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A recepção da criança com deficiência intelectual ao texto literário na educação infantil

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NAZINEIDE BRITO

A RECEPÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL AO TEXTO LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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NAZINEIDE BRITO

A RECEPÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL AO TEXTO LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa Educação, Ensino e Linguagem, do Centro e educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do grau de Doutora.

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Marly Amarilha.

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Brito, Nazineide.

A recepção da criança com deficiência intelectual ao texto literário na educação infantil / Nazineide Brito. - Natal, RN, 2011.

243 f.

Orientadora: Profª. Drª. Marly Amarilha.

Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.

1. Educação - Tese. 2. Educação infantil - Tese. 3. Deficiência intelectual - Tese. 4. Leitura - Tese. 5. Aprendizagem - Tese. I. Amarilha, Marly. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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NAZINEIDE BRITO

A RECEPÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL AO TEXTO LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do grau de Doutora em Educação.

Aprovada em 08 de dezembro de 2011.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Marly Amarilha (Presidente)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rossana Khol Bines (Examinadora externa)

Pontífica Universidade Católica – PUC

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Alice Aurea Penteado (Examinadora externa)

Universidade Estadual de Maringá – UEM

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Denise Maria de Carvalho Lopes (Examinadora interna)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas (Examinadora interna)

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A Beatriz e Samuel, filhos queridos,

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela própria vida e tudo que nela há de divino.

Ao meu pai (in memoriam), que sempre insistiu no valor dos “estudos” e que ficaria muito orgulhoso com mais esta aventura da filha.

À minha mãe, que, mesmo se percebendo frágil, sempre se esforçou para se fazer útil e presente na minha vida.

Ao meu irmão Artur e minha cunhada Dora, que, mesmo distantes fisicamente, acompanharam e torceram pelo êxito desta empreitada.

Ao companheiro Junior, dividindo sempre os cuidados pelo bem-estar e segurança de nossos filhos, fornecendo-lhes a referência afetiva necessária para seguirem adiante.

À minha orientadora, Marly Amarilha, pela competência, pela paciência e pelo companheirismo testemunhados nesta caminhada. Meu especial agradecimento pela significativa experiência acadêmica vivenciada e pela confiança em mim depositada.

Aos meus familiares, tias, primas, cunhadas e sobrinhas, em especial Suely, Tia Fátima, Dometília, Ana Marta, Lucinha, Mazé e Bililude, que, mais de perto, me acompanharam nesta trajetória, partilhando não somente os bons momentos mas também me apoiando nos mais difíceis.

Aos amigos Delber e Ana Maria, pelo apoio oferecido desde o início na oferta do primeiro teto, sempre acreditando e apostando na efetivação do sucesso desta jornada.

Ao colega e amigo Camilo, pela atenção com a qual se debruça sobre minhas produções, apresentando sempre uma crítica pertinente e instigante para o desencadear de novos arranjos.

Aos professores do Departamento de Educação do CERES, especialmente à pessoa de Ana Aires, pelo apoio e companheirismo presentes em todos os momentos desta caminhada; e, ainda, às colegas Ângela, Geny e Celinha, a quem encontrei como amigas e companheiras nos momentos finais desta jornada, e que, com uma leitura atenciosa e competente, teceram contribuições significativas ao meu texto.

Ao corpo administrativo do CERES, principalmente às colegas e amigas Aparecida, Marinilce, Lucivânia e Onilda, a quem agradeço muitíssimo o carinho, o acolhimento e a forte torcida pela minha vitória.

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Aos professores da pós-graduação, especialmente Lúcia Martins e Marta Araújo, com as quais partilhei momentos enriquecedores na convivência acadêmica.

Aos meus amigos, especialmente Ivete, Ione, Aninha, Cida e Nalva, ao lado de quem, inúmeras vezes, encontrei a palavra amiga que revigora as energias e nos fortalece a crença necessária para vencer cada obstáculo.

Às amigas doutorandas Olívia e Do Carmo, pelas valiosas contribuições nos atendimentos emergenciais às minúcias técnicas a serem contempladas na feitura deste texto.

Às amigas e professoras Alessandra, Denise e Fátima Carvalho, não somente pela leitura atenciosa que fizeram da minha tese, tecendo contribuições valiosíssimas, mas também pelo carinho, companheirismo e disponibilidade que as fazem pessoas tão especiais.

Às professoras Alice Áurea e Rosana Kohl, pela disponibilidade em participar da avaliação desta tese, realizando uma leitura cuidadosa e conquente.

Aos professores(as) e funcionários(as) do NEI; em especial, Gilka, Conceição e Clarice, parceiras ímpares no diálogo e na realização desta pesquisa.

Às crianças do NEI, principalmente às da turma do nível III, pelo muito que trocamos e partilhamos nesse curto, mas significativo, espaço de tempo.

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RESUMO

Focalizamos nesta tese a recepção da criança com deficiência intelectual ao texto literário, a partir da observação de uma vivência literária num contexto escolar inclusivo, evidenciando as possibilidades que se apresentam na sua construção como leitora/ouvinte de literatura. Mediante um estudo de caso, investigamos os modos de participação dessa criança em situações de oferta e recepção de textos literários, buscando compreender e explicitar os aspectos de seu processo de formação leitora inicial. Os dados foram levantados a partir de observações nos momentos de leitura e de contação de histórias no período de novembro e dezembro/2008 e maio e junho/2009, numa turma de uma escola de Educação Infantil na qual se encontrava matriculada a referida criança, cuja deficiência intelectual está associada à Síndrome de Down. Como instrumentos de pesquisa foram utilizados: diário de campo, roteiros de entrevistas e videogravações. As análises fundamentaram-se nos estudos de Amarilha (2001, 2006a, 2006b), Bettelheim (2007), Coelho (2008), Iser (1996), Jauss (1979, 1994), Luria (1990a, 1990b), Vygotsky (1991, 1993), Wallon (2007, 2008) dentre outros. O estudo mostrou que, embora pouco se expressando verbalmente e, por vezes, apresentando limitados níveis de atenção, as atitudes corporais, os movimentos e as falas da criança investigada denunciaram engajamento e rendição ao apelo da sonoridade dos textos partilhados. Esses dados revelam indícios de que, sob o patrocínio de uma ação mediadora, a criança com deficiência intelectual pode constituir-se como uma leitora/ouvinte de literatura, desenvolvendo uma escuta sensível, seletiva e atenta ao texto literário. Dentre outros aspectos, identificamos que a concepção de deficiência apresentada pela escola, que reconhece seu potencial de desenvolvimento e de aprendizagem, a situação de partilhamento, que favorece o exercitar de diferentes formas de se relacionar com os textos através do outro, e a relevância da oralidade fornecendo as pistas semânticas que auxiliam a criança na construção de sentidos, apresentam-se como fundamentais para seu acercamento ao texto literário, e, portanto, sua formação leitora. Dessa forma, reconhecendo suas capacidades e possibilidades, acreditamos ser importante garantir à criança com deficiência intelectual um espaço para a interação com o texto ficcional no qual ela possa aprender a reconhecer e vivenciar o seu caráter lúdico e interativo, degustar de forma prazerosa a sua escuta, beneficiando-se, assim, da experiência estética vivenciada, principalmente quando em situações coletivas mediadas pelo leitor mais experiente e partilhadas com seus diferentes pares. O estudo indica ainda que atentar para condições que garantam um clima favorável à escuta de histórias nas salas de aula da educação infantil, como o cuidado com a seleção da história e com sua prosódia, o contrato didático, a atenção às reações individuais, dentre outras, ampliam as possibilidades para que qualquer criança – deficiente ou não – experimente-se como leitora/ouvinte de literatura, usufruindo de sua riqueza e magia.

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ABSTRACT

The focus of this thesis is children's reception to literary texts starting from literary livelihood in an inclusive literary context, looking for the possible evidences that are present in the construction as reader/hearing of literature. Based on a study case, we search the ways of participation of a child (girl) with intellectual deficiency in situations of offering and reception of literary texts, looking for the understanding and explication of some aspects of her processing and the building up of an initial reader. The data were taken starting from observations in moments of reading and story-telling in the period from November to December/2008 and May to June/2009 in a public school of children education, in Natal-Brazil, in which there was a registered student showing intellectual deficiency associated to Down syndrome. As research tools we used: field diary, interview scripts and video recordings. The analyses were based on research from Amarilha (2001, 2006a, 2006b), Bettelheim (2007), Coelho (2008), Iser (1996), Jauss (1979, 1994), Luria (1990a, 1990b), Vygotsky (1991, 1993), Wallon (2007, 2008) amongst others. The research showed that although expressing little verbalization and limited levels of attention, body attitudes, movements and talks of the child under investigation, denounced engagement and rendition to the sonority of the texts shared. These data gives us traces that, under a mediating action, the child with intellectual limitation can turn into a reader/hearing subject of literature, developing a sensitive and a selective attitude towards the literary text. Amongst other aspects, we identified that (1) a conception of deficiency present through the school that recognizes his/her potential of developing and learning (2) the situation of sharing, that favours a relation with the texts through the other, and (3) the relevance of orality providing the semantic paths that help the child in the building up of meaning, presenting themselves as fundamental to her/his viewing of the literary text, and, therefore, the formation of the reader. Thus, recognizing her/his capacity and possibilities, we think it is important to guarantee to the child with intellectual deficiency, a space towards interaction with the fictional text in which the child can learn and live its ludic and interactive character, to enjoy its hearing abilities, benefiting, then, from the aesthetic experience lived, mainly, in collective situations mediated through the more experient reader and shared with her/his different pairs. The research shows yet that, looking after conditions that guarantee a comfortable environment to the story hearings in the classrooms that focus on children education, being aware of a selection and the prosody of stories, the didactic contract, the attention to individual reactions, enlarge the possibility of any child – deficient or not – to enjoy her/himself as reader/ hearing subject of literature, engaged in its richness and magic.

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RESUMEN

Focalizamos en esta tesis la recepción de los niños que presentan deficiencia intelectual frente al texto literario a partir de la observación de una vivencia literaria en un contexto escolar inclusivo, buscando evidenciar las posibilidades que se presentan en su construcción como lector/oyente de literatura. Mediante un estudio de caso, investigamos los modos de participación de un niño con deficiencia intelectual en situaciones de oferta y recepción de textos literarios, buscando comprender y explicitar los aspectos de su proceso de formación lectora inicial. Los datos fueron obtenidos a partir de observaciones en momentos de lectura y de contación de historias en el periodo de noviembre y diciembre/2008 y mayo y junio/2009 en una clase de una escuela de Educación Infantil en la cual estaba matriculado un niño con deficiencia intelectual asociada a la Síndrome de Down. Como instrumentos de investigación, utilizamos: diario de anotaciones, guiones de entrevistas y grabaciones de video. Los análisis fueron fundamentados en los estudios de Amarilha (2001, 2006a, 2006b), Bettelheim (2007), Coelho (2008), Iser (1996), Jauss (1979, 1994), Luria (1990a, 1990b), Vygotsky (1991, 1993), Wallon (2007, 2008) de entre otros. El estudio mostró que, aunque se exprese poco verbalmente y muchas veces presente limitados niveles de atención, las actitudes corporales, los movimientos y el habla del niño investigado revelaban compromiso y rendición a la invocación de la sonoridad de los textos compartidos. Esos datos nos indican que, bajo la realización de una acción mediadora, el niño con deficiencia intelectual puede ser un lector/oyente de literatura, que desarrolla una audición sensible, selectiva y atenta frente al texto literario. De entre otros aspectos, identificamos que (1) la concepción de deficiencia que presenta la escuela, que reconoce su potencial de desarrollo y de aprendizaje, (2) la situación de compartimiento, que favorece lo ejercitar de diferentes formas de relacionarse con los textos a través del otro, y (3) la relevancia de la oralidad que ofrece las huellas semánticas que auxilian el niño en la construcción de sentidos, se presentan como fundamentales para su acercamiento frente al texto literario, y, por lo tanto, su formación lectora. De esa forma, cuando reconocemos sus capacidades y posibilidades, pensamos ser importante garantizar al niño con deficiencia intelectual, un local para la interacción con el texto ficcional en el cual pueda ella aprender a reconocer y vivenciar su carácter lúdico e interactivo, aprovechar de forma placentera su audición, beneficiándose, así, de la experiencia estética vivenciada, principalmente, cuando en situaciones colectivas mediadas por el lector más experimentado y compartidas con sus diferentes pares. El estudio indica todavía que, fijarse en las condiciones que garanticen un ambiente favorable a la audición de historias en las clases de educación infantil, como el cuidado con la selección y prosodia de la historia, el contrato didáctico, la atención a las reacciones individuales, de entre otras, amplían las posibilidades de que cualquier niño – discapacitado o no – se experimente como lector/oyente de literatura, disfrutando de su riqueza y magia.

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LISTA DE QUADROS

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Capa do livro O Elefantinho Malcriado... 95

Figura 2: Capa do livro Pepo: o cavalinho que nasceu do coração...... 102

Figura 3: Capa do livro Os Três Porquinhos...... 112

Figura 4: Capa do livro Maria-vai-com-as-outras ...... 122

Figura 5: Capa do Livro Histórias da Vovó: contos populares passados de pais para filhos ... 140

Figura 6: Imagem do livro Maria-vai-com-as-outras...... 167

Figura 7: Imagem do livro Maria-vai-com-as-outras... 167

Figura 8: Ilustração do álbum seriado Rapunzel... 174

Figura 9: Ilustração do álbum seriado Rapunzel... 176

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LISTA DE SIGLAS

AAMR Associação Americana de Deficiência Mental

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

AFIRSE Associação Francofone Internacional de Pesquisa Científica em Educação Seção Brasileira

APAE CAPES

Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais

Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEB Câmara de Educação Básica

CCSA Centro de Ciências Sociais e Aplicadas

CERES Centro de Ensino Superior do Seridó

CNE Conselho Nacional de Educação

CONSUNI Colegiado Superior da Universidade

DEPED Departamento de Educação

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação e Cultura

NEI Núcleo de Educação da Infância

OMS Organização Mundial de Saúde

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PNE Plano Nacional de Educação

QI Quociente Intelectual

RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

RN Rio Grande do Norte

SEESP Secretaria de Educação Especial

SEPA Serviço de Psicologia Aplicada

SD Síndrome de Down

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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LISTA DE ABREVIATURAS E SINAIS UTILIZADOS NAS TRANSCRIÇÕES

Pesquisadora... Professora Teresa – Turma Nível II... Professora Mara – Turma Nível II... Professora Gislene – Turma Nível III... Professora Lúcia – Turma Nível III... Ana Paula... Alunos falam ou se expressam ao mesmo tempo... Aluno não identificado... Aluno identificado...

Comentários da pesquisadora... Participação de Ana Paula ou comentários a seu respeito... Palavra pronunciada com ênfase... Som inaudível... Dúvida ou suposição... Seguimento interrompido... Pausa longa... Citações ou leitura de textos...

Pesq P1 P2 P3 P4 AP As

A Três primeiras letras do nome

( ) EM NEGRITO

MAIÚSCULA (S.I.)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 16

2 PARA ONDE E POR QUE SE OLHA: A RELEVÂNCIA CIÊNTÍFICA DA TEMÁTICA... 27

3 PILARES DE REFERÊNCIA: O EMBASAMENTO TEÓRICO DA PESQUISA... 39

3.1 A LITERATURA A PARTIR DA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO ... 39

3.2 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PALAVRAS QUE FORMAM E DIVERTEM... 45

3.3 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: PERSPECTIVA ADOTADA... 53

3.4 A CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN... 60

4 DELINEANDO O PERCURSO METODOLÓGICO ... 64

4.1 ABORDAGEM DA PESQUISA: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS... 64

4.2 CONSTRUINDO OS DADOS... 69

4.2.1 A escola-cenário da investigação... 69

4.2.2 Sujeito da pesquisa... 74

4.2.3 O percurso da pesquisa... 80

4.3 ANÁLISE DE DADOS... 90

5 AS PRÁTICAS LEITORAS E A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O ENCONTRO E A RECEPÇÃO À OBRA LITERÁRIA... 92

5.1 O MOMENTO DA PRÉ-LEITURA : A EXPECTATIVA DA ESCUTA DA HISTÓRIA... 93

5.1.1 A acolhida ao texto literário... 94

5.1.2 As perguntas lançadas ao texto e as previsões... 100

5.2 O MOMENTO DA LEITURA E DA CONTAÇÃO: ESCUTANDO AS HISTÓRIAS... 108

5.2.1 Postura atenta e controlada... 108

5.2.2 O encanto via prosódia... 119

5.2.3 Brincando com as palavras... 127

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5.2.5 As lacunas de uma escuta...... 137

6 AS HISTÓRIAS CONTINUAM: REGISTRO DE NOVAS PRODUÇÕES... 146

6.1 DIALOGANDO COM AS HISTÓRIAS: O ESFORÇO DE SIGNIFICAR... 146

6.2 REPRESENTANDO COM O CORPO: UM EXERCÍCIO DE IMAGINAÇÃO 154 6.3 INTERNALIZANDO PRÁTICAS LEITORAS... 160

6.3.1 Lendo literatura: o prazer de perceber-se leitora... 161

6.3.2 Recontando histórias: uma experiência interativa... 169

6.3.3 Internalizando regras e combinados... 178

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 184

REFERÊNCIAS... 191

APÊNDICES... 209

APÊNDICE 1: TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PESQUISA ... 210

APÊNDICE 2: TERMO DE AUTORIZAÇÃO DAS PROFESSORAS... 211

APÊNDICE 3: TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PAIS... 212

APÊNDICE 4: PLANOS DAS INTERVENÇÕES PARA OS MOMENTOS DA HISTÓRIA... 213

APÊNDICE 5: ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM OS PAIS... 221

APÊNDICE 6: ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS... 222

ANEXOS... 223

ANEXO 1: A PRINCESA E A ERVILHA... 224

ANEXO 2: BRINQUINHOS DE OURO... 225

ANEXO 3: A MARGARIDA FRIORENTA... 230

ANEXO 4: MARIA-VAI-COM-AS-OUTRAS... 232

ANEXO 5: OS TRÊS PORQUINHOS... 234

ANEXO 6: RAPUNZEL... 239

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1 INTRODUÇÃO

A literatura infantil, percebida como um bem e uma prática cultural ligada às capacidades de abstração, imaginação, memória, atenção, dentre outras funções mentais superiores, parece, à primeira vista, inacessível a crianças que apresentam limitações intelectuais acentuadas. Sendo assim, pouco se tem notícias de investimentos socioeducacionais no sentido de possibilitar uma real aproximação entre estas e a literatura. Essa constatação alimenta alguns questionamentos: não poderá uma criança com deficiência intelectual usufruir de uma leitura literária? Não será ela capaz de apreender/usufruir uma experiência estética frente à leitura ou à contação de uma história?

Este trabalho tematiza a relação da criança com deficiência intelectual e a literatura infantil, tendo, como principal foco, os modos de participação dessa criança em interações que envolvem o acesso à literatura infantil num contexto escolar considerado inclusivo. Uma das hipóteses orientadoras desta pesquisa é a de que, diferentemente do que se tem veiculado, a criança com deficiência intelectual, sob a intervenção mediadora do adulto e de outros parceiros mais experientes, é capaz de ir além das atividades “concretas” e mecânicas costumeiramente a ela apresentadas, podendo mesmo constituir-se como leitora/ouvinte de literatura.

Muitos educadores ainda consideram equivocada a inserção de atividade de leitura literária para crianças com essa deficiência, por acreditarem que elas não podem compreendê-la em virtude do nível de abstração e da complexidade da referida atividade. Essa crença “impressionista” retarda, ainda mais, a oportunidade que se poderia oferecer a essas crianças de usufruírem dos benefícios formadores que a literatura apresenta, como as possibilidades de desenvolvimento cognitivo, linguístico, emocional e cultural, dentre outros aspectos.

Admitimos, no entanto, que suas capacidades intelectuais não se encontram cristalizadas e/ou irreversíveis; ao contrário, como em qualquer outra criança, encontram-se em constante processo de mudança, sofrendo a interferência das experiências sociais vivenciadas. Por isso mesmo, defendemos, nesta tese, a ideia de que sua inserção em práticas leitoras pode favorecer seu desenvolvimento como leitora ou ouvinte de literatura. A assunção desse posicionamento, decerto, coloca em pauta alguns questionamentos: como ela pode participar de tal atividade? Como responde ao texto literário?

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para a formação do leitor de literatura em sua interface com a educação das pessoas com deficiência intelectual.

Inicialmente, convém relatar que a literatura − especialmente a oral – marca presença em nossa vida ainda na infância, vivida numa cidade interiorana, na qual os jogos e brincadeiras de ruas eram entremeados por rodas de conversas e de causos narrados nos aceros das calçadas, “à boquinha da noite”. Nas férias escolares (nos alpendres das casas dos sítios dos tios e avós), o privilégio de sentar-se num agrupamento indistinto de homens, mulheres, idosos e crianças, acrescia-se da escuta de uma variedade de histórias, alimento fértil para nossa imaginação. Muitas dessas histórias – principalmente as de trancoso e as de assombração, repletas de mitos, crenças e medos – eram constantemente repetidas, mas nem por isso tinham diminuído seu encantamento.

Marcadamente, em nossa memória, ficou a figura de Filó, senhora idosa, da época de infância, falecida ainda na década de oitenta do século passado. Filó, apesar das poucas letras, apresentava uma riqueza de textos e de palavras que a todos embevecia. Entre uma tragada e outra do seu cachimbo, numa atitude de seriedade e concentração, aos poucos, ia debulhando histórias corriqueiras, intrigantes e fantásticas. Contava, com “caras e bocas”, modulando o ritmo e a intensidade da voz sempre que o momento ou os personagens assim o requeriam. Por vezes, a gravidade impunha-se na narrativa; daí, então, sua voz era morna, tensa, arrastada. Outras vezes, ao contrário, quando imperava o humor, sua risada fazia-se solta, espontânea, contagiante. Como apreendera tal forma de contar? Que arte era aquela? A que escola ela pertencia? Essas interrogações perpetuaram em nossa imaginação a figura de Filó, que, mais à frente, inspirou nosso projeto de pesquisa no mestrado.

Não obstante, vale ressalvar que nosso imaginário e nosso gosto pela literatura também vieram das letras; das letras dos livros de histórias – ainda com pouquíssimas gravuras –, que papai comprava para mim e para meu irmão, quando ainda nem mesmo sabíamos ler. Junte-se a isso, a contribuição inestimável da leitura de livros de literatura brasileira, dos contos e das fotonovelas do baú da vizinha, que tanta riqueza, curiosidade e prazer nos proporcionaram. Assim, foram as muitas leituras presentes numa infância e adolescência enriquecidas por letras e por palavras que se tornaram também presentes na vida adulta da leitora de literatura, em que nos transformamos posteriormente.

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processo de inclusão de crianças com deficiência.

Foi assim que chegamos à imagem de Pedro (nome fictício), criança com 4 (quatro) anos de idade (integrante de uma turma de mais 23 crianças), que apresentava um andar lento, olhar disperso, de poucas palavras, quase nenhum gesto e bem desajeitado no manuseio dos diferentes objetos com os quais lidava no cotidiano. Mesmo sem a definição de um diagnóstico preciso acerca de sua deficiência, os sinais mais visíveis do seu comportamento diziam um pouco sobre suas limitações intelectuais; mas nem tudo, vez que suas possibilidades de ação iam aos poucos se constituindo na interação com os colegas, e via mediação das professoras, em meio às atividades e brincadeiras vivenciadas no dia-a-dia da sala de aula.

Da época, raras lembranças ainda restam, mas um dado marcante diz respeito ao fato de que a ação pedagógica direcionada às crianças com deficiência pautava-se nos mesmos princípios em que se baseava a ação direcionada às demais crianças: na crença em sua capacidade de se desenvolver e de conhecer. Essa experiência, inicialmente sem muita importância, ganhou significado no transcurso da nossa história profissional e acadêmica.

Mais à frente, na vivência do estágio curricular, como estudante de Psicologia, desenvolvemos uma experiência dentro de uma instituição especializada no atendimento educacional a crianças surdas e com deficiência intelectual1. Nessa experiência, defrontamo-nos com uma realidade significativamente diversa da anteriormente vivenciada.

Nessa instituição, em nada diferente das demais espalhadas pelo Brasil afora, imperava uma concepção orgânica da deficiência, o que implicava uma percepção estática, imutável, no que concerne às possibilidades de desenvolvimento, percebendo-se, então, os deficientes como eternas crianças. A preponderância de um olhar clínico, assentado na suposição ou na confirmação de um diagnóstico, deixava de promover um direcionamento ativo da intervenção pedagógica; ao contrário disso, engessava-a substancialmente, impedindo a oferta de atividades desafiadoras que instigassem o desenvolvimento das crianças e dos jovens que ali se encontravam. Nesse contexto, assumindo uma posição de estagiária, bem pouco pudemos fazer. Mesmo porque estávamos diante de um quadro no qual imperavam atividades mecânicas e repetitivas com as quais se imaginava − e ainda se imagina − beneficiar o desenvolvimento e a aprendizagem dos referidos alunos.

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Mais tarde, já atuando profissionalmente como psicóloga, no Setor de Psicopedagogia do Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA/UFRN), novamente tivemos a oportunidade de lidar com crianças com deficiência intelectual ou com dificuldades de aprendizagem. Um dos fatos que se mostraram mais significativos nessa experiência foi motivado pela participação num momento especial da unidade, quando seus profissionais tentavam dar novo direcionamento às suas práticas, buscando, para isso, conhecer e discutir novos construtos teóricos que contribuíssem para um melhor desempenho no âmbito da profissão.

Nesse contexto, leituras, discussões e reflexões acerca das ideias construtivistas da educação, pautadas, principalmente, nos estudos de Emília Ferreiro acerca da psicogênese da escrita, ajudaram a confirmar a ideia de uma educação e de uma intervenção que considerasse a criança como um ser pensante, um ser que, com suas estruturas internas, mais ou menos complexas, realizava suas elaborações num ritmo e numa especificidade que lhe eram próprios. Aos profissionais do ensino, cabia a responsabilidade de buscar conhecer as crianças para melhor propor os desafios e ajudá-las a avançarem.

Enlevada pela riqueza desses novos fundamentos, nos meados dos anos noventa, iniciando nossa jornada como docente de ensino superior, à frente de disciplinas das áreas de alfabetização e da educação infantil, aproximamo-nos, de forma mais especial, das questões que envolviam o aprendizado da leitura e da escrita, percebendo-os como fenômenos não somente linguísticos mas transpassados por diferentes facetas, como esclarece Soares (2004).

Nesse ínterim, ingressamos em um curso de especialização lato sensu em Psicopedagogia, o qual favoreceu uma maior aproximação com a teoria psicogenética de Jean Piaget (1896-1980), como também com a perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, cujo maior representante encontra-se na figura de Lev S. Vygotsky (1986-1934). No entrelaçamento dessas novas leituras, novos olhares foram sendo delineados e, consequentemente, novas questões também foram se apresentando, influenciando nossas aproximações teóricas no pensar a educação da criança, e, em especial, da que apresenta deficiência intelectual, sujeito-foco desta tese.

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Os resultados desse estudo apontaram para uma correlação positiva entre a atividade de contação de histórias e a capacidade de compreensão dos indivíduos, mesmo nos sujeitos não-alfabetizados (BRITO, 2000). Essa constatação alertou-nos para a importância que uma prática cultural vivenciada de forma significativa podia assumir no processo de constituição do sujeito, instigando processos internos de desenvolvimento nas suas diferentes dimensões: linguística, social, emocional e cognitiva.

No retorno do Mestrado, além das disciplinas relacionadas às áreas anteriormente mencionadas, assumimos disciplinas com a temática da educação inclusiva nos cursos de licenciatura da instituição (Pedagogia, Geografia, História e Matemática). Aos poucos, também, nos encarregamos das orientações de alunos na elaboração de suas monografias de final de curso, ampliando nosso envolvimento com questões relativas à educação das pessoas com deficiência, entrelaçadas com outros interesses e leituras, alargando ainda mais nosso leque de atividades no ensino e na investigação da temática.

Uma das questões mais inquietantes dizia respeito às práticas educativas referentes aos alunos com deficiência intelectual, principalmente quando se tratava de sua relação com a leitura e a escrita. Dos registros das observações desenvolvidas nas escolas de educação infantil e fundamental, constatamos a fragilidade do atendimento direcionado para esses alunos. Verificamos, principalmente, limitações na oferta de atividades que promovessem o encontro desses alunos com uma cultura leitora, denunciando, apesar da política inclusiva, a legitimação excludente dentro da própria escola.

Nesse período, já coordenando o Curso de Especialização em Educação Infantil promovido pelo Departamento de Estudos Sociais e Educacionais do CERES/UFRN, no período 2001-2003, aconteceu uma primeira aproximação com os estudos da Linha de Pesquisa Educação, Ensino e Linguagem, do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN, quando, então, a pesquisadora Marly Amarilha ministrou a disciplina Literatura Infantil. A partir daí, abriu-se a possibilidade de dar continuidade ao estudo da temática abordada durante o mestrado, relacionada à vivência de uma cultura leitora no desenvolvimento do sujeito, mas, focalizando aqui, ao invés de adultos, a formação leitora da criança pequena. A definição, porém, apresentou-se mais consistente, quando, ao fazer um levantamento da literatura científica da área, percebemos a escassez de trabalhos que focalizavam aspectos relacionados à formação leitora do sujeito com limitações intelectuais acentuadas2.

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Nesse contexto, surgiu a motivação de elaborarmos um projeto de pesquisa, a ser desenvolvido durante o doutorado, focalizando a criança com deficiência intelectual. E aqui, mais uma vez também se apresentaram relevantes as lembranças da infância, daquela infância das histórias de Filó. E lá se encontrava José. José, que não era contador de histórias, que não tinha letras, e, para muitos, também “não tinha juízo”. Ele era um jovem – hoje adulto – com deficiência intelectual! Mas, sobretudo, naquela época, o que de mais importante se pode destacar aqui, José era um assíduo ouvinte das histórias de Filó e de tantas outras que lhe contavam.

José, apesar de suas limitações, era um jovem trabalhador do campo, que, junto com seus pares, entrava na lida da pesca e do trato com o gado, mas também no usufruto das crenças, brincadeiras e diversões. Mesmo parecendo não compreender tudo o que via e ouvia, a seu modo, usufruía um pouco daquilo tudo. Junto aos demais, também se encantava, assombrava-se, ria. Ria, não! Dava gargalhadas. Na sua forma espontânea de ser, deixava-se deleitar no fluir das emoções, muitas vezes refletidas no desajeitado dos seus gestos ou na rudeza de suas expressões.

Na época, também não se falava em inclusão. José não dominava as letras, não conhecia os livros, não frequentava uma escola. Mas, naquelas rodas de conversa e de histórias, na vivência daquela prática cultural, certamente não se sentia um excluído, ou, nem mesmo, um diferente. Como os demais presentes naquelas rodas, foi, aos poucos, constituindo-se como um ouvinte de literatura.

Naquela comunidade de apreciadores de literatura, a qual se constituía sob a mediação de membros mais experientes na arte de narrar, as limitações, as potencialidades e as diferenças dos sujeitos pareciam não ter tanta importância. Para a comunidade, o que parecia realmente importante era o encanto dos ouvintes pela palavra artística, pela degustação da melodia rítmica e musical das histórias, dos poemas. Mesmo que apreendidos em diferentes ritmos e dimensões, nunca com um único sentido ou direção.

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Essas instigantes especulações levaram-nos a eleger, como objeto de estudo, os modos de participação de uma criança que apresenta deficiência intelectual em interações que envolvem a oferta e a recepção de obras literárias num contexto escolar inclusivo. Entendemos que o referido estudo pode informar sobre as possibilidades que o contato com a leitura literária pode apresentar na construção de um sujeito leitor/ouvinte de literatura em potencial, que apresenta deficiência intelectual.

E o que entendemos por um sujeito leitor/ouvinte de literatura em potencial? Pensamos aqui num sujeito que – mesmo sem apresentar o domínio da língua escrita ou falada – pode deleitar-se com a leitura oral de um outro que o faz imergir num mundo ainda não conhecido, não explorado. Uma leitura que o convida para interagir paulatinamente com a palavra artística, levando-o a nomear, a designar sentimentos, fenômenos, relações antes não materializadas na palavra; que favorece sua capacidade de criar e de pensar através de jogos de linguagem, como a metáfora e a metonímia.

Seria, pois, um ouvinte não somente de palavras, mas ouvinte da corporeidade da qual se impregna o contador/leitor de histórias; um ouvinte de sons, de entonações, de emoções. Nessa perspectiva, não se exige apenas que ele entenda toda a complexidade do funcionamento da língua, mas é fundamental que se familiarize com a “sinfonia literária”, o que engloba sons, cheiros, corpos, imagens. E, assim, possa sentir-se tocado, provocado, instigado a fazer sua própria viagem, seu próprio voo. Uma viagem que possivelmente o aproximará do texto escrito, fundamentando desejos, disposições interiores na busca do conhecimento e da construção de sentidos.

Sendo assim, pensamos que a delimitação do objeto de estudo aproxima-nos de uma perspectiva de letramento, mais especificamente do letramento literário3, considerando este como as possibilidades do indivíduo em fazer uso significativo de textos literários. Pensamos, inclusive, que essa perspectiva pode dar novos sentidos aos processos de aprendizagem da leitura e da escrita de alunos com deficiência intelectual na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.

Assim, pautando-nos na possibilidade de identificarmos e de reconhecermos a potencialidade da criança com deficiência intelectual em fazer uso significativo de textos literários, optamos por desenvolver a investigação no seio de uma instituição de Educação

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Infantil do sistema regular de ensino, que, de forma mais consistente, se aproximou do perfil almejado pela pesquisa: uma escola com história de vida sintonizada com os princípios da educação inclusiva e que também apresentasse a literatura infantil como uma dimensão do ensino valorizada no cotidiano de suas salas de aula. Nesse intuito, selecionamos o Núcleo de Educação para a Infância (NEI), escola de ensino regular localizada no Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ligada administrativamente ao Centro de Educação desta mesma instituição.

Definido o campo de estudo, partimos para o esboço do processo de efetivação da pesquisa, optando pelo registro de uma vivência compartilhada de leitura oral e de contação de histórias junto a uma turma de crianças da referida instituição, na qual se encontrava matriculada uma criança com Síndrome de Down. Nessa vivência, consideramos a relevância da interação social e da mediação do outro – no caso, as professoras, a pesquisadora e seus diferentes pares – como facilitadores no processo de aproximação ao texto literário infantil por parte da referida turma.

Nesse processo, algumas questões apresentaram-se como norteadoras para a investigação: Como a criança com deficiência intelectual desfruta do conteúdo das narrativas literárias? O que ocorre com essa criança em contexto escolar onde há um trabalho que favorece sua formação como leitora de literatura? Afinal, qual a participação dos mediadores e dos diferentes pares no seu modo de interagir com o texto literário?

Considerando, então, as questões expostas, e ainda acreditando que muito pouco se sabe e se investiu nas possibilidades de uma formação leitora das pessoas com deficiência intelectual, elegemos como objetivo central da pesquisa: investigar os modos de participação da criança com deficiência intelectual em interações que envolvem a oferta e a recepção de textos literários na educação infantil, buscando compreender e explicitar os aspectos de um processo de formação leitora inicial.

Esse objetivo tem como fundamento a tese de que a criança com deficiência intelectual, a exemplo do que ocorre com outras crianças, alvos de uma ação mediadora, pode constituir-se como uma leitora/ouvinte de literatura, desenvolvendo uma escuta sensível, seletiva e atenta ao texto literário.

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identificação de aspectos relativos à inclusão de uma cultura leitora como relevantes no processo de formação leitora inicial da criança com deficiência intelectual.

As bases teóricas deste trabalho reportam-se aos autores que focalizam as temáticas das áreas de leitura, literatura, deficiência intelectual e educação inclusiva. Inicialmente, considerando a importância de se privilegiar uma dada concepção de desenvolvimento humano, e, sobretudo, de deficiência, elegemos como aporte teórico a perspectiva interacionista, a partir das ideias de Vygotsky (1991, 1993, 1997), Luria (1990a, 1990b) e Wallon (2007, 2008), principalmente acerca da gênese social do psiquismo humano. Esses estudiosos apontam para a existência de um fundamento eminentemente histórico e cultural do funcionamento mental humano, mediado pelas relações sociais nas quais a linguagem se encontra como instrumento essencial.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento do indivíduo passa a ser visto como algo a ser realizado no universo cultural, não devendo ser tratado como um processo somente biológico e nem puramente individual. As funções psicológicas superiores emergem nas relações sociais que se realizam em determinadas condições de produção nas quais os sujeitos encontram-se inseridos. Essas considerações servem-nos de base quando pensamos na criança que apresenta deficiência intelectual, pois, segundo Vygotsky (1997), o desenvolvimento dos indivíduos comprometidos por alguma deficiência também se realiza nas práticas sociais em determinadas condições histórico-culturais de produção.

Assim, na explicitação dos frutos desta investigação buscaremos realizar uma leitura dos dados apoiada na ideia de que a constituição de um sujeito leitor/ouvinte de literatura que apresenta deficiência intelectual também se realiza na inserção em práticas culturais, mediadas pela linguagem, situadas num tempo e num espaço delimitado, sendo a escola o lugar privilegiado para tal empreendimento. Consideramos, também, que a literatura como prática cultural possibilita o desenvolvimento dessa criança, pois, de forma distinta de outros tipos de textos, o literário encerra essa condição humana de significação, sendo as práticas de leitura e contação de histórias consideradas exemplos de mediação simbólica como condição de constituição do sujeito.

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aspecto cognitivo, pois são sempre acompanhadas por alterações orgânicas perceptíveis para quem as sente e assim proporcionam autoconhecimento, ao mesmo tempo em que provocam expressões visíveis ao mundo externo, sendo, portanto, um elemento mobilizador do meio ambiente.

Ambientadas nessa perspectiva, relevantes também foram as contribuições oriundas dos estudos de Carvalho (2004, 2006) e Padilha (2001, 2006), que discutem o processo de constituição da pessoa com deficiência intelectual, como sujeito histórico-social. Uma focalização nos aspectos que caracterizam a mediação pedagógica também encontrou respaldo nas ideias de Vygotsky (1991); de forma mais pontual, ao se referir à experiência com a leitura literária, em Bruner (1995) e Graves e Graves (1995).

No que diz respeito às discussões acerca da educação das pessoas com deficiência, mais especificamente numa perspectiva inclusiva, consideramos as ideias apresentadas por Martins (1999, 2006, 2008), Omote (2004), Mendes (2002), dentre outros. E, em se discutindo, a relação entre literatura e seu potencial inclusivo, destacamos as contribuições de Freitas (2010) e Souza (2009).

Como apoio às discussões sobre leitura e literatura, procuramos destacar as ideias de Smith (1992, 1999), que apresenta uma concepção de leitura como uma atividade compreensiva, criativa e interativa, além de explicitar a relevância da habilidade de previsão e sua influência no processo de compreensão e de acercamento da criança em relação ao texto literário. Igualmente importante foram as contribuições dos estudos de Amarilha (1993, 1994, 2001, 2006a, 2006b, 2010), Zilberman (2003, 2009) e Ramos (2005), dentre outros, que focalizam aspectos relacionados à formação do leitor de literatura.

Dos postulados da Estética da Recepção (ECO, 1994, 1997; ISER, 1996; JAUSS, 1979, 1994), destacamos as contribuições que enfatizam o papel do leitor, vislumbrando-o como um sujeito ativo na concretização da obra literária, e ainda o efeito estético das histórias provocado nas crianças, em especial, na criança investigada, considerando principalmente a forma como ela acolhe e recepciona os textos numa atividade mediada de leitura e de contação das referidas histórias.

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Mais especificamente, a partir do procedimento da observação participante, serão analisados episódios registrados durante momentos de leitura e contação de histórias numa turma de educação infantil, focalizando a recepção literária de Ana Paula4, uma das crianças da escola investigada, a qual apresenta deficiência intelectual relacionada à Síndrome de Down e que se encontrava matriculada numa turma vespertina da referida escola. Os episódios foram gravados em vídeo, bem como registrados no Diário de Campo da pesquisadora. São consideradas também, como elementos enriquecedores das análises, as entrevistas realizadas com as professoras e com a mãe da referida criança.

Feitas essas considerações, apresentamos a estrutura e o conteúdo específico dos resultados do trabalho produzido, sobretudo no sentido de fazer um convite à sua leitura, expondo-se, em seguida, uma sinopse de cada seção. Na seção 2 − logo após esta introdução – dedicamo-nos à constituição do problema de pesquisa, situando o leitor quanto à problemática, às motivações e aos interesses em torno da temática. Na seção 3, apresentamos os pilares teóricos que ajudam a fundamentar as análises dos dados; mais especificamente, são focalizados os teóricos que discutem a literatura, a relação literatura e inclusão na educação infantil, dando destaque também para as concepções adotadas com relação à deficiência intelectual e pesquisas que ajudam a esclarecer aspectos relacionados às pessoas que apresentam Síndrome de Down. Na seção 4, são apresentados aspectos relativos à metodologia e à construção dos dados da pesquisa. Na seção 5, analisamos os dados registrados na observação participante, tendo como foco os modos de participação da criança investigada nos momentos de oferta e recepção dos textos literários apresentados, explicitando-se os indícios que informam sobre o processo de acercamento do texto literário pela criança com deficiência intelectual. Na seção 6, são analisados os dados construídos nos momentos de pós-leitura/contação, buscando explorar mais um pouco o efeito da recepção aos textos literários apresentado pela criança investigada; também exploramos aspectos relacionados à internalização de uma prática leitora no seu processo de formação inicial como leitora de literatura.

O texto conta ainda com as considerações finais, nas quais retomamos os objetivos da pesquisa, explicitando os argumentos suscitados pela análise dos dados, evidenciando os principais pontos ou fenômenos observados e, a partir deles, projetando suas possíveis repercussões no domínio dos estudos de formação de leitores e dos que se ocupam da deficiência intelectual em seus diversos aspectos.

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2 PARA ONDE E POR QUE SE OLHA: A RELEVÂNCIA CIENTÍFICA DA TEMÁTICA

Nas últimas décadas, a luta pela inserção do deficiente na sociedade, promovida pelo paradigma da inclusão, segundo o qual todos os indivíduos têm o direito de viver e aprender juntos, vem apresentando novos desafios para os educadores (MARTINS, 1999; MENDES, 2002; MANTOAN, 2004; PEREIRA, 2004). Constatando a existência de conflitos, ambiguidades e indefinições, a perspectiva de uma educação inclusiva abriu espaço para um repensar da própria escola, frágil nas suas práticas pedagógicas e na sua forma de lidar com o diferente, o incomum.

No Brasil, a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), e em sintonia com as orientações de documentos internacionais, como a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994b)5, os sistemas de ensino foram convocados a realizar adaptações nas estruturas físicas e pedagógicas das unidades escolares com o intuito de oportunizar as devidas condições para que todas as crianças possam aprender juntas, independentemente de suas dificuldades ou de suas diferenças.

Mais recentemente, na publicação de sua Política Nacional de Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva, o Ministério da Educação enfatiza:

A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2005b, p. 1).

Nesse sentido, podemos perceber que a proposta de uma educação inclusiva encontra-se diretamente relacionada ao conceito mais amplo de sociedade inclusiva, o que envolve a ideia de garantia de oportunidades, de acesso e participação, valorizando, assim, as diferenças e o convívio ético entre as pessoas, independentemente de suas diferenças. Para que isso ocorra, necessário se faz uma mudança de mentalidade na sociedade como um todo, o que requer a construção de outros valores que contemplem a estruturação de uma nova lógica social com base nos preceitos da democracia e da igualdade social.

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No entanto, podemos considerar que, apesar de as políticas educacionais brasileiras apontarem para uma visão positiva dessa perspectiva, apenas teoricamente, e estatisticamente, os referidos sistemas parecem ter incorporado o ideal de igualdade e de inclusão social. Isso porque, ao adentrarmos no cotidiano de muitas das suas unidades escolares, percebemos uma verdadeira desconsideração à diversidade. Pesquisas nos dão conta de que a inclusão do deficiente na escola regular tem sido, na maioria das vezes, apenas de ordem física, garantindo-lhe uma carteira comum, em escola comum, mas inexistindo as condições reais que lhe possibilitem o bem-estar psíquico, físico e social, bem como o acesso aos processos de ensino e aprendizagem (ANTUNES, 2007; PLETSCH, 2009).

A esse respeito, Omote (2004) alerta para o fato de que a simples presença do aluno deficiente na sala de aula do sistema regular de ensino não pode ser confundida com a inclusão. Muitas vezes, esse aluno continua recebendo um atendimento individualizado, e quase sempre sendo desconsiderado nas suas diferenças e singularidades, não se beneficiando (e nem a turma) de uma vivência coletiva na qual a diversidade deveria ser valorizada. Essas disparidades têm despertado um debate caloroso em torno da efetividade de um sistema inclusivo na educação.

Segundo Mendes (2002), no momento atual, coexistem posições que defendem a inclusão total, na qual apenas se admite a matrícula do aluno deficiente em classes regulares, e outras que defendem uma inclusão “em processo”, considerando a relevância da manutenção do contínuo de serviços que permitem a colocação desse aluno desde a classe comum até o atendimento hospitalar. Nessa perspectiva, a autora alerta quanto à necessidade de se apresentar um comportamento cauteloso ao se propor mudanças radicais na oferta de serviços educacionais, como, por exemplo, extinguindo-se os atendimentos especializados, uma vez que estes poderão representar um forte prejuízo, e mesmo a eliminação de uma oportunidade educacional para aqueles alunos que apresentam necessidades mais acentuadas.

A despeito dessa discussão, diretrizes oficiais presentes na Resolução nº 4/2009 (BRASIL, 2009a) apresentam recomendações apenas para a oferta de prestação de serviços e recursos de apoio especializados, de natureza complementar ou de natureza suplementar, isto é, “[...] a concepção de Educação Especial, nesta perspectiva da Educação Inclusiva, busca superar a visão do caráter substitutivo da Educação Especial ao ensino comum, bem como a organização de espaços educacionais separados para alunos com deficiência”, conforme Resolução nº 13, de 3 de junho de 2009 (BRASIL, 2009c).

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retórica e a situação atual”, ocorrida em 2009, que contou com a representação de integrantes de 58 países, e se reportou a uma avaliação dos últimos 15 anos após a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994). Na referida conferência, então, foi aprovada uma resolução m que se define a educação inclusiva como

[...] um processo no qual a escola comum ou regular e os estabelecimentos dedicados à educação inicial se transformam para que todas as crianças/estudantes recebam os apoios necessários para alcançar suas potencialidades acadêmicas e sociais, o que implica eliminar as barreiras existentes no meio físico, nas atitudes, na comunicação, no currículo, no ensino, na socialização e na avaliação em todos os níveis (CONFERÊNCIA..., 2009).

Pelo que podemos perceber, a ideia de educação inclusiva, nesse contexto, aparece com uma visão mais dinâmica e mais aberta. Em sendo definida como um processo, não apresenta um caráter normativo, nem tampouco delimita um modelo único de escola que contemple um tipo de organização específica. O que se apresenta como essencial, nessa perspectiva, são as mudanças que as instituições possam apresentar no sentido de “eliminar barreiras”, de forma que todos os alunos possam desenvolver suas “potencialidades acadêmicas e sociais”.

Pensamos, então, que a proposição de uma educação inclusiva parece requerer ainda maiores discussões e aprofundamentos, não se encontrando, pois, fechada numa só configuração ou modelo. Contudo, reconhecemos uma pauta que remete a um processo de mudança que comunga a ideia da defesa da não-discriminação, da não-segregação, na garantia de uma educação que contemple a todos, independentemente de suas diferenças.

Redirecionando o foco para a realidade brasileira, constatamos, via estatísticas oficiais, uma mudança no perfil das matrículas dos alunos com necessidades educacionais especiais. Nos dados do Censo Escolar de 2006, apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), as matrículas desses alunos nas escolas regulares (total de 700.624 matrículas) apresentaram um aumento substancial de 107% com relação às registradas no ano de 1998 (337.326 matrículas), sendo que a maioria se concentra no nível fundamental e na rede municipal (BRASIL, 2007).

No que diz respeito mais especificamente ao aluno com deficiência intelectual, sujeito focalizado nesta tese, os dados indicam que as matrículas desses alunos são maioria (correspondendo a 47,21% − quase metade do seu total)6, o que nos mostra a abrangência de

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seu atendimento e, principalmente, a responsabilidade em pensar mecanismos que favoreçam seu processo de educação e inclusão social.

A despeito desses resultados, pesquisas têm evidenciado que os desafios ainda são muitos, uma vez que as práticas pedagógicas realizadas com os referidos alunos, mesmo dentro das escolas regulares, têm-se apresentado com propostas menos desafiadoras, generalizadas, muitas vezes infantilizadas, desconsiderando suas diferenças, suas competências e suas potencialidades (ANTUNES, 2007; CAETANO, 2002; CAVALCANTI, 2007; MARTINS, 2006, 2008; PEREIRA-SILVA; DESSE, 2007).

Concordamos com Amaro e Macedo (2004) quando nos alertam que, apesar dos documentos legais e ainda dos trabalhos de teóricos e pesquisadores que tratam da Educação Inclusiva (BUENO, 2001; MITTLER, 2003; STAINBACK; STAINBACK, 1999, dentre outros) enfatizarem a necessidade de se trabalhar a partir da singularidade de cada aluno, respeitando suas características e investindo em suas potencialidades, no cotidiano das salas de aula, a dificuldade em se desvincular de uma prática generalista pautada num planejamento voltado para a maioria dos alunos ainda se faz presente.

Dando destaque à educação da criança com deficiência intelectual, deparamo-nos com uma visível contradição no momento em que, paralelamente à ampliação do debate em torno de suas possibilidades educativas, ainda presenciamos atitudes que explicitam uma baixa expectativa com relação às suas reais capacidades e habilidades. Muitos ainda são os educadores que, por diferentes razões, ao se depararem com um aluno com a referida deficiência, visualizam apenas suas limitações, suas impossibilidades.

O MEC chama a atenção para o fato de que esse tipo de deficiência “[...] coloca em xeque a função primordial da escola comum, que é a produção do conhecimento, pois o aluno com essa deficiência tem uma maneira própria de lidar com o saber que, invariavelmente, não corresponde ao ideal da escola” (BRASIL, 2005a, p. 14). Contudo, o mesmo documento alerta para a necessidade de se apostar nas suas potencialidades e buscar formas de levá-lo a desenvolvê-las.

Assim, mesmo considerando que esse aluno − como muitos outros que apresentam limitações − tende a apresentar dificuldades mais visíveis no seu processo de aprendizagem, muitas vezes frustrando as expectativas de seus professores, fatores de ordem afetiva, social e, sobretudo, pedagógica devem ter suas expectativas consideradas dentre os objetivos almejados pela escola.

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acentua a deficiência, e, em consequência, aumenta a inibição, reforça os sintomas existentes e agrava as dificuldades desses alunos” (BRASIL, 2005a, p. 15). Assumindo uma visão de deficiência como incapacidade cristalizada e irreversível, esse modelo de escola tende a tomar para si o direito de, antecipadamente decidir o que se pode e o que não se pode ensinar e aprender, inclinando-se a minimizar os níveis das tarefas oferecidas à criança com deficiência, desconsiderando suas capacidades e funções emergentes. Nesse sentido, “[...] ela sistematicamente retém e reverte o processo educativo num andar para trás, e a criança ao invés de crescer dentro das possibilidades vai se limitando dentro delas” (LUZ, 1999, p. 95).

Essa realidade impõe, então, que se invista nas condições viabilizadoras do processo de escolarização de crianças com deficiência intelectual, principalmente no que diz respeito aos recursos humanos, financeiros, materiais e pedagógicos. Mais ainda necessário seria um investimento em pesquisas que pudessem responder às questões relevantes frente à complexidade da efetivação de tal processo.

Focalizando os estudos da área da educação inclusiva, principalmente relacionadas à inclusão do aluno com deficiência intelectual, consideramos relevante citar a pesquisa de Barbosa e Moreira (2009), na qual os autores, fazendo uma análise metacientífica nas áreas de Educação e Psicologia sobre a referida temática, atestaram que a produção científica nestas áreas ainda é bastante escassa:

Mesmo num contexto internacional, no qual, geralmente, há uma abundante literatura sobre os mais variados aspectos psicoeducacionais, a literatura sobre inclusão escolar e deficiência mental apresenta insuficiências significativas, especialmente na área da Psicologia. Assim, parece que a produção científica analisada não tem gerado massa crítica capaz de facilitar o estabelecimento de arranjos inclusivos para pessoas com esse déficit (BARBOSA; MOREIRA, 2009, p. 337).

Com relação à realidade brasileira, as evidências também não se apresentam de forma diferente. Muitos estudos dessa natureza, dentre eles Nunes, Ferreira e Mendes (2004) apontam também a escassa presença de tais pesquisas. No que diz respeito mais especificamente às pesquisas relacionadas à inclusão escolar de pessoas com deficiência intelectual, uma investigação de Anache e Mitjans (2007), realizada a partir de levantamento feito no Banco de Teses do portal da Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ficou constatado que apenas 6% dessas pesquisas voltavam-se para temas que envolviam o processo de ensino-aprendizagem dos referidos alunos.

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de pós-graduação em Psicologia e em Educação no Brasil, referente ao período de 2002 a 2006, identificou treze dissertações e uma tese. Nesses trabalhos, registrou-se a preponderância de temas relacionados às concepções e experiências do professor acerca da inclusão escolar (28% das pesquisas), e ainda preocupações da família e da escola com o aluno com deficiência intelectual, aspectos relativos às interações sociais desse aluno, bem como a contribuição de outros profissionais envolvidos em sua formação.

Destaque pode ser dado às investigações que, fundamentadas numa perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, problematizam o processo de constituição dos sujeitos com deficiência intelectual tendo como principal foco de interesse os processos interativos vivenciados no seu entorno social, e a implicação destes no seu modo de funcionamento mental7. Essas pesquisas referendam a necessidade de se desenvolverem práticas educativas mais humanizadas, nas quais sejam oferecidas oportunidades para que esses alunos possam aprender de forma significativa, ampliando suas possibilidades de construir significados acerca do mundo e de si mesmos.

Relativamente aos processos de aprendizagem da leitura e da escrita de pessoas com deficiência intelectual, Lustosa (2002) identificou a preponderância de práticas que ainda referendam a memorização, o treinamento e a repetição, impedindo uma significativa experiência com a palavra escrita. Nessas práticas, os alunos são estimulados a aprender a ler apenas decodificando os sinais gráficos, distanciando-se da atividade de leitura como uma atividade que envolve a compreensão e significação do material lido, conforme proposto por Smith (1992, 1999).

Convém ainda destacar alguns estudos que apresentam resultados positivos concernentes aos indicadores de possibilidades com relação ao referido aprendizado (GOMES, 2001; JATOBÁ, 1995; LUSTOSA, 2002, 2006, dentre outros). Esses estudos ponderam sobre o fato de que a deficiência intelectual não se configura como o aspecto determinante, no sentido de impossibilitar a evolução conceitual da leitura e da escrita nos sujeitos investigados. Gomes (2001), por exemplo, observou que aspectos relacionados às formas de interação influenciaram, significativamente, essa evolução.

Nesses estudos, a mediação pedagógica assume um papel central na reflexão das práticas pedagógicas voltadas para a aprendizagem da leitura e da escrita. De acordo com Oliveira (1993), a mediação pode ser entendida como um processo no qual há uma

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intervenção de um elemento intermediário numa dada relação. Assim, “[...] a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento” (OLIVEIRA, 1993, p. 26). Na situação de ensino, a figura do professor, como elemento mediador entre a criança e os conhecimentos a serem apreendidos, apresenta-se como fundamental para a realização do aprendizado.

Nessa direção, Jatobá (1995), pesquisando o nível evolutivo de alfabetização em crianças com Síndrome de Down, aponta para a importância da ação mediadora do seu aprendizado. Além de verificar que as crianças apresentavam capacidade de pensar sobre um objeto conceitual, no caso da pesquisa, a linguagem escrita, a autora constatou também que a forma como o professor concebe seu objeto de ensino e as expectativas que nutre com relação à aprendizagem das crianças, podem influenciar significativamente seu processo de aprendizagem.

Lustosa (2006), ao realizar uma investigação longitudinal com crianças e jovens com deficiência intelectual, evidenciou que, mesmo quando os ganhos conceituais desses sujeitos não tinham se efetivado ainda como um aprendizado sistematizado no plano convencional da aprendizagem da leitura e da escrita, todos os pesquisados demonstraram significativos avanços quanto à melhoria da atenção, da memória, da linguagem oral e da interação com o grupo.

No entanto, apesar de podermos considerá-las como extremamente relevantes, essas pesquisas não dão conta de um conhecimento substancial acerca da relação mais específica do indivíduo que apresenta deficiência intelectual com o universo ficcional literário. Não nos informam acerca da sua experiência estética frente a uma linguagem especial, artística.

Embora reconheçamos que a literatura infantil possa desempenhar importante papel no desenvolvimento das crianças que apresentam deficiência intelectual, como, aliás, de qualquer outra criança, não nos estranha constatar a escassez de referências a pesquisas e práticas pedagógicas que contemplam tal papel. Na verdade, a literatura infantil, como tema de pesquisa, somente vem se destacando nas últimas décadas, quando, então, pesquisadores voltam seus olhos para as funções e as práticas desta no interior das escolas, bem como para as produções editoriais de livros para a infância.

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trato com o texto literário, desenvolvidas a partir de uma visão de leitura mecanizada, “escolarizada”, dissociada do prazer e da imaginação.

Nesse sentido, conforme afirma Paiva (2008, p. 43), infelizmente, na escola, a prática pedagógica com a literatura não se detém em “[...] um trabalho de sensibilização estética, mas sim a conformação desses textos aos processos de escolarização da criança na crença que esse tipo de texto garante uma aprendizagem mais prazerosa”. Nesse ponto, ousamos afirmar que essa realidade também se estende ao processo educativo com a criança com deficiência, empobrecendo a intervenção pedagógica, ao se excluir de cena a literatura, desconsiderando todo o seu potencial criativo, estético e inclusivo.

Condizente aos estudos que relacionam a literatura à educação das pessoas com deficiência, percebemos também que ainda são bastante escassos, e, na sua maioria, se debruçam sobre análises de obras literárias no intuito de identificar características da obra (enredo, personagens com deficiência, valores, dentre outros aspectos) e seus possíveis efeitos – negativos ou positivos − nos processos educativos inclusivos (AMARAL, 2001; MARTINS; OLIVEIRA, 2010; SILVEIRA; BONIN; RIPOLL, 2009).

Nas últimas décadas, encontramos produções que informam sobre experiências de práticas leitoras com crianças que apresentam alguma deficiência, como, por exemplo, Santoro (1994), Matos (2007) e Martins (2005), na área da surdez, e as pesquisas e experiências relatadas por Silva (2008) e Bines (2010), na área da deficiência visual. Essas pesquisas apresentam significativas contribuições à área temática, ampliando as possibilidades de enriquecimento pedagógico ao desmistificar ideias preconcebidas com relação às capacidades intelectuais e linguísticas das referidas crianças.

No contexto da temática que aborda a interface entre a literatura e a formação leitora de crianças com deficiência intelectual, porém, não encontramos nenhum estudo que se detenha nesse foco investigativo. No levantamento realizado, apenas encontramos pesquisas que buscavam identificar características nas narrativas e nas produções textuais escritas de histórias de crianças com deficiência intelectual (MONTEIRO, 1992; CAMARGO, 1994; GOMES, 2001; CAZAROTTI; CAMARGO, 2004).

Camargo (1994), pesquisando o desenvolvimento de narrativas de histórias e de relatos de experiências em crianças com Síndrome de Down8, constatou diferenças no desempenho narrativo dessas crianças nas duas modalidades. Esse resultado poderia ser esperado, tendo em vista que, mesmo se apresentando um quadro de deficiência semelhante,

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Figura 2: Capa do livro Pepo
Figura 3: Capa do livro Os Três Porquinhos
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