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Misticismo e Protestantismo: Um estudo fenomenológico das experiências religiosas

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Academic year: 2017

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MISTICISMO E PROTESTANTISMO: UM ESTUDO

FENOMENOLÓGICO DAS EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS

Patrícia Pazinato

Orientador:

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

Tese apresentada à Universidade Metodista de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências da Religião.

São Bernardo do Campo

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PATRÍCIA PAZINATO

MISTICISMO E PROTESTANTISMO: UM ESTUDO

FENOMENOLÓGICO DAS EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS

São Bernardo do Campo

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A fagulha

A pescar na margem me sentei Atrás de mim a árida planície Porei ao menos ordem em minhas terra ? London Bridge is falling down fallling down falling down Poi s’ascose nen foco che gli affina Quando fiam uti chelidon – Ó andorinha andorinha Le Prince d”Aquitaine à la tour abolie Nesses fragmentos apoiei minhas ruínas Why then Ile fit you. Hieronymo’s mad againe Datta. Dayadhvam. Damyata Shantih shantih shantih

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nas costas das minhas mãos,

aldeias inteiras cantando sua pureza quase louca. Encontrei depois o lugar

onde deitar a cabeça e não ser mais ninguém Que saiba. Uma pedra

pedra seca, uma vida entre muitos dons. Com raízes de quem divaga.

Uma pedra sem som como que se move Sobre os alimentos

O Amor em Vista Herberto Helder (1930)

Costa e Silva, Alberto e Bueno, Alexei (org.) Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea Rio de Jneiro: Lacerda, 1999, p. 235

Agradecer, Chegar partindo, partir chegando

Pais Filhos Amigos Professores Alunos Pacientes Amores Pessoas ausentes e presentes Que a letra não alcança Apenas desenha em vida O amor recebido

Invisível e único

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Os mestres da caixa miúda

Não abram a caixa miúda O firmamento pode desabar dentro dela

Não a fechem de modo algum Ela poderá ceifar a perna das calças da eternidade

Não a atirem ao chão Os ovos do sol poderão espatifar-se dentro dela

Não a lancem ao espaço Os ossos da terra poderão partir-se dentro dela

Não a segurem com as mãos A massa estelar poderá azedar dentro dela

O que vocês estão fazendo pelo amor de Deus Não a percam de vista

Vasko Popa (1922-1991)

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RESUMO

A presente tese investiga as manifestações de misticismo no Protestantismo brasileiro, especialmente em seus primórdios, tendo como campo de observação a atividade missionária. Este trabalho registra-se em meio aos estudos que abordam as relações entre cultura, religião e modernidade, principalmente quanto ao campo simbólico. Trata-se de pesquisa exploratória fundamentada no método fenomenológico. Para tanto, utiliza-se a redução fenomenológica e a redução eidética conforme as orientações de Edmund Husserl. Esta tese procura trazer contribuições para esclarecer elementos presentes na construção, transformação e difusão do Protestantismo, considerando a mística protestante como fenômeno religioso. A experiência mística é analisada do ponto de vista individual e coletivo, uma vez que este trabalho privilegia uma perspectiva sociológica em interface com a Psicologia, a Antropologia e, menos centralmente, a Filosofia e a História. Como pesquisa qualitativa e delimitada por seu objeto de estudo, o misticismo pode ser inicialmente apontado como relação direta entre o sagrado e o fiel, reconhecida desta forma individualmente e pelo grupo a que pertence.Tomou-se como referência teórica, entre outros autores, as idéias do sociólogo Roger Bastide, procurando confirmar ou refutar sua hipótese que um dos significados do misticismo pudesse representar a emergência do sagrado selvagem. Esta expressão designa a presença de elementos simbólicos que se manifestam de modo espontâneo ou explosivo nos rituais religiosos. Processos como a secularização e a laicização, decorrentes da institucionalização e modernidade da religião, fazem manifestar o sagrado selvagem, revelando os resíduos das produções sócio -culturais aparentemente ocultas ou mesmo latentes.Os instrumentos utilizados para a realização da pesquisa são trechos de obras literárias características do Protestantismo como A Peregrina e O Peregrino de autoria de John Bunyan, bem como jornais e periódicos evangélicos brasileiros referentes à segunda metade do século XIX: O Estandarte, Puritano e Expositor Cristão, que transmitiam concepções do Puritanismo e do Pietismo. Trechos de diários dos missionários e textos autobiográficos de pastores complementam a análise. O trabalho situa-se historicamente no período antecedente ao da Reforma, seu desenvolvimento e desdobramentos. Priorizaram-se especialmente os movimentos de reavivamento inglês e americano. em suas respectivas influências no imaginário e nas práticas religiosas brasileiras. Após cuidadosa leitura, seleção e organização por unidade de sentido dos dados analisados, firmou-se a hipótese de que a mística protestante é um elemento constitutivo do Protestantismo, representando modalidades de significação social, entre as quais destacam-se as mediações culturais entre: razão/emoção; singularização/institucionalização; fragmentação/unidade; tradição/inovação; e padronização/automia, expressando relações com as formas de poder, mudança social e divergência de interesses sócio-econômicos.Verificou-se a existência, principalmente nas camadas socialmente menos privilegiadas da população, de indícios relevantes de aproximação cultural entre alguns elementos de práticas religiosas do Pentecostalismo vinculadas ao campo simbólico africano e indígena. Sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas, revelando os significados das formas de expressão místicas no Protestantismo brasileiro e suas relações com o Pentecostalismo. Essas investigações podem clarificar os processos de justaposição de elementos culturais distintos nas práticas religiosas brasileiras, como afirmados por Roger Bastide, e corroborados por esta pesquisa.

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SUMMARY

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FAZIT

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INTRODUÇÃO ...11

CAPÍTULO 1 MISTICISMO: PRIMEIRAS VISADAS...41

1.1 Misticismo: Contribuições das Ciências Humanas...48

1.2 Misticismo e Protestantismo ...60

1.3 Experiência Mística e Fé...78

1.4 Contextos Sócio-Culturais e Misticismo...89

CAPÍTULO2 MISTICISMOS E PROTESTANTISMOS...95

2.1 Idade Média: Misticismo e Imaginário ...97

2.2 O Misticismo em Lutero...104

2.3 Pietismo...115

2.4 Os Moravianos...125

2.5 Quietismo...128

2.6 Calvino: Mística Interior e Transformação do Mundo...131

2.7 Wesley e a Convivência com o Espírito Santo...141

2.8 A Herança Mística dos Primórdios do Protestantismo...146

CAPÍTULO 3 LITERATURA PROTESTANTE E EXPERIÊNCIA MÍSTICA...151

3.1 Literatura Religiosa e Sociedade...151

3.2 A Jornada dos Peregrinos à Cidade Celestial: o Mapa do Protestantismo Rumo ao Sagrado...160

3.3 Sonhos, Fé e Imaginação...170

3.4 Misticismo e Protesto Social...180

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CAPÍTULO 4

MISTICISMO: DOS AVIVAMENTOS AO CAMPO MISSIONÁRIO BRASILEIRO...201

4.1 Contexto Sócio-Histórico e Práticas Missionárias no Brasil do Século XIX...202

4.2 Avivamentos Americanos e suas Influências na Formação Missionária ...213

4.3 Mentalidade E Práticas Missionárias No Brasil Do Século XIX...224

CAPÍTULO 5 MÍSTICA E EMOÇÃO NO PROTESTANTISMO...250

5.1 Teorias da Emoção...251

5.2 Reavivamento e Emoção...259

5.3 Misticismo, Medo e Pecado no Protestantismo...269

5.4 Misticismo Interior e Misticismo Compartilhado no Protestantismo ...280

5.5 Rituais Protestantes...289

CONCLUSÃO ...299

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Introdução

A presente tese visa explorar manifestações do misticismo e experiências místicas no campo religioso, desenhado pelo Protestantismo no Brasil, focando de modo mais específico os primórdios de tal traçado. Objetivou aproximar-se das raízes culturais desse movimento religioso e suas transformações, considerando-se as discussões das relações entre Religião e Cultura. Essas relações apontam para uma pluralidade de experiências religiosas nas quais processos de aproximação/distanciamento, criação/repetição e ligação/ruptura com o campo simbólico se dão de modo fluido e mutante, possivelmente refletindo a sociedade governada pelo imperativo da mudança, como nos mostra Danièle Hervieu-Léger (2000). As formas nas quais se apresentaram os fenômenos religiosos na passagem da Idade Média à Modernidade conduziram estudiosos do Protestantismo como Dario Paulo Barrera Rivera (1998, p.60) a pensarem que:

Os fenômenos religiosos contemporâneos possuem uma estrutura e uma dinâmica própria que não são o resíduo de uma época pré-moderna em superação. O estudo dos fenômenos religiosos exige uma crítica séria das teorias da secularização, que não deve ser entendido como extinção da religião e sim como uma recomposição do religioso.

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Se a Reforma tirou o monge do mosteiro, foi para transformar o mundo em mosteiro, povoá-lo de indivíduos consagrados trabalhando para a glória do Criador. Se a Reforma desclericalizou o padre, foi para espiritualizar melhor a família e para fazer cada homem e mulher um evangelista. A afinidade do Protestantismo com a emergência da modernidade tem duas vertentes: a racionalidade econômica e a vocação do homem dedicado, o individualismo e a ética da responsabilidade, a democratização e a educação. (Willaime, 2000. p.23).

Entre os sociólogos que estudam os processos de secularização está Antônio Flá vio Pierucci (1997), que propõe aos pesquisadores dos fenômenos religiosos que se sustentem na crítica moderna da religião, uma vez que esta apresenta em sua forma histórica, como meio de dominação e não somente de relação com o sagrado, promovendo a criação de novos elementos culturais. A característica acima citada parece ser um dos aspectos centrais dos sociólogos de renome como Roger Bastide (1975) que estudam o misticismo, articulado aos aspectos ligados à emigração. Observa que as camadas da população sem poder, expropriadas dos seus espaços simbólicos e instituições religiosas pelo chamado intermediário religioso, constroem através do misticismo uma espécie de ligação com o sagrado em estado bruto, o qual foi designou como “sagrado selvagem”. Esse se alimenta do mistério, obscuro, secreto e impenetrável à razão humana, do enigma. De certo modo, pode-se pensar que, nas práticas religiosas marcadas pelo misticismo, traços perdidos na constituição de um movimento religioso podem ser expressos novamente, produzindo efeitos nos modos de ser e de se relacionar, incluindo as esferas de poder. Tem-se um exemplo desse processo nos escritos de Bastide (1983) que se referem ao negro brasileiro, proveniente da África, portador de um universo simbólico próprio e que foi gradativamente “estimulado” a anular o repertório de valores originais. Considerando-se o Protestantismo, em seu processo de penetração em uma realidade cultural distinta de sua origem, torna-se interessante observar as peculiaridades dos processos históricos, sociais e simbólicos pelos quais desenhou e tornou viável sua difusão, desenvolvimento e permanência no Brasil.

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na chamada “tomada de consciência dos resíduos”, criando formas e estruturas religiosas que se orientavam de maneira diversa conforme o lugar e o momento, alimentando um elemento de mistério na sua aparição, que fugiu dos controles exercidos pelos discursos religiosos europeus. Comparativamente é possível pensar que os missionários europeus e americanos que vieram ao Brasil enfrentaram processos de mudança cultural, quer se pense na modificação de um espaço simbólico para outro ou se considere os processos de institucionalização do Protestantismo brasileiro, o que permitiria ao pesquisador observar os elementos dessa transformação, em seus aspectos inovadores e conservadores. Apoiando-se em algumas das idéias de Bastide, Antonio Gouvêa Mendonça (2003) traça hipóteses a respeito do surgimento do misticismo nas sociedades modernas: camadas da população dominadas e marginalizadas em seu universo simbólico, que tem nas religiões caracterizadas pelo misticismo a possibilidade de construção e compensação do que lhe é inacessível.

Contextualizando para o Brasil, a partir da segunda metade do século XIX houve migração significativa da população rural para as cidades. No universo simbólico do homem do campo, a relação com o sagrado se dá de modo mais direto e sem intermediários, pois a ligação com a natureza e seus ciclos serve de base a mitos que são representativos desse modo de viver religioso. Já no meio urbano essa relação não pode ser estabelecida tão diretamente, criando um hiato entre o sujeito e o sagrado. Aparecem os especialistas religiosos, que fa zem discursos tentando criar a mediação. No entanto, esse processo pode não ser adequado à sua finalidade, especialmente quando se trata de substituição dos ritos pelo discurso religioso, gerado nas instituições burocratizadas e racionalizadas. Nesse universo de reações sociais, é possível supor que o crescimento das religiões ritualísticas, nas quais o misticismo é comum, está sustentado na tentativa de recuperação do sagrado no seu estado de pureza primitiva, conforme mostrou Bastide (1975). Assim temos elementos para interpretar o misticismo não como um fenômeno em si, mas com as peculiaridades com as quais ocorre na sociedade brasileira.

As Ciências da Religião1 constituíram-se como um campo que instrumentaliza o pesquisador para observar e estudar fenô menos nos quais os homens produzem sentidos,

1 A cientificidade das Ciências da Religião bem como a discussão que implica a constituição do seu campo de

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significados e ordenações na sociedade, que nascem do seu universo cultural de crenças e de fé. Este texto busca situar-se entre aqueles que exploram a construção da sociedade como interação entre aspectos da realidade subjetiva e objetiva. Tal proposta adveio das leituras de sociólogos como Peter Berger (1985, p. 30):

O mundo é construído na consciência do indivíduo pela conversação com os que para ele são significativos. O mundo é mantido como realidade subjetiva pela mesma espécie de conversação, seja com os mesmos interlocutores importantes ou com outros novos. Se essa conversação é rompida, o mundo começa a vacilar a perder sua plausibilidade subjetiva. Por outras palavras, a realidade subjetiva do mundo depende do tênue fio da conversação. A manutenção dessa continuidade é um dos mais importantes imperativos da ordem social. Nas relações sociais, diversos sistemas articulam lógicas e experiências produtoras de sentido e, na modernidade, assiste-se a processos de transformação social e mudanças na mentalidade religiosa que suscitam estudos mais aprofundados e minuciosos por parte dos cientistas, que objetivam investigar o universo do sagrado e do mistério. As Ciências da Religião, conforme Mircea Eliade (1992), tomam corpo a partir do século XIX, o que torna recente, um campo próprio de pesquisa, apontando e estimulando os cientistas a efetuar investigações que contribuam para ampliar seu conhecimento e precisar seu objeto de estudo.

A religião é considerada inicialmente como um fenômeno característico das sociedades humanas, em temporalidade histórica e presente, no que estão de acordo as grandes contribuições teóricas de sociólogos e antropólogos da religião como Marcel Mauss (1872-1950), Max Weber (1864-1920), Roger Bastide (1898-1974). Os ensinamentos de Weber nos mostram a eficácia social da experiência religiosa, uma vez que se pode traçar relações entre a ética do calvinismo e o advento e desenvolvimento do capitalismo, um aspecto que tangencia este texto tendo em vista seus objetivos e natureza do assunto. Já Mauss, um dos discípulos de Émile Durkheim2, estudou temas como o sacrifício e a magia,

“determinar um método unificador, um referencial único que perpasse toda área de conhecimento chamada religião e que chame a si as contribuições das ciências que parcialmente delas tratam e as organize num sistema”. Consultar também as idéias de Mendonça (1999) expostas no artigo Fenomenologia da Experiência Religiosa onde traça a perspectiva de superação da multiplicidade acima exposta através de alcance dos “a priori religiosos”, separando-os dos seus elementos contingenciais. Uma reação e discussão dessas idéias pode ser achada no artigo de Lima (2001) que defende a posição de que a religião no caso das ciências sociais ( antropologia e sociologia) é apenas uma via para se compreender as articulações sociais e culturais mais amplas, opondo-se assim a visões “essencialistas”.

2Émile Durkheim (1858-1917) atribui a toda experiência social, desde que fosse plena, uma

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apontando que o primeiro é um tipo de consagração no qual o objeto passa do domínio do senso comum ao religioso, promovendo efeitos no sacrificante e na comunidade no qual está inserido. A magia é vista como um ato transgressor e simultaneamente social, uma vez que é mantida pela crença de sua eficácia pelo grupo que cria o mágico. Os aspectos sacrificiais da jornada dos missionários ao Brasil e a magia implicada em suas crenças de transformar a América em um espaço celeste, são pontos de reflexão nesta tese. Bastide considera que a religiosidade é uma forma do homem construir sentidos3 para os conflitos sociais, idéias se aproximadas ao do historiador das religiões Mircea Eliade (1907-1986). Esse último autor ainda acrescenta uma dimensão existencial aos fenômenos religiosos, vendo-os também como uma das possibilidades da consciência, em seu movimento de transcendência, saltar sobre si mesma e perceber-se como consciência religiosa (estrutura). Essa idéia é aceita no campo da Psicologia por Mauro Amatuzzi (1999), Paulo Giovanetti (1999) e Silvia Ancona Lopez (1999). Tais autores deixam entrever um campo no qual ind ivíduo e sociedade se relacionam intimamente, e o misticismo pode ser visto como uma das modalidades de religiosidade que presentifica esse processo, criando espaços de ordem e de desordem, de vazio e de sentido. Tempos dentro do tempo e tempo dentro dos tempos, ou seja, formas de transcendência e de criação diante do ethos social vigente.

De acordo com Paul Johnson (2001), ao se aproximar da Reforma4, nota-se que havia a possibilidade de sustentar a idéia de que não podia haver intermediários entre a alma Cristã e as escrituras. Todos os reformadores desejavam que a Bíblia fosse extensivamente difundida e estivesse disponível em traduções vernáculas, transformando-se em um escudo contra a sério, torna-a um componente universal da vida social”, conforme o comentário de (Boudon e Bourricaud, 2000, p. 467). Bronislaaw Malinowski (1884-1942) um autor que faz parte do funcionalismo inglês, valoriza os estudos dos símbolos e ritos, como parte da religião cujo papel tem destaque em sua obra, uma vez que se constituem em elementos das sociedades e obedecem a uma lógica social. Portanto pensar se existe ou não uma lógica para o aparecimento das manifestações místicos no protestantismo, é uma perspectiva de pesquisa interessante.

3 Mendonça (1994) nos clarifica que partimos do pressuposto que uma articulação de crenças

recebe o nome de religião, mantendo uma coerência interna entre os princípios que estabelecem este sistema. Religião é, portanto, a aceitação, admissão de um dado sistema de crenças: algo em que um ser humano deposita sua fé, confiança, sendo verdadeiro na medida em que oferece a possibilidade de transitar da própria vida para o sagrado.

4 De acordo com Nicola Abbagnano (1998, p. 839) Reforma refere-se a renovação religiosa ocorrida na Europa

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opressão institucional religiosa da época. As proibições papais de traduções das escrituras, bem como de suas interpretações que não fossem autorizadas pela Igreja, tornaram-se inaceitáveis5. O Protestantismo, embora defendendo posições como a exposta acima, desde

seu início se apresenta como pluralismo, quando se observa o movimento dos reformadores, entre os quais Zwinglio6, Lutero, Martinho Bucer ou Calvino7. Para citar somente alguma dessas diferenças, basta lembrar que enquanto o primeiro nome Zwinglio estabelecia através da “Ceia do Senhor” uma modalidade própria de liturgia, que rompia com as características medievais, Lutero8 era conservador em sua doutrina e estrutura, sendo visto por alguns como uma proposta nova de catolicismo. Deste modo já é possível vislumbrar que não se trata de um movimento homogêneo e que qualquer estudo que se faça em seu interior aponta para fronteiras amplas e de difícil delimitação, o que justifica o uso do termo no plural.

Os movimentos anteriores à Reforma em sua quase totalidade se caracterizavam por componentes de luta social e agrária, segundo José J. Chiavenato (2002, p. 321), entre os quais podem-se citar os hussitas, joaquinitas, irmãos apóstolos, mauricianos, valdenses, que na Idade Média foram acusados pela igreja de “exagerarem a pobreza evangélica e falsearem a mística cristã”. A passagem da Idade Média à Modernidade propriamente dita implica em

5 Segundo Paul Johnson (2001, p.329: 334), a partir do século XIII passaram a circular muitas versões

vernáculas do Novo Testamento em diversas línguas. Muitos conflitos se deram ao redor do acesso e da distribuição do texto, que passou a ser uma modalidade de distinção da democracia ou não das autoridades religiosas. Na Boêmia, que havia rompido com Roma em 1420, circulavam versões da Bíblia, feitas de modo popular, isto é sem a participação de um censor, nem com impressão de forma monástica. Um elemento importante é a relação entre os reformadores e Erasmo de Roterdan (1466-1536), um dos expoentes do Humanismo. Havia concordância com a necessidade de estudo e leitura da Bíblia. Seguido desse aspecto, estavam as idéias da importância da prática da devoção privada, sobretudo da oração, bem como a rejeição do cristianismo mecânico praticado por meio das indulgências, das privilégios especiais, missas para os mortos, e das peregrinações. Erasmo, porém, discordava dos luteranos e mais tarde dos calvinistas pois acreditava que o homem se salvaria através do conhecimento de Deus, realizado de forma direta e sem intermediação de uma instituição. Em 1524, Erasmo publicou sua obra Discussão do Livre Arbítrio, rejeitando a idéia de predestinação e dando ênfase a capacidade humana de se valer de seus próprios recursos para obter a salvação.

6 Ulrich Zwinglio (1484-1531) foi mais adiante de Lutero na negação das formas religiosas tradicionais,

atribuindo ao sacramento da eucaristia o valor apenas simbólico e negando a obediência passiva à autoridade política (Abbagnano, 1989)

7 Calvino (1509-1564) considera o Antigo Testamento como uma das referências centrais aos princípios da

Reforma, mostrando ainda que há uma unidade entre essa obra e o Novo Testamento, e que no modo de vida do homem podem ser encontrados os sinais do favorecimento de Deus, e sinal de sua predileção. Esta posição fez teóricos e sociólogos como Weber estabelecerem correlações entre a ética inspiradora do Protestantismo e as atividades exercidas pela burguesia, que faz predominar o sucesso dos negócios através de uma postura racional e pouco sentimental. (Abbagnano, 1898)

8 Segundo Abbagnano (1998, p. 839), Lutero no texto Contra Henrique VIII da Inglaterra (1522) faz

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diversos processos sócio-econômicos entre os quais: o crescimento da população urbana em relação à população rural; a profissionalização dos operários, que se pautavam em satisfazer o conforto e o prazer das classes privilegiadas; o surgimento de pequenos comerciantes, que originários das camadas populares viram suas atividades crescerem e começaram a ganhar e acumular bens. As ciências, artes, cultura cresceram e se ampliaram enquanto conhecimento e prática acessível aos indivíduos que não pertenciam ao clero ou a nobreza.

Devemos a Alain Touraine (1994) a observação que a religião enquanto fenômeno social pode explodir e se fragmentar na modernidade sem que seus componentes desapareçam dentro desse contexto, o que promove o nascimento do sujeito enquanto humano, deixando de ser elevado a divino, podendo ser definido a partir da razão. Torna-se então possível falar em termos como subjetividade, personalização, singularidade, pessoal, individual. Ao lado desse processo, o autor identifica nesse período, o estabelecimento de uma religião privada oposta a uma vida pública moderna, onde as seitas9, no mundo católico ou protestante, permitem ao indivíduo a vivência do contato direto com o sagrado e da experiência comunitária da globalidade, sem intermediações de outros indivíduos, grupos, instituições religiosa, ou mesmo do Estado. Essa perspectiva oferece um ponto de partida para a aproximação do fenômeno do misticismo no Protestantismo.

Os esforços para a compreensão do misticismo geraram nos últimos cinqüenta anos uma quantidade considerável de publicações e estudos, sendo a definição do termo diversificada de acordo com os autores científicos que sobre ela escrevem, o que aponta de certo ponto de vista, para a amplitude do assunto e de outro para o estágio de pesquisa onde ainda ocorrem dificuldades de construção clara de seu objeto, de acordo com as observações de Gershom Sholem (1972) e Faustino Teixeira (2004). É possível pensar que entre outros aspectos, ao investigar o misticismo, o cientista se depara com dificuldades e contradições, provindas da própria natureza do fenômeno que se mostra paradoxal em certas manifestações

9 Para explorar a conceituação e caracterização de diversas seitas uma leitura relevante é Juan Bosch, que

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como, por exemplo: ocultamento/aparecimento, individual/coletivo, diferenciação/fusão, mistério/revelação. A descrição da experiência mística já apresenta um conjunto de dificuldades como mostra Sholem (1972), pois sua natureza ultrapassa o que a linguagem pode exprimir, quando utilizada de acordo com a padronização científica. Além disso, quando se estudam as relações entre o criador e criatura, entre o finito e o infinito, que comportam concepções e experiências subjetivas, existem dificuldades para traçar correlações com outros fenômenos, um recurso do cientista para se apoiar em modelos que permitam correspondência entre diversas disciplinas da ciência, para compreender e clarificar certos pontos da pesquisa. Os estudos comparados sobre o misticismo e os voltados às experiências inter-religiosas, como a oração, fé, êxtase, sonhos, requerem uma aproximação entre tradições religiosas diversas, estudos epistemológicos e pesquisa de campo com observações e registros quantitativos e qualitativos confiáveis, conforme observa Silvia Schwartz (2004). Em outras palavras, pesquisar e descrever o que o místico vê ou prova não é tarefa muito usual e requer certa criatividade por parte do cientista, quer nos aspectos referentes à linguagem, quer no que diz respeito à própria investigação e compreensão do fenômeno em si mesmo.

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quando comparada ao oriente, no qual o princípio último, da alma, ao contemplar é alcançar o mundo inteiro. Essa concepção oriental de misticismo se encontra presente de forma mais direta ou indireta em certos filósofos e teólogos no ocidente. Pode-se citar Pitágoras (séc. VI a.C.) que ensina ao mundo grego que o corpo não é mais que um túmulo para a alma, sendo que a virtude é libertar-se dele, para reunir-se em um mundo melhor e espiritual com as almas puras que desfrutam a felicidade eterna. Em Platão (427-347 a.C.) encontra-se a idéia de que antes do nascimento e depois da morte a alma se encontra em um estado de contemplação das idéias imortais. Os gnósticos cristãos acreditam que podem unir-se absolutamente a Deus, fusionando-se a ele em sua contemplação. Já as especulações neoplatônicas vão encontrar em Agostinho (354-430 d.C.) e mesmo em Plotino (205-270 d.C.) a concepção teológica e filosófica da mística ocidental, segundo a qual, Deus não está fora do homem, mas em seu interior, sendo acessível ao fiel, em atitudes de adoração, e pensamento, na qual a comunicação é direta. A visão do misticismo como experiência íntima do sujeito com a divindade, também é a idéia de Tomás de Aquino, (1225-1274). Em certos espectros da história da Idade Média, se encontram, por exemplo, as idéias de João Scotus (segunda década do século IX - 870?) que remontam a teologia de Dionísio Aeropagita, para quem existe: a primeira natureza que cria é não é criada que é Deus e a segunda natureza, que é criada e cria sendo as causas primeiras ou os arquétipos da tradição Platônica. Essa natureza aparece como conseqüência da queda do homem através do pecado. A experiência mística é o retorno do homem ao estado matriz, com sua absorção em Deus, conforme a visão de João Scotus.

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ao panteísmo. Comparativamente ao cristianismo, pode-se encontrar a idéia do caminho, enquanto peregrinação do fiel, para o mundo celeste, bem como os estados emocionais, vistos como provas ou ritos de purificação. Outro aspecto que permite comparação é que para a mística islâmica existe o espírito e a alma do universo, correspondendo de certo modo ao paraíso e ao inferno cristãos. Essas forças tanto em um sistema cultural como em outro se encontram em conflito e se combatem mutuamente, devendo o místico atravessá-las para alcançar a relação direta com a divindade. A música também ocupa papel de ligação entre o homem e a divindade nas duas culturas, constituindo-se como um elo que permite as vivências de desprendimento, nostalgia, alegria, irradiação, indicando o tesouro interior, que as passagens ou portas ritualísticas podem abrir ou deixar patentes.

O estudo da mística comparada é um recurso que sensibilizou a pesquisadora, para vários aspectos da experiência mística protestante, embora não fosse seu objeto de estudo. São citados alguns desses exemplos que permitem aproximação posterior do fenômeno religioso visado. O místico sírio Isaac de Nínive constata que a alma purificada contempla em si mesma as belezas celestiais, o mesmo que um espelho preciso faz. Desse modo, os sonhos e as visões místicas são pensadas como essa experiência de contemplação do mundo sobrenatural, que o ser humano pode vislumbrar em si, afirma Vindengren (1976). O espelhamento entre o homem e o divino, aparece em processos milenarista. Da perspectiva de Jean Delumeau (1997) o milenarismo é a espera de um reino deste mundo, que é uma espécie de paraíso terrestre reencontrado, relacionado de forma estreita a idéia de uma idade do ouro perdida. Há em geral uma ligação entre febres milenaristas e grupos sociais em crise. Os autores dos movimentos escatológicos são freqüentemente pessoas marginalizadas, desenraizadas ou colonizadas que aspiram a um mundo de igualdade e comunidade, posto enquanto perspectiva temporal.

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Alguns relatos se referiam a estados de graça, que forma ou seriam vivenciados como componente fundamental da vida e do encontro com Deus.

Os depoimentos de pacientes continham referências a experiências de encontro com o transcendente através de: luz, sentimento profundo e intenso de religiosidade, ser possuído por um aspecto da divindade, fazer contato diretamente com ela. Independente de estarem ou não filiados a uma instituição religiosa, os pacientes mencionavam esse tipo de dado, especialmente quando se explorava durante as consultas, que possíveis recursos uma pessoa podia usar para alcançar ou manter seu bem estar, visto que se encontrava em uma situação onde a desordem e o vazio de sentido se faziam sentir. Interessante a observação que não se estabelecia distinção entre bem estar psíquico e bem estar religioso. Isto indicava que poderia haver uma região da existência em que as demandas convergiam ou se aproximavam, isto é, experiência emocional e experiência religiosa se interpenetravam Iniciou-se assim uma exploração informal que visou clarificar tal interseção, partindo do pressuposto que isso fosse uma relação possível. Nessa direção encontram-se pesquisas que partindo da interface entre as ciências humanas apontam que o homem vive crises e interrogações frente às instituições produtoras de sentido para sua existência, tornado patente a importância de se investigar o que ocorre nesse processo, entre as quais podemos citar José Queiroz (et. al, 1996) e Danièle Hervieu-Léger (1990).

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“Tive um encontro especial com Deus” “(...) Ninguém me conhece mais do que Deus”, ou “(...) ainda bem que Deus existe, pois nunca me sinto sozinho: eu e Deus às vezes nos tornamos um só” “(...) Sou parte dele e ele é parte de mim Acontece algumas vezes no culto de eu ter um momento especial e de me sentir muito perto dele” “(...) Não preciso de ninguém que me conduza ao encontro dele. É só ler a Bíblia que logo acontece: me sinto nas alturas e logo passa, se você escuta o pastor não o que ele diz, mas as palavras da Bíblia, uma porta se abre e vê vai direto lá em cima” “(...) Meu pastor é mesmo especial, parece que uma luz o ilumina e ele sempre tem uma palavra para me dizer” “(...) Quando estou com meu irmão e leio a Bíblia parece um momento especial, no qual Deus fala comigo, ou através de mim” “(...) Não sei dizer ou que meu pai, ou minha mãe sentem quando vem ao culto, mais sei que alguma coisa muda, pois tudo que é complicado parece mais fácil. Isso nos une. Nós mudamos todos. Não conversamos sobre isso, mas é uma coisa natural ““ (...) A escola dominical, para mim que era professora, sempre foi uma forma de me sentir iluminada. Um dia uma amiga me disse: apesar de não haver pastoras na igreja, a gente sente quando uma mulher tem vocação. Isso não depende de sexo. É uma graça e ponto“.

Inicialmente, a pesquisadora nomeou de experiência mística as manifestações acima descritas, empreendendo esforços para definir e compreendê-las, já que se transformaram no ponto de indagação e construção do objeto de pesquisa. Trata-se, sobretudo, de considerar os fenômenos religiosos como componentes do modo de ser do homem, característico de todas as sociedades humanas, o que lhes confere uma abrangência que ultrapassa a sociologia da religião, ponto de partida dessa pesquisa. Diante disso, primeiramente tem-se a esclarecer que o interesse que se delineia é pensar de que se trata de visar o misticismo enquanto experiência religiosa10, o que encaminha para um estudo fenomenológico visando voltar-se às coisas mesmas, seguindo as orientações de Edmund Husserl (1859-1938) Busca-se ir descrevendo a experiência mística na condição de sua revelação em sua natureza, isso é por si só. Indaga-se inicialmente sobre a natureza, uma experiência religiosa mística e suas manifestações no movimento protestante, buscando seus significados. As visadas das Ciências da Religião são um movimento auxiliar na compreensão do misticismo, a partir da ampliação de seus sentidos iniciais, em uma perspectiva mais totalizante do fenômeno religioso.

Este trabalho visa contribuir para as discussões sobre religião e modernidade, partindo do ponto de vista do estudo das manifestações do misticismo ocorridas nas sociedades

10 José Paulo Giovanetti (1999, p 93:95) define experiência religiosa, distingüindo-a de vivência religiosa. “A

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marcadas pelo advento da razão como prática de idéias e condutas nas relações humanas e na cultura. Advento que não significa exclusão de outras modalidades como a emoção, sensação, magia, e sim a convivência entre essas ou outras formas psicossociais e expressão religiosa, em modalidades de justaposição, conflito ou interpenetração. Compreender o que é modernidade é um objetivo visado por diversos especialistas das Ciências Humanas e Sociais. Os sociólogos, por exemplo, tendo em vista a diversidade dos processos sociais implicados em sua construção e transformação, necessitam estudar cada vez mais essa temática de forma crítica. Alain Touraine (1994) escreve que a idéia mais ambiciosa sobre a modernidade é calcada na afirmação que o homem é o que ele faz. Essa idéia implica em uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção mantida pela ciência, tecnologia, administração, organização social, burocratização e a vontade cada vez maior de se libertar de todas as opressões geradas através desses processos. Mesmo a razão prometendo que o homem poderia caminhar em direção à abundância, liberdade e felicidade, fracassou. Pois não foi bem isso que se assistiu durante os últimos quatro séculos, levando os críticos da modernidade a enfatizarem os efeitos nefastos da ideologia, desigualdades do consumo desenfreado, controles excessivos dos Estados11 modernos, da comunicação padronizada e massificante, da construção dos regimes totalitários, para citar somente alguns elementos contidos nos discursos do sociólogo. Nas palavras do autor:

A modernidade rompeu o mundo sagrado, que era ao mesmo tempo natural e divino, transparente à razão, e criado. Ela não o substituiu pelo mundo da razão e da secularização devolvendo os fins últimos para um mundo que o homem não pudesse mais atingir: ela impôs a separação de um Sujeito descido do céu à terra, humanizado, do mundo dos objetos manipulados pelas técnicas. Ela substituiu a unidade de um mundo criado pela vontade divina, a Razão ou a História, pela dualidade da racionalização e da subjetivação”. (Touraine, 1994, p.12)

A modernidade trouxe a questão da secularização, como um processo amplamente discutido pelos teóricos das Ciências Sociais, entre eles Antony Giddens (1991) para o qual este fenômeno implica em estudos de processos ligados à temporalidade. Desse modo,

11 Carneiro em artigo apresentado na VIII Jornada sobre alternativas religiosas na América Latina, tece

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compreende-se como alta-modernidade um período de expansão da modernidade, no qual suas características estariam tornando-se mais marcadas e universalizantes, sendo a reflexividade um dos seus marcos. Com a freqüência das mudanças gera-se mais insegurança e riscos o que conduziria o homem a buscar novos significados e representações de identidade, entre os quais a teodicéia. O paradigma evolucionista e iluminista, que estiveram muito presentes no início da modernidade, têm força decrescente ou então encontram novas formas de manifestação. Estes são aspectos que merecem maior investigação. Assim torna-se importante pensar como as formas de misticismo podem aparecer revestidas dos valores culturais de uma dessas etapas, ora carregadas de elementos do evolucionismo e do iluminismo, ora apontando e antecipando os processos representativos da alta-modernidade, ou mesmo mantendo significados relacionados à Idade Média. O estudo do misticismo no Protestantismo brasileiro foi empreendido inicialmente por Mendonça (1998), que afirma serem necessários esforços contínuos para abranger outros aspectos destas pesquisas.

As mudanças sócio-culturais são vistas pelo homem como risco de processos de desorganização social e caos. O papel da religião como produto da atividade humana é criar um cosmos sagrado que resista às forças do caos. Esta ordem tende a atingir dimensões mais abrangentes, uma vez que as forças desorganizadoras são consideráveis, como por exemplo, questionamentos sobre a realidade, a precariedade da existência social, conforme apontadas por Peter Beger em sua obra O Dossel Sagrado (1985). Ao discutir a sociedade moderna e sua relação com o sobrenatural, esse autor defende que a pluralidade religiosa é um fenômeno relevante na esfera social diante da secularização12. Revestida das mais diversas formas, a religião mantém sua função de criar plausibilidade para as questões da existência, mesmo que a sociedade se torne mais e mais secularizada. As forças de secularização interagem com as forças contrárias produzindo tanto nas sociedades industrializadas avançadas, como nos primórdios da modernidade um jogo de formas religiosas visíveis aos estudiosos.

De acordo com Rivera (2000), a importância da relação entre racionalidade, secularização e religião podem ser observadas a partir dos textos de Max Weber que se orientam ao Protestantismo. Nessa perspectiva, o racionalismo é um conceito histórico que envolve um conjunto de contradições, cujas investigações implicam a idéia de profissão e

12 De forma resumida, o conceito de secularização de Berger, embora apresente certas variações ao longo de suas

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dedicação abnegada ao trabalho, que estão presentes na Reforma, manifestando-se através de distintas formas de piedade nas igrejas que as propagam. Há a presença da racionalidade que se presentifica no seu sentido prático e instrumental, nas operações relacionadas ao trabalho, mas adquire também outro sentido extra-econômico, ou extra-mundano, quando o agir religioso passa a se orientar diretamente por formas de conhecimento e explicações intelectuais de mundo, tornando-se assim irracional. Há, portanto, paradoxos no Protestantismo entre a racionalidade e a irracionalidade, necessitando de investigações que descortinem as formas e forças sociais aí implicadas.

As discussões das relações entre modernidade e secularização são amplamente realizadas por Stefano Martelli13 (1995, p. 467), que defende que os sociólogos da religião saiam de esquemas interpretativos dominados pela racionalidade instrumental e considerem aspectos “da consciência pessoal, a formação de relações intersubjetivas a partir de processos baseados na empatia, na confiança, na confidência, no amor”, uma vez que se considerem seus efeitos no plano macro-sociológico.

A aproximação dos conceitos de modernidade14 já permite vislumbrar que as práticas religiosas indicam a crescente autonomia do fiel em relação à autoridade e a instituição religiosa, que as considera legítimas, mesmo com a discordância do poder religioso instituído. Pode-se observar a aceleração do movimento nas práticas, experiências religiosas e crenças, conduzindo a dificuldades nas tentativas de condutas homogeneizantes. Neste sentido, as instituições católicas, que ideologicamente veiculavam a idéia de universalidade do seu campo simbólico, se viram diante de questionamentos e perda de poder. As verdades religiosas não mais tinham sentido para todos com o advento da modernidade. A autoridade

13 Para distinção de posições, conceitos e discussões das relações entre modernidade e secularização ver a obra

de Stefano Martelli A religião na Sociedade Pós-Moderna (1995 p. 436-437), onde cita entre outros, estudiosos como Hervieu-Léger para quem a secularização seria uma atividade permanente da religião no sentido de reorganizar o mundo simbólico em uma sociedade estruturalmente impotente para oferecer respostas satisfatórias diante das dificuldades da existência. Já Vattimo atribui a secularização a retomada de processos simbólicos, como os que ligam a civilização profana às suas raízes judaico-cristãs, em um processo de conservação-distorção-esvaziamento.

14 Pode-citar o historiador Jean-Pierre Bastian com sua obra Protestantismos y Modernidad Latinoamericana,

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religiosa passa a ser questionável e seu projeto de Paraíso, ve iculado à humanidade, sofre mutações no imaginário coletivo, transformado em sua referência territorial e temporal.

Do ponto de vista de Urbano Zilles (1993), a modernidade modificou a mentalidade humana do ocidente, anulando certas convicções do passado, e enfraqueceu os critérios de vida e de julgamento moral, que eram parametrados na religião e forneciam ao mundo uma orientação segura. Com isso, o homem moderno passa a viver com o um sentimento de um mundo a deriva, sem rumo, caracterizado pela anarquia do pensamento. O mundo cinde-se entre a lógica sistêmica e a experiência vivida. Na primeira, impera e atua a racionalidade instrumental e técnica, na segunda, a liberdade subjetiva. Assim, a vida passa a ser racionalizada e o relógio divide o tempo em ações rigorosamente medíveis, para que se possa produzir em séries. Do ponto de vista do conhecimento, a razão passa a ser o modo de iluminar, ilustrar e esclarecer, combatendo as trevas e o obscurantismo. Nessa perspectiva, o homem é um ser capaz de modificar o mundo e a si mesmo, sendo o senhor do seu destino e relativizando o poder da providência divina para fazê-lo. As influências no cristianismo se fazem sentir em vários aspectos: busca-se a elucidação dos mistérios, opondo o deísmo à revelação cristã. A tradição não vale por sua antiguidade, mas por ser criticamente justificada pela razão.Para o Iluminismo, o homem não é decaído devido ao pecado, mas é decaído devido às más leis, superstição religiosa e astúcia dos frades e padres, que ocupam um espaço que cabe à ciência tomar.

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Há ainda dentro do projeto do Protestantismo a relação com o texto sagrado e a literatura que serve de suporte à sua difusão. Segundo Rivera (2000), a tradução do texto já requer uma escolha interpretativa. A leitura autônoma do fiel, já seculariza o leitor. Deixa de ser um texto misterioso e passa a ser mais acessível e mundano. A leitura pode ser mais alegórica e simbólica, ou mesmo mais racional, histórica, lógica. O leitor pode fazer dela um símbolo, um ideal comportamental no mundo, criando modelos de “sacralização” ou “dessacralização” do cotidiano, construir rituais de leitura e de eficácia da mensagem, ou pode ainda banalizar o dito, tornando a divindade um ente próximo, e não mais distante e universal. A modernidade dentro de seu movimento de quebra de paradigmas religiosos institui a individualidade como uma de suas máximas. Com esse projeto, há que se pensar que a pluralidade da experiência religiosa já está na base de construção de movimentos religiosos e se estende à leitura, mesmo que as crenças aparentemente as articulem ilusoriamente como significados universais. Considerar essas possibilidades quando se discute as formas místicas aponta para diversidade de suas manifestações em um movimento religioso e suscita um método científico que acompanhe seu estudo, sem a pretensão de qualquer universalidade do conhecimento.

Dito de outro modo: as leituras da modernidade conduzem a uma visão da religião a partir de sua mutabilidade. O movimento passa a ser um paradigma para o pesquisador, que tem que observar: 1) os processos de desregulação do religioso, isto é a perda da instituição para reger a dinâmica dos processos religioso; 2) os processos de singularização do sujeito religioso, que tem o direito de fazer suas escolhas e oferecer à sua experiência religiosa um sentido próprio; 3) crise das tradições religiosas, que lutam para se sustentar; 4) criação-transformação de modalidades de experiência religiosa, que mesmo não reconhecidas como relevantes para o Protestantismo, são significativas para sua constituição, propagação, expressão e manutenção.

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Antônio G. Mendonça (1995); Mendonça e Velásquez Filho (1990), que se dedicaram a investigar esse movimento desde suas origens, difusão, propagação e dinâmica na realidade social, econômica, cultural e simbólica, contribuindo de forma significativa para iluminar as pesquisas que buscam compreender esse campo. Os aspectos e problemas abordados pela pesquisadora no que tange ao misticismo não são investigados por esses autores, embora muitas vezes se reconheça esse elemento como um traço que pode se manifestar no Protestantismo, especialmente observado por Mendonça (1995)

O misticismo tem sido visto pelos pesquisadores mais como um fenômeno individual do que social, embora reconheçam que práticas e manifestações religiosas místicas ocorram em universos simbólicos que são socialmente e historicamente delimitados. A atitude científica de Roger Bastide (1931, 1934, 1974,1975), bem como as pesquisas e conceitos de Max Weber (1969,1982), Peter Berger (1985,1996), Berger e Luckmann (1999), Henri Desroche (1955) entre outros, fornecem indícios preciosos, considerando-se a idéia de que existe uma estrita relação entre a objetividade e a subjetividade humana. Em outras palavras, que o plano social e o individual são dimensões da existência humana que possuem pontos de correspondência e de sustentação mútua.

Ao ver da pesquisadora, a literatura protestante que contribuiu para constituição e difusão desse movimento pode conter idéias, metáforas e expressões indicativas das modalidades místicas manifestas nas práticas religiosas que influenciaram a formação da mentalidade de seus membros. Para estudo dessa literatura serão utilizados trechos de obras literárias como O Peregrino e A Peregrina de autoria de John Bunyan. A escolha de tal obra se dá pela freqüência de sua leitura entre os adeptos do movimento Protestante, constituindo-se provavelmente como uma das fontes de divulgação das idéias relevantes da época. Serão utilizados para análise outros instrumentos como jornais e periódicos da imprensa evangélica que foram fundados e circularam após a chegada dos missionários protestantes no Brasil. Foram selecionados para análise trechos dos jornais: Imprensa Evangélica, Estandarte, Puritano e Expositor Cristão, bem como trechos de hinos considerados como representativos do imaginário social da época.

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Analisando as manifestações e expressões místicas à luz do modelo teórico formulado por Roger Bastide, visou-se sua compreensão com criatividade e originalidade. A psicologia ofereceu elementos para compreensão de fenômenos como emoção, símbolo, mito, percepção, linguagem. A sociologia permitiu penetrar as relações sociais e humanas apontando as forças sociais e culturais que as produzem, sustentam e transformam. A antropologia contribuiu para se perscrutar o significado das práticas e manifestações sociais específicas de um grupo ou movimentos religiosos. As relações entre essas ciências permitiu aproximações e descobertas e um fenômeno tal qual ele se dá em si mesmo. Levantar dados e relações através de um giro multifacetado sobre um fenômeno é uma prática científica que exercita o pesquisador através da quebra de preconceitos e amplia sua percepção sobre a natureza mesma do fenômeno. Analisando a expressão simbólica contida na literatura, estudos da identidade social dos membros de um movimento religioso e as relações entre indivíduo-sociedade-cultura tendem a se clarificar. Aspectos que não foram ainda objeto de estudo ou ocuparam apenas um lugar irrelevante como é o caso do misticismo no Protestantismo, podem traçar perspectivas e idéias novas sobre as relações entre cultura-sociedade, religião-modernidade, indivíduo-coletivo, significado-aparência, forma-essência, rituais-espontaneidade, como elementos das práticas religiosas e das relações sociais.

A pesquisadora espera que as investigações desse trabalho contribuam para: a) clarificar as relações sócio-culturais que construíram o movimento Protestante no Brasil e foram por ele construídas; b) ampliar os significados até então conhecidos de suas práticas e manifestações religiosas; c) permitir traçar perspectivas longitudinais entre significados simbólicos das práticas protestantes, d) esclarecer as diretrizes e conceitos de Roger Bastide no campo das Ciências da Religião e mais especificamente: 1) auxiliar na interdisciplinaridade entre psicologia e religião, que vem se desenvolvendo mais recentemente no Brasil, bem como 2) ampliar e estimular os estudos de psicologia como integrante das Ciências da Religião, 3) estimular e contribuir para pesquisas com o método fenomenológico. Esse tracejar de perspectivas e idéias está por se fazer com amplitude, fundamentação teórica e ética por cientistas, e espera-se com este trabalho integrar seu espectro.

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XVI, tem como uma das personalidades centrais a figura de Martinho Lutero e levou à conclusão da inutilidade da intercessão da igreja na relação homem-sagrado, uma vez que esse já nascera predestinado individualmente à salvação. Aproximando mais diretamente Deus e homem, sem que a intermediação institucional se fizesse necessária, esse professor de teologia amplia as possibilidades para a propagação das experiências religiosas enquanto fenômenos místicos no Protestantismo. Essas manifestações devem assumir características próprias que representam os processos de modernidade e que podem ser observados como relação entre a cultura e a religião. As modalidades de misticismo no Protestantismo podem ser representativas das contradições e tensões existentes entre individualismo e institucionalização da religião, permitindo ao pesquisador vislumbrar o jogo das forças simbólicas presentes no campo social. Em um exercício de imaginação, conforme sugere Gaston Bachelard (1996), a pesquisadora perscrutou que o misticismo pode: 1) representar uma forma de experiência religiosa que contém aspectos à priori do Protestantismo, sendo uma possibilidade de estudo do que é contextual e do que é estrutural na sua composição; 2) facilitar a compreensão de movimentos religiosos como Pentecostalismo e Neopentecostalismo; 3) representar modalidades de experiências religiosas que deslocam para o interior do indivíduo o resíduo das forças sociais, que não podem se manifestar enquanto um certo tipo de razão, mas sim enquanto emoções e intuições do sagrado. A necessidade de organização das relações entre elementos do fenômeno religioso inicialmente visados, conduziu a pesquisadora a utilizar de hipóteses para essa finalidade, não atribuindo as mesmas o propósito demonstrativo ou probatório. As hipóteses são propostas pela pesquisadora como recurso metodológico para aproximação das experiências de misticismo, que circunscrevem as indagações e amparam sua revelação. Feita essa consideração, optou-se por partir de uma hipótese central e outras corolárias, como segue descrito a seguir:

a) Hipótese Central: As modalidades de experiências místicas no Protestantismo missionário brasileiro são expressões de seus elementos constitutivos presentes na cultura brasileira.

b) Hipóteses Corolárias;

b.1) A literatura Protestante apresenta modelos de experiências religiosas e interpretações das idéias bíblicas com enfoque místico, contribuindo significativamente para a difusão de elementos utópicos

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b.3) As modalidades de práticas religiosas místicas contribuíram para a construção e difusão do Protestantismo missionário no Brasil, facilitando sua integração à cultura brasileira.

b.4) As práticas religiosas místicas constituíram-se como formas de reserva religiosa e como elemento representativos das relações entre utopia e ideologia no Protestantismo de missão.

b.5) As práticas religiosas místicas dos missionários expressam significados relacionados aos elementos reprimidos pelas relações de poder advindas das transformações institucionais e sociais presente no movimento Protestante que seguiu o período missionário.

b.6) As modalidades simbólicas do misticismo, tal qual expressas no Protestantismo missionário, podem contribuir para compreensão do conceito de religião, formulado por esse movimento enquanto identidade social.

Ao formular essas hipóteses, a pesquisadora tem como perspectivas as seguintes limitações: 1) multiplicidade de conceitos de misticismo advindos das ciências humanas e poucos estudos sobre manifestações de Misticismo no movimento Protestante Missionário; 2) articulação de idéias claras no sentido interdisciplinar; 3) aplicação do método fenomenológico às Ciências da Religião; 4) possibilidade de preconceitos na interpretação do misticismo e seus significados no Protestantismo, que é considerado um movimento advindo do racionalismo religioso. Ciente dessas dificuldades, a pesquisadora se dispõe a desenvolver uma atitude de atenção e cuidado com esses aspectos.

Os objetivos gerais desse trabalho podem ser descritos como:

a) investigar modalidades de misticismo nas sociedades perpassadas pelos processos de modernidade.

b) esclarecer como os elementos místicos presentes no Protestantismo influenciaram suas formas de expressão no campo simbólico, especialmente considerando a tensão indivíduo-coletivo.

c) traçar relações entre as modalidades místicas surgidas no Protestantismo Missionário e as condições sociais do campo simbólico brasileiro.

d) estudar textos literários e jornalísticos utilizadas na difusão do Protestantismo visando identificar elementos místicos em sua expressão.

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a) identificar modalidades de carisma nas práticas Missionárias.

b) estudar formas de expressão místicas nos escritos e diários de Missionários Protestantes.

c) investigar tendências místicas na Imprensa Evangélica Missionária.

d) buscar relações e correlações entre as expressões e manifestações místicas do Protestantismo Missionário brasileiro e formas religiosas do Pentecostalismo no Brasil.

O método fenomenológico aplicado às pesquisas das Ciências da Religião parte do pressuposto de que o pesquisador é membro de uma sociedade e tem sua própria concepção de mundo, mas pode certamente ter empatia e compreender o modo como outros pensam, percebem e constroem sua lógica e sua ontologia. Desenhar e perscrutar traços das culturas distantes no tempo e suas expressões não é a única forma de estudar a história de um povo. Os pesquisadores que utilizam a analítica intencional visam articulações e relações que a consciência possa traçar no seu percurso de voltar-se intencionalmente a algum fenômeno, enquanto interrogação e proposta de conhecimento. Trata-se do pesquisador enfrentar a tarefa de compreender, isso é passar da percepção de um mundo conhecido para a de um mundo estranho. A possibilidade apontada pelo pai da fenomenologia, Edmund Husserl (1859-1938) constitui-se na atitude de reconhecer e conhecer através do paradoxo entre o estranho e o familiar, isto é, de descrever o que há de diferente e singular no mundo do outro, e o que se reconhece como o similar no mundo da experiência15. Lançando mão da singularização e simultaneamente da correspondência, o pesquisador pode ir ao fenômeno mesmo, no caso o misticismo manifesto no Protestantismo. O pesquisador pode lançar mão, entre outros recursos, de um exercício de imaginação como forma de aproximação do fenômeno estudado, inclusive para formular indagações e tentar respondê-las como hipóteses, conforme sugere Eliade (1957), Desroche (1985) e Bachelard (1996). Nesse sentido, é isso que se pode descrever como movimentos iniciais de criação de horizontes à consciência e suas idéias em direção ao fenômeno intencionado por ela. A aproximação de fenômenos como o misticismo, suscitam uma postura de caráter exploratório por parte do pesquisador, com a qual pode

15 É curioso observar, ao se pensar na história da Fenomenologia da Religião, que Husserl se interessou sobre a

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perscrutar possíveis relações entre as percepções e as manifestações culturais com que se apresenta.

A compreensão dos sentidos da experiência mística, conforme almejado pela pesquisadora, supõe que a interpretação dos mesmos se dê por uma via metodológica. A Hermenêutica aponta que mesmo uma intenção metódica descritiva inicial, já pode ser considerada um ato interpretativo, requerendo do pesquisador uma atitude crítica de sua percepção, seleção e organização de dados provenientes da aparência do fenômeno. Assim, a Hermenêutica, conforme a conceituação de Fernando Montero (1987 p.25-26):

Designa el carácter fundalmentalmente móvíl del existir humano que constituy sua finitud y especificidade y, por tanto, abarca el conjunto de su experiência del mundo. (...) Em efecto, la teoria de Heideggerde que todo el mundo está constituído por complejos de cosas útiles, cuyas mutuas remissiones las hacen significativas, hace que el mundo sea um inmenso texto, cuya lectura ou interpretación está condicionada por las ocupaciones de queines lo hacen patente mediante el lenguaje16.

A Hermenêutica mostra-se como campo de estudo das variáveis que conduzem o pesquisador em sua atitude interpretativa diante do fenômeno, nesse caso o misticismo. A expressão mundo vivido de Edmund Husserl (2002) pode ser utilizada para designar em um de seus sentidos o campo objetivo totalizante que resulta da cultura de uma época e das que as sucedem como o legado histórico herdado e assumido. De outro modo, aponta para um mundo vivido originário que consta somente dos fenômenos genuínos que subsistem as criações culturais e são seu fundamento, conforme propõe Montero (1987 p.39). Como converter o mundo vivido em tema independente, absolutamente autônomo, fazendo enunciados científicos que possam ser objetivos e válidos por meio da metodologia de pesquisa fenomenológica, “ainda não sabemos”, afirma Montero (1987). Assim, utilizando as orientações de Husserl, fenômenos como o misticismo mostram-se em sua aparência, expressos em manifestações sócio-culturais relativas a um período historio e seus desdobramentos nas épocas subseqüentes, porém remetido a uma experiência religiosa originária, cuja natureza e sentido requerem um estudo contínuo a aprofundado por parte do pesquisador. Essa proposta de investigação científica desafia o pesquisador para se aproximar

16 Na língua portuguesa: “Designa o caráter fundamentalmente instável da existência humana que constitui sua

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do que seria uma vivência matriz, revelada em seu de seu aparecer. Porém tendo em vista os limites dessa pesquisa, optou-se por redigir um ensaio fenomenológico cujo foco é a experiência mística em sua expressa cultural representativa das relações sociais e seus significados. Essa circunscrição da dimensão a ser pesquisada, delimita as tarefas e o alcance dos procedimentos empregados e simultaneamente acena para uma possibilidade de continuidade dessa mesma pesquisa na direção do revelar-se das experiências originárias, cuja realização extrapola as fronteiras aqui delimitadas. As idéias e conhecimentos legados por Husserl (1983) na direção de uma fenomenologia transcendental, tendo em vista a finalidade dessa pesquisa, servem apenas como orientação de horizontes e não como metodologia rigorosamente aplicada às suas finalidades máximas que revelariam o “mundo vivido originário”. A reviravolta fenomenológica, enquanto direciona para o original, mesmo que em proposta de “escavação” parcial, nos permite ver de forma opaca certos fenômenos. Porém opaco não significa ilegibilidade, conforme afirma Luigino Valentini (1988).

Considerando que os propósitos dessa tese cumprem uma primeira etapa de um projeto que ilumina sua continuidade, iniciou-se a aproximação do fenômeno com os sujeitos que o experimentam e se colocam no centro mesmo da pesquisa, isso é como ponto de partida e fonte da qual partem as atribuições de sentido as suas realizações no mundo. Esse viver no mundo é experimentado na “totalidade de sua realidade, como corpo e como espírito”, comenta Valentini (1988, p. 92). O caminho fenomenológico do fazer pesquisa compreende que o sujeito é ele mesmo ser religioso em sua relação subjetiva e intersubjetiva, que comportam a dimensão social da existência. O método fenomenológico pode ser aplicado de diferentes formas e etapas conforme esclarece Moreira (2002). Da multiplicidade de visadas sobre o fenômeno, surge o movimento de composição sintética, que permite ao pesquisador elencar temáticas emergentes, ou criar tipologia. O movimento de oposição entre multiplicidade-unidade é um fio condutor para a análise reflexiva da aparência do fenômeno ao seu aparecer, conforme aponta Roberto Walton (1993).

Para se realizar esse tipo de investigação é necessário que o pesquisador tenha uma atitude empática, que tome como ponto de partida a relação do eu com os outros. Assim, esclarece Bello (1998, p. 94):

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a fundo, não só não cede ao relativismo cultural, mas tenta a operação da comparação a um nível diferente. Nesse nível se instaura um novo conceito de universalidade; assim a regressão à esfera das experiências vivenciais e a redução dos significados culturais a essas experiências permite captar as estruturas de base das próprias experiências vivenciais junto com as diversas configurações que historicamente se apresentam. Desse modo, tanto a unidade quanto a multiplicidade são justificadas.

Seguindo essas orientações, o caminho metodológico adotado é o de aproximação dos fenômenos místicos do Protestantismo, considerado em sua multiplicidade e em seus possíveis sentidos. A ótica da temporalidade que contempla aspectos da história do Protestantismo permite que se alcance uma variação de visadas desse movimento, considerando-se, por exemplo, situações precursoras de seu surgimento, nascimento, expansão e difusão. O espaço sócio-cultural do Protestantismo é observável a partir eixos caracterizados por: 1) relação direta do homem com o sagrado, 2) acesso imediato à Bíblia, 3) sacerdócio universal dos crentes, indicando uma nova forma de poder, de desejo e de cultura. De acordo com Van der Leeuw (in Bello, 1998) cabe à fenomenologia da religião partir de um plano existencial, analisando como o ser humano utiliza a estrutura da religião para fazer entrar em sua vida o poder em que acredita: “isso é, procura elevar a sua vida, aumentá-la, conquistar-lhe um sentido mais amplo e profundo” (Van der Leeuw in Bello, 1998, p. 109). A relação entre a construção da subjetividade e os aspectos objetivamente descritos do contexto sócio-cultural desenhado pelos Protestantismos, pode ser pensando como atitude de significar a existência humana, conforme sugeriu Van der Leeuw em sua obra Fenomenologia da Religião em 1932. Na concepção de Van der Leeuw o homo religiosus:

Gostaria de entender a vida para dominá-la e por isso procura sempre novos poderes superiores, porém, toma consciência de que jamais poderá superar a fronteira e que jamais poderá alcançar o poder supremo, mas é este que o alcança, de uma forma incompreensível e misteriosa (Van der Leeuw, in Bello, 1998, p. 109)

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movimento. Comparativamente é possível aproximar a construção das unidades de sentido na fenomenológica aos tipos ideais construídos por Max Weber em sua obra Economia e Sociedade (2000).

Existem diferenças na visão e na atitude metodológica dos investigadores, conforme adotem uma corrente científica como diretriz de seus trabalhos no campo das Ciências da Religião. As escolas fenomenológicas se desenvolveram a partir de sua posição de superação das tendências positivistas e evolucionistas nas ciências. Bicudo e Espósito (1997) lembram que a partir da idéia da volta “às coisas mesmas”, enunciada por Husserl, não existem objetos e sujeitos como entes separados, mas relações entre ambos, da qual brota o conhecimento. Esta relação entre objeto conhecido e sujeito cognoscente é constituída pelo movimento da consciência experenciar, conhecer, desejar, visar algo. O fenômeno não se situa dentro do homem ou fora dele, pois está entre a consciência e o que é visado intencionalmente por ela.

Enfatizando a relação sujeito-objeto, a fenomenologia da religião traça algumas diretrizes aos estudos que se realizem sobre a sua égide. Pode-se citar: 1) valorização da experiência religiosa (Erlebnis) entendida como vivência básica do grupo ou do sujeito humano em sua relação como o sagrado; 2) visão do fenômeno religioso aberta e sensível ao diálogo inter-religioso, tal como se apresenta para Heiler (1892-1967), Otto (1869-1937), Van der Leeuw (1890-1950); 3) descrição do fenômeno religioso, que pode ser objeto de aproximação complementar através de interrogações existenciais, experenciais e essenciais. Desse modo, o misticismo é um fenômeno humano a ser compreendido a partir da relação que mantém com a consciência social e individual que o percebe, experimenta, acolhe e ilumina, e produz. Há, portanto, uma certa autonomia na concepção do fenômeno religioso, que pode ser apreendido no paradoxo de sua existência: o fenômeno é ao mesmo tempo um objeto que se refere a um sujeito e um sujeito em relação com o objeto. (van der Leeuw, 1975).

Esta tese pretende desenvolver-se como uma pesquisa exploratória, que busca traços e expressões de misticismo em um campo simbólico, sondando suas possibilidades enquanto fenômeno intencionado pela pesquisadora. Entende-se por pesquisa exploratória, conforme Antonio Carlos Gil (1994 p.44-45):

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posteriores. De todos os tipos de pesquisa, estas são as que apresentam menor rigidez no planejamento.(...) são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. (...) é realizada especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre formular hipóteses precisas e operacionalizáveis.

As delimitações das pesquisas exploratórias feitas por Gil (1994) mostram-se adequadas à orientação da pesquisa em questão, uma vez tratar-se de compreender a significação das manifestações místicas no universo no qual se manifesta tentando torná-lo um fenômeno objetivo, tal qual orienta a abordagem fenomenológica em suas aplicações científicas. A compreensão é uma possibilidade hermenêutica, geralmente utilizada nas pesquisas qualitativas, que permite vislumbrar significações atribuídas às inter-relações humanas. Do ponto de vista fenomenológico, é através da atitude compreensiva que o pesquisador pode examinar formas e estruturas dos fenômenos religiosos, evidenciando aspectos históricos e culturais presentes em sua aparência, mas nunca reduzindo-os a ela.

Perscrutar a expressividade de uma tendência religiosa, em sua realidade histórica requer uma abertura sensível e ao mesmo tempo racional por parte do pesquisador, para que representações simbólicas possam mostrar articulações e relações constitutivas do fenômeno17 estudado, ou intencionado. Para isso, conforme Antônio Chizzotti (1995 p. 82):

O pesquisador deve preliminarmente despojar-se de preconceitos e pré-disposições para assumir uma atitude aberta a todas as manifestações que objetiva, sem adiantar explicações nem se conduzir pelas aparências imediatas a fim de obter uma compreensão global dos fenômenos. Essa compreensão será alcançada com a conduta participante, que partilhe da cultura, das práticas, das percepções e experiências dos sujeitos da pesquisa, procurando compreender a significação social por eles atribuída ao mundo que circunda e aos atos que realizam.

Essa atitude indicada por Chizzotti (1995), a qual se atribui o nome de redução fenomenológica, permite ao pesquisador tentar romper com as certezas ou articulações que

17 Filoramo e Prandi (1999) informam que inicialmente a expressão “fenomenologia da religião” foi utilizada

Referências

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