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Migração Internacional e Famílias Trasnacionais: uma Abordagem através de Metodologia Mista

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Migração Internacional e Famílias Domiciliares na Origem: uma Abordagem através de Metodologia Mista

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo discutir a utilização de métodos mistos para análise de famílias transnacionais. Mais especificamente, objetivou-se demonstrar como o novo quesito de migração do Censo de 2010 pode ser usado para análises que vão além da estimação dos fluxos, levantando, mais bem, hipóteses sobre os determinantes e consequências da migração sobre as famílias domiciliares na origem. Para tanto, tomou-se como estudo de caso a cidade de Governador Valadares. Entre as três fontes de dados utilizadas estão o Censo de 2010, o survey Migração, Vulnerabilidade e Mudanças Ambientais

no Vale do Rio Doce, e 20 entrevistas em profundidade conduzidas na cidade

em 2017. Primeiramente, observou-se que os fluxos de valadarenses rumo aos Estados Unidos e Portugal têm características distintas em termos de sexo, idade e nível socioeconômico, sugerindo que a análise da emigração internacional nessa região deva considerar as características específicas dos fluxos para cada um desses dois destinos. Os resultados das entrevistas qualitativas e do survey corroboraram esse achado e demonstraram que as motivações para emigrar são diferentes entre ambos países. Além da seletividade, observou-se também que os domicílios com emigrantes internacionais são significativamente diferentes daqueles sem emigrantes internacionais mesmo quando comparados aos domicílios com migrantes internos. Naqueles prevalecem os arranjos monoparentais e estendidos. A partir das entrevistas qualitativas, percebeu-se que esses arranjos tanto podem ser causa como consequência do processo migratório.

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1. Introdução

Grande parte da literatura contemporânea sobre mobilidade populacional tem enfatizado o papel dos domicílios na tomada de decisão de emigrar. Em contraste com o individualismo neoclássico, a Nova Economia da Migração e Trabalho (NELM) salienta que a migração é um projeto que muitas vezes reflete uma estratégia de sobrevivência familiar. Nesse sentido, domicílios em países em desenvolvimento, frequentemente afetados por inseguranças de mercado e mesmo mudanças climáticas, enviariam certos membros do domicílio para o exterior com vistas a diversificar os recursos disponíveis. (Stark & Bloom, 1985).

Concomitantemente, desde a década de 90, os termos migrantes transnacionais, vidas transnacionais e transnacionalismo vêm se tornando cada vez mais frequentes na literatura sobre mobilidade humana. Se em tempos de escassas tecnologias de transporte e comunicação a saída do indivíduo do seu local de origem representava, não raro, uma ruptura com sua comunidade, hoje é possível migrar sem se desvincular da terra natal, do seu modo de vida e das pessoas que foram deixadas para trás. Em outras palavras, é preciso pensar para além do conceito de assimilação – em que os migrantes se adaptam de maneira mais ou menos exitosa à cultura do país de origem – e refletir em como esses sujeitos vivem simultaneamente nas várias camadas dos campos sociais transnacionais. A grande contribuição da teoria transnacionalista foi conceber que algumas pessoas pudessem simultaneamente seguir ativas em suas terras natais enquanto se adaptavam à cultura do local que as receberam. (JAWORSKY & LEVITT, 2007).

O boom das pesquisas sobre famílias transnacionais tem também intensificado o debate metodológico em torno de como efetivamente captar esse fenômeno que, além de muito diverso, não está confinado às fronteiras nacionais. Muitos dos métodos, entretanto, se restringem a pesquisas qualitativas nos países de destino. Também tem crescido a utilização de abordagens mistas nos países de forte imigração, onde, de maneira geral, a condução de surveys com foco específico na temática são mais comuns. Nota-se, por exemplo, a condução do

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Mexican Migration Project desde o início da década de 80 (Massey, 1987). As pesquisas etnográficas transnacionais destacam-se pela condução de técnicas qualitativas que precedem a utilização dos surveys propriamente ditos. (FAUSER, 2017).

Além do foco nos métodos mistos, também vêm ganhado espaço as chamadas pesquisas multi-situadas, as quais configuram-se como uma consequência natural do fenômeno transnacional em si. No caso das famílias transnacionais, em particular, muitas análises têm dado foco na condução de entrevistas em profundidade com os emigrantes no destino e a família (domiciliar ou não) deixada na origem. Dessa maneira, a análise das trocas e conflitos entre membros geograficamente dispersos de uma mesma família pode ser realizada de maneira menos enviesada do que quando se toma somente origem ou destino como referência.

Apesar desses avanços, pouco se utiliza de informação já existente na origem, como Censos, ou mesmo de fontes de dados específicas, como surveys, para o entendimento de processos transnacionais. Em parte, isso se deve à carência de instrumentos mais específicos sobre emigração nos países em desenvolvimento. O resultado é que, se muito se sabe sobre o perfil migratório dos imigrantes no exterior, pouco é conhecido sobre o perfil das suas famílias na origem.

No caso brasileiro, diferentemente dos anteriores, o Censo Demográfico de 2010 representa uma novidade fundamental para o estudo das emigrações internacionais. Se até então a estimativa dos fluxos de emigração era feita somente a partir da técnica do resíduo – a emigração seria a diferença entre a população observada e projetada, levando em consideração a imigração internacional de data fixa – o novo questionário base do censo abriu espaço para uma pergunta direta sobre emigração internacional no domicílio.

Apesar das limitações do novo quesito em termos de erros de memória e de contagem dupla, há que se pensar na sua utilidade para além de uma simples medição de estoque dos emigrantes internacionais brasileiros. Não apenas a pergunta nos permite averiguar a composição dos fluxos internacionais por sexo,

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idade e país de destino (Campos, 2014), como também possibilita uma análise mais aprofundada dos domicílios dos ditos emigrantes internacionais na origem.

De um lado ganha premência o estudo dos determinantes da migração de um ponto de vista não apenas individual como familiar e domiciliar. De outro lado, cresce a literatura que analisa os efeitos da migração sobre as famílias na origem – tanto de um ponto de vista puramente econômico, quanto da análise da circulação de cuidado entre origem e destino.

O objetivo do presente artigo será, portanto, entender como o uso de uma metodologia mista baseada em diferentes fontes na origem pode auxiliar no entendimento do fenômeno das famílias transnacionais. Particularmente, almeja-se demonstrar como o novo quesito de migração internacional do Censo brasileiro pode fornecer dados relevantes não apenas para a estimação de volume dos fluxos- como já há sido mais bem explorado – mas também para a análise dos determinantes e consequências da migração.

2. Metodologia

Para levar a cabo a presente análise será feito um estudo de caso da cidade de Governador Valadares, Minas Gerais. O acentuado fluxo de valadarenses rumo aos Estados Unidos e Portugal já é um fenômeno largamente reportado na literatura brasileira sobre migração internacional. (SOARES, 2002; FUSCO, 2000, 2005; SALES, 1999; MARGOLIS, 2003, SIQUEIRA, 2006). A escolha desse caso em particular se deveu à importância da microrregião no cenário de emigração internacional brasileiro e à historicidade do fluxo, que acabou por criar verdadeiras linhagens de famílias transnacionais ao longo das últimas décadas. Além disso, o caso de Governador Valadares é especialmente rico porque envolve dois sistemas migratórios: um rumo aos Estados e outro rumo à Portugal. Como será demonstrado, não apenas as motivações para migrar aos dois destinos são diferentes, como também a seletividade por sexo e idade daqueles que emigram. Esses dois fluxos migratórios permitem analisar, portanto, como uma série de fatores – institucionais e econômicos – determinam a migração de pessoas de determinado ciclo de vida e geram distintas configurações transnacionais de cuidado entre as famílias.

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Para a condução dessa análise será feito uso de métodos mistos, com duas fontes de dados quantitativos e uma qualitativa. Em primeiro lugar, será utilizado não somente o novo quesito de migração internacional do Censo 2010, como também o primeiro survey estatisticamente representativo do município. Dado que o survey contém informação tanto sobre os emigrados quanto sobre os retornados internacionais de última etapa, os resultados obtidos a partir de ambos serão contrapostos e analisados de maneira complementar. Além disso, será empregada metodologia qualitativa com a análise de entrevistas em profundidade conduzidas na região, com o objetivo de levantar hipóteses sobre a relação de causalidade entre a migração internacional e a estrutura dos domicílios na origem.

A análise, a partir dessas informações, se dará em dois âmbitos: uma caracterização dos emigrantes, em termos de sexo, idade e motivação para emigrar; e uma caracterização da composição demográfica dos domicílios com e sem emigrantes internacionais. Para cada uma dessas pretende-se apontar as potencialidades e limites da análise da migração a partir da informação de origem – seja a nível censitário, seja a nível amostral, seja a nível de informação qualitativa.

No que tange à primeira fonte de dados, o Censo de 2010, a primeira cautela tomada foi de limitar a análise dos dados à informação a partir de 2005. Essa ressalva é especialmente importante porque quanto maior o tempo decorrido desde a saída do indivíduo, maior a probabilidade de que o arranjo atual do domicílio não tenha relação direta com a emigração. Como duas ou mais pessoas de um mesmo domicílio podem emigrar em diferentes pontos no tempo, tomou-se por base a primeira emigração do domicílio. A partir disso, os domicílios foram divididos entre aqueles com experiência internacional recente (com ex-membros que emigraram de 2005 em diante) e sem experiência internacional recente.

Já a segunda fonte de dados utilizada foi o survey conduzido entre 2014-2016, com uma amostra representativa do município, de título Migração,

Vulnerabilidade e Mudanças Ambientais no Vale do Rio Doce. Financiado pelo

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APQ0024412, PPM0030514 e CSA APQ0155316) e Rede Clima (FINEP/CNPq), o projeto gerou um levantamento amostral com 1226 domicílios representativos da área urbana do município de Governador Valadares.

Após a compatibilização das bases da amostra verificou-se a ocorrência de apenas 50 casos de emigrantes internacionais, o que seria de se esperar, por se tratar de um evento raro na população geral. Por esse motivo, a informação amostral foi utilizada para cobrir algumas lacunas dos dados censitários, como dados sobre envio e recebimento de remessas; escolaridade dos retornados internacionais, como proxy para a escolaridade dos emigrantes internacionais; e motivação a emigrar e a retornar. As perguntas sobre motivo da migração e motivo do retorno eram de tipo aberta e, por isso, foram categorizadas conforme as próprias respostas.

Ainda que a base de emigrantes internacionais contasse com apenas 50 observações, foi possível obter mais informações utilizando a base de migrantes conviventes para aqueles com experiência internacional, que contava com 162 observações. Não seria possível, entretanto, simplesmente anexar as duas informações, uma vez que os migrantes internacionais conviventes – ou retornados, excetuando os nascidos no exterior – apresentam uma seletividade inerente. Os retornados, de maneira geral, não são uma proxy perfeita para os emigrantes, de modo que a análise utilizando as duas informações será realizada com cautela. Por isso, a interpretação dos dados da base de retornados e da base de emigrantes serão feitas separadamente. De maneira semelhante ao Censo, assim, também foram tomados os domicílios com migrantes internacionais e com retornados internacionais, em comparação aos domicílios sem nenhuma experiência internacional.

Finalmente, no caso da informação qualitativa, foram conduzidas 20 entrevistas em profundidade na cidade de Governador Valadares. A recusa de fornecer informação sobre parentes residindo no exterior foi o principal motivo pelo qual não se conduziu entrevistas multi-situadas. Dessa forma, os retornados internacionais foram utilizados como proxy dos emigrantes. Na outra ponta do espectro, foi coletada experiência dos chefes de domicílios cujos ex-membros

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residem no exterior. Os participantes foram selecionados com base no arranjo domiciliar/migratório nos quais eles vivem ou vivam no momento da migração.

3. Características dos Emigrantes Internacionais

O primeiro fator importante que o Censo de 2010 nos permite analisar é a composição dos fluxos segundo destino. Enquanto a maior parte dos trabalhos realizados até hoje estão direcionados para uma discussão mais geral sobre o fluxo de Governador Valadares ou se debruçam somente sobre a emigração rumo aos Estados Unidos, a realidade, principalmente a partir de 1995, mostra-se muito mais complexa. Desde então, verifica-mostra-se a diminuição relativa dos EUA como destino e o concomitante aumento relativo de Portugal e outros países. O que nos revela o Censo de 2010 é que, naquele ano, 26,96% da emigração valadarense tinha como destino Portugal, e tal percentual é resultado de uma ascensão gradual a partir de 1995. Muitos fatores parecem estar por trás da diversificação dos fluxos a partir de finais dos anos 90 – tanto aqueles que se referem ao enrijecimento das políticas estadunidenses de imigração, quanto os fatores econômicos de crescimento na demanda de mão de obra feminina nos países europeus.

De fato, os dados revelam que o estoque de homens nos Estados Unidos é provavelmente maior do que no caso português (Tabela 1) – o que, claramente, não dá informações diretas sobre o fluxo, já que pode haver seletividade por sexo no retorno. O diferencial entre EUA e Portugal pode ser explicado não apenas pelas dificuldades da travessia estadunidense, mas por uma especificidade do mercado de trabalho europeu, que presencia uma crescente demanda por mulheres em atividades de cuidado com idosos e crianças.

Tabela 1-Distribuição por Sexo do Estoque de Emigrantes Internacionais, segundo Destino, entre 2005 e 2010, Governador Valadares, Brasil

Destino dos Emigrantes Estados Unidos Portugal

Sexo Percentual (%) Mulher 42,86 52,37 Homem 57,14 47,63 Total 100 100 P = 0,0962* N=357 Fonte: IBGE, 2010

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No que diz respeito ao perfil etário, o estoque é majoritariamente formado por pessoas em idade ativa – 95,74% daqueles que deixaram o Brasil de 2005 em diante tinham entre 15 e 60 anos. A população é particularmente concentrada no grupo de 20-29 anos (48,92%). Especificamente, as pessoas de menos de 15 anos compõem apenas 3,30% do fluxo. Essa proporção não tem diferença significativa entre os dois destinos. Tem-se, assim, que as pessoas fazem a transição para paternidade após a emigração ou deixam as crianças na origem, sob a responsabilidade de outros responsáveis. Além disso, é notável que possa haver uma subestimação de crianças através do quesito do censo brasileiro. Essa possível subestimação foi apontada por Campos (2014), que comparou a informação do quesito do censo do Brasil com aquela obtida através dos censos de países estrangeiros. Segundo o autor, o Censo 2010 tendeu a subestimar tanto as crianças quanto os idosos para a maior parte dos destinos analisados. (CAMPOS, 2014). Essa subestimação é, provavelmente, proveniente do fato de que esses segmentos tendem a migrar acompanhados do resto da família, não restando nenhuma pessoa na origem para reportar a emigração. Portanto, é difícil estimar ao certo qual a proporção de crianças que de fato emigra internacionalmente.

Algo, entretanto, que sim chama atenção na análise é que a idade média a migrar para os dois destinos é diferente. Contribui para isso o fato de as coortes de 15-19 anos e 20-24 anos emigrarem mais para Portugal do que para os Estados Unidos, proporcionalmente, e também a representatividade do grupo de homens de 40-45 anos que vai rumo aos Estados Unidos. Em realidade, é surpreendente a proporção de pessoas que emigram nessa faixa etária e pressupõem-se que este tipo de emigração gere arranjos de cuidado específicos na origem: muito provavelmente são pessoas que já passaram pela transição para paternidade, e, dada a preponderância dos homens, seria de se supor que isso resultasse em arranjos monoparentais no Brasil – fator que será explorado mais adiante.

Tabela 2 - Idade Média ao Migrar, Segundo Destino, entre 2005 e 2010, Governador Valadares, Brasil

Destino dos Emigrantes Idade Média Erro Padrão

Estados Unidos 31,74249 0,7696485

Portugal 28,32258 0,8932351

Pr (t)= 0,0040*** N=357

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Os diferenciais de sexo e idade entre os dois fluxos parecem revelar que há, em realidade, disparidades nas motivações para emigrar aos dois destinos. Para ter uma ideia dos determinantes principais da migração para ambos países, tomou-se a razão para emigrar dos retornados internacionais. Neste caso, acredita-tomou-se que a informação direta é mais fiável do que aquela reportada por parentes com respeito aos migrantes internacionais atuais.

Os resultados revelam, de fato, que há diferenças contundentes nos motivos da migração para Estados Unidos e Portugal. Enquanto no primeiro preponderam motivos de trabalho e emprego, no segundo ressalta-se fatores classificados como outros, em que se incluem brigas familiares e vontade de sair do país. Parece, assim, que a migração com destino a Portugal é menos premeditada e, portanto, envolve jovens adultos sem tantos vínculos com o país de origem. Por outro lado, a migração rumo aos Estados Unidos, envolve maiores ganhos, mas também maiores custos, já que, em geral, o preço para emigrar pelo México gira em torno de 10.000 R$, segundo entrevistados. Essa, portanto, provavelmente tem mais apelo entre os homens de meia idade, que não apenas têm maiores chances de haver acumulado poupança ao longo dos anos, mas também cuja necessidade principal deve ser a de prover o sustento das famílias domiciliares na origem.

Tal resultado obtido através de informações do survey é corroborado pelos achados da pesquisa qualitativa. Em geral, entre os emigrados que foram rumo a Portugal, figura um motivo pouco aventado pela literatura de migração internacional, que costuma ter foco exclusivo na migração como estratégia de sobrevivência familiar. Em realidade, grande parte dos nossos entrevistados ressaltaram que a ida ao país europeu figurou como uma espécie de fuga por parte dos jovens que se viam envolvidos em situações de violência ou prostituição:

Eu fui lá pra ter uma vida melhor. Mas também porque eu tava mexendo com coisa errada aqui. Tava em má companhia. O pessoal me chamava pra fumar. Então eu comecei a mexer com maconha. Meu tio ficou sabendo e me levou pra morar com ele em Portugal. […] Minha prima tá lá também. Eles também levaram ela. Ela tava em má companhia

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também. Mas nada de fumar, ela tava se prostituindo. É sempre umas coisas assim. (Pedro, retornado internacional, 17 anos, Governador Valadares, 2016)

De fato, esse padrão já havia sido observado por outros estudos qualitativos conduzidos na área. (MACHADO, 2007). O que os dados do survey, do Censo e da análise qualitativa revelam, portanto, é que a emigração rumo à Portugal das coortes mais jovens encontra-se pouco relacionada a uma estratégia de sobrevivência familiar. Em realidade, nenhum dos familiares de emigrantes portugueses entrevistados recebiam remessas consistentes, mesmo quando dependentes – como filhos – haviam sido deixados na origem sob responsabilidade de parentes. Do outro lado do espectro, no caso dos homens de meia idade que emigravam rumo aos Estados Unidos, a migração já era, conforme as entrevistas em profundidade, muito mais orientada para ganhos financeiros por parte das famílias deixadas para trás.

A partir dessa primeira análise do perfil demográfico, bem como das motivações a migrar, é possível perceber a complementariedade das informações obtidas por meio das três fontes. Por um lado, o Censo nos permite afirmar, com grande precisão, as características do estoque de emigrantes valadarenses no exterior e as diferenças segundo destino. Por outro lado, tanto o survey quanto as entrevistas em profundidade revelam informações importantes sobre as motivações a migrar segundo destino, que permitem entender o porquê das diferenças no perfil etário entre os dois sistemas migratórios analisados.

4. Características dos domicílios com emigrantes internacionais

Talvez uma das principais limitações do quesito de emigração internacional do Censo de 2010 seja o fato de não se perguntar a relação do entrevistado ou do chefe de domicílio com o emigrante internacional. Dessa forma, perde-se a referência fundamental entre a posição daquele que saiu com a família deixada na origem – e se de fato se tratam de pessoas com vínculos de parentesco. Assim sendo, a presente análise se trata de uma tentativa de aproximação com as informações disponíveis, buscando padrões que possam dar indícios – e não afirmações conclusivas – de como estão estruturadas as famílias domiciliares na origem daqueles que emigraram.

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Primeiramente, optou-se por dividir os domicílios entre aqueles com e sem emigrantes internacionais, e depois entre aqueles com todos os emigrantes para Portugal e domicílios com todos os emigrantes para os Estados Unidos. Excluem-se da segunda estratégia aqueles domicílios com emigrantes para Portugal e Estados Unidos. A partir dessa categorização, encontram-se as configurações migratórias nos domicílios conforme a Tabela 3.

Tabela 1 - Configuração Migratória dos Domicílios com ao menos um Emigrante Internacional, Governador Valadares, Brasil, 2010

Destino dos Emigrantes Internacionais no Domicílio Percentual (%)

Todos os Emigrantes em Portugal 24,47

Todos os Emigrantes nos Estados Unidos 70,27 Um ou mais Emigrantes em Países Diferentes 5,26

Total 100

N=650

Fonte: IBGE, 2010

Pode-se constatar a partir da Tabela 3 que, em sua maior parte (70,3%), os domicílios com ao menos um emigrante internacional têm todos os emigrantes vivendo nos Estados Unidos e que apenas 5,26% destes mesmos domicílios têm emigrantes vivendo, simultaneamente, em dois destinos diferentes – seja Estados Unidos e Portugal, seja em outros destinos. Fica claro desta forma o efeito das redes familiares, que, de modo geral, direcionam todas as pessoas da mesma família domiciliar para o mesmo país.

Feita essa ressalva, o primeiro esforço no sentido de entender os arranjos domiciliares da origem foi verificar qual era a composição dos domicílios com e sem emigrantes internacionais. Para tanto, utilizou-se a classificação de Wajnman (2010) de arranjos domiciliares. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 4:

Tabela 2-Tipo de Arranjo Domiciliar, segundo Presença de Emigrante Internacional, se primeira Migração Internacional do Domicílio ocorreu a partir de 2005, Governador Valadares, Brasil,

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Presença de Emigrante Internacional Sem Emigrante Internacional Com Emigrante Internacional Tipo de Arranjo Domiciliar Percentual (%)

Monoparental 12,98 26,21

Casal Sem Filhos 13,63 10,67

Casal Com Filhos 39,69 22,86

Unipessoal 12,24 8,96 Estendido 17,45 30,52 Não Familiar 1,05 0 Convivente 1,37 0,78 Coletivo 1,58 0 Total 100 100 P= 0,000*** N= 7641 Fonte: IBGE, 2010

O que se percebe, a partir da significância do teste de independência exposto na Tabela 4, é que há uma diferença fundamental entre os tipos de famílias domiciliares mais comuns entre domicílios com e sem emigrantes internacionais. De modo geral, os domicílios sem emigrantes internacionais são predominantemente compostos por casais com filhos. Os domicílios com emigrantes internacionais, por outro lado, são compostos por casais com filhos em muito menor proporção e caracterizados por uma maior prevalência de arranjos estendidos ou monoparentais. Entretanto, ainda que o tipo de arranjo domiciliar forneça pistas importantes sobre as configurações resultantes da emigração, ele não é suficiente para pensar no quadro completo, o que torna necessário dar prosseguimento a uma caracterização mais detalhada. Finalmente, as diferenças nas distribuições entre domicílios com emigrantes em Portugal e domicílios com emigrantes nos Estados Unidos não se mostraram significativas, apesar das diferenças de seletividade dos migrantes já discutidas.

Ainda que o Censo não contasse com uma pergunta similar sobre migração interna − ‘Alguém que residia neste domicílio reside atualmente em outro município?’ −, a amostra do Survey continha um quesito deste tipo. Isso permite realizar uma comparação entre os arranjos daqueles domicílios com emigrantes internacionais e daqueles com emigrantes internos, ainda que o número limitado de dados nesse caso não permita fazer uma seleção apenas a partir do último quinquênio. O que a Tabela 16 revela é que a migração internacional tem particularidades que resultam em configurações domiciliares essencialmente diferentes daquelas em domicílios com migrantes internos:

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Tabela 3-Tipo de Arranjo Domiciliar, Segundo Tipo de Emigrante no Domicílio, Governador Valadares, Brasil, 2015-2016

Tipo de Emigrante no Domicílio Com Emigrante Internacional Com Emigrante Interno Tipo de Arranjo Domiciliar Percentual (%)

Monoparental 32,84 15,85

Casal Sem Filhos 13,06 15,86

Casal Com Filhos 7,06 29,34

Unipessoal 3,07 9,82

Estendido 43,97 27,51

Convivente 0 1,63

Total 100 100

Fisher’s exact test= 0,017 **

N= 219

Fonte: Dados Survey Migração, Vulnerabilidade e Mudanças Ambientais no Vale do Rio Doce, 2015-2016

Percebe-se, assim, que os domicílios com emigrantes internacionais têm maior incidência de arranjos estendidos e monoparentais, enquanto os domicílios com emigrantes internos têm configurações que parecem ser mais fruto das transições usuais do ciclo de vida: filhos emigram e deixam casais sem filhos, casais com filhos e domicílios unipessoais na origem. Por que, então, os domicílios com emigrantes internacionais se tornam, em geral, monoparentais ou estendidos? Em primeiro lugar, a emigração internacional gera mais casos de cônjuges que se separam, enquanto que na emigração interna esse arranjo é muito mais raro. Em segundo lugar, a emigração internacional leva à separação das crianças de seus pais – que, internamente, seriam tied movers – e, consequentemente, a configurações em que essas crianças passam a viver com avós ou outros adultos responsáveis. Essas hipóteses serão exploradas com mais detalhes a partir de outros indicadores a seguir.

A fim de pensar a relação entre emigração e envelhecimento do domicílio, foram calculadas as razões de dependência dos domicílios conforme experiência migratória e também conforme destino dos emigrantes (Tabelas 17 e 18).

Tabela 6 - Razão de Dependência Jovem por Presença de Emigrante Internacional no Domicílio, se Primeira Migração Internacional do Domicílio ocorreu a partir de 2005,

Governador Valadares, Brasil

Tipo de Domicílio Média

Domicílio Com Emigrante Internacional 0,3430741 Domicílio Sem Emigrante Internacional 0,3800213 Pr(t) = 0,2820

N=7641

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Tabela 7-Razão de Dependência Idosa por Presença de Emigrante Internacional no Domicílio, se Primeira Migração Internacional do Domicílio ocorreu a partir de 2005, Governador

Valadares, Brasil

Tipo de Domicílio Média

Domicílio Com Emigrante Internacional 0,260500 Domicílio Sem Emigrante Internacional 0,112253 Pr(t)= 0,000***

N=7641

Fonte: IBGE, 2010

Em relação aos domicílios com e sem emigrantes internacionais, percebe-se que há uma diferença, estatisticamente significativa, entre as razões de dependência idosa, tal como exposto na tabela 18. É notável que os domicílios com emigrantes internacionais sejam mais envelhecidos do que os domicílios sem emigrantes internacionais. Essa característica, provavelmente, representa um viés de seletividade: a emigração surge como uma etapa do ciclo de vida do jovem, que deixa a casa dos pais para emigrar para outro país. Na origem, ele deixa pais idosos que no Brasil, como já demostrado por Wajnman (2010) e Camarano (2014), frequentemente residem com outros filhos e seus respectivos núcleos familiares, resultando em arranjos estendidos – o que é coerente com o que foi discutido sobre os arranjos domiciliares. É também notável que a diferença entre as razões de dependência jovem dos domicílios com e sem emigrantes internacionais não são estatisticamente diferentes – apesar de os domicílios com emigrantes serem mais envelhecidos. Como a proporção de crianças que emigram é pequena – como já demostrado– é provável que as mesmas sejam deixadas na origem, sob cuidado de outros responsáveis. Dada essa aparente contradição – domicílios envelhecidos, mas com razões de dependência jovem semelhantes, encontrou-se que proporção de domicílios em que crianças corresidiam com idosos entre aqueles com emigrantes era significativamente maior (7,04%) do que entre aqueles sem emigrantes internacionais (3,72%) – diferença essa significativa a um nível de 1%

Percebe-se, assim, que os domicílios com emigrantes internacionais têm, significativamente, mais crianças corresidindo com idosos. Essa característica é condizente com o formato estendido desses domicílios, que são mais envelhecidos, mas que, nem por isso, têm, necessariamente menos crianças por adultos. É provável que se trate de casos em que vivam os chefes, seus filhos,

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e netos. Esse fenômeno pode ter muitas causas: primeiramente, pode ser efeito do idoso que – a partir da emigração de um dos filhos – passa a viver com outro filho e seu respectivo núcleo familiar; pode ser resultado da emigração de um jovem que deixou filhos na origem sob cuidado de avós e tios; e, ainda, pode ser fruto da emigração do cônjuge do chefe, que passa então a viver com seus pais e filhos como forma de aumentar o suporte social. Salienta-se, ainda, que a proporção de domicílios em que viviam apenas idosos e crianças, sem adultos, era residual – representando menos de 1% dos casos, tanto nos domicílios com emigrantes internacionais quanto nos domicílios sem emigrantes. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as razões de dependência dos domicílios com emigrantes em Portugal e nos Estados Unidos.

A fim de melhor compreender a configuração dos domicílios por presença de imigrante internacional, foi também feita a análise da proporção de crianças vivendo com mães ausentes. É importante salientar que não é possível precisar se as mães ausentes – ou seja, aquelas que estão vivas, mas moram em outro domicílio – nos lares com ao menos um emigrante internacional, de fato são as emigrantes internacionais. As estimativas foram feitas tomando-se apenas aqueles domicílios com crianças menores de 15 anos e, representam, portanto, a proporção de domicílios com crianças de até 15 anos em que pelo menos uma das crianças tem mãe ausente. O notável resultado é entre aqueles com emigrantes internacionais, 29,26% dos domicílios com crianças tinha ao menos uma delas com mãe ausente, em contraste com 9,7% dos domicílios sem emigrantes internacionais.

Ainda que o natural fosse pensar que a ausência materna como consequência da migração, o que a pesquisa qualitativa revelou é que, muitas vezes, o fato de a criança não residir com a mãe é um fator que pode propulsionar a migração feminina. Notavelmente, de fato, em todos os casos de pessoas entrevistadas nesse tipo de arranjo, as crianças deixadas na origem já viviam com os avós, sendo esses, em sua maioria, os responsáveis principais já antes da emigração. O trecho a seguir ilustra o caso em que a avó já assumia responsabilidade pelos netos muito antes da emigração: “Morava com nós aqui, é como se fosse tudo filho. Como se fosse duas irmãs. Não tinha autoridade, a avó dela que tinha.” (Entrevistado, Governador Valadares, 2016).

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Essa naturalização dos avós como provedores de cuidado guarda estreita relação com a normativa de família na origem. Trabalhos como os de Hondagneau-Sotelo e Ávila (1997); Segura e Pierce (1993); e Castillo (1984) apontam para o fato de que as famílias latino-americanas tendem a valorizar o familismo e compadrazgo, termos que denotam a importância dos laços estendidos nessas culturas. Esse tipo de normativa de família, oposta ao modelo anglo-saxão mais individualista, poderia facilitar noções de maternidade compartilhada, nas quais as crianças são criadas conjuntamente por avós, comadres e outras figuras femininas. Na prática, de acordo com Hondagneau-Sotelo e Ávila (1997), essa normativa poderia facilitar a emergência da maternidade transnacional ao naturalizar essas formas compartilhadas de cuidado. Tal achado também é consistente com os trabalhos de Mazzucato et al (2015) para o caso africano, segundo os quais as normas de paternidade e maternidade sociais em Gana, Nigéria e Angola facilitam a decisão dos migrantes de deixar seus filhos com outros provedores de cuidado, e que esses mesmos provedores tomam essa iniciativa sem questionamento. No Brasil e em outros países latino-americanos, esse fenômeno provavelmente guarda, ainda, estreita relação com os altos índices de gravidez na adolescência– que fazem com que as meninas e seus filhos continuem corresidindo na casa dos pais sem formar um novo domicílio.

É importante salientar, ainda, que não foram encontradas diferenças significativas entre os domicílios com emigrantes nos EUA e Portugal, em termos demográficos. Este resultado é, até certo ponto, surpreendente, dadas as diferenças na seletividade migratória discutidas na seção 2. Percebe-se, entretanto, diferenças substantivas entre os domicílios com relação ao nível socioeconômico – tanto entre aqueles com e sem emigrantes, quanto quando se comparam os dois destinos. (Tabela 8).

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Tabela 8 - Renda Domiciliar Per Capita por Presença e Destino de Emigrantes Internacionais no Domicílio que Emigraram a partir de 2000, Governador Valadares, Brasil, 2010.

Presença e Destino dos Emigrantes Internacionais no Domicílio

Percentual (%) Renda Domiciliar Per

Capita

Sem Emigrante Internacional

Emigrantes para os Estados Unidos

Emigrantes para Portugal

até 1/2 salário mínimo 26,6 25,83 27.67

1/2 a 1 salário mínimo 31,71 23,97 26.73 1 a 2 salários mínimos 22,94 31,38 29.87 2 a 3 salários mínimos 7,00 10,5 9.49 3 a 4 salários mínimos 3,69 4,13 3.1 4 a 5 salários mínimos 2,02 0,72 0.7 5 a 6 salários mínimos 1,35 1,07 0.76

mais que 6 salários

mínimos 4,7 2,39 1.69

Total 100 100 100

Teste de Independência entre Domicílios com e sem Emigrantes Internacionais

P=0,0006***

Teste de Independência entre Domicílios com Emigrantes para Portugal e

Estados Unidos

P=0,0722*

N= 7862

Fonte: IBGE, 2010

A primeira conclusão, portanto, é que a renda per capita das famílias com emigrantes internacionais tende a estar situada nos níveis médios, a saber, entre 1 a 2 salários mínimos e 2 a 3 salários mínimos. Além disso, encontrou-se que que, dado que há emigrante internacional no domicílio, um emigrante a mais não altera significativamente a distribuição de renda. Nos níveis mais altos de renda, a partir de 4 a 5 salários mínimos, a expressão dos domicílios com emigrantes internacionais é significativamente menor, indicando que mesmo com a presença de remessas a renda dessas famílias não cresce substancialmente.

(18)

No outro lado do espectro – o das rendas inferiores a ½ salário – percebe-se uma participação maior dos domicílios com emigração para Portugal, inclusive quando comparado com os domicílios sem emigrantes. Esse resultado é ainda corroborado pelo fato de que também os domicílios com migrantes em Portugal têm maior proporção de chefes sem instrução/fundamental incompleto (68,71%), em comparação com os domicílios com emigrantes nos EUA (58,83%) e sem emigrantes internacionais (51,38%).

Esses resultados corroboram a discussão travada anteriormente na seção 2 com base nos dados qualitativos. Como salientado, em grande parte dos casos daqueles que vão a Portugal, a migração deixa de ser uma estratégia – com objetivos bem definidos – de sobrevivência familiar. Ela passa, mais bem, a ser o único mecanismo de fuga para situações de extrema vulnerabilidade, que incluem, inclusive, situações de violência. O fato de os rendimentos serem menores em Portugal e esses migrantes seguirem com dificuldades de enviar remessas a seus domicílios na origem pode ser um fator de perpetuação das desigualdades sociais, especialmente quando comparado àqueles que emigram rumo aos Estados Unidos.

5. Conclusão

A utilização de métodos mistos na literatura sobre famílias transnacionais encontra-se cada vez mais em voga. Essa técnica permite acessar tanto questões mais gerais das características do ciclo de vida dos migrantes e seus parentes deixados na origem, quanto fatores ligados às relações, per se, entre os membros geograficamente dispersos de uma mesma família ou domicílio (cuidado com as crianças, envio de remessas, relações conjugais, etc). Enquanto essa técnica já é bastante difundida nos países eminentemente receptores de migrantes – onde há ampla disponibilidade de informação censitária ou amostral sobre o tema – pouco se sabe a nível de informação na origem. Esse trabalho buscou mostrar, portanto, como a conjunção de três fontes de dados – o Censo de 2010, um survey representativo do caso estudado, e 20 pesquisas em profundidade – pôde dar indícios importantes sobre as famílias transnacionais de Governador Valadares. A intenção foi discutir, principalmente, como o quesito de emigração internacional do Censo 2010 pode ser utilizado para análises que vão além da estimação dos fluxos.

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Em primeiro lugar, notou-se que o Censo permite discorrer sobre a diversificação dos fluxos ao longo das últimas décadas, ao mesmo tempo em que dá informação acurada sobre a seletividade por sexo e idade do estoque de migrantes. É notável, entretanto, que, conforme demonstrou Campos (2014), há uma subestimação da população em idade não-ativa. É impossível determinar, com precisão, qual a proporção de crianças que emigram e que ficam na origem. No entanto, a análise dos domicílios deu indícios de que há boa parte dessas que ficam no domicílio com apenas a mãe, resultando em domicílios monoparentais, ou sob a guarda de outros responsáveis, resultando em domicílios estendidos.

De fato, a composição dos domicílios – a partir do Censo e survey -permitiu demonstrar que a migração internacional está ligada a arranjos específicos, que são diferentes daqueles associados à migração interna. Devido a custos e riscos que são específicos desses fluxos, mulheres e crianças são menos propensas a tornarem-se tied movers, resultando mais frequentemente em divisões do núcleo familiar.

Enquanto é impossível determinar uma relação de causa e efeito entre a migração e a configuração do domicílio, o uso das entrevistas qualitativas permite aventar algumas hipóteses. Se a princípio o caminho mais lógico seria pensar a ausência materna no domicílio como consequência da migração de mulheres, o que as entrevistas demonstraram é que a maternidade compartilhada pode ser um fator propulsor da migração feminina. Entre os entrevistados, todos aqueles que eram responsáveis pelos filhos dos migrantes na origem já o faziam antes mesmo da migração.

Além disso, a análise do quesito do Censo permitiu averiguar que existe uma diferença substantiva entre o nível socioeconômico dos domicílios com emigrantes nos Estados Unidos e Portugal. Além disso, enquanto para o primeiro destino emigram em maior proporção homens de meia idade nos níveis médios de renda, para o segundo há maior fluxo de jovens e adolescentes dos estratos mais empobrecidos. Finalmente, as entrevistas em profundidade reforçam a hipótese de que o fluxo para o país europeu é menos baseado em estratégias econômicas familiares claras, estando mais ligado a questões políticas, eminentemente individuais e menos premeditadas.

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Concluindo, percebe-se que o novo quesito de migração do Censo 2010 aliado a uma pesquisa amostral e outra qualitativa pode proporcionar importantes indícios sobre como se dão as inter-relações entre migração internacional e as dinâmicas familiares transnacionais.

Referências

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