www.jped.com.br
ARTIGO
ORIGINAL
Characterization
of
mortality
in
children
with
sickle
cell
disease
diagnosed
through
the
Newborn
Screening
Program
夽
,
夽夽
Alessandra
P.
Sabarense
a,
Gabriella
O.
Lima
a,
Lívia
M.L.
Silva
ae
Marcos
Borato
Viana
b,∗aFaculdadedeMedicina,UniversidadeFederaldeMinasGerais(UFMG),BeloHorizonte,MG,Brasil
bDepartamentodePediatria,FaculdadedeMedicina,UniversidadeFederaldeMinasGerais(UFMG),BeloHorizonte,MG,Brasil
Recebidoem14deabrilde2014;aceitoem6deagostode2014
KEYWORDS
Sicklecellanemia; Deathrate; Infection; Acutesplenic sequestration; Neonatalscreening
Abstract
Objective: Tocharacterizethedeathsof193childrenwithsicklecelldiseasescreenedbya
neonatalprogramfrom1998to2012andcontrasttheinitialyearswiththefinalyears.
Methods: Deathswereidentifiedbyactivesurveillanceofchildrenabsenttoscheduled
appoint-mentsinBloodBanks.Clinicalandepidemiologicaldatacamefromdeathcertificates,neonatal screeningdatabase,medicalrecords,andfamilyinterviews.
Results: Between1998and2012,3,617,919childrenwerescreenedand2,591hadsicklecell
disease (1:1,400). Therewere 193 deaths(7.4%): 153with SS/S0-talassemia, 34 SCand6 S+thalassemia;76.7%wereyoungerthanfiveyears;78%diedinthehospitaland21%athome orintransit.Themaincausesofdeathwereinfection(45%),indeterminate(28%),andacute splenicsequestration(14%).In46%ofdeathcertificates,theterm‘‘sicklecell’’wasnot recor-ded.Seven-yeardeathrateforchildrenbornbetween1998and2005was5.43%versus5.12% forthosebornbetween2005and2012(p=0.72).Medicalcarewasprovidedto75%ofchildren; 24%wereunassisted.Medicalcarewasprovidedwithin6hoursofsymptomonsetinonlyhalfof theinterviewedcases.In40.5%ofcases,deathoccurredwithinthefirst24hours.Lowfamily incomewasrecordedin90%ofcases,andilliteracyin5%.
Conclusions: Althoughcomprehensiveandeffective,neonatalscreeningforsicklecelldisease
wasnotsufficienttosignificantlyreducemortalityinanewbornscreeningprogram.Economic andsocial developmentandincrease oftheknowledgeon sicklecelldisease among health professionalsandfamilyareneededtoovercomeexcessivemortality.
©2014SociedadeBrasileiradePediatria.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
DOIserefereaoartigo:http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.08.006 夽
Comocitaresteartigo:SabarenseAP,LimaGO,SilvaLM,VianaMB.Characterizationofmortalityinchildrenwithsicklecelldisease diagnosedthroughtheNewbornScreeningProgram.JPediatr(RioJ).2015;91:242---7.
夽夽EstudoconducidonoNúcleodeAc¸õesePesquisaemApoioDiagnóstico(Nupad),FaculdadedeMedicina,UniversidadeFederaldeMinas Gerais(UFMG),BeloHorizonte,MG,Brasil.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:vianamb@gmail.com(M.B.Viana).
PALAVRAS-CHAVE
Anemiafalciforme; Mortalidade; Infecc¸ão;
Sequestroesplênico agudo;
Triagemneonatal
Caracterizac¸ãodoóbitodecrianc¸ascomdoenc¸afalciformediagnosticadas porProgramadeTriagemNeonatal
Resumo
Objetivo: Caracterizar os 193óbitosde crianc¸as comdoenc¸afalciforme diagnosticadas por
programadetriagemneonatalentre1998-2012ecompararosprimeiroscomosúltimosanos.
Métodos: Osóbitosforamidentificadospelabuscaativadascrianc¸asausentesnasconsultas
agendadasnoshemocentros.Dadosclínicos eepidemiológicos provieramdosdocumentosde óbito,bancodedadosdatriagemneonatal,prontuáriosmédicosedasentrevistascomparentes.
Resultados: Entre1998-2012foramtriadas3.617.919crianc¸as,2.591comdoenc¸afalciforme
(1:1.400).Ocorreram193óbitos(7,4%):153comSS/S0-talassemia,34SCe6S+-talassemia; 76,7%emcrianc¸ascommenosdecincoanos;78%faleceramemhospitaise21%emdomicílioou trânsito.Causasprincipaisdoóbito:45%infecc¸ão,28%indeterminada,14%sequestroesplênico agudo.Em46%dosdocumentosdeóbito,nãohouveregistrodotermo‘‘falciforme’’.Ataxade mortalidadeatéseteanosdascrianc¸asnascidasentre1998-2005foi5,43%versus5,12%,entre 2005-2012(p=0,72).Receberamassistênciamédica75%dascrianc¸as;24%ficaramdesassistidas. Pelas entrevistas, atendimentomédicoteria ocorrido nasprimeiras seishoras doiníciodos sintomasemmetadedoscasos.Oóbitoocorreuem40,5%doscasos,nasprimeiras24horas. Baixarendafamiliarfoiregistradaem90%doscasoseanalfabetismoem5%.
Conclusões: Atriagemparadoenc¸afalciforme,mesmoabrangenteeeficaz,nãofoisuficiente
parareduzirsignificativamenteamortalidadenoProgramadeTriagemNeonatal.Necessita-se dedesenvolvimentoeconômicoesocialdoEstadoeampliac¸ão,pelaeducac¸ãocontinuada,do conhecimentosobreadoenc¸afalciformeentreosprofissionaisdesaúdeeparentes.
©2014SociedadeBrasileiradePediatria.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todososdireitos reservados.
Introduc
¸ão
A doenc¸afalciforme (DF) engloba umgrupo dedesordens hematológicas de origem genética, cuja principal carac-terística é a predominância da hemoglobina S (HbS) nas hemácias.A DF temgrande importância epidemiológicae clínicaeéconsideradaquestãodesaúdepúblicanoBrasil.1-3
A HbSem homozigose (HbSS),denominada anemia
fal-ciforme (AF), representa o genótipo mais comum e a
apresentac¸ão clínicamaisgravedadoenc¸a.Oconceitode
DF engloba, também, a dupla heterozigose da HbS com
outrashemoglobinasvariantes(HbSC,HbSD-Punjabeoutras)
e a interac¸ão da HbS com as beta talassemias (HbS/0
e HbS/+ talassemias).4,5 Osprincipais determinantes das
manifestac¸ões clínicas dadoenc¸a são osfenômenos
vaso--oclusivoseahemólisecrônica.4
As hemoglobinopatias sãoresponsáveis,mundialmente,
por 3,4% dos óbitos em crianc¸as abaixo de cinco anos.6
Os pacientes com DF apresentam altos índices de
mor-bidade e mortalidade, principalmente nos países em
desenvolvimento.7Mesmonospaísesdesenvolvidos,embora
a mortalidade nas crianc¸as tenha diminuído, a DF ainda
é causa significativa de mortalidade em adolescentes e
adultos.8
Estima-seaprevalênciade25.000a30.000pessoascom
DFnoBrasileaincidênciade3.500casosacadaano.9Em
MinasGerais(MG),aincidênciadaDFéde1:1.400
recém--nascidostriadosetemcomobaseo ProgramadeTriagem
Neonatal(PTN-MG).10
EstudofeitoemMG10caracterizouoóbitode78crianc¸as
comDFtriadaspeloPTN-MGde1998a2005econcluiuquea
maioriadosóbitosocorreuemcrianc¸ascomidadeabaixode
doisanoseportadorasdeHbSS,devido,principalmente,à
infecc¸ão(septicemiaepneumonia).Foinotado
predominân-ciadeóbitoshospitalares.Contudo,aocorrênciadeóbitos
domiciliares ou em trânsito ainda foi significativa. Causa
mortisindeterminadanoatestado deóbito foi frequente,
oqueindicariafaltadeconhecimentodosmédicossobrea
DFeeventosagudosdeterminantesdosóbitos.
Este estudo teve como objetivo caracterizar os óbitos
ocorridosnascrianc¸as comDF triadas peloPTN-MG entre
1998e2012.Foifeita,quandopossível,análisecomparativa
daocorrênciadeóbitosdecrianc¸asnascidasentremarc¸ode
1998efevereirode2005comaquelasnascidasentremarc¸o
de2005e dezembrode 2012,com o intuitode descrever
possíveismudanc¸as emrelac¸ãoà qualidadedaassistência
prestadaaessascrianc¸as.
Métodos
A populac¸ão investigada neste estudo constituiu-se de 117 crianc¸as diagnosticadas com DF pelo PTN-MG acom-panhadasnoshemocentrosdaFundac¸ãoHemominaseque evoluíramparaóbitode1demarc¸ode2005a29defevereiro de2012.Emváriasanálisesadicionaram-se76óbitos ocorri-dosentremarc¸ode1998efevereirode2005(dos78óbitos relatados,foram excluídasduas crianc¸as cujonascimento foi anterior a 01/03/1998),10 o que totalizou 193 óbitos.
Completou-se,assim,oestudorelativoa14anos.
OPTN-MGfaz atriagemparaDFdesdemarc¸ode1998.
2010,91,44%dosrecém-nascidosmineirosfizeramatriagem
pormeiodoNupad(NúcleodeAc¸õesePesquisaem Apoio
Diagnóstico)e foramoferecidostratamento e
acompanha-mentomédicosgratuitosàquelescomDF.
Ainformac¸ãodoóbitoresultadainvestigac¸ãofeitapelo
SetordeControleeTratamentodoNupadsobreomotivode
nãocomparecimentoàconsultaagendadanohemocentro.
As ac¸ões debusca ativafeitas abrangem atotalidade dos
pacientestriadoscomDFemacompanhamentonos
ambula-tóriosdaFundac¸ãoHemominasemtodooestado.Portanto,
épossívelafirmarquetodososóbitosocorridosnoperíodo
doestudoforamregistrados.
Osdadosparaestapesquisaprovieramdobancodedados
do Nupad, dos documentos de óbito, da base de dados
doSistemaÚnicode Saúde(Datasus)e do Instituto
Brasi-leirodeGeografiaeEstatística(IBGE),prontuáriosmédicos
daFundac¸ãoHemominase entrevistacomosparentesdas
crianc¸as.
Para se efetuar a busca ativa das 117 famílias cujas
crianc¸asevoluíramaóbitoentre2005e2012,usaram-seas
informac¸õescontidasnobancodedadosdoNupad.A
entre-vista foifeita como responsável pelacrianc¸a a partirde
roteirosemiestruturado,usadoporFernandesetal.10Foram
entrevistadas81famíliaspelapesquisadora etrêsfamílias
pelosenfermeirosdasunidadesbásicasdesaúdede
referên-cia.Cincofamíliasrecusaram-seàentrevista,umanãoteve
condic¸õesdefalarsobreoassuntoe27nãoforam
localiza-das.Aentrevistaabordoucincoaspectos:(1)circunstâncias
relacionadasaoevento óbito;(2) acompanhamentodaDF
eocorrênciadeoutroseventosagudos;(3)condic¸ão
socio-econômicae culturalfamiliar,em queforamconsideradas
a renda per capita,escolaridade, ocupac¸ão dos pais e as
condic¸õesdemoradia;(4)impressõessobreasexperiências
vividascomacrianc¸a;(5)aplicac¸ãodaescalade
conheci-mentonasfamílias sobreaDF,constituídade20questões
comopc¸õesparaamarcac¸ão:‘‘certo’’,‘‘errado’’ou‘‘não
sei’’.Aentrevistafoicondicionadaàassinaturadetermode
consentimentoqueabrangeuosobjetivos,afinalidadeeos
benefíciosdapesquisa.
Naapurac¸ãodascausasdeóbito,considerou-se
indeter-minadaaquela sobrea qual,independentemente dolocal
deocorrênciadoóbitoedeterhavidoassistênciaounãoà
crianc¸a,osmédicosapresentaramambiguidadenosregistros
dosdocumentosdeóbito,o queimpossibilitouaos
pesqui-sadoresdeterminaremacausa.
Paraaanáliseestatística,comparac¸õesdasfrequências
entrevariáveisnominais foramfeitascom otestede
qui--quadrado,semcorrec¸ãodecontinuidade.Consideraram-se
significativosostestescujaprobabilidadedeerroalfafosse
igualouinferiora0,05.
Apesquisafoi aprovadapelosComitês deÉticada
Uni-versidadeFederal de Minas Gerais (UFMG) e daFundac¸ão
Hemominas.
Resultados
Períododemarc¸ode1998afevereirode2012
Foram triadas 3.617.919 crianc¸as pelo PTN-MG. Dessas, 2.591 tiveram perfil hemoglobínico compatível com DF e foramidentificadas193queforamaóbito(7,4%),dasquais
97eramdogêneromasculino(50,3%).Emrelac¸ãoaos genó-tipos,153eramSS/S0-talassemia(79,3%),34SC(17,6%)e
6S+-talassemia(3,1%).
A maioria das crianc¸as que evoluíram a óbito (77,7%) residia na área urbanados municípios. Se forem conside-radososmunicípiosmineirosemqueseregistraramóbitos, 98em 378crianc¸as diagnosticadascomDF(25,9%) falece-ramem municípiosdepequenoporte,istoé,aquelescom até50milhabitantes.Essaproporc¸ãocontrastacom93 óbi-tos em 1.228 crianc¸as (7,6%) nos municípios demédio ou grande porte, acrescidos das metrópoles (p < 0,000001). Duascrianc¸asfaleceramforadeMG.
Amedianadaidadeàcoletadosangueparaatriagemfoi de6diase75%dascrianc¸asforamtriadasatéoitodiasde vida.Amedianadaidadeàprimeiraconsultano hemocen-trofoide1,4mês.Dozecrianc¸as(6,2%)faleceramantesda primeiraconsulta:noveantesdecompletar60dias,período máximodemarcac¸ãodaprimeiraconsultanoshemocentros, amaioriapormotivodeprematuridadeesuascomplicac¸ões, segundoosatestadosdeóbitoexaminadospelos pesquisa-dores. Três crianc¸as faleceram com 105, 122 e 131 dias, duasdelascomcardiomiopatiacongênitagraveeumacom sequestroesplênicoagudo,emVitória(ES),semfazer con-sultanohemocentrodeValadares(MG);duasfamíliasforam entrevistadaspelospesquisadores.
Observou-seque56,5%dosóbitosocorreramemcrianc¸as abaixodedoisanose76,7%ocorreramemcrianc¸asabaixo de cinco. A mediana da idade ao óbito foi de 1,7 ano. Afigura1mostraadistribuic¸ãoporfaixaetária.
Segundo informac¸ões dos documentos de óbito e das
entrevistas com osparentes, houveprevalência deóbitos
hospitalares(78%),porémdeve-seenfatizaraocorrênciade
21óbitosdomiciliares(11%)e19emtrânsito(10%).
Infecc¸ão, incluindo septicemia, pneumonia/síndrome
torácicaagudaegastroenteriteforamasprincipaiscausas
de óbitosnessegrupo (45%),seguidas pelaindeterminada
(28%).Osequestroesplênicoagudo(SEA)foiaterceiracausa
(14%), conforme ilustrado na figura 2. Entre as crianc¸as
SS/S0-talassemia,oSEAfoiacausamortisem17,6%.
Amaioriadascrianc¸as(75%)recebeuassistênciamédica
antesdoóbito.Contudo,foirelevanteonúmerodecrianc¸as
desassistidas(24%).Nãohouveregistro dotermo ‘‘doenc¸a
falciforme’’ ou ‘‘anemia falciforme’’ citado como causa
56,5
20,2 20,7
2,6
0 a 2 anos 60
50
40
Ó
bitos (%)
30
20
10
0
> 2 a 5 anos > 5 a 10 anos > 10 anos
Faixa etária
90 87
54
27
11 11
3 80
70 60 50 40 30 20
Infecção
Indeterminada
Sequestro esplênico agudoAcidente vascular cerebral
Outros
Falência múltipla de órgãos 10
0
Número de óbitos
Causas de óbito
Figura2 Causasdeóbitodas193crianc¸ascomdoenc¸a falci-formequefaleceram demarc¸o de1998afevereirode2012, segundo informac¸ões extraídas dos documentosde óbito, do bancodedadosdoNúcleodeAc¸õesePesquisaemApoio Diag-nóstico(Nupad,UFMG)edasentrevistas.
mortis em número expressivo dos documentos de óbito (46%).
Períododemarc¸ode2005afevereirode2012 (117óbitos)
As entrevistas (n=84) revelaram que 46,4% das crianc¸as foramatendidasnasprimeirasseishoras apóso iníciodos sintomasporocasiãodoeventoquemotivouoóbito,64,3% em até24 horase 26,2% faleceramsemreceber assistên-ciamédica.Oóbitoocorreunasprimeiras12horasdeinício dos sintomasem 30% dos casos e em 40,5%nas primeiras 24 horas.Febre, dor, palideze vômito foram,pelorelato das famílias, ossintomas iniciaismaisfrequentes relacio-nadosaoóbito.Ohospitalfoioprimeiro servic¸odesaúde procuradoporcercade60%dasfamílias,seguidopelasUBSs (12%).Apósoprimeiroatendimento,encaminhamentopara outrasunidadesassistenciaisfoiacondutapara30crianc¸as, 24porambulâncias.Dessas,trêsfaleceramdurantea trans-ferênciaeumaantesdeotransportechegar.Apenas13,8% dascrianc¸asforamtransportadasemusodemedicamentos. O uso regular do antibiótico profilático e ácido fólico foi relatadopor cerca de 90% dasfamílias. Cerca de74% dascrianc¸asreceberamimunobiológicosespeciais.Quanto àevoluc¸ãoclínica anterioraoóbito,58,3%dascrianc¸as já haviamsidoadmitidasem hospitaispelomenosumaveze 23,8%,maisdetrêsvezes.Acriseálgicajátinhaacontecido emquase60%dascrianc¸as,antesdoóbito,e46,4%jáhavia recebidotransfusão.OSEAjátinhaocorridoem27,4%das crianc¸as.
Quanto à situac¸ão socioeconômica das famílias, 91,6% tinhamrendapercapitamensalinferiorouigualaum salá-rio mínimoe 50% recebiam benefícios federais.Quanto à escolaridade,5%dasfamíliaseramanalfabetas.
Apenas54,8%dasfamíliasrecebiamregularmentevisita doProgramadeSaúdedaFamília(PSF)quandoacrianc¸aera
viva.Oquestionáriocognitivo aplicadoàsfamílias(n=41) mostrouque85,4%acertarammaisde60%dasquestões.
Considerandoo totalde1.733consultasagendadasnos hemocentrosparaas117crianc¸asquefaleceram,359 agen-damentos(20,7%)nãoforamcumpridosporqueasfamílias nãocompareceram.Todasasconsultasforamreagendadas, mas o sistema de controle não fornece o sucesso de tal procedimento.
Comparac¸õesentreperíodosdoestudo
Nos primeiros sete anos foram triadas 1.399 crianc¸as e ocorreram76 óbitosaté28 defevereirode2005, taxade mortalidadede5,43%.Nosúltimosseteanosforamtriadas 1.192crianc¸asefaleceram61,taxade5,12%(p=0,72).No primeiroperíodo,55/76óbitos(72,4%)ocorreramantesde doisanos;nosegundoperíodo,47/61(77,0%;p=0,53).Os demais 56 óbitos, que perfizeram o total de193, ocorre-ramemcrianc¸asnascidasnosprimeirosseteanos,masque faleceramnosegundoperíodoe nãopodementrarnesses cálculosestatísticos.
No primeiro período de sete anos ocorreram 25,3% de óbitos no domicílio ou em trânsito; no segundo, houve diminuic¸ãopara18,1%(p=0,28).Aausênciadeassistência médicanomomento do óbito tambémdiminuiu de 28,0% para21,6%(p=0,39).Acitac¸ãodotermo‘‘falciforme’’nos documentosdeóbitofoisignificativamentemaisfrequente (60,5%)nosúltimosseteanos,emrelac¸ãoaosprimeirossete (42,1%,p=0,017).
Discussão
Acasuísticarefletearealidadeglobaldesaúdedascrianc¸as triadascom DF decorridos14 anosdoPTN-MG, poistodos osóbitosdascrianc¸asemacompanhamentopelos hemocen-trosforaminformados.Issorepresentasuatotalidade,oque configuraumestudocombasepopulacional.
No presente relato, como em outros,11,12 não houve
diferenc¸a significativa na incidência dos óbitos entre os
gênerosnafaixaetáriaestudada.
Este e vários outros estudos11,13-17 comprovaram que a
maiorfrequênciadeóbitosocorreuempacientescomHbSS
(79,3%),genótipomaiscomumeclinicamentemaisgrave.A
frequênciarelativamenteelevadadeóbitosemcrianc¸ascom
S+ talassemia (6,5%)nãodeve corresponder àrealidade,
poissomenteapartirde2010todososcasoscomsuspeita
de DF no PTN-MG passaram a ser confirmados por
técni-casde biologia molecular.O diagnóstico desse subtipode
DFpodesersuperestimadonoperíodoneonatalpor conta
detransfusãosanguíneanãorelatadapelosparentesoude
errosnainterpretac¸ãodepequenasconcentrac¸õesdaHbA.
Três quartos das crianc¸as diagnosticadas entre 2005 e
2012fizeramatriagemneonatalparaaDFatéoitodiasde
vida,tempoinferioraode18diasnoperíodoinicialentre
1998e2005,10oquerevelaaperfeic¸oamentodoPTN-MG.
Adistribuic¸ãopor faixaetáriadascrianc¸as, quandodo
óbito, mostra concentrac¸ão da ocorrência de óbitos até
cincoanos de idade, semelhantemente ao observado por
outros.11,18-22 Algunsautores4,8,12,16,23,24 têmrelatado,
con-tudo, que a taxa de mortalidade infantil pela DF está
presenteestudo,aelevadamortalidadeemcrianc¸asabaixo
decincoanoséexplicadapelamaiorincidênciadeeventos
potencialmentefataisnessegrupo,comoinfecc¸õeseSEA.
Embora prevalecessem osóbitoshospitalares,
ressalta--sea ocorrência de umquinto deles em domicílio ou em
trânsito.Issopodeser explicadopordiversosfatores,tais
comoresidênciadafamílialocalizadadistantedoservic¸ode
saúde,dificuldadededeslocamentoatéesseservic¸o,baixos
níveissocioeconômicoe deescolaridade,alémdo
despre-parodafamíliaemidentificarsituac¸õesderisconacrianc¸a.
Oaumento, estatisticamente não significativo,de 11% no
númerodeóbitoshospitalaresdenotaavanc¸o,mesmoque
discreto, na assistência à saúde de crianc¸as com DF nos
últimosseis anos.Osautoresdeestudo feitoem Angola25
concluíramquepacientescomDFqueresidiam nointerior
ouemcomunidadesruraistiveramprobabilidadetrêsvezes
maior de falecer durante a internac¸ão, devido a fatores
socioeconômicos e à falta de acesso imediato a cuidados
médicos.
Neste, como em muitos trabalhos
publica-dos,11,14,15,18,25-27 a infecc¸ão aparece como a principal
causadeóbito,considerandoosgrupos etáriosestudados.
Oelevadonúmerodecausasindeterminadassugere
dificul-dadedosmédicoseequipesdesaúdeemreconheceraDFe
seuseventosagudosgraves determinantesdoóbito,assim
comonoestudodeAlves,28 umavezqueamaiorpartedos
registrosfoiproveniente deóbitoshospitalares.OSEAfoi
a terceira causa,o que refleteo despreparo das equipes
desaúdeedasfamíliasnaidentificac¸ãodetalcomplicac¸ão
clínica. A proporc¸ão de óbitos por SEA em crianc¸as SS
foisemelhante ao relatadoem estudo anterior, restritoa
crianc¸asSS.29 Outrosautores13,15,19apontaramoSEAcomo
principalcausadeóbitoemcrianc¸asatétrêsanos.
Em número expressivo (46%) de documentos de óbito
não houve citac¸ão do termo ‘‘falciforme’’ registrado na
causamortis.Entretanto,aproporc¸ãodedocumentoscom
menc¸ão a esse termo aumentou significativamente nos
últimosseteanos,oqueindicamaiorvisibilidadee
conhe-cimentodadoenc¸apelosmédicos.
Amaioriadascrianc¸asrecebeuassistênciamédicaantes
doóbito,porémumquartodelasficoudesassistida.
Notou--seaumento,porémnãosignificativo,de13%nafrequência
daassistênciamédicaprestadaàscrianc¸ascomDFantesdo
óbito, o que novamente apontapara provável ampliac¸ão
doconhecimentoacercadaDFpelosmédicos.
Oatendimentomédicoocorreunasprimeirasseishoras
emquasemetadedoscasoseemdoisterc¸osnoperíodoaté
24horas.Oóbitoocorreunasprimeiras24horasdoiníciodos
sintomasemcercade40%doscasos.Mancietal.15
aponta-ramqueasprimeiras24horasapósainstalac¸ãodoprocesso
patológicorepresentamo períododemaiorrisco deóbito
paraospacientescomDF.Issosalientaarapidezcomqueo
quadroclínicoseagravaeculminaemóbito.
Aaltaadesãoàprofilaxiacomantibióticoseácidofólico,
alémdouso regulardos imunobiológicosespeciais, indica
que esses dadospodem estar superestimados, pois foram
obtidos a posteriori e na presenc¸a de ‘‘autoridade’’, no
casoa entrevistadora.EstudofeitonoHemocentrodeMG
evidenciou níveis mais baixos de adesãoà profilaxia com
antibióticos.30 A incorporac¸ão das‘‘vacinas especiais’’ ao
calendário básico de vacinac¸ão ocorreu recentemente e
podetercontribuídoparaabaixaadesãodasfamílias.Isso,
provavelmente,deve-seaodesconhecimento,pelos
profis-sionaisdesaúde,arespeitodocalendáriovacinalespecial
e àfalta deprioridade na solicitac¸ão dosimunobiológicos
especiaispelosmunicípios.
Naocasiãodoóbitodacrianc¸a,apenasumpoucomaisda
metadedasfamíliasrecebiaregularmentevisitadaequipe
doPSF.Considerando-sequeaDFéumadoenc¸adecaráter
crônicoecompossibilidadedeeventosagudosgraves,além
deacometer famíliascom baixarenda, esperava-semaior
monitoramentodoPSF,pormeiodevisitasdomiciliares,a
fimdegarantiraportadeentradanosistemadesaúde.
Ausência de prioridade e/ou demora no atendimento,
déficit deconhecimentodaequipeeinfraestrutura
precá-riadosservic¸osdesaúdeforamdificuldadesrelatadaspelas
famíliasequepodemtercontribuídoparaoóbito.Reduzida
escolaridade dos pais e baixa renda familiar constituíram
entravesadicionais.EstudofeitonoGabão,África,21
tam-bémregistrouqueagrandemaioria(91,3%)dascrianc¸ascom
DF quefaleceram eramdefamílias debaixo nível
socioe-conômico.Ascondic¸õesinadequadasdotransportetambém
foram relatadas por algumasfamílias, tais como: cilindro
deoxigêniocomvolumeinsuficienteouausenteparatodo
percursodatransferência,máscarafacialdetamanho
ina-dequadoparaacrianc¸a,entreoutros.
Oquestionáriocognitivoaplicadoa41famíliasindicaque
oconhecimentosobreaDFaindaéprecário,mesmotendo
ocorridoeventotãomarcantecomooóbitodeumacrianc¸a.
Aprincipal limitac¸ão do estudo foi seu caráter
retros-pectivo, pois a localizac¸ão das famílias é dificultada com
o passardos anos, assimcomo a impossibilidadedelas de
determinarprecisamentealgunsdados.Asentrevistas
acres-centaramaoestudoumcaráterqualitativomaisapuradodo
queasimplesinspec¸ãodedocumentosdeóbito.Anossover,
aausênciade33entrevistas,em117,nãocomprometeuos
objetivosalmejados.
Conclui-sequeosbaixosníveissocioeconômicoede
esco-laridadedasfamílias,asdificuldadesdeacessoaosservic¸os
desaúde,afaltadetransporte,aausênciadeprioridadeno
atendimentoeodéficitdeconhecimentosobreaDFpelos
profissionais desaúdeforamfatoresagravantesdoquadro
clínicodacrianc¸a.
AtriagemparaDF,mesmofeitademaneiraabrangente
e eficaz, não foi suficiente ainda para reduzir a taxa de
mortalidade noPTN-MG. Énecessário progressono
desen-volvimento social e econômico doestado. Atendimento a
eventos agudos, consultasespecializadas, transporte
ade-quadodospacienteseeducac¸ãocontinuadaparaparentese
equipesdesaúdedevemserreconhecidoscomoprioridade
nalinhadecuidadosdepacientescomDF.
Financiamento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq) e Núcleo de Ac¸ões e Pesquisa em Apoio Diagnóstico(Nupad).
Conflitos
de
interesse
Agradecimentos
Atodososparentesqueaquiesceramserentrevistadosem suas residências,apesardos sofrimentosdespertados pela recordac¸ãodoóbitodesuascrianc¸as.AoNupad/UFMGpelo apoiologísticofinanceironasdiversasfasesdapesquisa.Ao CNPq,que,compartedosrecursosprovenientesdoProjeto deDemandaUniversal471019/2011-9,possibilitoualgumas visitas para coleta de dados. À Dra. Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes pela sugestão do tema, pelo auxílio e incentivoemtodasasetapasdapesquisa.
Referências
1.LoboCL, BallasSK, DomingosAC,Moura PG,DoNascimento EM,CardosoGP,etal.Newbornscreeningprogramfor hemo-globinopathiesinRiodeJaneiro,Brazil.PediatrBloodCancer. 2014;61:34---9.
2.PereiraSA,BrenerS,CardosoCS,ProiettiAB.Sicklecelldisease: qualityoflifeinpatientswithhemoglobinSSandSCdisorders. RevBrasHematolHemoter.2013;35:325---31.
3.Felix AA, Souza HM, Ribeiro SB. Aspectos epidemiológicos esociais da doenc¸a falciforme.Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32:203---8.
4.QuinnCT.Sicklecelldiseaseinchildhood:fromnewborn scree-ningthroughtransitiontoadultmedicalcare.PediatrClinNorth Am.2013;60:1363---81.
5.SerjeantGR. The naturalhistory ofsickle cell disease. Cold SpringHarbPerspectMed.2013;3:a011783.
6.HankinsJ.Towardhighqualitymedicalcareforsicklecell dise-ase:arewethereyet?JPediatr(RioJ).2010;86:256---8. 7.McGannPT.Sicklecellanemia:anunderappreciatedand
unad-dressedcontributorto global childhood mortality. JPediatr. 2014;165:18---22.
8.Hamideh D, Alvarez O. Sickle cell disease related morta-lityin the UnitedStates (1999-2009). Pediatr Blood Cancer. 2013;60:1482---6.
9.Canc¸adoRD,JesusJA.Adoenc¸afalciformenoBrasil.RevBras HematolHemoter.2007;29:204---6.
10.FernandesAP,JanuárioJN,CangussuCB,MacedoDL,VianaMB. Mortalityofchildrenwithsicklecelldisease:apopulationstudy. JPediatr(RioJ).2010;86:279---84.
11.LeikinSL,Gallagher D,Kinney TR, SloaneD,KlugP,RidaW. Mortality in children and adolescents with sickle cell dise-ase. Cooperative Study of Sickle Cell Disease. Pediatrics. 1989;84:500---8.
12.ShankarSM,Arbogast PG,Mitchel E,Cooper WO,Wang WC, Griffin MR. Medical care utilization and mortality in sic-kle cell disease: a population-based study. Am J Hematol. 2005;80:262---70.
13.RogersDW,ClarkeJM,CupidoreL,RamlalAM,SparkeBR, Ser-jeantGR. Early deathsinJamaican childrenwithsickle cell disease.BrMedJ.1978;1:1515---6.
14.GillFM, Sleeper LA, Weiner SJ,Brown AK, Bellevue R, Gro-verR,etal.Clinicaleventsinthefirstdecadeinacohortof infantswithsicklecelldisease.CooperativeStudyofSickleCell Disease.Blood.1995;86:776---83.
15.ManciEA,CulbersonDE,YangYM,GardnerTM,PowellR,Haynes JJr,et al.Causesofdeathinsicklecelldisease:anautopsy study.BrJHaematol.2003;123:359---65.
16.QuinnCT, RogersZR,BuchananGR. Survivalofchildrenwith sicklecelldisease.Blood.2004;103:4023---7.
17.Houston-Yu P, Rana SR, Beyer B, Castro O. Frequent and prolonged hospitalizations: a risk factor for early morta-lity in sickle cell disease patients. Am J Hematol. 2003;72: 201---3.
18.SeelerRA.Deathsinchildrenwithsicklecellanemia.Aclinical analysisof19fatal instancesinChicago.ClinPediatr(Phila). 1972;11:634---7.
19.ThomasAN,PattisonC,SerjeantGR.Causesofdeathin sickle--cell disease in Jamaica. Br MedJ (Clin Res Ed). 1982;285: 633---5.
20.PlattOS,BrambillaDJ, RosseWF,MilnerPF,CastroO, Stein-bergMH,etal.Mortalityinsicklecelldisease.Lifeexpectancy and risk factors for early death. N Engl J Med. 1994;330: 1639---44.
21.KokoJ,DufillotD,M’Ba-MeyoJ,GahoumaD,KaniF.Mortality ofchildrenwithsicklecelldiseaseinapediatricdepartmentin CentralAfrica.ArchPediatr.1998;5:965---9.
22.MakaniJ,CoxSE,Soka D,KombaAN, OruoJ, MwamtemiH, etal. Mortalityinsicklecell anemiainAfrica: aprospective cohortstudyinTanzania.PLoSOne.2011;6:e14699.
23.Loureiro MM. Epidemiologia das internac¸ões hospitalares e tratamentofarmacológicodoseventosagudosemdoenc¸as fal-ciformes. Rio deJaneiro: Escola Nacional deSaúde Pública, Fundac¸ãoOswaldoCruz;2006.
24.YanniE,GrosseSD,YangQ,OlneyRS.Trendsinpediatricsickle celldisease-relatedmortalityintheUnitedStates,1983-2002. JPediatr.2009;154:541---5.
25.Van-Dunem JC, Alves JG, Bernardino L, Figueiroa JN, Braga C, do Nascimento M, De L, et al. Factors associated with sickle cell disease mortality among hospitalized Ango-lan children and adolescents. West Afr J Med. 2007;26: 269---73.
26.GillFM,BrownA,GallagherD,DiamondS,GoinsE,GroverR, etal.NewbornexperienceintheCooperativeStudyofSickle CellDisease.Pediatrics.1989;83:827---9.
27.MillerST,SleeperLA,PegelowCH,EnosLE,WangWC,Weiner SJ,etal.Predictionofadverseoutcomesinchildrenwithsickle celldisease.NEnglJMed.2000;342:83---9.
28.AlvesAL.Estudodamortalidadeporanemiafalciforme.Informe EpidemiológicodoSUS.1996;5:45---53.
29.RezendePV,VianaMB,MuraoM,ChavesAC,RibeiroAC.Acute splenic sequestrationina cohortofchildrenwithsickle cell anemia.JPediatr(RioJ).2009;85:163---9.