteúdo

reproduzido integralmente no art. 134, caput, da CF/88, por meio da nova redação que lhe foi impressa pela Emenda Constitucional n. 80/2014.

24 Doravante referida apenas como EC 45/2004. Também por obra do legislador constituinte derivado,

resultou editada a EC 69/2012, a qual alterou os arts. 21, 22 e 48 da CF/88 para transferir da União para o Distrito Federal as atribuições de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal, inclusive assinalando, no seu art. 2º, que se aplicaria à Defensoria Pública do Distrito Federal “os mesmos princípios e regras que, nos termos da Constituição Federal, regem as Defensorias Públicas dos Estados”.

25 Muito embora a conquista em sede constitucional da autonomia da DPU, registra-se a interposição pela

Presidência da República da ADI 5.296/DF em face do § 3º do art. 134 da CF/88, incorporado por meio da EC 74/2013, ainda pendente de julgamento.

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ampliação da instituição em todo o território brasileiro. Inicialmente, vale destacar a consagração de seção própria para a Defensoria Pública (Seção IV), separando-a da Advocacia (Seção III). Mas a questão mais relevante do novo texto do caput art. 134 diz respeito ao reconhecimento da Defensoria Pública como “como expressão e instrumento do regime democrático” e o papel que lhe cumpre exercer (suas atribuições) na “promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”, constitucionalizando, em linhas gerais, o art. 1º da LC 80/94, referido anteriormente. Além de outros aspectos que poderiam ser extraídos do dispositivo em comento, vale registrar a vinculação da Defensoria Pública à tutela e promoção dos “direitos humanos” (ou direitos fundamentais, se mirarmos para o plano constitucional), o que vale para todas as suas dimensões ou gerações (direitos liberais, sociais e ecológicos ou de solidariedade), bem como dos “direitos coletivos”, constitucionalizando, de certa forma, a legitimidade da Defensoria Pública para o manuseio de ações coletivas (em especial, a ação civil pública27).

Também por força da EC 80/2014, resultou consagrado no art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), e aí reside o compromisso referido anteriormente do legislador constitucional com a efetivação do direito fundamental à assistência jurídica e a ampliação da Defensoria Pública no território nacional, que “o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população” (caput), estabelecendo-se, para tanto, que “no prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais” (§ 1º), bem como que “a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional” (§ 2º). Em linhas gerais, o dispositivo em questão estabeleceu um dever constitucional do Estado de ampliação progressiva do serviço público de assistência jurídica prestado pela Defensoria Pública, inclusive a ponto de estabelecer prazo máximo para tanto, sob pena de o ente estatal não o fazendo ou o

27 A nova redação do caput art. 134 da CF/88, notadamente em relação à nova previsão da atribuição da

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fazendo de modo insuficiente, com base no princípio da proporcionalidade, incidir em prática inconstitucional passível de controle judicial, tema este que retomaremos na parte final do Capítulo III.

Mais recentemente, outro avanço normativo (na verdade, o último de grande envergadura verificado até a finalização deste estudo) e marcante para o regime jurídico da Defensoria Pública, acompanhando o cenário legislativo referido nos parágrafos anteriores, diz respeito à edição do Novo Código de Processo Civil – NCPC (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015)28. A inclusão inédita de título próprio para a Defensoria Pública no NCPC (art. 185 a 187), tal como ocorria outrora na normativa processual anterior em relação, por exemplo, ao Ministério Público e à Advocacia Pública, segue, por assim dizer, a ordem natural das coisas, ou seja, a atualização do regime jurídico-processual à luz da atual conformação do nosso Sistema de Justiça. O seu art. 18529 reproduz basicamente o conteúdo do art. 1º da LC 80/94 e do art. 134, caput, da CF/88, conforme destacado anteriormente, reforçando tanto a atuação da Defensoria Pública na tutela e promoção dos direitos fundamentais (e direitos humanos) quanto a sua possibilidade de atuação no campo dos direitos coletivos (individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos). A nova matriz normativo-axiológica renovadora do processo civil brasileiro é facilmente identificada no capítulo de abertura do novo diploma processual (Capítulo I - Das Normas Fundamentais do Processo Civil), ao assinalar, no seu art. 1º, que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil” (grifos do autor). Em outras palavras, leia-se: direitos fundamentais.

Ao dispor de tal maneira, logo no seu artigo de abertura, o novo diploma processual anuncia o seu compromisso não com a “regra processual” como um fim em si mesmo, mas sim com a efetividade e proteção dos direitos postos em litígio, sobretudo quando estejam em jogo direitos fundamentais, alinhando-se às diretrizes normativas ditadas pelo princípio da instrumentalidade do processo30. Não por outra razão, a conexão entre direitos fundamentais e procedimentos judiciais, como pontua

28 Doravante referido apenas como NCPC.

29Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a

defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”. Na doutrina, acerca da nova conformação da Defensoria Pública no NCPC, v. SOUSA, José Augusto Garcia de (Coord.) Defensoria Pública. Coleção Repercussões do Novo CPC (Coord. Geral: Fredie Didier Jr.). Salvador: JusPodivm, 2015.

30 Na doutrina brasileira, a respeito do princípio da instrumentalidade do processo, v., por todos,

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Robert Alexy objetiva unir o aspecto material e o aspecto procedimental num modelo que garanta o primado do direito material.31 Ainda no tocante à proteção dos “vulneráveis”, andou bem a nova lei processual, ao proclamar a “paridade de armas” nas relações processuais, buscando equalizá-las ao máximo e, com isso, assegurar a justiça das decisões. Não por outra razão, dispõe o seu art. 7º que “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Ainda no campo da principiologia do NCPC, mas sobretudo em vista do papel dos Juízes e Tribunais, merece destaque o seu art. 8º, ao asseverar que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Isso, por si só, implica um olhar diferenciado por parte dos Juízes e Tribunais para os indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) no âmbito judicial, cabendo-lhes, por assim dizer e enquanto representantes do Estado-Juiz, assegurar a referida “paridade” na relação processual, especialmente quanto estiverem em jogo direitos fundamentais de tais pessoas. Por fim, sem avançar mais nas minúcias dos inúmeros dispositivos inovadores da novel lei processual, cumpre registrar que todo o arcabouço normativo sedimentado por meio do NCPC apenas reforça o novo paradigma de ampliação do acesso à justiça inaugurado em 1988, tendo a Defensoria Pública como peça fundamental nesse processo de renovação do nosso Sistema de Justiça.

O fato de se atribuir à Defensoria Pública a tutela e promoção dos direitos fundamentais (das diferentes dimensões ou gerações, conforme registramos anteriormente) de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados acarreta na possibilidade de a referida instituição levar qualquer violação ou ameaça de lesão a tais direitos ao Poder Judiciário, garantindo o acesso de tais pessoas à justiça, o que, por si só, conforme será desenvolvido ao longo deste estudo, se trata de um dos mais básicos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade, conforme preconizado por Cappelletti na citação de abertura da presente Introdução. Em sintonia com tal entendimento, Luiz Guilherme Marinoni pontua que, além de ser um dos mais relevantes direitos fundamentais, o “direito de acesso à Justiça não é apenas necessário

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para viabilizar a tutela dos demais direitos, como imprescindível para uma organização justa e democrática. Não há democracia em um Estado incapaz de garantir o acesso à Justiça”.32 Tal é espírito normativo contido no art. 1º da LC 80/94, já referido em passagem anterior, ao ditar que a Defensoria Pública configura-se como “expressão e instrumento do regime democrático”. Com base em tal delineamento normativo, verifica-se a importância central do acesso à Justiça ao próprio sistema político-jurídico estatal, ainda mais quando se acrescenta ao mesmo o adjetivo de Estado “de Direito”, já que tal denominação estabelece justamente a subordinação do Estado (Estado-Legislador, Estado-Administrador e Estado-Juiz) e da sociedade ao Direito, e especialmente à Constituição e aos direitos fundamentais dos indivíduos e da coletividade, os quais concretizam os valores sobre os quais está consolidada a nossa comunidade político-estatal.

À Defensoria Pública, nesse sentido, cumpre justamente o papel de efetivar o direito fundamental de acesso à justiça daqueles indivíduos e grupos sociais que não dispõem de recursos próprios para fazê-lo por outros meios - ou mesmo que se encontrem em condições especiais de vulnerabilidade por integrarem grupos sociais vulneráveis -, de modo a assegurar aos mesmos a tutela e promoção dos seus direitos, já que, de acordo com Marinoni, “é evidente que não adianta outorgar direitos e técnicas processuais adequadas e não permitir que o processo possa ser utilizado em razão de óbices econômicos”33. Acompanhando Marinoni, pode-se afirmar que os direitos não passariam de tinta no papel sem um Sistema de Justiça – e também de instrumentos processuais - adequado para a sua efetivação em caso de violação ou ameaça de violação, tanto pela ação ou omissão de particulares quanto do próprio Estado. A criação, pela nossa Lei Fundamental de 1988, de uma instituição pública com tal objetivo, no caso a Defensoria Pública (art. 134), e o reconhecimento do direito fundamental das pessoas necessitadas à assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV) atendem justamente ao preceito constitucional do acesso à justiça (art. 5º, XXXV), concretizando e densificando o seu conteúdo normativo com o intuito de torná-lo efetivo, ou seja, tirá-torná-lo do papel. O direito fundamental à assistência jurídica, em razão da sua relevância para a tutela e promoção do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais consagrados pela CF/88, reveste-se do regime

32 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.

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jurídico do direito-garantia fundamental ao mínimo existencial, integrando o seu conteúdo nuclear, e, portanto, passível de controle judicial, conforme desenvolveremos no Capítulo III.

A falta de acesso da população pobre – e vulnerável - aos seus direitos fundamentais e, acima de tudo, a uma condição de vida digna, por sua vez, tem sido recorrente na nossa história política e realidade socioeconômica, caracterizando, muitas vezes, a omissão dos entes federativos em atenderem de modo minimamente satisfatório às demandas sociais, como ocorre, por exemplo, nas áreas da saúde, da educação, do saneamento básico, da assistência social, da moradia, etc. O mesmo ocorre no tocante à prestação do serviço público de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas, com a ausência, mesmo após a nossa Lei Fundamental ter completado um quarto de século, de Defensorias Públicas efetivamente existentes e estruturadas em alguns Estados brasileiros.34 Como ocorre no próprio Estado de São Paulo, o mais rico da Federação brasileira, e também no âmbito federal, ou seja, no caso da Defensoria Pública da União, o número de Defensores Públicos é absolutamente insuficiente – em desacordo com o princípio da proibição de insuficiência35 - para atender de forma minimamente satisfatória a demanda da população necessitada no tocante ao direito fundamental à assistência jurídica titularizado por ela.

Tal situação, conforme pontuado por Cappelletti no trecho citado no início desta análise introdutória do objeto de pesquisa, implica negar aos indivíduos e aos grupos sociais vulneráveis um dos mais básicos direitos fundamentais, ou melhor, o seu direito a ter direitos efetivos, inviabilizando o seu acesso ao nosso Sistema de Justiça e, em última instância, o seu ingresso no pacto social firmado por meio da nossa Lei Fundamental de 1988. Muito embora a norma do art. 98 do ADCT da CF/88 inserida pela EC 80/2014, estabelecendo o prazo de 08 (oito) anos para a instalação da Defensoria Pública em todas as comarcas do País, o descaso político para com a criação e estruturação da Defensoria Pública brasileira nos Estados e no âmbito federal ainda perpetua. Isso em flagrante descumprimento da norma constitucional que estabelece um dever (a cargo do Estado) de ampliação progressiva das políticas públicas de assistência

34 No caso dos últimos Estados da Federação a criarem suas Defensorias Públicas (respectivamente,

Goiás, Paraná e Santa Catarina), cumpre assinalar que já foram devidamente aprovadas as respectivas leis complementares de criação e realizados os primeiros concursos públicos de provas e títulos para o cargo de Defensor Público, com a posse dos primeiros quadros de Defensores Públicos (em que pese em número ainda absolutamente insuficiente).

35SARLET, Ingo Wolfgang. “Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais

entre proibição de excesso e proibição de insuficiência”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.

(35)

35

jurídica aos necessitados. O referido “estado de fato” 36, representa, em última instância, o descaso dos nossos líderes políticos com os direitos mais básicos dos indivíduos e grupos sociais mais vulneráveis, o que é, de todo, inadmissível em termos jurídicos, sobretudo diante do nosso novo marco constitucional inaugurado em 1988, cabendo, como última ratio, ao Poder Judiciário a intervenção em tais situações de omissão ou atuação insuficiente dos Poderes Legislativo e Executivo para fazer valer os direitos consagrados na Constituição.

2. MAPA DA PESQUISA EMPREENDIDA E PERCURSO TRILHADO PARA O DESENVOLVIMENTO DA TESE

Lançado um primeiro olhar acerca do “estado da arte” e do “material (teórico e normativo)” que servirá de ponto de partida para o desenvolvimento da presente tese doutoral, o objetivo a partir de agora é apontar o percurso trilhado ao longo da pesquisa para o enfrentamento do seu objeto. Registra-se, nesse contexto, que cada ponto enfrentado ao longo da tese foi abordado a partir da análise dos mais recentes desenvolvimentos em termos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais. Ademais, buscou-se amparo não apenas no material disponível no âmbito doméstico, mas também em substancial material de âmbito internacional e comparado, conforme de pode perceber facilmente ao longo do desenvolvimento do estudo. Paralelamente ao mapeamento e descrição do “estado da arte” de cada ponto analisado, resultou firmada posição crítica adotada pelo autor a respeito do mesmo.

No Capítulo I, como ponto inicial da jornada científica, buscou-se analisar os diferentes aspectos relacionados o conceito de jurídico de necessitado (ou vulnerável) e o regime jurídico de especial proteção dos indivíduos e grupos sociais vulneráveis na Constituição Federal de 1988. Trata-se de tema elementar ao desenvolvimento da tese, pois é a partir de tal cenário normativo armado pela CF/88 que se projetam os demais pontos abordados nos capítulos subsequentes. Ainda no bojo do Capítulo I, desenvolveu-se as dimensões do conceito jurídico de necessitado (ou vulnerável), para

36 Foi lançado, no final de 2015, o IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, elaborado no âmbito

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