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Arquitetura da coexistência

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE

ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA

SÃO PAULO

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S447a Stédile, Janaína Almeida.

Arquitetura da Coexistęncia / Janaína Almeida Stédile. – 2015. 123 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Uni- versidade Presbiteriana Ma-ckenzie, São Paulo, 2015.

Referências bibliográicas: f. 115-123.

1. Arquitetura de Interesse Público. 2. Arquitetura Contem- porânea. 3. Architecture for Humanity.

4. Rural Studio. 5. Usina- Centro de trabalhos para o ambiente habitado I. Título.

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JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE

ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Valter Luís Caldana Junior

SÃO PAULO

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JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE

ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Valter Luís Caldana Junior

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Nadia Somekh

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr.João Sette Whitaker Ferreira

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

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AGR

A

DECIMENTOS

Ao professor orientador Valter Caldana pelos ricos debates e a confi ança depositada.

A todos os professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie pela formação

crítica, suporte constante e gentileza de compartilhar os conhecimentos, em especial a Eunice Abascal, Maria Augusta Pisani, Abílio da Silva Guerra Neto, Candido Malta Campos Neto e José Geraldo Simões.

Aos colegas de classe Bebe Castanheira e Valmir Ramos por dividir as angústias.

As amigas de toda a vida, Cintia Marino, Fernanda Militelli e Kika Yang pelos incentivos e debates ad continuum.

Aos meus irmãos: Miguel, Mauricio e Rafael, por compartilhar a existência.

As queridas Nilde e Larissa Almeida pela diagramação e disposição de ajudar.

Ao Boudewijn Rooseboom pela ajuda com o Holandês e o Inglês, e por compartilhar o

prazer pelas discussões fi losófi cas.

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Eu pensava ter dado um grande salto para a frente e percebo

que na verdade apenas ensaiei os tímidos primeiros passos de

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Resumo

Arquitetura de Interesse Público é uma corrente contra-hegemônica na Arquitetura contemporânea que entende a disciplina como um direito social e uma importante ferramenta para melhorar as condições de vida de milhares de pessoas. Assim, esta pesquisa veriica a possibilidade da manutenção do compromisso da Arquitetura com o desenvolvimento e emancipação da humanidade diante do surgimento de metodologias alternativas às práticas usuais. A primeira parte do trabalho investiga as novas relações de produção da cidade e os novos processo tecnológicos que fortalecem as relações em redes; trata da questão do Público e como este se desenvolveu no campo da Arquitetura e Urbanismo no século XX, e por im, apresenta um panorama sintético da produção, envolvendo o universo teórico, exposições, publicações e atores. A segunda parte do trabalho examina mais detalhadamente a produção dos três grupos escolhidos como os mais representativos desta corrente, quais sejam: Architecture for Humanity, Rural Studio e Usina-CTAH. O trabalho apresenta o conceito da Coexistência para descrever as relações de ordem coletivas e colaborativas dos novos entendimentos no campo da Arquitetura.

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Abstract

Public Interest Architecture is a counter-hegemonic stream in contemporary Architecture that identiies the discipline as a social right and an important tool to improve the living conditions of thousands of people. The study assesses the possibility of maintaining the Architecture’s commitment to the development and emancipation of humanity, by applying alternative methodologies to the usual practices. The irst part of the paper investigates new approaches for building and structuring cities and new technological processes that can strengthen relationships within networks. It deals with the position of the public and the relation it developed with Architecture and Urbanism in the twentieth century. Furthermore, it presents an overview of the production process and its actors, involving the theoretical universe, exhibitions and publications. The second part examines in more detail the work of the following three groups chosen as the most representative, namely: Architecture for Humanity, Rural Studio and Usina-CTAH. Overall, the paper presents the concept of coexistence, describing the relationship of collective and collaborative networks together with new understandings in the ield of contemporary architecture.

(11)

S

UMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1. CONJUNTURA ... 20

1.1MUNDO URBANO ... 22

1.1.1 CRESCIMENTO DAS CIDADES ... 22

1.1.2 RIQUEZA E POBREZA URBANA ... 25

1.1.3 SITUAÇÕES URBANAS CONTEMPORÂNEAS ... 34

1.2REDE E COMPARTILHAMENTO ... 38

1.2.1 ESTRUTURA DA INTERNET ... 40

1.2.2 TRANSFORMAÇÕES DA SOCIABILIDADE ... 42

1.2.3 GEOGRAFIA DA INTERNET ... 44

2.ARQUITETURA DE INTERESSE PÚBLICO... 46

2.1A ESFERA PÚBLICA EO ESPAÇO PÚBLICO ... 49

2.1.1 O ESPAÇO PÚBLICO... 51

2.2A HERANÇA HISTÓRICA ... 55

2.3CENÁRIO DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA DE ARQUITETURA DE INTERESSE PÚBLICO ... 61

2.3.1 UNIVERSO TEÓRICO ... 62

2.3.2 EXPOSIÇÕES ... 64

2.3.3 PUBLICAÇÕES ... 66

2.3.4 ATORES ... 70

3 - CASOS REFERENCIAIS ... 77

Architecture for Humanity... 77

Rural Studio... 79

Usina ... 80

3.1BILOXI HOUSES ... 81

3.2PROJETO CASAS 20K ... 89

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Casa 20K V06 ou a Casa de Tora de madeira ... 93

Casa 20K V07 ou a Casa Ponte ... 98

3.3Comuna urBana ... 99

Considerações finais ...109

Coexistência ...113

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Introdução

Em Arte Moderna. Do iluminismo aos movimentos contemporâneos, o historiador

italiano Giulio Carlo Argan (1992) aborda a dicotomia entre o Clássico e o Romântico, a partir da formação da Estética (Filosoia da Arte), em que a Arte deixa de ser um meio de conhecimento do real, transcendência religiosa ou exortação moral e passa a ser uma experiência primária

cujo im é o próprio fazer. A partir da autonomia do propósito da Arte coloca-se o problema de sua articulação com as outras atividade culturais e sociais e sua relação com o fazer histórico.

Considerando-se que, a partir do Iluminismo, a Natureza não é mais uma ordem revelada e imutável da criação (ARGAN, 1992), mas o ambiente da existência humana; e também não é

a fonte de todo o saber, mas objeto de pesquisa, então, a realidade objetiva, antes regida por leis pretensamente imutáveis, torna-se passível de intervenção e de planiicação. Assim, a natureza é substituída pela Ideologia, que passa a projetar a realidade.

Argan (1992) airma que apesar da aparente divergência entre os movimentos artísticos ligados ao Clássico e ao ideário Romântico, que permeou a História da Arte, desde o Renascimento até o inal do século XIX, ambos partem da substituição da Natureza pelo fato ideológico, e a diferença está restrita à postura – racional ou passional – do artista em relação à história e à realidade social.

O chamado Modernismo na Arquitetura – corrente surgida na última década do século XIX e começo do século XX – se propõe a interpretar e apoiar os esforços progressistas, econômicos e tecnológicos da sociedade industrial, em franca contraposição aos estilos históricos anteriores. As vanguardas modernistas propunham revolucionar a posição e a inalidade da Arte, não mais como produto de um momento histórico, mas motor de sua transformação.

Entendiam que a produção artística devia ser livre das vinculações com o poder vigente e com o conjunto de regras próprias dos Estilos e responder ao dinamismo do desenvolvimento do espírito Moderno.

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modernistas como símbolo do atraso, mas fez com que a indústria se desenvolvesse rapidamente, em tecnologia e volume de bens produzidos.

A cidade tradicional não estava preparada para atender às demandas colocadas pela produção industrial, que a requer como um organismo produtivo, que deve atender a um desenho funcional. O desenho da cidade deveria levar em consideração dois aspectos: o social, vez que, a questão da habitação da classe trabalhadora não poderia mais ser desconsiderada; e o tecnológico, na medida em que era necessário industrializar a construção civil para atender às demandas da reconstrução do pós-guerra.

Argan (1992) identiica no movimento Modernista do Pós-Guerra, cunhado como Racionalismo, seis linhas: Racionalismo formal francês, protagonizado por Le Corbusier; Racionalismo metodológico-didático alemão, simbolizado pela Bauhaus e encabeçado por Gropius; Racionalismo ideológico ou Construtivismo soviético; Racionalismo formalista ou Neoplástico Holandês; Racionalismo empírico dos países escandinavos, que tem Aalto como seu expoente e o Racionalismo orgânico americano, representado por Wright.

Existem entendimentos distintos sobre a classiicação ou o agrupamento das linhas internas do Modernismo. A opção pela de Argan, se justiica pela intenção de demonstrar que apesar de o Racionalismo francês1, encabeçado por Le Corbusier, tenha dado a tônica do movimento como um todo, todas as linhas são denominadas Racionalismo, cujas características comuns são leitura lógica da demanda, entendimento das condições de entorno e a busca instrumentalizada de soluções.

A Arquitetura de base racionalista que se disseminou internacionalmente com características positivistas, tecnocêntricas e de padronização de conhecimentos e de produção icou conhecida como Internacional Style.

O chamado Pós-Modernismo surgiu na Europa e nos Estados Unidos, em forma de crítica, muitas vezes irônica, ao Modernismo por sua crença no progresso linear e planejamento da ordem social a partir de um desenho de proposições universalistas. Esse movimento, iniciado na década de 1960, presumia que apenas uma heterogenia de abordagens, possibilidades e produtos poderia dar conta da complexidade das relações humanas.

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Na sua origem, o movimento Pós-Modernista incorpora ao seu discurso novas teorias do campo da Sociologia, Filosoia, Linguística, Antropologia de pensadores como Foucault, Deleuze e Derrida. Como comenta Harvey (2001), em a Condição Pós-Moderna, as ideias de Foucault foram

fontes fecundas de argumentação Pós-Moderna, principalmente aquelas que examinam a relação de poder e conhecimento, e que a resistência à opressão deveria acontecer de maneira multifacetada e pluralista. Derrida (apud Harvey, 2001) também considera a colagem/montagem como a modalidade

primária do discurso pós-modernista, entendendo que a minimização da autoridade do produtor cultural cria oportunidade de participação popular e de determinações democráticas de valores culturais, mas a preço de uma certa vulnerabilidade à manipulação de mercado. (HARVEY, 2001)

Essas ideias se incorporam ao campo da Arquitetura e a produção pós-modernista se funda no entendimento fenomenológico do ambiente e da interação entre lugar e identidade. Aldo Rossi resgata o termo latino genius loci dando caráter ao local, que passa a ser um conjunto de

características socioculturais de linguagens e de hábitos.

Posto isto, as heranças culturais e históricas e as referências da cultura popular passam a ser a fonte de criação. Porém, da mesma forma em que são inúmeras as fontes de referências, o processo de criação é fragmentado e de colagem. Um projeto emblemático da Arquitetura nesse período é a Piazza d’Italia, de Charles Moore, mostrada a seguir.

fiGura 1 - Piazza d’Italia - Projeto de Charles Moore e Perez Architects - New Orleans, Louisiana - 1975.

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A crítica Pós-Modernista referia-se também à perfeita adequação da Arquitetura Racionalista ao establishment pós-1945, que incorporou princípios fordistas às cidades, se

colocando como ferramenta para o desenvolvimento econômico, padronizando e descaracterizando traços sociais ou locais especíicos.

A Arquitetura modernista, ao considerar a questão do espaço urbano como preliminar, na medida em que a tarefa do arquiteto é projetar o ambiente (ARGAN, 1992), em vez de

simbolizar o poder estatal e econômico, como nas cidades históricas que eles criticavam, passa ser instrumento promotor e regulador dessa dominação.

Charles Jencks utiliza um evento simbólico para datar o im do Modernismo: a demolição do conjunto de habitação social Pruitt–Igoe, em St. Louis, em 15 de julho de 1972. Os argumentos em favor da demolição e de posterior renovação urbana2consistiam em dizer que o conjunto tinha

se tornando um gueto com relações comunitárias dilaceradas, crime e pobreza. Vale lembrar, que esse mesmo conteúdo crítico foi feito pelos modernistas às moradias precárias dos trabalhadores no inicio do século. Como comenta Argan (1992), sobre o surgimento do Urbanismo no inal do século XIX:

Originalmente, a pesquisa urbanista possuía um caráter humanitário: tratava-se de subtrair a classe operária nascente a condição de extremo aviltamento moral e material de abominável exploração, em que os empregadores e especuladores obrigavam-na a viver no século passado e início do século XX. Igualmente importante, porém, era a necessidade de atender bem ou mal as necessidades habitacionais do grande número de pessoas que, abandonando os campos, procurava trabalho na indústria urbana, dando lugar à formação de um enorme proletariado urbano que não encontra espaço nas estruturas das velhas cidades burguesas. (ARGAN, 1992)

Quarenta e dois anos passados da demolição do Pruitt-Igoe, o movimento Pós-Moderno, com sua lexibilidade, fragmentação, efemeridade e imaterialidade sofre a crítica da falta dos compromisso iniciais com a sociedade, parece servir adequadamente às novas conigurações do capitalismo avançado onde há lexibilização das relações de trabalho e das relações de mercado internacional; incentivo ao consumo de bens efêmeros, lugares e sensações; despolitização da agenda e hegemonia da função econômica do objeto ou da intervenção arquitetônica sobre sua função social.

2 Urban Renewal, prática de maior incidência no século XX, mas que pode ser marcado seu início no século XIX com o projeto

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O professor holandês Roemer Van Toorn (2013) inicia seu texto Acabaram-se os sonhos? A paixão pela realidade na nova Arquitetura holandesa e suas limitações, contextualizando o

problema:

Já houve época em que não se considerava tolice ter grandes sonhos. Imaginar um novo mundo melhor era um estímulo aos pensadores e aguçava sua resistência ao status quo. Hoje, os sonhos utópicos são raros. Em vez de perseguir ideais fugazes, preferimos surfar nas ondas turbulentas do capitalismo global do mercado livre. (...) o capitalismo tardio é o único jogo em curso: apesar da necessidade de direitos sociais e de alguma igualdade política, só nos resta a acomodação ao globalismo corporativo.

(...)

Até os anos 80, as instituições culturais respeitáveis condenavam as práticas transgressoras de vanguarda, ao passo que hoje inanciam e apreciam as obras transgressoras, porque obtêm publicidade com o escândalo. Muitas vezes, o capitalismo global deu sinais de ser capaz de transformar suas limitações iniciais em desaios que culminam em novos investimentos. Uma consequência importante disso é que as formas anteriores de crítica e engajamento social se tornaram ultrapassadas. (VAN TOORN, 2013)

Segundo Sykes (2010), organizadora do livro O Campo Ampliado da Arquitetura - Antologia Teórica 1993-2009, na última década vem surgindo um discurso, também multifacetado, que declara

falência da teoria crítica (desconstrutivismo, pós-estruturalismo etc.), em lidar com problemas reais da Arquitetura, e uma defesa ao pragmatismo na disciplina. Há muitas variações de abordagem dentro do campo do pragmatismo (realismo, cotidiano, ecológico, tecnológico, dentre outros).

O ilósofo John Rajchman (2009), no seu texto Um novo pragmatismo?, incluído na Antologia Teórica, airma que o pragmatismo em curso no campo da Arquitetura, por vezes

se coloca como uma prática que não se relaciona com visões, posições, teorias e programas ideológicos e que se contenta em resolver de maneira eiciente problemas especíicos.

Boa parte da produção de Arquitetura contemporânea pode ser enquadrada, não no distanciamento kantiano necessário para a realização do melhor juízo, mas na sua autodesobrigação a respeito dos aspectos ideológicos, e seu interesse em resolver problemas construtivos ou programáticos de maneira descontextualizada.

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Diante do exposto, a preocupação inicial desta pesquisa, ou a pergunta mais apropriada para justiicar a construção dessa dissertação seria: existem processos de produção alternativos na Arquitetura contemporânea que honrem o compromisso de contribuir com o desenvolvimento humano, em contraposição a uma hegemonia da função econômica?

Constata-se que no bojo das importantes transformações econômicas, sociais e culturais, o surgimento, consolidação e crescimento de grupos formados majoritariamente por arquitetos, associados a outros proissionais das mais diversas áreas, que entendem a Arquitetura e Urbanismo e suas áreas correlatas como um direito social e uma ferramenta com grande capacidade de melhorar as condições de vida de milhões de pessoas.

A esta produção, como se esclarecerá mais tarde, se determinou o termo Arquitetura de Interesse Público. A primeira questão dada pelo objeto é que ele implica reestruturação organizacional e produtiva, que agrega ao debate as questões: para quem e como?

A partir destas questões iniciais, faz-se necessário entender as motivações: Quais são os desaios no contexto contemporâneo, que produzem essa nova postura dentro da Arquitetura?

A investigação das possibilidades colocadas por esta pesquisa foi estruturada pensando em contextualizar o tempo presente sob os aspectos mais relevantes para o tema, depois buscar as deinições já dadas à produção, o signiicado das deinições e sua formação no decorrer da história e o panorama da produção.

Primeiramente abordará as questões mais amplas do objeto investigado. Sendo assim, inicialmente no primeiro capítulo vamos tratar do contexto em que surge a produção. Sabendo da impossibilidade da breve pesquisa percorrer todo os aspectos e eventos que conformam o tempo contemporâneo e da própria complexidade inerente à tarefa, elegeram-se dois assuntos entendidos como mais pertinentes: a questão do mundo urbano e a questão do incremento da rede e compartilhamento de informações.

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de toda uma cadeia produtiva, não só no campo econômico, mas também nas ações de ordem social e cultural.

O segundo capítulo se propõe a discutir o problema da produção dos grupos em si. Na primeira parte, serão tratadas as deinições e os assuntos abordados por uma boa parte dos grupos. Justiicar-se-á a escolha do termo Arquitetura de Interesse Público, como designação deste tipo de produção. E a partir dele, estudaremos o conceito de Público e de Espaço Público e, sequencialmente, no item Herança Histórica, como estas preocupações se desenvolveram no campo da Arquitetura e Urbanismo no século XX.

Para concluir o capítulo, a pesquisa formou um pequeno inventário a im de construir um panorama da produção que foi dividido em: Universo Teórico, Exposições, Publicações e Atores.

A parte dois do trabalho pretende olhar mais detalhadamente três produções de três grupos considerados mais representativos para uma análise, na medida em que possuem maior tempo em atividade e um conjunto de obras mais sólido. Vamos falar dos grupos norte-americanos Architecture for Humanity e Rural Studio; e do grupo Usina, que representará os debates no Brasil.

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1. Conjuntura

Para dar conta da proposta deste trabalho, cuja intenção é identiicar e mapear um novo modo de produção da Arquitetura e Urbanismo que protagoniza uma mudança de foco e método em detrimento a corrente principal, faz-se necessário contextualizá-la no bojo das relações econômicas, políticas, sociais e culturais da atualidade e conhecer a conjuntura onde se dá.

Para tanto, a compreensão das novas relações de produção da cidade, suas contradições e novos meios de interação entre os agentes envolvidos, tais como os novos processo tecnológicos no âmbito da produção e de comunicação, no âmbito das redes se tornam elemento central desta análise

Fartamente estudados nos últimos anos, tanto a evolução dos processos produtivos como a dos processos de comunicação, não são resultados do avanço tecnológico, na medida que são inerentes a própria organização de vida. Sistema de produção em rede sempre existiram como veremos mais para frente.

Entretanto, a sociedade contemporânea escapa da dicotomia que, de certa forma, caracterizou as formações sociais anteriores e se conforma numa multiplicidade de padrões, que embora algumas vezes contraditórios entre si, outras vezes também se complementam.

Quando fotografa-se o presente, identiicam-se algumas características que são importantes destacar. O modo de produção capitalista, hegemônico na sociedade contemporânea, constrói essa fotograia, juntando também suas próprias contradições.

A atual fase do capitalismo inanceiro, dominado por grandes corporações internacionais, que hegemonizar todo mundo, está caracterizada pela globalização das atividades econômicas, concentração cada vez maior da produção e da propriedade, lexibilização organizacional e informalidade do trabalho3.

3 Castells usa o termo individualização do trabalho, processo pelo qual a contribuição da mão de obra ao processo produtivo é

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Há maior produção de riquezas que, no entanto, estão cada vez mais concentradas em poucas mãos; e essa apropriação desigual da riqueza incide também no desenho das cidades. Não sem razão, pode-se veriicar que os locais com maiores índices de crescimento urbano também sejam os lugares formados por assentamentos mais precários. Além disso, o modo de produção capitalista na sua etapa atual torna insustentável a relação entre recursos naturais e padrão de vida estabelecido por ele como ideal.

Ao mesmo tempo, a soisticação dos recursos tecnológicos otimizando a difusão de informação e fortalecimento de redes incide direta e positivamente no fortalecimento do capital inanceiro, mas também do capital social.

Os assentamentos urbanos se colocam como territórios protagonistas das transformações econômicas, culturais e sociais em curso. O presente não é apenas majoritariamente urbano, mas essencialmente metropolitano. Agregua-se a isso, a falência ou disfunção das instituições sociais e políticas tradicionais.

Todos esses aspectos são interdependentes e se reforçam. São, ao mesmo tempo, causa e efeito. Difícil encontrar a ponta da corda e, talvez, tarefa impossível, já que o contemporâneo é uma malha rizomática que se sobrepõe, e não uma corda com sequência linear de nós. Volatilidade, insegurança, desigualdade e exclusão social acontecem concomitantemente com criatividade, inovação, produtividade e criação de riquezas, como nos ensina Castells (1999).

Progressiva e exaustivamente poderíamos relacionar as questões submetendo-as umas às outras, e apresentar os paradoxos e contradições de suas auto alimentação. Porém para ins desta dissertação, dois aspectos devem ser tratados para conigurar um cenário propício à formação da Arquitetura de Interesse Público: Cidades e Rede e Compartilhamento

O item Cidades visa a contemplar os desafios físicos e materiais que o mundo contemporâneo enfrenta. Tratará do crescimento urbano, riqueza urbana, acesso aos seus recursos e morfologia urbana.

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Ambas as questões são intrinsecamente ligadas à formação da Arquitetura de Interesse Público, na medida em que o mundo urbano é o relexo do mundo polarizado em termos de riquezas e, portanto, motivação inicial do desenvolvimento da produção arquitetônica que atende os menos favorecidos, e o trabalho colaborativo e em rede é o formato, como veremos adiante, adotado pelos grupos que trabalham este tipo de produção.

1.1 Mundo Urbano

Ainda que a maioria dos projetos aqui estudados como Arquitetura de Interesse Público seja executada em áreas periféricas, e por vezes isoladas, o estudo da formação e crescimento das áreas urbanas é imprescindível para subsidiar algumas questões fundamentais nesse tipo de produção arquitetônica.

Nesse sentido, dois elementos são relevantes para auxiliar esse entendimento. O primeiro deles é o conceito de esfera pública, cuja origem está intrinsecamente ligada à formação das cidades. O segundo elemento, que se constitui numa importante característica para o século XXI, é a tendência generalizada à urbanização e que está moldando a maneira de a humanidade se organizar física e socialmente.

A questão do crescimento urbano, por desdobramento, gera duas outras questões que lhe são pertinentes: a riqueza material e imaterial das áreas urbanas, como mote histórico de atração; e, a condição física que a cidade proporciona e gera como resultado desse incremento populacional e material.

1.1.1 Crescimento das cidades

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Tal crescimento, segundo o relatório citado, será mais intenso na Ásia e na África, que também deverão concentrar 90% do crescimento populacional esperado para 2050.

Além desse relatório outros estudos efetuados por outras agências das Nações Unidas, como por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que emite anualmente a classiicação dos países dentro do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O índice é composto por expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (PPC) per capita. Apesar de compreender a importância de cruzar dados proveniente de outros relatórios, a pesquisa se concentrou apenas no relatório Perspectivas Globais de Urbanização, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Nações Unidas, por tratar especiicamente dessa questão.

Atualmente, a maior parte da população urbana vive em cidades de até 500 mil habitantes, porém a tendência é que o crescimento se concentre nas chamadas megacidades. Há 24 cidades com mais de 10 milhões de habitantes, número que triplicou desde 1990, e a previsão é que, em 2030, existam 41 conglomerados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes cada (UNITED

NATIONS, DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2014).

O relatório Perspectivas Globais de Urbanização também aponta as regiões mais urbanizadas do planeta: América do Norte, particularmente Estados Unidos e Canadá, com 82% da população em

fiGura 2-Mapa da Urbanização Mundial no ano de 2014. Fonte: (UNITED NATIONS, DEPARTMENT OF

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área urbana, seguidos pela América Latina e o Caribe com 80% e, logo atrás, a Europa com 73%. Os locais onde ocorrerá maior crescimento urbano serão aqueles que no ano de 2014 ainda tem altos índices de populações rurais: Ásia e África ainda possuem 60% de população em áreas rurais.

A Ásia, apesar dos índices de urbanização menores que os demais continentes, concentra 53% da população urbana mundial. Índia, China e Nigéria juntos serão responsáveis por 37% do crescimento da população urbana entre 2014 e 2050.

A região metropolitana de Tóquio é a maior aglomeração com 38 milhões de habitantes, seguido por Déli com 25 milhões, Xangai com 23 milhões e Mumbai, Cidade do México e São Paulo com 21 milhões.

As projeções para o ano de 2030 indicam que Tóquio continuará sendo a cidade com o maior número de habitantes, porém com estabilização do seu contingente populacional, cuja projeção é de 37 milhões de habitantes na capital japonesa. Entretanto, em 16 anos, Déli acrescentará a seu atual contingente populacional mais 11 milhões de pessoas, aproximadamente 700 mil pessoas por ano.

A humanidade já experimentou processos de intensa urbanização, a diferença é que agora isso se dá com uma surpreendente velocidade. Mike Davis (2006) aponta que Londres cresceu sete vezes em um período de noventa anos, enquanto os maiores conglomerados urbanos do Terceiro Mundo cresceram quarenta vezes em cinquenta anos.

Além disso, a escala da velocidade da urbanização do Terceiro Mundo amesquinha completamente a Europa Vitoriana. Londres, em 1910, era sete vezes maior que em 1800, mas Deca (Bangladesh), Kinshasa(Congo), e Lagos (Nigéria), hoje são aproximadamente quarenta vezes maiores do que eram em 1950. (DAVIS, 2006)

O gráico a seguir, retirado do mesmo relatório da ONU, aponta que o crescimento urbano dos países com baixa renda4 se mostrou estável até a década dos anos 90, em comparação à urbanização de países com alta renda5. A partir daquele momento, a tendência de urbanização se inverte e países de baixa renda passam a ser os protagonistas do crescimento urbano.

4 O critério utilizado pelo relatório para a classiicação de países segundo a renda é baseado no índice GNI (Gross Nacional

Income- Rendimento Interno Bruto per capita) do Banco Mundial, de 2012.

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Portanto, o crescimento urbano não é um fenômeno recente, mas o diferencial é a velocidade alarmante com que ele tem se desenvolvido na atualidade, particularmente, em países subdesenvolvidos. Apesar de o mundo apresentar progressivas taxas de crescimento populacional, (em 1950 a população mundial era de 746 milhões e, em 2014, é de 3,9 bilhões), o crescimento urbano não é derivado do aumento nas taxas de natalidade urbanas, mas dos luxos migratórios das áreas rurais para as cidades, já que as populações rurais e pequenos vilarejos apresentam decréscimo populacional.

O que nos leva ao próximo tema relacionado à Urbanidade, qual seja, a relação entre riqueza e pobreza urbana.

1.1.2 Riqueza e pobreza urbana

Em artigo publicado na centenária revista National Geographic, de dezembro de 2011, intitulado The city solution-Why cities are the best cure for our planet’s growing pains6, Robert

Kunzig (2011) airma que a metrópole é a melhor solução para os problemas econômicos e ecológicos gerados pela superpopulação mundial.

6 A solução urbana- Por que as cidades são o melhor remédio para as dores do crescimento do nosso planeta.

fiGura 3 - GráfiCodetendênCiadeurbanizaçãoPorrenda 1950-2050 - fonte: (united nations,

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Os seus argumentos estão fundamentados no pensamento do economista Edward Glaeser, autor do livro Triumph of the city7(apud KUNZIG, 2011), cuja tese é que existem grandes

luxos migratórios em direção às grandes cidade, simplesmente por que é lá que o dinheiro está. Mais que isso, a cidade é o motor da prosperidade (KUNZIG, 2011). Para Glaeser, mesmo os assentamentos precários são exemplos de vitalidade urbana, oportunidade de trabalho e negócios que surgem a partir desse encontro. Sob o aspecto ecológico da cidade, a ausência de espaço entre as pessoas reduz custos de transporte de bens, pessoas e ideias.

Segundo Glaeser, ideias, informação e conhecimento são os bens mais preciosos do desenvolvimento econômico atual, e cita a Wall Street como melhor exemplo, especialmente o pregão, onde milionários trabalham em um espaço aberto cheio de informações. E destaca, é o valor da informação sobrepondo-se ao valor espacial.

No seu entendimento, as cidades bem sucedidas são aquelas que aumentam o investimento em conhecimento, permitindo que as pessoas aprendam umas com as outras, argumentando que em cidades com maior escolaridade média, até mesmo os menos escolarizados ganham salários mais altos.

Tal discurso poderia ser pertinente se não lhe faltasse um elemento importante, qual seja, considerar que no atual modelo capitalista o acesso aos recursos da cidade continua restrito a poucos beneiciários, e que a outra face do crescimento urbano e das oportunidades de desenvolvimento econômico é a exclusão de boa parte da população dos recursos que lhes são necessários (moradia adequada, sistema sanitário, mobilidade, educação, saúde etc.).

Voltemos a Wall Street, com dados de David Harvey:

A cada mês de janeiro, o Estado de Nova York publica uma estimativa do total de bônus concedidos aos altos executivos pelos bancos e inanceiras de Wall Street nos doze meses anteriores. Em 2007, um ano desastroso para os mercados inanceiros, os bônus totalizaram 33,2 bilhões de dólares, apenas 2% menos que no ano anterior. Em meados de 2007, os bancos centrais americano e europeu injetaram bilhões de dólares em créditos de curto prazo no sistema inanceiro para garantir a sua estabilidade; em seguida o Banco Central americano reduziu drasticamente as taxas de juros e injetou vastas quantidades de dinheiro no mercado, cada vez que o índice da Bolsa de Valores ameaçava despencar.

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Enquanto isso, cerca de 2 milhões de pessoas foram despejadas por não poder mais pagar as prestações de suas casas. Muitos bairros em diversas cidades americanas foram cobertos de tapumes e vandalizados, destruídos pelas práticas predatórias de empréstimos das instituições inanceiras. Essa população não recebeu nenhum bônus. Essa assimetria não pode ser interpretada como nada menos que uma forma maciça de confronto de classes. (HARVEY, 2013)

A cidade como espaço de geração de riqueza, e produzindo crescimento urbano, não é novidade. A formação, consolidação e crescimento de núcleos urbanos sempre representaram sinais de desenvolvimento cultural, tecnológico e econômico. As cidades surgiram como entrepostos comerciais ou como ponto de acesso e escoamento do excedente produtivo (cidades próximas a rios e mares).

A cidade também é responsável pelo desenvolvimento da cultura e do conhecimento. As cidades gregas, como conta Hannah Arendt, em A Condição Humana, estão ligadas à superação

das necessidades básicas de sobrevivência, permitindo o nascimento do Homem livre e, portanto, apto a atividades ligadas ao desenvolvimento do pensamento, per se.

A esfera da polis , ao contrário, era a esfera da liberdade, e se havia uma relação entre essas duas esferas era que a vitória sobre a necessidade da vida em família constituía a condição natural para a liberdade na polis. (ARENDT, 2007)

No desenvolvimento da História moderna, a cidade continuou a ser produto e processo do desenvolvimento capitalista, Leo Huberman, em A História da Riqueza do Homem, esclarece

bem esta relação entre crescimento comercial e crescimento urbano.

À medida que o riacho irregular do comércio se transformava em corrente caudalosa, todo pequeno broto da vida comercial, agrícola e industrial recebia sustento, e lorescia. Um dos efeitos mais importantes do aumento no comércio foi o crescimento das cidades.

(...)

Se é de fato que as cidades crescem em regiões onde o comércio tem uma expansão rápida, na Idade Média temos de procurar cidades em crescimento na Itália e Holanda. E é exatamente onde elas surgiram primeiro. À medida que o comércio continuava a se expandir, surgiam cidades nos locais em que duas estradas se encontravam, ou na embocadura de um rio, ou ainda onde a terra apresentava um declive adequado. (HUBERMAN, 2011).

(28)

Huberman, descrevendo o desenvolvimento das cidades no período renascentista, airma que as grandes cidades comerciais também eram centro de troca de informação, dado que o desenvolvimento de um mercado dependia de uma rede de relações entre centros comerciais, portanto, dependia também de informações para qualiicar as trocas.

No decorrer do desenvolvimento capitalista as cidades sempre foram território de possibilidades para expansão do capital e, frequentemente, foram isicamente adaptadas para adequação da produção, ou modiicadas apenas como forma de reinvestimento do próprio capital. Harvey (20013) ilustra esta condição:

Haussmann entendeu claramente que sua missão era ajudar a resolver o problema do capital e do desemprego por meio da urbanização. Reconstruir Paris absorveu enormes volumes de dinheiro e mão de obra pelos padrões da época, e, juntamente com a supressão das aspirações dos trabalhadores parisienses, foi um veículo primordial para a estabilização social. Haussmann adotou ideias dos planos que os seguidores dos socialistas utópicos Charles Fourier e Saint-Simon haviam debatido na década de 1840 para remodelar Paris, mas com uma grande diferença: ele transformou a escala em que o processo urbano foi imaginado. (HARVEY, 2013)

Na atual etapa do capitalismo inanceiro, em que o crescimento urbano é acelerado e generalizado, a vida urbana também se tornou uma mercadoria, baseada no consumismo de turismo, cultura e conhecimento. A cidade é, tanto motor da prosperidade, como uma mercadoria em si.

Nesse contexto, a Arquitetura tem se revelado como um relevante instrumento para o fortalecimento dessa condição, na medida em que opta por produzir uma Arquitetura de marca, exuberante na sua condição técnica, construtiva e formal, com pouca limitação orçamentária, privilegiando as ediicações não pelo seu aspecto funcional, mas pela sua condição de ediicação a ser consumida.

A diferença é que, agora, essa força espetacular da Arquitetura não é mais requisito único de regimes absolutistas, autocráticos ou fascistas, mas de grandes estratégias de negócio associadas ao turismo, a eventos culturais e esportivos, ao marketing urbano e à promoção de identidades empresariais. O fato é que nenhum arquiteto moderno, diante de suas (agora) prosaicas caixas de vidro, aço e concreto, poderia ter antecipado o grau de soisticação técnica e exuberância formal que a “Arquitetura de marca” está alcançando.(ARANTES, 2008)

São inúmeros os exemplos da Arquitetura cunhada com star system, desde a torre de Adgbar,

(29)

implantação de obras espetaculares para recuperação áreas urbanas decadentes, que sofriam um processo de desindustrialização e buscavam um novo sentido na indústria da criatividade.

Não cabe neste trabalho um minucioso estudo crítico de tais projetos, contudo, acreditamos pertinente levantar duas considerações. Sem dúvida, há uma grande força intencional do ponto de vista formal, independente da solução especiica de cada um deles. Há um cuidado para que haja exuberância e encantamento, uma Arquitetura que se faz a partir de sensações.

No entanto, do ponto de vista de sua implantação no território, aquelas ediicações revelam-se desvinculadas das relações com o território constituído, não levam em conta o conjunto de interesses coletivos da maioria da população, produzindo cenários estéreis, eventuais, desconectados e alheios às problemáticas reais do espaço urbano e da vida cotidiana.

Toda essa força, ou riqueza imaterial de potencialidade da cidade para criar riquezas, impõe por outro lado, processos de destruição criativa e exclusão territorial ditada pela capacidade de consumo do cidadão, e traz no seu cerne a dicotomia do planeta espetáculo e o planeta da favela descrito por Davis (2006).

Segundo Huberman, na passagem do feudalismo ao capitalismo, a cidade original não se expande, mas dá origem a um novo núcleo populacional, e termina absorvida por esse novo assentamento fora dos muros:

O burgo mais antigo não se expandiu exteriormente, mas se viu absorvido pela povoação mais nova, onde os fatos se sucediam. O povo começou a deixar suas velhas cidades feudais para iniciar vida nova nessas ativas cidades em progresso. A expansão do comércio signiicava trabalho para maior número de pessoas e estas aluíam à cidade, a im de obtê-lo. (HUBERMAN, 2011)

Na sociedade contemporânea, no entanto, do outro lado dos muros das cidades crescem os assentamentos precários com os dilemas da mobilidade, ausência de espaços Públicos, moradia adequada, entre outros. De fato, as áreas urbanas são isicamente divididas entre os que podem e os que não têm condição de consumir. Como exempliica Harvey:

(30)

Em Fim do Milênio, Castells (1999) airma que o período entre o inal do século XX e

começo do século XXI é caracterizado pelo crescimento da desigualdade social e polarização na distribuição de riqueza. Os bens dos 358 maiores bilionários do mundo superam a soma anual de países com nada menos que 45% da população mundial. (CASTELLS, 1999)

Mike Davis (2006), em seu livro Planeta Favela, cita o relatório do Banco Mundial da

década de 70, que adverte que pobreza urbana seria o maior desaio para as próximas décadas. O termo pobreza urbana refere-se à propagação de favelas ou assentamentos irregulares caracterizados por excesso de população, habitações de baixa qualidade construtiva, acesso inadequado a água potável e condições sanitárias e insegurança jurídica da posse da moradia.

Essa tese está fortemente ilustrada pela foto de Tuca Viera, da favela Paraisópolis, no bairro de Morumbi na cidade de São Paulo, em que mostra com precisão os muros da cidade contemporânea.

(31)

8 Lagos: Por dentro do apogeu da megacidade.

De fato, não foi o crescimento do processo de urbanização que gerou pobreza, mas sim a dinâmica do capitalismo. A desigualdade na distribuição de renda empurra, conforme Glaeser (apud KUNZIG, 2011), o luxo migratório para onde o dinheiro está e a pobreza se deslocou

territorialmente para a cidade. Esses contingentes de migrantes, têm apenas a oferecer a sua força de trabalho, e o sistema reduz drasticamente as possibilidades de participar das riquezas produzidas no meio urbano, acumuladas cada vez mais pelo capital.

Outro exemplo bastante ilustrativo é a cidade de Lagos, na Nigéria, apontada como uma das cidades de maior crescimento nas últimas décadas e que deverá manter essa tendência para as décadas subsequentes. É também em Lagos que a maior parte da população vive em condição de extrema miséria, ao lado de uma minoria milionária.

O jornalista George Packer (2007), em uma extensa reportagem publicada pela revista Piauí sobre a cidade Lagos, explicita a condição de migração e miséria urbana.

Uma mulher chamada Safrat Yinusa deixou para trás seu marido e dois de seus ilhos em Ilorin, ao norte da cidade, e encontrou trabalho como carregadora em uma das enormes feiras de Lagos, onde transporta grandes quantidades de produtos sobre a cabeça. Ela estava amamentando um garotinho, que carregava consigo durante o trabalho. Pagava 50 centavos de real por noite, por um espaço para dormir no chão de um quarto dividido com outras quarenta carregadoras. Em dois meses, ela tinha economizado menos de 10 reais. Quando se sabe que o preço do arroz em Lagos é de 1,50 real o quilo, é difícil entender de que maneira pessoas como Yinusa conseguem sobreviver. Este paradoxo já foi chamado de “o enigma do salário”. (PACKER, 2007)

O site de noticias inglês The Independent faz a chamada para a reportagem fotográica sobre a cidade de Lagos: “Lagos: Inside the ultimate mega-city”8. O título poderá levar o leitor

(32)

fiGura 6- Vista da Favela de Makoko em Lagos, Nigéria. Fonte: (INDEPENDENT)

(33)

fiGura 7 - Catadores de lixo em Lagos, Nigéria. Fonte: (INDEPENDENT)

Como inaliza o jornalista americano George Packer seu artigo sobre a cidade de Lagos na Nigéria:

O fato mais perturbador sobre os catadores e camelôs de Lagos é que a vida deles não tem praticamente nada a ver com a nossa. Eles vivem de restos. Eles são, na linguagem áspera da globalização, supérluos. (PACKER, 2007)

Infelizmente esta não é uma realidade apenas das cidades de Lagos, ou de São Paulo, ela é uma realidade na maioria dos aglomerados urbanos do mundo.

É inerente ao conceito de núcleo urbano as possibilidades da riqueza e da oportunidade da sua produção. No entanto, não lhe é inerente que o acesso a essas oportunidades se faça de forma equitativa.

(34)

1.1.3 situações urbanas contemporâneas

Após apresentar algumas condições de contorno do mundo urbano, faz-se necessário olhar paras as feições, ou condições materiais da cidade. Qual é a morfologia da metrópole contemporânea?

As metrópoles contemporâneas tem em comum apenas as condições populacionais, econômicas e sociais, ou compartilham de situações urbanas recorrentes? Quais são os traços morfológicos que caracterizam a metrópole?

Entende-se que a morfologia é a materialização das relações políticas , econômicas e sociais. É o resultado do conjunto dessas inluências.

Para ilustrar de maneira abrangente algumas questões de pertinência e recorrência utilizar-se-á o registro fotográico Life in Cities, de Michael Wolf.

Michael Wolf é um fotógrafo alemão, criado nos Estados Unidos e Canadá, voltou à Alemanha para estudar fotograia com Otto Steinert e passou grande parte de sua carreira na Ásia, em especial Hong Kong. Um dos seus principais trabalhos é uma série de temas fotográicos reunidos em um projeto maior chamado Life in Cities (Vida nas Cidades).

O trabalho de Wolf, que assemelha-se ao fotojornalismo, registra condições metropolitanas cotidianas. Cada tema desse projeto é composto por numerosas fotograias que não são registros de eventos, mas de situações repetitivas, que se consolidam como situações urbanas, demonstrando claramente a regularidade e constância das mesmas.

A maior parte das suas fotograias mostra o ser humano se relacionando com o espaço. Porém, é um espaço e um tempo como elementos conjugados e impostos a elas e à revelia delas. “(...) ordenamento do espaço segundo as exigências do modo de produção (capitalista), ou seja, da reprodução das relações de produção.” (LEFEBVRE, 2008)

De fato, o modo de produção determina o espaço e o tempo urbano, impondo condições e situações às pessoas que, por sua vez, os transformam em espaços de lexibilidade e adequação.

(35)

No tema Architecture of density9, são apresentadas habitações populares chinesas. Enormes

e altos edifícios, repetitivos e pobres na solução construtiva e urbana. São chinesas, mas poderiam estar no Brasil, na Venezuela ou outros. O autor dirige o olhar e expõe a sensação do local ao recortar a imagem de maneira em que não se vê o térreo nem o topo do edifício, demonstram a não importância da articulação do objeto arquitetônico com o lugar.

100 X 100 registra as minúsculas unidades habitacionais em Hong Kong e a forma de

apropriação desses espaços por seus moradores. Os apartamentos, além de muito pequenos, não têm nenhuma variação de desenho ou elemento arquitetônico que agregue valor. Há uma despersoniicação do ser humano. Já Tokyo Compression10é uma série realizada no metrô de

Tóquio. Este conjunto de imagens, poderia ter sido feito no metrô de São Paulo ou de quaisquer outras grandes metrópoles. O que está posto aqui é uma condição perversa que envolve novamente a relação entre tempo e espaço.

O tempo adquire história uma vez que a velocidade do movimento através do espaço (diferente do espaço eminentemente inlexível, que não pode ser esticado e que não encolhe) se torna uma questão de engenho, da imaginação e da capacidade humana. (BAUMAN, 2001)

Tema crucial da cidade contemporânea é a questão dos transportes, ou seja, do deslocamento. A cidade está organizada com base no pensamento produtivo fordista, da linha de produção, fazendo com que a cidade esteja setorizada por zoneamentos em função da atividade. Isso implica, portanto, no deslocamento no território para se desenvolver atividades diferentes. Nas imagens de Wolf pode-se veriicar não só as pessoas espremidas num espaço exíguo, mas dormindo, cansadas e completamente exauridas. Não é só uma questão de transporte público de qualidade, é também resultado da imposição dos deslocamentos alienado. Alienação com relação à vida cotidiana, ao espaço e ao próprio tempo.

9 Arquitetura da densidade.

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fiGura 10 - Fotograia da série Toquio compression. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

fiGura 9 - Fotograia da série 100x100. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

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Uma outra série de fotograias realizadas em Tóquio registra a população de rua que procura abrigo na estação de trem. São registros simples de uma situação urbana comum: as pessoas sem moradia dormindo no espaço Público.

Wolf se desloca e aterrissa em Chicago para registrar outra situação da cidade contemporânea: a vida na caixa de vidro de ambiente controlado. O material que a princípio conferira ao ediico distinção, torna-se repetitivo. Aqui os edifícios, são como monumentos do sucesso moto-contínuo do capitalismo. Não são angustiantes como as habitações chinesas: são belos, passíveis de apreciação, permite o relexo de outros monumentos e a interação com a luz. É a cidade narcísica que se admira dos seus feitos.

fiGura 11 - Fotograia da série The box men of shinjuku station. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

(38)

1.2 Rede e Compartilhamento

A máxima “Todos os caminhos levam a Roma” ilustra não só o poder econômico e

político de uma cidade que se tornou um Império, mas diz respeito a um fator determinante para a consolidação do Império: todos os caminhos, de fato, levavam a Roma.

As vias romanas eram uma extensa rede de comunicação que ligava Roma a seu império em expansão. As vias, que se estendiam por todo o império, serviam fundamentalmente para escoar os recursos das colônias para a cidade de Roma; facilitar a entrada do exército romano nos territórios conquistados e a conquistar; e demonstrar sua superioridade tecnológica como povo desenvolvido (em oposição aos povos bárbaros a serem conquistados).

Na análise da sociedade contemporânea, o conceito de rede tem sido empregado para deinir as novas formas de socialização e luxo informacional e produtivo. Apesar do conceito de rede propiciar ainda amplo debate nas Ciências Sociais é, de alguma forma, consensual que a humanidade sempre se desenvolveu através de redes: redes de suporte às necessidades básicas (família), redes de apoio político, redes de abastecimentos, redes de informação e conhecimento. Ana Lúcia Enne, professora da UFRJ, coloca a questão:

(...) percebemos uma tendência a considerar que o conceito de rede seria adequado somente às sociedades contemporâneas globalizadas. Como vimos no breve levantamento aqui apresentado, o conceito é adequado para qualquer sociedade. O que poderíamos destacar, no caso contemporâneo, em face do processo de globalização, é a expansão da rede, sua potencialização ampliada e sua explicitação. Nesse sentido, o conceito nos parece muito pertinente, pois trata-se, sem dúvida, de uma conjuntura histórica em que os sentidos propostos para o conceito de rede (interação entre indivíduos, troca de mercadorias e luxo de informações) estão evidenciados e acabam ocupando um lugar central na coniguração cultural, política, econômica e social. Mas é preciso cuidado para não cairmos em um reducionismo histórico, negando o quanto as questões que hoje nos inquietam fazem parte de um processo de longa duração. (ENNE, 2004)

A formação de redes é uma prática humana antiga e está presente nos principais momentos do desenvolvimento humano. Genericamente, poderíamos deinir rede como um conjunto de entidades (pessoas ou objetos) interligadas umas às outras, permitindo a circulação de elementos materiais ou imateriais entre elas, de acordo com regras deinidas.

(39)

sido o maior agente de transformação cultural dos últimos anos. Cultura, aqui entendida como o conjunto de valores e crenças que formam o comportamento social. Como comenta Castells, na abertura do livro A galáxia da Internet:

Durante a maior parte da história humana, diferentemente da evolução biológica, as redes foram suplantadas como ferramentas de organização capazes de congregar recursos em tornos de metas centralmente deinidas, alcançadas através da implementação de tarefas em cadeia de comando e controles verticais e racionalizadas. (...) Agora, no entanto, a introdução da informação e das tecnologias de comunicação baseadas no computador, e particularmente na internet, permite às redes exercer sua lexibilidade e adaptabilidade, e airmar assim sua natureza revolucionária. Ao mesmo tempo, essas tecnologias permitem a coordenação de tarefas e administração da complexidade. Isso resulta numa combinação sem precedentes de lexibilidade e desempenho de tarefas, de tomadas de decisão coordenada e execução descentralizada, de expressão individualizada e comunicação global, horizontal, que fornece uma forma organizacional superior a ação humana. (CASTELLS, 2003)

A história da Internet, a rede mundial de computadores, e os seus criadores nos conta um pouco de como se estabelece as relações em rede no contemporâneo. Tendo as chamadas Big Sciences, (grandes pesquisas cientíicas) como protagonistas do maior avanço tecnológico do nosso tempo. Todos os desenvolvimentos tecnológicos decisivos que levaram à internet tiveram lugar em torno de instituições governamentais e importantes universidades e centros de pesquisa.

A Internet não teve origem no mundo dos negócios. Era uma tecnologia ousada demais, um projeto caro demais, e uma iniciativa arriscada demais para ser assumida por organizações voltadas para o lucro. (CASTELLS, 2003)

A construção do pensamento cientíico dentro dos centros de pesquisa, funciona através de uma rede de estudos e cientistas que publicam suas descobertas. Estas, por sua vez, são averiguadas, questionadas e/ou incorporadas em outros estudos dando sequência a um acúmulo não-linear, mas um enredado de produção de conhecimento de características colaborativas e abertas. Não por acaso a internet se caracteriza e tem o seu rápido desenvolvimento atrelado a essas duas qualidades: colaboração e abertura.

(40)

Outro aspecto fundamental, é que a Internet tem sua Arquitetura aberta. A rápida difusão dos protocolos de comunicação entre computadores não teria acontecido sem a distribuição aberta e gratuita de software. O uso cooperativo de recursos se tornou código de conduta (CASTELLS, 2003). Abertura de códigos permite a qualquer pessoa modiicá-los e criar novos programas, em um moto-contínuo ascendente de inovação tecnológica, baseado na livre circulação de conhecimento.

Essa abertura na estrutura da internet permite que ela possa ser aprimorada com a colaboração e inluência dos usuários e não apenas dos seus criadores. O aprimoramento de tecnologias através dos usuários não é uma novidade, porém a rede mundial de computadores permite seu desenvolvimento em tempo real. O intervalo entre o processo de aprendizagem pelo uso, e de produção pelo uso é substancialmente abreviado.

1.2.1 Estrutura da Internet

Segundo Castells (2003), a internet se desenvolve com uma estrutura de quatro camadas culturais hierarquizadas: academia cientíica, os hackers, a comunidade de usuários e as empresas de internet.

A comunidade acadêmica parte do conceito que desenvolvimento cientíico e tecnológico signiicam progresso da humanidade. Portanto, o objetivo da comunidade acadêmica é produzir ciência, e para isso dispõe de recursos (humanos, materiais e de meios) necessários para desenvolver tecnologia.

Assim, a cultura da Internet enraíza-se na tradição acadêmica do exercício da ciência, da reputação por excelência acadêmica, do exame dos pares e da abertura com relação a todos os achados de pesquisa, com devido crédito aos autores de cada descoberta. (CASTELLS, 2003)

(41)

na internet são os crackers. Os hackers são os principais promotores da rede, eles se consolidam como a conexão entre a comunidade acadêmica e os usuários da rede.

Comunidades virtuais constituem-se como a terceira camada da estrutura da internet. Praticamente a maior parte de seus usuários fazem parte de comunidades virtuais, ou redes sociais. Se os hackers difundem a tecnologia, são as pessoas, constituindo comunidades virtuais, que moldam os processo e usos.

A quarta camada é constituída pelas empresas. Seguramente a rede mundial de computadores transformou a economia e criou a economia da internet.

Ainda segundo Castells, os empresários da Internet são mais criadores do que negociadores, estão mais próximos da cultura do artista que da cultura corporativa tradicional. Vale lembrar que as principais empresas da internet surgiram de grandes centros de pesquisa: Facebook, foi concebido em Harvard; Google, em Stanford; Philips, na Universidade Tecnológica de Eindhoven e a Lenovo, na Academia Chinesa de Ciências. (ONU, 2014)

(42)

O impacto da nova tecnologia incide também sobre as empresas convencionais, como está demonstrado no estudo de Castells. Em 2010, 80% das transações feitas na web foram B2B (business to business), o que demonstra reorganização na maneira em que operam os negócios. O que está surgindo não é uma economia ponto.com, mas uma economia interconectada com um sistema nervoso eletrônico. (CASTELLS, 2003)

Portanto, a estrutura de produção da internet é formada a partir de um ideal tecnocrático de desenvolvimento humano ligado, em ultima instância, aos ideais iluministas de progresso da humanidade, difundidos pela cultura hacker e moldada pelas comunidades sociais em redes e materializada por empresas.

fiGura 13 - Ambiente de trabalho lexíveis. escritório do Google em Dublin. Fonte: (HOME DESIGNING, 2013)

1.2.2 Transformações da sociabilidade

Muito se fala sobre a transformação das relações sociais a partir da popularização da internet. Sobre esse tema, Castells (2003) aponta quatro pontos substanciais: aumento dos laços sociais; desterritorialização das rede sociais; criação de um novo padrão de sociabilidade baseado

no individualismo e, por im, incremento da força de atuação dos movimentos sociais.

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As comunidades virtuais não estão deinidas pelo espaço físico natural comum entre

seus usuários, mas são formadas a partir de um ponto comum entre interesses individuais. Por outro lado, a comunidade idealizada, em que se cultivam relações de vizinhança, há muito não existem. Foram desagregadas pelas vicissitudes do desenvolvimento do capitalismo industrial.

Segundo Bauman (2003), os laços comunitários tiveram que ser rompidos para o desenvolvimento do capital industrial. Primeiro, porque o sentido de comunidade tradicional

baseado em laços de vizinhança e parentesco é uma relação que privilegia o mais fraco, na medida em que a comunidade equaliza e divide os ganhos e os ônus. Ou seja, a relação comunitária não pode ser baseada na competição entre seus membros, mas na colaboração entre eles.

Além disso, a economia da comunidade é baseada no trabalho do artesão, em que cada indivíduo produz especiicamente aquilo que é necessário à comunidade. O capitalismo industrial rompeu com esses laços, para atender à sua necessidade de transformar artesãos em operários, capazes de trabalhar em uma linha de produção e com competitividade e, com isso, destruindo laços comunitários originais. Portanto, as comunidades em seu formato tradicional, remanescentes no mundo contemporâneo são na verdade comunidades excluídas do processo de desenvolvimento capitalista. Haja vista que, em geral, costumamos nomear como comunidades tradicionais as indígenas, tribos africanas, quilombolas e favelados.

Duas tendências acompanharam o capitalismo moderno ao logo de toda a sua história, embora sua força e importância tenham variado no tempo. Uma delas já foi assinalada: um esforço consistente de substituir o ‘entendimento natural’ da comunidade de outrora, o ritmo regulado pela natureza, da lavoura, e a rotina regulada pela tradição, da vida do artesão, por uma outra rotina artiicialmente projetada e coercitivamente imposta e monitorada. A segunda tendência foi uma tentativa muito menos consistente (e adotada tardiamente) de ressuscitar ou criar ab nihilo um “sentido de comunidade”, desta vez dentro do quadro da

nova estrutura de poder. (BAUMAN, 2003)

As comunidades residenciais – por exemplo, as comunidades distritais norte-americanas – em geral, são construídas a partir de escolhas. O território e os laços são constituídos e escolhidos a partir de interesses individuais, e pouco tem a ver com as comunidades tradicionais. Assim, as pessoas não formam seus laços signiicativos em sociedades locais, não por não terem raízes espaciais, mas por selecionarem suas relações com bases em ainidades. (CASTELLS, 2003)

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individuais, formando comunidades de várias naturezas, desvinculadas de seu suporte espacial, possibilitando novas relações de produção e consumo, inclusive da cidade de seus equipamentos e serviços.

1.2.3 Geograia da Internet

A rede mundial de computadores está mudando a maneira como nos relacionamos, com grandes impactos sociais, econômicos e políticos. Entretanto, é importante lembrar que o acesso a internet ainda é desigual entre a população mundial. Segundo relatório da ONU, Final WSIS11

Targets Review: Achievements, Challenges and the Way Forward, publicado em 2014, mais da metade da população mundial (4 bilhões de pessoas) ainda não tem acesso à internet.

O acesso a Internet em qualquer forma (banda estreita ou banda larga, ixa ou sem io) é extremamente baixo entre as famílias rurais, nos países em desenvolvimento. Por outro lado, nos países desenvolvidos as famílias rurais têm acesso comparável às áreas urbanas, embora com algumas variações no tipo de acesso.

No entanto, os dados disponíveis sobre o acesso à tecnologia da informação demonstram crescimento de penetração. Em 2003, aproximadamente 20% da população rural da África dispunham de sinal de telefonia móvel. Em dez anos esse índice saltou para 79%. Todos os continentes apresentaram crescimento de sinal de telefonia celular em áreas rurais. Há de se ressalvar que a população rural de inúmeros países africanos não têm acesso a rede de telefonia 3G, que permite acesso a internet, e a cobertura se limita a serviços como telefonemas e mensagens de texto.

Dados apontam que quase 100% das escolas do continente Europeu, dos Estados Unidos, Canadá, Caribe, Chile e Uruguai têm acesso a internet. O Brasil e a Argentina possuem aproximadamente 48% das escolas conectadas à rede. A Ásia apresenta números bem distintos de país para país. Mongólia, por exemplo, tem 91% das escolas primárias conectadas a internet, enquanto no Nepal apenas 5% de escolas tem acesso à rede.

Na África, a conexão de centros educacionais com a internet ainda é escassa, e o continente enfrenta um antigo desaio: não há energia elétrica na maior parte das regiões africanas.

(45)

A pesquisa de Castells, coincide com o relatório Perspectivas Globais de Urbanização, das Nações Unidas, que identiica que a produção na internet (geração de conteúdo, comércios, negócios etc.) se concentra em centros urbanos, e os Estados Unidos, de longe, é o país mais ativo na rede. Os EUA apresentam uma proporção de 25,2 domínios de internet por mil habitantes, enquanto o Brasil apresenta 0,5 domínio por mil habitantes.

O que se vê é que a estrutura de produção e o acesso à rede de computadores se assemelha à distribuição dos demais recursos ligados à qualidade de vida, e geralmente está ligada a centros urbanos.

O paradoxo da Internet

No começo da internet, o termo “virtual” trouxe uma série de equívocos ao entendimento de nova maneira de sociabilidade. O termo frequentemente associado a uma identidade não-real, construída no ambiente de rede, que iria simular cidades e comunidades inteiras de avatares, sem nenhuma conexão com a realidade. Isso se demonstrou uma falácia. A realidade virtual é a possibilidade de participar de eventos em tempo real sem estar conectado necessariamente ao espaço do acontecimento.

(46)

2. Arquitetura de Interesse Público

O primeiro capítulo tratou de contextualizar o tempo presente nas suas relações físicas e culturais (Mundo Urbano e Rede e Compartilhamento), objetivando descrever o contexto em que se desenvolve a Arquitetura de Interesse Público.

Arquitetura de Interesse Público é a denominação utilizada para produções arquitetônicas contemporâneas que se caracterizam por coletivos interdisciplinares, de organização horizontal e colaborativa, com foco em problemas crônicos espaciais e construtivos da humanidade.

Não se pode airmar que seja uma terminologia consensual, ditada por um manifesto que congregue todos os grupos que atuam de maneira similar. O termo foi adotado por Brian Bell, ao desenvolver suas pesquisas sobre a produção de Arquitetura de Interesse Público, e que culminou com a obra -Sabedoria que vem do Campo. Arquitetura de Interesse Público na prática.

Brian esclarece a questão da nomenclatura:

Embora o Design de Interesse Público seja conhecido por diversas terminologias e signiicados, aparentemente há um consenso entre os proissionais entrevistados: “Design Comunitário” e “Design de Interesse Público” são os termos mais frequentemente usados. “Servir os desservidos” (que é servir àquelas pessoas e comunidades que não podem pagar pelos serviços de Arquitetura e outros serviços relacionados a ela) e “Design para conjunto da sociedade” são os valores mais consistentes expressos na pesquisa. Os proissionais do Design de Interesse Público são guiados pela convicção que o acesso ao design não é apenas um privilégio mas um direito. (BELL, 2013)12

Sobre esse tema, vale mencionar também a importante contribuição de Cary e Meron, cuja pesquisa realizada através da organização Interest Public Design, em lugar de escolher algum termo que fosse mais representativo da produção, optaram por construir um glossário incluindo os diversos grupos e as deinições aplicáveis, baseado na denominação dos próprios grupos.

12 No original:

(47)

Objetivando ampliar a perspectiva do cenário desse tipo de produção, selecionamos alguns exemplos retirados do citado glossário.

Design para Todos é usado com frequência para descrever os esforços para democratizar o design nas mais amplas escalas.

Design Humanitário é descrito pela pesquisa como o design focado em resolver problemas de necessidades humanas básicas, decorrentes de desastres naturais, a condições de extrema pobreza e em locais em guerra ou pós-guerra. Seus integrantes designam o grupo Architecture for Humanity, como uma organização representativa desse pensamento.

Design Homo-centrado é um processo que enfatiza a observação, empatia, pensamento abstrato, prototipagem e interação, enquanto trabalha diretamente com os usuários inais. Seu objetivo é criar soluções que são desejáveis, porém realistas e viáveis. As entidades que, segundo o glossário, se encaixam nessa categoria são: Catapult Design, D-Rev- Design Revolution, Design to American, IDEO.org, HCD Connect, Stanford Design School. (CARY e MERON)

Para efeito deste trabalho, o estudo desse tema será limitado apenas ao campo da Arquitetura e Urbanismo. Contudo, entendemos importante mencionar que um movimento similarocorre na área do desenho industrial, além desse ser um campo correlato da Arquitetura, o termo Design em inglês é utilizado no sentido da forma (desenho) projetada, as pesquisas de Bell (2013) e de Cary (2010) muitas vezes utilizam o termo Design13 considerando genericamente os dois campos.

A im de delimitar e atingir o objetivo de trazer à luz esse tipo de produção, adotaremos o termo Arquitetura de Interesse Público.

Faz-se necessário, de início, estabelecer o conceito de Público e, a partir daí, então, deinir o signiicado de interesse Público na atual produção contemporânea. Com esse propósito, na primeira parte, trataremos de entender o conceito de esfera pública, como ela se estabelece no espaço e o que signiica ter o seu foco de interesse nesta esfera.

O grupo Interest Public Design, conjuntamente com a revista ArchDaily e a Faculdade de Design da Universidade do Minnesota, construíram uma linha do tempo com os principais eventos que se encaixam no termo Design de Interesse Público, e estabelece o seu começo no

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