A
grandediferençaentreoamoreaamizade,comoescreve Michel Tournier, “é que não pode haver amizade sem reciprocidade.”Eletemrazão,poisnãosepodeseramigode alguémqueserecusaasê-lo.Oamor,emcompensação,nemsempreépagonamesma moeda,eissodesdeosprimeirosanosdevida,desdeque,na criança,nasceosentimentoamorosodirigidoàmãe,eisso desencadeiaadecepçãodenãosertudoparaela.Basta,como Freudnotoudemaneiraprecisaem1920,queumanovacrian-çasurjanacasaparaqueamaisvelhasedêcontada“amplidão dodesdémemqueseuquinhãosetransformou”.Assim,desde
*ConferênciaproferidanoEspaçoBrasileirodeEstudosPsicanalíticos,
emjulhode2005,RiodeJaneiro.
Psicanalista; professorana Universidadede ParisVII–Denis Diderot.
Tradução: ContraCapa
RESUMO:Aamizadetemorigemnosprimeiroslaçosamorosos,dos quaistrazamarca.Asatisfaçãosexualobtidanasrelaçõesdeamiza-de,emboradistintadaquelaquecaracterizaoamor,repousasobrea sexualidadeinfantil.Aborda-se,comoapoiodaliteraturaedaclínica (apartirdaclínicaedaliteratura),aespecificidadedaamizadeeseu papelnocontextodaidentificaçãoedaimagemdesi.
Palavras-chave:Amizade,amor,identificação.
ABSTRACT:Thelovegrammaroffriendship.Thefriendshiphas itsfirstoriginsintheloveties,fromwhichitbringsitsmarks.The sexualsatisfactionobtainedfromthefriendship,althoughdistinct fromtheonethatcharacterizeslove,liesonthechildishsexuality. Itishereapproached,withthesupportofliteratureandclinical work,thespecificityoffriendshipanditsroleintheidentification contextandtheself-image.
muitocedo,opequerruchoédesencorajadoedecepcionadoemsuademandade amorexclusivo.Eledevepartilharapessoaamadacomoutros,sendopreciso, aqui,darlugarespecialaolaçocomamãe,queéoprimeiroobjetodeamornão apenasdomenino,comoFreudpensoudurantebomtempo,mastambémda menina.Eledescobriuissotardiamente,em1931,etevederevisarsuateoriada sexualidadefeminina.Acrescenta-seaessaconstataçãooutropontoessencial,o recalqueinevitáveldesselaço,comparável,emtermosfreudianos,àderrocada dacivilizaçãomicênicaebastantedifícildeviràtonaemanálise.
Nacriança,aamizadenascecomocontrapontoaoamornãocorrespondido, queéexperimentadomuitocedo,paralelamenteàemergênciadavidafantas-máticaedaambivalênciadossentimentos.Asrelaçõesdeamizadenãoocorrem nosbebêsquenãofalamenãoandam,nemconhecemapartilhadasemoções edasidéias.Aescolamaternaléencaradapelospaiscomoumlugaremqueé maisfácilparaseusfilhos,estimuladosemdiversasatividades,desenvolverem relaçõesdeamizades.Àmedidaqueacriançacresce,suasamizadessenutrem decríticassobreseuspais,irmãoseirmãs,assimcomosobreasmaneirasde viveremfamília.Aesserespeito,aliteraturaémuitoinstrutiva,poispermite apreendercomoaamizadeseconstróiconscienteeinconscientementesobrea marcadamãeperdidanosprimeirosanosdainfância.Orastrodessaorigem, todavia,nãoéreconhecidocomfacilidade.
Quantoamim,aconjunçãoentreaexperiênciadapsicanáliseeapráticado tratamentopermitiuacompanharasfasesdedesapariçãoeressurgimentodesse rastroaolongodehistóriasdevidaedasamizadesdescritasemromances.Dito deoutromodo,minhareflexãosobreaamizadeencontrouecotantoemleituras quantoemditosdosmeuspacientes.
éunilateralcomoesteoé,algumasvezes.Apresençadooutro,dealguémque responda,doexterior,éobrigatória.
Emseucotidiano,ascriançaspequenasmostramdemaneiramuitoclaraa importânciadaamizade,oisolamentosentidoaochegaremaumanovaescola. Muitasdelaslamentamnãoserembastantepopularesemsaladeaula,oumenos popularesdoqueoutras,assimcomoseressentemquandoomelhoramigoviaja paraoutropaísoucidade.Elasnãosabem,enãopodemsaber,queessasituação evoca,maisoumenos,aquelavividanocomeçodesuaexistência,quando,após teremsidodespertadasparaoamorpeloscuidados,olharesebeijosmaternos, realizamqueesseamornãolheseradadotantoquantoalmejavamporquesuas mãestambémseinteressavamporoutrascoisas.
Aimportânciadosprimeiroslaçosdeamorcomopai,amãeeosirmãos écentralemumavida.Esseslaçosdãoàamizadesuarazãodeser,suaforça, bemcomoosverdadeirosmotivosdarupturadestaemnomedeumafidelidade inconscienteàsescolhasdeobjetooriginais.
Aamizade,noentanto,énaturalmentebuscadademodomuitoconsciente, afimdeescapardessamarcainauguraloutransformá-laemseucontrário.Ela semprecomeçacomoumsoprodevida.Encontramosnaamizadeapossibilidade deumaautonomiadopensamento,dafala,deumaconstruçãoquesópodese realizarforadafamília,mesmoquesejanestaouemcomparaçãocomestaque suarepresentaçãoadquirasentido.Nessecontexto,nãodeveríamosnossurpre-ender,aoveroslaçostantodeamorquantodeamizaderetornaremaopalcoda cenaanalíticasoboefeitodatransferência.
QuandoFreud,nocomeçodesuaprática,sugeriaqueseuspacientesnãose engajassememnovosrelacionamentosnodecorrerdaanálise,sabiabemque novosrelacionamentostomariammuitaenergiaeatenção,prejudicandoareedi-çãodosprimeiroslaçosafetivosnatransferência.Ele,naverdade,visavaapenas asligaçõesamorosasacompanhadasderelaçõessexuais.Nãoencontramosem seustextosnenhumtipodealertaquantoàamizade,apesardeestaexigirgrande investimentolibidinal.Muitasvezes,ospaisseressentemdecertasamizadesde seusfilhos,considerando-asumsinaldeabandonooudesaprovaçãodesipró-prios.Como,porque,emnomedequeumamigoouamigaconsegueexercer influênciamuitomaisimportantequeadeles,sobretudonoscasosemqueé nefasta?Nãoapenasseusprincípioseducativos,mastambémsuaautoridadese vêemdesqualificados.Ospaistêmaimpressãodequeacriança,oumelhor,o adolescente,entrega-sesemreservasatodosostiposdetransgressõesescolares, sociaisousexuais,podendoasderivasdaamizade,poressavia,tornarem-se razãoparaaprocuradeumanalista.
escreversobreoqueocorreu.Amáimagemaosolhosdeseuspaisdeumadas amigasdessapacientecorrespondiaàmáimagemqueaprópriapacientetinha desimesma.Nemela,nemelessedavamcontadisso.Apacientesóconseguia piorarascoisasperanteseuspais,semnadapoderdizerarespeito.Elareconhe-ciacertoenfadotantonaescolaquantoemcasaesabiaquenãocorrespondia àsexpectativasqueeramfeitasaoseurespeito.Nãoconseguiaevitarqueseus laços,tantoamicaisquantoamorosos,contrastassemcomessasexpectativas. Encontrava nisso a realização de certo ideal de vida. Pareceu-me que ela se sentiamaissegura,dospontosdevistaidentitárioeidentificatório,juntoaos marginaiscomquemandavadoque,emcasa,aoladodeseuspaiseirmãos.E nãolamentaráofatodequeessescomportamentosfossemmaisfreqüentese maispronunciadosnaadolescênciadoquenatenrainfânciaounaidadeadulta. Oagravamentodessescomportamentosnaadolescência,queporvezesbeira oexagero,ressaltaasestreitasrelaçõesmantidaspeloamorepelaamizadeno contextodaidentificaçãoedaimagemdesi.
Essas observações me fazem abordar, antes de detalhar esse tratamento e seusaspectostransferenciais,umareleituradeOtelo,posterioraumarecente encenaçãoaqueassisti.DetodasaspeçasdeShakespeare,Oteloé,paramim, o paradigma dos efeitos da confiança e da influência exercida pela amizade emdetrimentodoamor,ouaindaoparadigmadaimportânciadafaladeum amigo,quandoaimagemdesinãoésuficientementesólida.Porque,emOtelo, aimportânciadafaladeDesdêmona,aamante,pesamenosdoqueadeIago, indubitavelmenteumtraidorambiciosoeciumento?Iagonãotemdificuldade emestimularociúmeamorosodeOtelo,comoseeleestivesseantecipadamente convencidodenãomereceroamor,nemafidelidadedeDesdêmona.Napeça, ograndemanipuladorqueéIagoapóia-se,precisamente,nahonestidadeque, emgeral,defineaamizade,paramascararsuasintençõesdesonestas.Decerta maneira,opoderqueexercesedeveaodesconhecimento,semprepartilhado, daambivalênciadossentimentos,mesmoosamistosos,jáque,portrásdetudo isso,otemorarcaicorelacionadoàprecariedadedolaçodeexclusividaderes-surgecomforçarenovada.
Lembremos,demaneirabreve,onódaintriga.GravitamemtornodeDesdê-mona,imagemdemulherperfeita,quatrohomens:Otelo,seumarido,omouro deVeneza;Roderigo,fidalgoapaixonadoporela,masnãocorrespondido;Iago, oficialdeOtelo;eCássio,promovidoalugar-tenenteporOtelo,cujafunçãoé cobiçadaporIago,quesevingarádesseinfortúnio,aoacusarCássiodetersido oresponsávelporummotim.
àsdeDesdêmona.Assim,poucoapouco,eledeixaIagopersuadi-lodequeelao traíra,convencendo-odasupostaofensafeitaàsuahonra.Ora,Desdêmonaéa únicaque,àdiferençadoshomensàsuavolta,parecesaberoqueéaamizade, semdeixarqueestaobstaculizeoamor.EladizistoaCássio,aquemgarantesua amizade,enquantosepreparaparapleitearoperdãodomarido:“Estejascerto deque,quandofaçoumvotodeamizade,cumpro-oatéosmínimosdetalhes.” Otelo,instigadoporIagoeemnomedesuaamizade,veránesseprojetoamical aprovadainfidelidadeamorosadesuamulher.
Porfim,eparanãodedicardemasiadoespaçoàrememoraçãodessahistória, importalembrarqueDesdêmona,contrariamenteacadaumdosquatrohomens quecruzamseucaminho,éhabitadapelacertezainteriordasolidezdeseuamor, assimcomodesuaamizade.
Será que devemos ver nessa diferença, para além do aspecto conjuntural ligadoàintriga,umaconseqüênciainerenteaofuturodavidapsíquicadome-ninoedamenina,dolaçoarcaicorelacionadoaoprimeiroobjetodeamorque émãe?Trata-sedeumaquestãoaquesedeve,ameuver,responderdemodo afirmativo,poiselaseinscrevenoprolongamento,paranãodizernaseqüência lógicadareflexãoiniciadaaolongodaescritademeulivroApaixãonaamizade.A menina,dizFreud,refugia-senoÉdipocomoemumporto.Emoutraspalavras, renunciaaseuobjetodeamorqueéamãeparaescolheropai,arriscando-se maistarde,apartirdaadolescência,afazerincidirsuaescolhasobreoutrosho-mens.DeacordocomFreud,avidasexualdameninaémaiscomplicadadoque adomenino,poisafeminilidadeexigequeelamude,aumsótempo,deobjeto sexualedezonaerógena.Damesmaforma,paraela,apassagemdamãepara opaifaz-seacompanhardeumamudançadezonaerógena,emqueaexcitação vaginalsubstituiadoclitóris.Jáomeninopodealimentarailusãodemanter, durantetodaavida,egraçasàsmulheresquevenhaaamar,otraçodoamor porsuamãe,sobacondição,comoenfatizaFreudem“Totemetabu”(1912), dequeagenealogiadesuaescolhaamorosanãolhesejalembrada.
umacenacontadaporsuamãe.“MinhamãetinhaumaservachamadaBarbary, cujoamante,porquemestavaapaixonada,tornou-secaprichosoeaabandonou. Desdeentão,passouacantaralgoqueexpressavasuasituação,avelhacanção doSalgueiro;elainclusivemorreucantandoessacanção.”
Nãohálugarmelhordoqueastragédiasparaencontrarsemelhanteinten-sidadedoslaçosmantidospelasheroínascomsuasservasoudiscípulas.Esses íntimoslaçosdeamizadeentremulheresseinscrevemnosdesdobramentosdas relaçõesprecocesentremãesefilhas,ocorridasemumperíodoemqueaauto-ridadedamãeaindanãosefaziasentir.Épossívelqueanostalgiadessaépoca perdidanãosejaestranha,duranteaadolescência,àescolhadeumaamizade quedesagradaráaospais.
Servaoudiscípula,esseé,emresumo,opapeldesempenhadopelasamigas cujainfluênciaéconsideradanefastapelospais.Essasamizades,detodomodo, sãomenosdiretivasdoqueseimagina,poisencarnamaimagemdesvalorizada comqueaparceiraacreditadeveroupoderidentificar-se.Emfacedoriscode nãoirbemnosestudos,nãoconseguiracompanharoritmoeternotasbaixas, émelhortercomoreferênciaaqueleouaquelaquesepõeàmargemdasexigên-cias.Foiesseocontextonoqualrecebiminhajovempaciente.Elapossuíamá imagemdesimesmaeatravessavamomentosemquesesentiadesencorajada, umavezquesuasnotaserammedíocres.Seufracassoescolarerarecorrenteejá ahaviafeitomudardeescolamuitasvezes—naúltimadelas,tornara-seamiga dajovemdequemospaisnãogostavam.
“NãoqueromaisveraAnne”,dizminhapacientealgumtempodepoisdo iníciodenossosencontros.“Nãotenhomaisvontadedevê-la,éfísico.Elame ligaeeunãorespondo.Deixamensagens,eeunãoretorno.Masissoédifícil, pois ela estará sempre em meus pensamentos.” Esse projeto de romper com Anne,contudo,foiapenasumepisódiodaamizadeentreelas,queperdurou apóseladeixardemever.Desdobrou-seemnovadivisãodeseusterritórios,já queelas,umadasquaisescolarizadaeaoutranão,decidiramseencontrarem lugaresquenãodependiamdocontextoescolar.
restaurando-seaimagemquetinhadesiprópria.Defato,elaaceitouasaulas particularespropostasporsuamãeeconseguiupassarnosexames,enquanto suarelaçãocomospaissetornoumenosconflituosa.
Suaindependência,todavia,nãodeixoudeserumaquestãocentral,eelanão tinhacertezadesuacapacidadeparaenfrentá-la.Oessencialdeseusprojetos futurosseconcentravaemtornodessaquestão,àmedidaqueelaultrapassava as etapas obrigatórias relativas à sua idade e aos seus estudos. Ela concebeu essasetapasemfunçãodosdiferentesterritóriosqueimplicavam:acasaatual; aqueelagostariadetermaistardeeondeviveriasozinha;oslocaisdeférias oudeencontroscomosamigos;e,demodobemevidente,aescolanaqual passaraainvestirmaiseemque,emrazãodotempoquenelapermanecia,o contatocomosoutrosseampliounovamente.Nessavisãodeconjunto,otema daligaçãofoipoucoabordado,comoseelanãoquisesseseatrapalharcomele. Tornou-se,contudo,aquestãoquemaismepareceuseinfiltrarnoprojetode rupturacomAnne.Apressãocausadaporesseprojetoeraforteeminhapaciente sóconseguiulidarcomela,situando-anocorpo.“Nãotenhomaisvontadede vê-la,éfísico.”
Sejamquaisforemosriscos,asaídadaadolescênciapareceacompanhar-se darenúnciaaumidealdeonipotênciaexperimentadocomoalgoinacessível. Oamigopróximoque,algumasvezes,substituiaimagemidentificatóriapode, então,serabandonado,poisdeixadecorresponderaolugareaopapelquelhe eramimplicitamenteconfiados.
Ajustificativadadaporminhajovempacienteparaquerersedistanciarde suaamiga,paradeixardevê-la,enfatizou,comsuasprópriasimagens,aimpor-tânciadasimpressõessensoriaisnasrelaçõesdeamizadeenaconservaçãodos traçosdooutroemsi.Esseepisódiodeafastamentodoqualtomavaainiciativa afezevocaramizadesdesuainfância.Nasprimeirassessões,elamefalarade umamudançadeescoladecorrentedeumamudançadecasa,àqualatribuíaa responsabilidadedeseudesinteresseulteriorpelaescolaridade.Lembrou-sede terrejeitadotudo:“Nãogostodosamigos,nãogostodoapartamento,nãogosto denada”,naspalavrasquedisseaospais.
Antesdaprimeiramudançadeescola,elaeraboaaluna,tinhamuitasamigas, umadasquaisinvejavamuito.Depoisdessamudança,nadavoltouasercomo antes,chegandoarepetirduasmatérias.Aoretomarcomelaahistóriadaamiga perdida,soubeque,naverdade,ascoisassehaviampassadoemdoistempos.Ela jánãoiabemnosestudos,quandoseuspaisdecidirammudá-ladeescola,sem mudardecasa,mascomonãoqueriaseparar-sedesuaamiga,pediuaelespara continuarnamesmaescola.“Resistiduranteumano”,disse-me.
escolamaternaldaqualnãoquiserasair,masnãohavianadaentreelas,ocharme seromperadefinitivamente,nãohaviaencontrocorporalpossível.
Noquedizrespeitoaoscontatosfísicospresentesnaamizade,sãofreqüentes oesporteentreosmeninoseoempréstimoeatrocaderoupasentreasmeninas. Essasaproximações,dasquaisocorpoéoterritório,constituemumavivência detrocasemquesãolidasamarcadosexualnaamizadeeamarcadoapego. Nocasodeminhapaciente,comoafastamentoduplicadopelarenúnciaaos contatosfísicos,foiopoderdospaisquepareceuser,aprincípio,visadode maneirainconsciente,poisainiciativajánãoprovinhadeles,nemsetratavade obedecer-lhes.Domesmomodo,aimpressãodeexílionãofoitãopregnante. Ademais,adecisãodetomaralgumadistânciaemsuaamizadenãoquisdizer queissoevoluirianecessariamenterumoàindiferença.Elamudadeterritório, elegenovoslocaisenovoshábitos,enessesentido,oespaçodassessõeséo microcosmoprivilegiadoparaareediçãodosmovimentospulsionaisemjogo nessesremanejamentos.
Aamizade,porqueexigeasaídadomeiofamiliar,trazamarcadasprimeiras ligações vividas. Os traços inconscientes, porém ativos desses laços originais —tantoaquelestidoscomamãequantoaquelesqueestatevecomoutraspes-soas—guiamaescolhadosamigosdesdeainfância.Essaescolhapode,por exemplo,inscrever-senoprolongamentodaspersonagensidealizadasdaprimeira infância,confirmando-as.Podetambémbuscarcompensaroprimeiroamor necessariamentedecepcionado,ouseja,reeditartardiamenteabuscadeamor endereçada,emvão,àmãe.
Éaexigênciadereciprocidadequepermitesituarademandadeamizade endereçadaaopsicanalistanotratamentodoladodaresistênciaàtransferência, maisdoquereferidaaoabandonodavigilânciaedosriscosdoamorunívoco. Comefeito,olugardaamizadenaanáliseéparadoxal:pode-seprocurarum analistaseguindooconselhodeumamigooumesmobuscarnesseamigoo conselho,ainterpretaçãoeareciprocidadenãopropiciadospeloanalista.
Emsuma,aamizadenotratamento,inclusiveaqueédemandadaaopsica-nalista,implicaumexteriorquedeveserlevadoemconta,porqueaamizadeé umaexigênciadavidapsíquica.Se,porventura,umpacientedálugardemasiado importanteaumaamizadequepareceparasitarotratamento,nãopodemosnos contentarempensarquesetratadeumatransferêncialateral,naqualconviria pôrtermo.
Naanálise,abuscadeamizadejamaisédesprovidadesentido.Comona infância,elaseassociaàbuscadagarantiadeumterceirocomquempartilhar ostormentos,asolidãoouasdecepçõesamorosas;comquem,paralelamente, inventarumnovoestilo,umnovomundo;comquem,porfim,confrontar-se compaisemestres,quesão,entreoutrasinfluênciasocasionaisdaexistência, aquelasagrupadassobarubricadepersonagensdodestino.
Recebidoem11/6/2007.Aprovadoem7/7/2007.
OBRASCITADAS
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DanièleBrun