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3 PILARES DE REFERÊNCIA: O EMBASAMENTO TEÓRICO DA

3.2 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PALAVRAS QUE

“Todo ato criador é cheio de infância”. (QUEIRÓS, 2002, p. 160)

Na reflexão poética que realiza acerca da literatura como leitura de mundo e criação da palavra, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós (2002) destaca as semelhanças existentes entre o ato criador e a infância, cujas especificidades podem ser expressas pela liberdade, pela espontaneidade, pela fantasia e pela inventividade. Fazendo esse destaque, o autor chama a atenção para a grande proximidade que há entre a criança e a arte, levando-nos a considerar também a relevância da presença desta última na educação da infância.

Ocorre-nos ser oportuno registrar que, mesmo quando ainda não existia a escola e nem sequer um sentimento de infância no qual se reconhecesse a criança como um ser diferenciado do adulto na sua singularidade, ainda na sociedade antiga e medieval, narrativas orais de contos populares já faziam parte da formação das crianças. Mas não era uma narrativa específica para ela. Inseridas no mundo adulto, desde cedo, as crianças medievais, principalmente as das classes populares, participavam dos festejos, das brincadeiras e dos jogos adultos, os quais, geralmente, aconteciam em ruas e praças públicas (ÀRIES, 1981). E, ali, onde acontecia o encontro com uma literatura popular, no meio dos adultos, se encontrava a criança, alimentando sua imaginação e suas fantasias com uma infinidade de contos maravilhosos, recitações de poemas homéricos, dentre outros recursos da poesia e das narrativas orais (LAGO, 2010).

Mas o mundo adulto rompeu com o mundo da criança, o que teve como consequência, dentre outros aspectos, a necessidade de se construir uma base educacional sólida para dar suporte à formação desse novo ser social. Assim, o surgimento de uma literatura pensada especialmente para o público infantil encontra suas raízes entrelaçadas ao surgimento da instituição escolar pensada no século XVIII, como decorrência das mudanças econômicas, políticas e sociais ocorridas na Europa, principalmente a ascensão da burguesia ao poder, que trouxe modificações na forma de organização da estrutura familiar.

Retiradas do clima de autonomia e liberdade de que gozavam no seio de uma família baseada nas relações de parentesco, característica do período medieval, as crianças foram confinadas na família nuclear, em que se faziam presentes apenas os pais e os filhos, estando os primeiros preocupados em manter a privacidade e valorizar as relações afetivas entre seus membros. Com a saída destes para o trabalho, às crianças foi oferecido um lugar de formação institucionalizada, padronizada, que as preparava para o exercício futuro de uma cidadania burguesa, ao mesmo tempo em que se apresentavam as condições para um controle intelectual e emocional.

Em auxílio à escola no cumprimento dessa tarefa, são, então, criados alguns instrumentos pedagógicos e culturais, dentre eles a literatura infantil. Assim, os primeiros livros surgem com a finalidade de instruir, de repassar valores morais e éticos de uma sociedade em ascensão, como, por exemplo, as fábulas e os contos de fadas, os quais, originalmente, não eram concebidos como gêneros para crianças e, sim, como manifestações culturais de diferentes grupos sociais.

Para sua constituição inicial, então, duas práticas pareceram fundamentais: a apropriação e a posterior adaptação de uma literatura oral popular, presente principalmente nas comunidades rurais europeias. Os contos populares, por exemplo, dentre eles os contos de fadas, sofreram adaptações, tendo sua extensão, conteúdo e linguagem modificados, a fim de se adaptarem às características desse novo público. Em particular, ilustrar esse processo com as versões do conto “O Príncipe encantado”, de Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786- 1859), publicadas no decorrer do período de 1810 a 1857, as quais foram registradas por Zipes (1983) e trazidas para análise por Amarilha (2000). Na apresentação e análise da autora, podemos perceber claramente as significativas transformações que o texto apresenta nas versões registradas (1810, 1812 e 1857, respectivamente) com o intuito de atender aos propósitos pedagógicos dessa nova literatura.

Fazendo parceria com o fantástico, além dos Irmãos Grimm12, o francês Charles Perrault (1628-1703), no início do século XVII, considerado também um dos precursores da literatura infantil, compilou narrativas retiradas da cultura popular, fazendo um trabalho de simplificação e adaptação textual com a exclusão de conteúdos considerados menos apropriados à criança pequena13. Na maioria desses relatos, impera a efetivação de uma “ação de procedência mágica” realizada pelo herói da história, que, inicialmente, colocado numa

12 Contos compilados pelos Irmãos Grimm: A Bela Adormecida, João e Maria, Branca de Neve, Rapunzel, dentre outros.

13 De Perrault podemos citar, por exemplo, os contos Cinderela, O Gato de Botas, O pequeno Polegar e

condição de precariedade ou carência, recebe a ajuda de seres superiores, como, por exemplo, uma fada, um duende ou um animal encantado, conseguindo, então, resolver “[...] o conflito que deflagara o evento ficcional” (ZILBERMAN, 2003, p. 48).

Diferentemente de Perrault e dos Grimm, o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), nos meados do século XIX, assumia a autoria da maioria dos seus contos, admitindo a inspiração proveniente daqueles que ouvira na infância, mas também criando os seus próprios, muitos desses considerados clássicos na área, como, por exemplo, A pequena vendedora de fósforo, O patinho feio e A princesa e a ervilha (TATAR, 2000).

No Brasil, no início do século XX, não diferente do cenário europeu, as primeiras produções literárias infantis também começam a surgir assumindo uma função essencialmente utilitarista, moralizante, ganhando espaço e representação no contexto escolar como reflexo de interesses ideológicos que elegiam produções com temas de cunho pedagógico, moralista e religioso.

Nessa análise, porém, não podemos deixar de destacar as mudanças inspiradas pelas produções de Monteiro Lobato, ainda no início dos anos de 1920, as quais procuram dar voz às crianças, não impondo um teor educativo aos seus enredos. Nessa perspectiva, o autor cria a personagem Emília, uma boneca/criança, que se destaca por sua perspicácia, inteligência e, sobretudo, autonomia na busca de soluções estratégicas para a resolução dos mais diversos (e divertidos) problemas que surgem no transcorrer das histórias. Infelizmente, apesar dos textos pioneiros de Lobato e ainda da produção poética de Cecília Meireles (1901-1964), poucas foram as produções literárias do início do século, destinadas à criança “[...] que sobreviveram à história e à crítica” literária (AMARILHA, 2000, p. 134).

Mais recentemente, a partir da década de 80 do século passado, vamos registrar novas mudanças na produção literária para a infância, verificando-se, então, “[...] o engajamento com uma arte renovadora, retirando daí, seu valor, ou a inclinação a um didatismo transmissor de valores estabelecidos e desfavoráveis à óptica infantil” (ZILBERMAN, 2003, p. 177). Como representantes dessa nova produção, podemos destacar os nomes de Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos de Queirós, Fernandes Lopes de Almeida, Lígia Bojunga, Sylvia Orthof, Ruth Rocha, dentre outros.

No entanto, apesar da considerável renovação proporcionada pela referida produção, as práticas leitoras no interior das escolas parece que não mudaram muito, pois, infelizmente, na escola atual, na maioria das vezes, a literatura infantil ainda tem cumprido uma função especificamente utilitária, didática, desconsiderando-se seu potencial criador, capaz de mobilizar a imaginação e o poder criativo das crianças que ali se encontram. A expressão das

emoções, dos afetos, suscitados pela leitura literária parece não encontrar seu valor e seu reconhecimento nessa escola tão presa a objetivos formais, didáticos e instrutivos.

Barone (2007, p. 2-3), por exemplo, nos seus apontamentos sobre a construção do sujeito leitor, argumenta que “[...] a leitura e a escrita têm sido tratadas dentro da escola, prioritariamente, sob o ponto de vista de seus aspectos cognitivos e instrumentais deixando de lado sua dimensão subjetiva”, esquecendo-se, assim, do poder formativo da literatura. Diante desse fato, a autora aponta para a relevância de se promover o contato precoce da criança com a literatura, percebendo-a como espaço privilegiado para a vivência de experiências que favoreçam a construção da subjetividade e ainda por sua potência em criar o mundo e a identidade.

Destacando a importância do trabalho com a linguagem, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) afirma que ela

[...] se constitui um dos eixos básicos na educação infantil, dada a sua importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento. (BRASIL, 1998, p. 117).

Sob essa orientação, compreendemos que a experiência com a linguagem, especialmente a literária, apresenta-se como dimensão fundante na realização da função da Educação Infantil de promover o desenvolvimento integral da criança, seja em creches, seja em pré-escolas, conforme defende o referido documento (BRASIL, 1998). Por desenvolvimento integral, entendemos uma abordagem em que se consideram as diferentes dimensões do desenvolvimento do indivíduo, dentre elas as dimensões afetivo-emocionais, cognitivo-linguísticas, estéticas, socioculturais e psicomotoras.

Consideramos que essa compreensão também se encontra contemplada na Resolução do CNE/CEB nº 5/2009, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, tal como segue:

Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e brincadeiras, garantindo experiências que:

I – promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II – favoreçam a imersão das diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical;

III – possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos;

[...]

IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de músicas, artes plásticas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura;

[...]

Parágrafo único – as creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências (BRASIL, 2009b).

Parece-nos definitivo, pois, o fato de que a literatura como constituinte de múltiplas linguagens – verbal, sonora, imagética, cinestésica – apresenta-se no âmbito das experiências consideradas essenciais na educação infantil, identificada como um direito de toda criança (inclusive aquelas que apresentam alguma deficiência), de ter acesso às obras literárias, podendo, por essa mediação, ampliar suas possibilidades de desenvolvimento, mesmo quando ainda não alfabetizada.

Rego (1995) assinala a necessidade de a criança ter acesso à literatura antes mesmo de frequentar a escola, uma vez que esse contato pode despertar o desejo de compreender a escrita, e, ainda que de forma indireta, estimular o processo de alfabetização. A autora ainda destaca, especialmente, que a presença de temas do seu interesse, bem como a aproximação das características sintáticas e semânticas da língua escrita presentes nas narrativas literárias, apresentam-se como um forte aliado no seu processo de constituição como leitora e escritora de textos.

A questão que nos sobrevém é como despertar o encanto dessa criança pela palavra, se quase sempre a escola lhe apresenta a palavra apenas no seu aspecto denotativo, informativo, instrutivo, esquecendo-se de seu conteúdo estético, quando veiculada num texto poético, lúdico, narrativo, em que seu caráter conotativo, artístico, afetivo e transformador se revela. Como, então, promover, nessa escola, a educação de uma sensibilidade literária?

Sabemos que a apreensão do mundo não se dá apenas via intelecto. Ao contrário, de acordo com o ensinamento de Merleau-Ponty (1994), apreendemos o mundo através das experiências vivenciadas, durante as quais integramos formas de sentir e de viver. Na infância, o jogo e a brincadeira apresentam-se como instrumentos vivos para uma experiência favorecedora dessa integração. E acrescentamos, a literatura, igualmente.

[...] ler ficção significa jogar um jogo através do qual damos sentido à infinidade de coisas que aconteceram, estão acontecendo ou vão acontecer no mundo real. Ao lermos uma narrativa, fugimos da ansiedade que nos assalta quando tentamos dizer algo de verdadeiro a respeito do mundo.

Entendemos, assim, que a literatura pode contribuir de forma significativa na apreensão do mundo pela criança, ajudando-a a melhor enfrentar seus medos, suas angústias e suas incertezas frente à diversidade de experiências com as quais se envolve no seu cotidiano. Mesmo sem uma compreensão objetiva dos significados das palavras, é pela oralidade, pela voz de leitores/contadores de história – pais, familiares, professores – que a criança, aos poucos, poderá ingressar no mundo ficcional, enriquecendo suas experiências com práticas culturais coletivamente significadas, compartilhadas.

Vale pontuar a relevância da oralidade textual na formação desse leitor iniciante. O ouvir histórias lidas e contadas aproxima-o dos rituais sagrados e primitivos que se fizeram instrumentos de conhecimento e partilha das mais diferentes sociedades em diferentes épocas. As narrativas orais, contemplando o pulsar da vida, a comunhão de espíritos e a beleza da palavra artística, incitam a criança a realizar uma atividade criativa, imaginativa. Ao ouvir uma história, ela participa da narrativa ao mesmo tempo em que desfruta de uma produção imaginária, percebendo-se, então, no papel de criadora, de co-produtora, sentindo, assim, o prazer de repetir a experiência, de ouvir novamente as histórias.

Sob esse aspecto, é importante investir no planejamento da sonoridade do texto. Considerando que sua acústica apresenta-se como um espaço aberto à realização semântica da voz, e que a prosódia, portanto, encontra-se a serviço da significação textual (AMARILHA, 2010), o professor-leitor deve preparar cuidadosamente sua performance. É importante favorecer a percepção do leitor quanto à provocação do jogo ali constituído, o deixar-se guiar pela emoção da voz do narrador, o saborear o prazer das repetições, das reiterações contempladas no texto literário infantil.

Atentando para essas observações, podemos considerar que a literatura apresenta uma linguagem que “[...] anima e informa” (OUAKIN, 1996, p. 14), favorecendo a aproximação entre seu conteúdo e os sentimentos mais íntimos do leitor. E é essa aproximação que vai possibilitar uma experiência catártica, liberando medos, tensões, emoções, para, assim, realizar a comunicação entre texto e leitor.

Nessa direção, Zilberman (2009), ao focalizar a experiência estética proveniente da leitura literária, apresenta a katharsis na sua função mobilizadora, afirmando que, a partir dela

“[...] o espectador não apenas sente prazer, mas também é motivado à ação”14. E tal característica, continua a autora, “[...] acentua a função comunicativa da arte verbal, que, por seu turno, depende do processo vivido pelo recebedor: o de identificação” (ZILBERMAN, 2009, p. 57).

Consideramos, então, que a catarse aprofunda a experiência vivenciada pelo leitor, levando-o a mergulhar no seu interior e provocando diferentes reações, conforme aspectos relacionados à sua subjetividade. Essa experiência possibilitaria um processo de construção de sentidos, envolvendo, tanto elementos cognitivos relacionado ao esforço da compreensão quanto um engajamento afetivo relacionados às vivências das emoções, dos sentimentos.

Bettelheim (2007), em particular, enfatizando a relevância dos contos de fadas para o processo de formação psicológica da criança, destaca como esses contos podem auxiliá-la na compreensão do significado da vida. A partir da presença de conflitos existenciais humanos, os contos incitam o que há de mais íntimo na criança, levando-a ao encontro da sua própria subjetividade. Envolvida afetiva e emocionalmente com os personagens com os quais se identifica, a criança vivencia sentimentos de sucesso e de reconhecimento, mas também enfrenta sentimentos de perdas, medos e frustrações, percorrendo, assim, uma parte do longo caminho que a levará ao encontro de uma maturidade psíquica esperada, desejada.

A esse respeito, Amarilha (2001) afirma que “[...] pelo processo de ‘viver’ temporariamente os conflitos, angústias e alegrias dos personagens da história, o receptor multiplica as suas próprias alternativas de experiências do mundo, sem que com isso corra algum risco” (AMARILHA, 2001, p. 19, grifo da autora). É, pois, pelo contato com o texto literário, que lhe permite identificar-se e viver as experiências dos personagens fictícios, que a criança, fazendo uso de sua imaginação, pode ir além de suas possibilidades e capacidades mentais, fazendo evoluir a sua zona de desenvolvimento proximal15. Assim, por seu total envolvimento com o texto narrativo, a criança avança do seu nível de desenvolvimento real (do que já é capaz de elaborar sozinha) para o seu nível de desenvolvimento proximal (o que faz com ajuda).

14 Jauss (1979, p. 79) destaca três categorias como constitutivas da fruição estética: a poiesis, relacionada ao “prazer ante a obra que nós mesmos realizamos”, ou criamos; a aisthesis, que designa “o prazer estético da percepção reconhecedora e do reconhecimento perceptivo”, e, ainda, a katharsis, que remete ao prazer dos afetos, “capaz de conduzir o ouvinte e o expectador, tanto à transformação de suas convicções quanto à liberação de sua psique” (JAUSS, 1979, p. 80).

15 Definida como a “[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da

solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (VYGOTSKY, 1991, p. 97).

No entanto, devemos pontuar que, para a efetivação desse avanço, a criança não pode caminhar sozinha. Na verdade, há a necessidade de um processo mediador a ser realizado pelo outro, contemplando as possibilidades de uma interação discursiva, viabilizada por diferentes canais comunicativos, seja oral, seja escrito ou imagético. Com base nessa premissa, fica impossível pensarmos que uma criança possa se tornar leitora se a ela forem negadas experiências significativas com histórias, lendas e/ou poemas.

No caso mais específico do encontro da criança com o texto literário na educação infantil, essa necessidade põe em evidência a importância da figura do professor como mediador. Para Jolibert (1994), o aluno deve contar com a ajuda do professor no sentido de proporcionar-lhe um ambiente no qual possa se sentir estimulado a realizar sua leitura (ou escuta), não por obrigação ou para cumprir uma tarefa, mas, sim, porque encontra ali uma fonte de prazer, de informação. Enfim, o professor deve criar condições que viabilizem, da forma mais proveitosa e prazerosa possível, o processo de acercamento do texto literário pela criança.

Nesta pesquisa, em especial, lançamos mão da experiência de leitura por andaime (scaffolding) como princípio metodológico para a condução da investigação, na qual observamos e desenvolvemos atividades de contação e leitura de histórias para as crianças da turma investigada. Essa metodologia, que explicitaremos no próximo capítulo, baseia-se nas pesquisas de Bruner, Wood e Ross (apud COSTA, 2000), os quais, partindo do princípio de que a linguagem se desenvolve no processo de interação verbal, a utilizaram como unidade de análise no estudo da aquisição da linguagem em contexto familiar.

Sendo assim, e apoiada numa concepção sócio histórica segundo a qual as leis que explicam o desenvolvimento da pessoa com deficiência são as mesmas que explicam o desenvolvimento das pessoas ditas normais (VYGOTSKY, 1997), reconhecemos e defendemos a ideia de que a realização de um trabalho mediador com a literatura na escola não deve remeter somente ao âmbito dos indivíduos considerados normais mas também no mutável, contínuo e diversificado processo de formação humana das pessoas com deficiência. Nesse sentido, acreditamos que a realização de um trabalho dessa natureza pode favorecer a construção do leitor que apresenta limitações intelectuais.

No próximo tópico, focalizaremos justamente a deficiência intelectual, assumindo a perspectiva histórico-cultural de abordagem. Também é nessa seção que situamos a criança com Síndrome de Down na condição de deficiente intelectual, e pontuamos algumas das características que a identificam, bem como elucidaremos, a partir de pesquisas e estudos já realizados, vivências positivas com o texto literário que atestam as referidas possibilidades.