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O Escritor post-modernista enquanto critico : Lucio Cardoso

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE PóS-GRADUAÇAO EM LETRAS LITERATURA BRASILEIRA E TEORIA LITERáRIA

O ESCRITOR POST-MODERNISTA ENQUANTO CRÍTICO: LÚCIO CARDOSO

ANA MARIA CORDEIRO

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O ESCRITOR POST-MODERNISTA ENQUANTO CRÍTICO: LÚCIO CARDOSO

D is s e rta ç ã o a p re s e n ta d a ao Curso de P ó s-G ra du ação em Letras - Literatu ra Brasileira e T e o ria L i t e r á r i a da U n i v e r ­ s id a d e F e d e r a l de S a n ta C a ta r in a p a ra o b t e n ç ã o do títu lo de "M e s tre em Letras", á re a de c o n c e n t r a ç ã o em L i t e r a t u r a B r a s ile ir a , s o b a o rie n ta ç ã o do P ro f2 Dr. Raúl Antelo.

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“O escritor Post-Modernisía enquanto crítico:

Lúcio Cardoso”.

ANA MARIA CORDEIRO

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título

MESTRE EM LETRAS

r

Area de concentração em Literatura Brasileira, e aprovada na sua forma

final pelo Curso de Pós-Graduação em Letras - Literatura Brasileira e

Teoria Literária da Universidade Federal de Santa Catarina.

Prof. Dr. Raúl Antelo ORIENTADOR

LuJ

7 /L

liz^Ani

Profa. Dra. Ana Luiz$Andrade COORDENADORA DO CURSO

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Raúl Antelo PRESIDENTE

___ /Li.

\J/L DmJ

Profa. Dra. Marilene Weinhardt (UFPR)

Prof. Dr. Marco Antonio Castelli

Profa. Dra. Maria Lúcia de Barros Camargo SUPLENTE

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a Raúl Antelo, pela orientação atenta e o diálogo aberto.

a Arlete Khoenen, que me ensinou os primeiros passos.

aos Professores do Curso, pelas orientações específicas du­ rante estes anos.

à família e aos amigos, pelo apoio infalível,

à minha mãe, Rafael e Lara pelo carinho e paciência ...

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V

SUMáRIO

I - INTRODUÇãO 8

II - LÚCIO CARDOSO E A CRÍTICA DO MODERNISMO 10

III - A ANGÚSTIA DO MODERNISMO 28

IV - LÚCIO CARDOSO E SEUS PRECURSORES 57

a) A Transformação do pensamento modernista 61 b) Lúcio Cardoso e a crítica a Charles Baudelaire 70

c) Da crítica a Edgar Poe 84

d) Ainda Poe 97

^e) 0 Diário do Crítico 106

V - PARA SAIR DO MODERNISMO 1 23

VI - BIBLIOGRAFIA 128

VII - ANEXOS - Lúcio Cardoso 145

a) Baudelaire 146

b) Edgar Poe 1 5 5

c) Ainda Edgar Poe 165

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R E S U M O

Este trabalho visa, fundam entalm ente, analisar e interpretar as tensões que se estabelecem na produção crítica do escritor brasileiro Lúcio Cardoso à luz da questão da influência. Para isso, foi utlizado o referencial teórico da teoria da in flu ê n cia de Harold Bloom como suporte do trabalho. Enquanto problema dos tempos modernos, a angústia da influência segundo a teoria bloomiana aparece na obra dos escritores, ora como uma repetição, ora com o um fantasm a assombroso ou mesmo como um ato revisionário da obra do precursor. As atitudes do artista podem ser múltiplas nesta relação em busca da identidade literária, porém o que caracteriza sua trajetória é o r e s u lta d o da o b ra , na t o t a lid a d e , d ife r e n te do(s) p r e c u r s o r ( e s ) . Num a t e n t a t iv a de t e s ta r os lim ite s de sta te o ria , e n saia m o s sua validad e, na produção crítica de um escritor brasileiro. Com isso, pretendemos abordar o modo como o escritor modernista se distanciou dos postulados de ruptura, ao m esm o te m p o que não deixou de te r uma postura crítica em relação à vanguarda. Ao resgatar a figura dos precursores, Lúcio Cardoso não somente analisa suas escrituras, como tam bém faz uma auto-análise crítica ao optar pelas lite ra tu ra s estrangeiras. C onsideram os, portanto , que a e s té tic a de Lúcio Cardoso, inferida nos c o n flito s m od ernistas, postula uma reinter- pretação das reflexões críticas que têm sido feitas, sobre o chamado segundo momento do modernismo brasileiro.

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vii

A B S T R A C T

The purpose of this dissertation is to analyse and interpret the te n sio n s th a t com e about in the c ritic a l w o rk of Brazilian w r ite r Lúcio Cardoso, according to the question of influence. In order to achieve th is purpose, the theoretical reference of Harold Bloom's The A n x ie ty o f Influ­ ence was used as basis. As a question of modern times, the anguish of the influence appears in the works of "w rite rs", according to Bloomian's theory, either as a repetition, or a haunting ghost, or even as reviewing a ttitu d e of the predecessors's w orks. The artist's attitudes can be varied in this rela­ tionship in the search of a literary identity. However, w hat characterizes his, or her search is the result of the w o rk as a w hole to the exte nt to w h ic h it is, different from the predecessor(s). In an a tte m p t to test the lim its of this theory, I tried its validity in the critical w o rk of a Brazilian writer, the aim of w h ic h is to approach the w a y the m o d e rn ist w r ite r d re w a w a y fro m the principles of rupture, even though he did not fail to have a critical attitud e to w a rd s the avant-garde. By reca pturing the fig u re of the predecessors, Lúcio Cardoso not only analyzes their w ritin g s, but also performs a critical self-a nalysis as he chooses fo re ign lite ra ture s. A cco rd in gly, I take into account th a t the aesthetics of Lúcio Cardoso, conclusive in m odernist con­ flic ts , requires a re-interpretation of the critical observations th a t have been done, about the so-called second period of the Brazilian modernism.

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/ - INTRODUÇÃO A m o d e r n id a d e é o t r a n s i­ tório, o fu g id io , o c o n tin g e n ­ te , a m e ta d e da a r te , c u ja o u tra m e ta d e é o e te rn o e o im utável. Charles Baudelaire

Pretendemos, neste trabalho, abordar as estratégias de leitu­ ra ou desleitura que se estabelecem ou se desenvolvem nas relações entre escritores e poetas, antecessores e seguidores.

Nesse sentido, partimos dos estudos de Harold Bloom quem alerta, em sua teoria sobre a angústia da in fluê ncia, para o processo de form ação do vir a ser poeta. Para ele, o poeta é o artista que busca uma melhor elaboração para sua estética, o escritor-novo que remonta nos pre­ cursores o modelo de uma fórmula.

Por isso, te n ta m o s num prim eiro m o m e nto ler esta teoria como um mapa explicativo das inserções literárias dos escritores novos em ascese. Num entrecruzamento de discursos com diversas vozes, destaca-se principalmente a figura do poeta maior como o precursor da tradição literária. O papel do precursor na teoria bloomiana é ser o responsável pela criação do modelo intelectual ao qual aspiram os "poetas menores".

Posteriorm ente, desdobram os o cen tro de nossa leitura a perspectiva analítica de alguns te x to s críticos do escritor Lúcio Cardoso. Utilizando como base os princípios da teoria da influência, no que concerne aos estágios revisionários do poeta, tenta-se mostrar nesse estudo como a "influência" exerce um papel determinante na escolha do precursor. No caso e s p e c ífic o , co m o o m olde dos p re d e ce sso res de lite ra tu ra s e s tra n g e ira s influencia a produção crítica e literária do novo poeta brasileiro.

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M u i t o e m b o ra L ú c io C a r d o s o s e ja um e s c r i t o r qu e pertença ao segundo m om ento do modernismo*11, fase que se caracteriza p rin c ip a lm e n te pelo n e oco nse rvad orism o po lítico e social, sua produção literária é uma fórm ula paradoxalmente dialética, esgotando desse modo as possibilidades de se criar parâmetros teóricos ou estanques para a literatura.

(1) É preciso fazer uma ressalva. Passarei a usar, daqui em diante, o termo "post-modernista" (ou post-modernismo), para designar o segundo momento do Modernismo. Não podemos confundir duas correntes diferentes e distintas: o post-Modernism o e o pós-Modernismo. O primeiro, o "post-modernismo" de Otávio de Faria, faz gerar uma literatura apressada e desarmônica, numa "fúria dispersiva". Conferir a esse respeito a "Mensagem Post-Modernista," in Lanterna Verde n9 4, RJ, nov. 1 936. Neste ensaio Otávio de Faria formula uma estratégia "post-modernista" de modo a atacar o movimento moderninsta. Esta é a característica básica que Nelson W erneck Sodré atribui ao movimento, em seu ensaio "O Post-Modernismo"(19 4 6 ), publicado na revista Literatura. E é assim que Nelson Werneck Sodré se posiciona sobre a agitação modernista: " dera tudo o que se podia esperar do movimento tão dispersivo e efetivamente, dera o suficiente para a preparação do meio na recepção do grande impulso renovador que se seguiu e que aqui batizam os, em bora tran sito riam en te, como o post-m odernism o" (p .5 ). O paradoxo para o movimento consistia exatamente em "repetir de maneira diversa, coisas de há muito conheci­ das". Podemos dizer que o post-modernismo é então uma virada na esquina histórica, onde a

"repetição" se depara. Não podemos confundir, como dissemos, "post-m odernism o" com o "pós- m odernism o" das sociedades pós-industriais que se caracteriza pelo "esgotamento" do impulso criador a p a rtir da.década. de 50. „Esse movimento de "esgotamento " 7 ^ ’Tva z i o ^ T õ " n a d a" e á falta de sentido para a vida é que constituem o ser "pós-moderno", diz Jean François Lyotard em seu livro O Pós-Moderno. Deste modo, o homem invadido pelo niilismo vivencial e pela falta de sentido para a história, entrega-se ao "presente e ao prazer" do consumo, vivendo a "crise da representação". Como não pode haver um fim ou fuga para a representação, Jean Baudrillard nos diz em seu livro América que " o momento mais brutal é o de que não existe mais razão para que se ponha um fim na história ..."(p. 12). Assim como o "pós-modernismo" vive o espetáculo da representação, o olhar vai se construindo em palavras, de tal modo que vai tecendo sua narrativa como uma rede. Enquanto oJ|post-modernismo" volta um olhar à tradição literária através da "repetição restauradora"^no movimento "pós-modernismo" e pós-industrial- ismo essa repetição transforma-se em "pastiche", numa saturação e na desindividualização do sujeito.

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// - LÚCIO CARDOSO E A CRÍTICA DO MODERNISMO

O q u e d is t in g u e a a t it u d e p ro fis s io n a l, da a m a d o rística , é a n o ç ã o a r t e s a n a í de continuidade. Continuidade não tanto de ação como de direção. Toda a titu d e p r o f is s io n a l se d e te rm in a p o r essa no ção de c o n t in u id a d e a r te s a n a í, e, n e c e s s a ria m e n te , p e la c o n s ­ c iê n c ia m o r a liz a d o r a do artesanato. Mário de Andrade

A tendência da crítica é amiúde acrescer julgam entos sobre o modernismo como a mais expressiva forma de manifestação e especialização dás artes no Brasil. Como é normalmente indicado, o m ovim ento já traz no nome o valor e o sentido de interdependência das regras e convenções que carrega como estandarte. Porém, estes são pontos que o tornam no tipo de parâmetro literário, capaz de estabelecer diferenças entre as artes modernas e as artes do passado. Estas diferenças são percebíveis porque procedem de diferentes direções estilísticas e convergem para a autopurificação de suas regras.

Acreditar que só a Semana de Arte Moderna representou o Modernism o já não pode mais ser admitido. Mas, considerar que a semana foi a chave motriz do movimento, o "gatilho que faria a Paulicéia Desvairada e s to u r a r" pode ser c o rre to , no e n ta n to , este f a to te v e seus po ssíveis an tece de nte s e de sdobram entos. Se an te rio rm e n te à Semana já havia se formado um clima propício à eclosão modernista, os desdobramentos gerados pelo movimento é que irão estabelecer a maneira peculiar de identificar suas manifestações. E uma delas é a tensão que existe entre as forças antagônicas dos d ife re n te s grupos, que atuam dentro do m ovim ento . São fo rç a s que

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oscilam entre a ruptura e a c on tinu id a d e dos m odelos lite rário s, entre o exportar ou im portar estes modelos, nacionalizar ou internacionalizar a arte que estava se produzindo no país, entre a pesquisa estética e a social. Na verdade, não existe um tip o de estilo próprio do m ovim e n to , mas sim das ten dê n cia s e s tílistica s que con tribu íra m para a com preensão da e sté tica m o d e rn is ta . As c o n v e n ç õ e s a d ota da s por essas te n d ê n c ia s passam da pesquisa teórica sobre a linguagem a um estudo dos artefatos históricos e estilísticos que envolveram o movimento.

Os prolongamentos ou desdobramentos dessas pesquisas e suas possíveis inserções ideológicas são ainda uma problemática presente. Só encarando o problema desta perspectiva, é que podemos entender porque o modernismo, caracterizou-se não só pelos efeitos revolucionários que gerou nas a rte s em g e ra l, mas ta m b é m pelo m o d o c o m o t e n to u m a n te r a insustentabilidade e a constante renovação da arte, na busca inconsciente de uma tradição. As tentativas dessas tendências são associadas aos conceitos e conjuntos de idéias que formam a imagem central e básica que se tem do modemismo^Correntes de vanguarda, grupos estéticos, perspectivas sociais, estudiosos da linguagem e de seus desdobramentos, ficção regionalista ou discurso e s p iritu a lis ta , conservadores de direita ou esquerda, inovações literárias e abordagens telúricas são alguns temas que norteiam a idéia que se tem do movimento. Através do seu ritmo moderno, a vida brasileira parece ter transbordado de arte nacional e a perspectiva cultural desse período se acentua e se firma por sua crescente necessidade da especialização da arte.

Em resumo, o modernismo parece ter sempre dem onstrado evitar a dependência cultural de qualquer tipo mas, ao utilizar seus métodos específicos e os processos da autocrítica e autopurificação, propõe ou expõe um a gê ne se f o r m a l de sua tr a d iç ã o . A c o n d iç ã o para se e n t e n d e r o

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modernism o está interligada ao conceito de tradição moderna, lugar onde tudo começa sempre com o surgimento do novo ou de novo e de certa forma ta m b é m com um valor novo. A essa idéia do novo, sem pre associam os o primeiro m om ento modernismo: Semana de A rte Moderna, m anifestos de vanguarda, efervescência política e cultural. Quanto às direções tomadas pelo m ovim en to após 1 93 0, diz a crítica que essa fase foi responsável pela fre a d a no p ro c e s s o h is tó ric o e a r tís tic o do m o v im e n to . S e g u nd o alguns críticos, os escritores dessa fase são modernistas conservadores, espiritualis­ tas, elitistas, "rebuscadores de estilo, simbolistas e subjetivistas de emoções arcaicas". A força de tais artistas, dizem eles, parece estar determinada pelo seu polo negativo, opondo-se ao aspecto positivo do primeiro modernismo. O que a crítica parece ignorar é que "aonde vai uma van g u a rd a ,g e ra lm e n te encontram os também uma reta gu arda "1, diz Clement Greenberg. Acredito que esta é a fu n ç ã o de alguns e s c rito re s desse s e g u n d o m o m e n to do modernista: não ser conformista como rege as leis do movimento, mas abrir as portas à subjetividade e expandir-se da poesia para a prosa, como forma de libertação. Ironicamente, muitos desses escritores são frequentem ente ac u s a d o s de um c e rto a ris to c ra c is m o m e n ta l, po ré m , via de regra, é o próprio Mário de Andrade que confessa no "Movim ento Modernista":

Meu aristo cracism o me puniu. M inhas in te nçõ es me enganaram. Vítima do meu individualismo, procuro em vão n a s m in h a s o b ra s , e ta m b é m n a s de m u ito s companheiros, uma paixão mais temporânea, uma dor mais viril da vida. Não tem. 2

A c h o que assim p o d e re m o s c o m e ç a r a d ilu ir um a das tantas resistências críticas que têm sido feitas contra a produção artística deste segundo m om ento e que se tem gerado durante m uito te m p o na concepção de nossos estudiosos. Parece não haver dúvida de que a produção

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l i t e r á r i a q u e se a s s o c ia aos e s c r i t o r e s d e s s a f a s e s e ja de b a s e eminentemente elitista. Não nos cabe aqui, fazer uma defesa do continuismo literário desses escritores, apenas mostrar algumas dessas críticas:

Tais autores se m ostram com o que entregues às sua em oções arcaicas, que de m aneira m u ito curiosa são id e n tifica d o s com a im pressão de pesadelo pro du zid o p e la s ve lh a s c id a d e s em d e ca d ê n cia . A s raíze s da p e rs o n a lid a d e se a p re s e n ta m c o n fu n d id a s co m as

raízes da nossa formação social ...3

Ao te n ta r resistir a esta fase m odern ista e de fo rm a tão recrudescente, o que demonstra tal atitude crítica é a de querer deletar da h is tó ria este m o m e n to lite rá rio . O que este s c r itic o s parecem não te r percebido ainda, é que eles são também os responsáveis pela construção de uma crítica formal, de posição conservadoramente tendenciosa e recriadora dessa tradição.

E é dentro desse c o n te x to que surge, oriundo do grupo d is s id e n te m ineiro, ta m b é m cha m a d o " g ru p o do R io", o e s c r ito r Lúcio Cardoso. Porém ele, assim com o outros poucos escritores desse período, conseguiram perpassar essa visão historicamente tradicional do modernismo, os quais via de regra, já não podem mais ser negados ou esquecidos. É evidente que m uitos deles foram responsáveis pelo estado de crise que se in s ta lo u na c u ltu r a do país, p a s s a n d o dos p r im e ir o s d e s v a ir is m o s ao d e s e n v o lv im e n to de uma lite ratura classicizante. Porém, com o para tod a regra e xiste exceção, os m odernistas dessa segunda fase não devem ser an alisa dos de fo rm a geral, com o se to d o s de ve sse m p a r tic ip a r de um mesmo processo de expurgação literária.

modernismo foi um movimento que tentou destruir certos padrões, construir ou reconstruir uma identidade para nossa cultura. Nesse

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sentido, se num primeiro m om ento se caracterizou pela ansiedade de criar um perfil cultural, no segundo, o que se apresenta é a angústia gerada por uma c o n s c iê n c ia c o n s e rv a d o ra m e n te c rític a . V e rific a m -s e , p o rta n to , no quadro geral da crítica ao movimento, várias tendências que tentam defini-lo. Para tanto, devido à complexidade com que é analisado o m odernismo e seu estilo, to m a m o s com o ponto de referência e para reflexão sobre o assunto, aspectos relevantes que são destacados por alguns críticos.

Mr Prelim inarm ente, to m a m o s a posição do c rítico João Luiz La fe tá por c o n s id e ra r que o m o v im e n to no Brasil te v e dois m o m e n to s d is tin t o s que o d e te rm in a m e c la s s ific a d o s c o m o a fase do "p ro je to e s té tic o " e a do "p ro je to id e o ló g ic o " 4. Na sua opinião, o m o d e rn is m o enquanto movimento artístico representou, num primeiro momento, uma fase puramente voltada à elaboração e construção da forma literária. Deste modo, os e s c rito re s ou artistas deste período de m onstram que não e stavam só preocupados com a pesquisa dos sons ou tons, mas principalmente em fazer com que sua produção artística funcionasse como uma harmoniosa crítica à velha linguagem. Num segundo momento, o m ovim ento se dirigiu mais à questão ideológica e social. Nesta con ceitu açã o crítica , o m odernism o é entendido como um processo de transform ação estética e não como um desequilíbrio das formas canonizadas da literatura. Esta preocupação com o aperfeiçoam ento da técnica, tentava não apenas uma aproximação com os m o v im e n to s de va n g u a rd a , mas ta m b é m p ro c u ra v a a tra v é s de suas rupturas mostrar as m odificações e diferenças operadas na linguagem en­ quanto forma de expressão. A construção de uma nova linguagem como repre se n tan te da consciência de classe foi o que ta m b é m ca ra cterizo u o m ovim ento como um projeto ideológico. Porém, este projeto representava

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ainda os anseios e críticas a um velho tipo de com portam e nto que oscilava entre o passadismo e a crescente ascensão do capitalismo.

Assim, o modernismo resgatava elementos do popular para mostrar que a arte deveria ser incorporada à vida cotidiana como form a de m a n if e s t a ç ã o c u l t u r a l . Essa b u sca se da va e s p e c ia lm e n te a tr a v é s da linguagem que rompia as normas ou fórm ulas poéticas, criando uma típica m a n ife sta çã o local ou, se quiserm os, nacional, ligada às m o d ifica çõ e s o p e ra d a s na lin g u a g e m . P o rta n to , o que L a fe tá nos m o s tra é que o modernismo enquanto escola teve dois m om entos: num primeiro, tenta-se c o n s tru ir uma beleza e um refin am e nto e s té tic o para a lite ra tu ra ; e num segundo, a c o n s tru ç ã o de uma identidade ideológica, v o lta da para uma "consciência de classe" que brota através das palavras como um germen de união e reconhecimento comum. Este caráter "localista" da arte pode ser entendido como a busca da identidade perdida e que tenta resgatar na "arte p rim itiv a " um dos suportes do m ovim ento . A ssim , o m odernism o exigia também a assimilação dos elementos "do popular e prim itivo", como forma de atravessar ou transformar a arte durante seus revolucionários anos.

Tentando abarcar e com plem entar as duas correntes mais significativas que o identificam - estética e ideológica - o m odernismo se apoia principalm ente na disseminação da cultura, uma crítica estética que invalida to d o s os direitos e valores da arte industrializad a. O m o v im e n to s u b s t it u i os c o n c e ito s de " k its c h iz a ç ã o e r o t in iz a ç ã o " da a rte pela intelectualização da linguagem. A comercialização da cultura deve ser evitada com o p re s s u p o s to básico para o e n te n d im e n to dessa v a n g u a rd a que procura economizar as palavras rompendo a linguagem tradicional, e de tal form a, s is te m a tiz a r e sin te tiza r tam b ém os pensam entos. Desse modo, seus dois projetos exerceram o papel de "consciência da linguagem" numa

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época de mudanças radicais, ou ainda na formação de uma "pré-consciência n a c io n a l". Esta con sciência foi assumida por seus in te le c tu a is , ta n to os v a n g u a rd is ta s que d e fe n d ia m o ro m p im e n to da lin g u a g e m de fo rm a canonizada, ou os mais conservadores e admiradores do academismo. Eles entenderam que seu papel não podia mais se restringir apenas a refletir s o b re as p a la v ra s , mas ta m b é m era p re c is o a g ir s o b re e la s. E fo i justamente na literatura que a marca do modernismo se assinalou mais forte; no primeiro momento, do "projeto estético" para Lafetá, "a década de vinte inaugura no Brasil a nossa modernidade"5. Na fase do "projeto ideológico", o m o v im e n to a s s im ilo u a "p ro b le m á tic a p o lític a e s o c ia l" causada pela transformação da esfera pública em Estado Novo.

S in te tiz a n d o esta c rític a , c o n c lu ím o s que num p rim e iro in s ta n te a preocupação m od ern ista se v o lto u quase tão som ente para a elaboração técnica como form a de expressão. No segundo, a preocupação voltou-se para analisar o m om ento político que atravessava o país e a se indagar sobre as verdades consideradas a nível da consciência humana. Com este espírito, grande parte dos intelectuais modernistas demonstraram em seus escritos a preocupação ou desilusão de nossa miséria nacional.

Seguindo a trilha da crítica literária encontram os a opinião de José Guilherme Merquior, para quem o modernismo é uma manifestação ou produção de arte m oderna, um p ro du to da "idade de ouro da poesia bra sileira ". Interessante é observar que, para ele, ser m od ernista passa necessariam ente pela con dição de ser moderno, vale dizer, ser m oderno i m p l i c a s e r t a m b é m m o d e r n i s t a . N e s te p a c t o n ã o v a le só t e r o conhecim ento da técnica, ao contrário, requer tam bém fazer bom uso de seu conteúdo. Um dos pontos mais interessantes do modernismo que ele

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le v a n ta são as c o r r e n te s que p e s q u is a m nas lin h a s do " a le g o r is m o polissêm ico", uma form a de marca do experim entalism o de vanguarda. O estilo do m ovim ento distingue-se especificam ente através de cinco tipos de c o rre n te s que atu a m s im u lta n e a m e n te d e n tro dele. São as c o rre n te s , principalmente, do primeiro m om ento e alguns "m odernos" da geração de 45, que diferem inversamente por suas tendências e conflitos de estilos literários. Esses grupos são considerados como expoentes e representantes de uma atitude estética da modernidade - ou podemos dizer - do modernismo - cujas marcas mais significativas são a tentativa de uma "nacionalização d e f i n i t i v a da lín g u a l i t e r á r ia " . Essas c o r r e n te s são e s q u e m a tiz a d a s e cla ssifica da s segundo suas tendências estilística s e assim divid ida s em c in c o g r u p o s : - "a c o r r e n te a n a r c o - e x p e r im e n t a lis t a ; a do n a c io n a l- primitivismo; a do grupo dinamista; a corrente espiritualista e antiprimitivista; e a do grupo do re g io n a l-m o d e rn is m o "6. Estas fo rm açõ es de te n dê ncia s literárias não podem ser consideradas homogêneas. Ao contrário, coexistem no m esm o m o v im e n to , porém d e m o n s tra m c a ra c te rís tic a s e s p e c ífic o - experimentais que as diferenciam entre si.

O crítico compreende o texto modernista como um produto da arte moderna e sobre ele atuam três linhas de forças que o movem : "o ludismo, a mímese e o alegorismo polissêm ico7". Essas forças, no entanto, não agem isoladam ente; elas se interagem , fazendo que seu estilo seja apontado como marco de uma fase de conversão e transformação na história da li t e r a t u r a b r a s ile ira . D e te rm in a d o pelas c ris e s e x p e r im e n ta is dos conturbados m ovim entos das "vanguardas fin de race" e pelas mudanças sociais da década de 30, o modernismo é ainda a tradição mais viva dessa histó ria . É tradição, pois além de se perseguirem ainda alguns ideais da e s tirp e ro m â n tic a , traz ta m b é m em seus p o s tu la d o s uma p ro p o s ta de

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rompimento com a formulação clássica da literatura.

O que chama a atenção na proposição de José Guilherme M e rq u io r é dizer que não ace ita a tese de que o m o d e rn is m o fo i um m ovim ento que sofreu as influências do romantismo. Esta é uma posição c r it ic a m e n t e id e a lis ta c o n tr a o fa n ta s m a r o m â n t ic o e ao q u a l ele se contradiz ao afirm ar que "o romantismo dos modernos enquanto rebeldes heróicos, protagonistas do mito da anti-história, não é nenhum rom antism o a u tê n tic o : é apenas um n e o-rom antism o espectral com o to d o s os neo-rom antism os" 8. Consideramos que o m ovim ento neo-rom ântico não pode ser analisado como um rom antism o autêntico devido às várias tendências que agem dentro de um m ovim ento artístico. Como pode sugerir então o crítico que o m o d e r n is m o não a p re s e n te ta is c a r a c te r ís tic a s ? N ega r que o m o d e r n is m o ta lv e z te n h a s o f r id o in flu ê n c ia s r o m â n tic a s é ta m b é m c o n flitiv o . O que im p orta saber é que o m o v im e n to não foi uma mera cópia do modelo antigo, ao contrário, distorceu seus ideais, modificou suas estruturas métricas e narrativas, acrescentando-lhe sempre algo novo. Isto é fa to que ocorreu, portan to, já não im porta à nossa crítica o papel da suposta imitação do modelo romântico, mas sim a concordância de que o m odernism o, enquan to vanguarda literária, coloco u q u e s tio n a m e n to s e direcionamentos estéticos que são determinantes para considerá-lo como um m o v im e n to com cara cterísticas próprias. M edido por esses princípios, o modernismo poderia ser considerado também como uma crítica nostálgica da bu rgu e sia à b u rg u e s ia . A s s im , não é c e rto dizer, a e x e m p lo de W ils o n Martins, que a posição dos modernistas da chamada geração de 45 :

...e ra d e lib e ra d a m e n te a n tim o d e rn is ta e a ssim fo i tom ada em seu pe ríod o de esplendor, ainda que se re g istre m , nos ú ltim o s anos, do is e s fo rç o s c o m p le ­ m entares de reconstrução histórica: um, para

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concilia-19

la, em vez de opô-la, ao M odernism o; outro, para criar- lhe, retrospectivam ente, uma doutrina coerente, tenta­

tiv a s , d e s n e c e s s á rio a c e n tu a r, in c o n c iliá v e is e contraditórias entre s i.9

E x te n d e n d o um p o u c o m a is n o s s a r e f le x ã o s o b r e o modernismo verificamos, na posição do escritor Antônio Cândido, uma análise histórica sobre o m ovim ento no Brasil. Na sua opinião os anos 3 0 foram d e te rm in a n te s para o m o v im e n to , pois " fu n c io n o u co m o um e ix o e um c a t a lis a d o r " para a c u ltu r a e desse m o d o a re v o lu ç ã o te v e um papel fundam ental nas transform ações culturais que ocorreram no país. Segundo ele, foi d e te rm in a n te e im p o rta n te porque durante este período houve um maior engajamento dos artistas e intelectuais ao "m anifestarem na sua obra esse tipo de inserção ideológica". Este engajamento se deu através de um processo de "radicalização e rotinização", gerando desta forma uma maior unificação cultural. A literatura passou a conviver e a se relacionar mais de| p e rto com os p ro b lem a s e as id e o lo g ia s n a c io n a is . Esta a titu d e lite rá ria contribuiu para que as "inovações" reivindicadas pelo modernismo fossem ajustadas ao m om ento o que "ocorreu em dois níveis: um nível específico (...), e um nível genérico".10

Neste sentido tanto Antônio Cândido quanto João Luiz Lafetá chamam a atenção para as duas grandes tendências que atuam dentro do movimento modernista. Podemos até fazer um ponto de aproximação entre a defin ição de A. Cândido de "nível e s p e c ífic o " e "nível g e n é ric o ", e a de "plano estético" e "plano ideológico" de João Luiz L a i e t á . Ambos entendem o

m odernismo c o mo uma fase em que se impôs o esgotam ento das posições recalcadas da cultu ra brasileira. Estas posições são representadas pelo a c a d e m is m o d o e n te que se te n ta v a p re s e rv a r nas fo rm a s c lá s s ic a s da e s c r itu r a . A o m e s m o te m p o , a lite r a t u r a se e n c o n tr a v a d i s t a n te das

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transformações sociais que já estavam acontecendo no país. As atitudes de ru p tu ra com os c o m p o rta d o s padrões da e lite b ra s ile ira fez com que os intelectuais, em sua grande parte, bebessem do cálice da agitação modernista e com arrogância particular levassem à tona o projeto de rompimento com os antigos padrões literários.

Para tanto, a expansão e a repercussão da literatura, ou ainda das "teorias da vanguarda", nas reformas educacionais dos anos de 1930, s e r v i r a m pa ra d e s e n v o l v e r no s le it o r e s " u m a v is ã o r e n o v a d a , n ã o - c o n v e n c io n a l, do seu país, v is to com o um c o n ju n to d iv e r s ific a d o mas solidário". Neste sentido, destaca-se sobremaneira a proliferação de editoras, especializadas em livros did á tico s, literários e de cunho s o c io ló g ic o entre outros. Deste modo ocorreu a nacionalização e a industrialização do livro, um f a to que não pode d e ix a r de p ro v o c a r um e fe ito a nível c u ltu ra l. E esse aspecto, segundo A ntô nio Cândido, foi positivo "graças à difusão do ensino m é d io e t é c n i c o ( . . . ) de a c o r d o c o m as n e c e s s i d a d e s n o v a s do desenvolvimento econômico".

Porém, este novo modo de começar a ver o Brasil, traz uma consequência que, na sua opinião, abre novas perspectivas e conceitos sobre a cultura local. Uma dessas consequências "foi o conceito de in te le ctu al e artista como opositor, ou seja, que o seu lugar é no lado oposto da ordem es ta b e le c id a " . 11 Esta consciê ncia para os artistas e in te le c tu a is da época provocou sim ultaneamente tensões e/ou conform ism os por parte de alguns, in c lu s iv e porque m u ito s deles fo ra m de spre zados ou " c o o p ta d o s pelos g o v e rn o s p o s te rio re s a 1 9 3 0 . . . " A lém do e n g a ja m e n to c u ltu r a lm e n te antagônico de seus artistas, os anos 30 podem ser ainda considerados tão forte m e nte marcados pelas tendências modernistas, quanto a efervescente

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produção artística de seus primeiros anos.

Consideramos, a essa altura do trabalho, que o campo de discussão sobre o modernismo extrapola os limites que a crítica ten ta lhe impôr. No entanto, não acho prematuro afirm ar que uma das leituras mais ap ura das sobre a segun da fase m o d e rn is ta , seja a do c rític o S ilv ia n o Santiago. Um dos aspectos mais interessantes que ele levanta, se refere ao m odo de a p re s e n ta r e tr a n s fo r m a r "a fo rç a fa ta l do m o d e rn is m o num a tradição modernista". Essa "força modernista" foi guiada e analisada por caminhos de "leituras e interpretações" sobre o controve rtid o m ovim ento e que t e n t a v a m " r e a f ir m a r ou n e g a r " . No e n ta n to , o que e s ta a t it u d e conseguiu foi transformar sua "força numa forma m odernista".12

Para ele, a trad içã o e form a se co n fu n d e m num m esm o s i g n i f i c a d o , n u m m e s m o s e n t i d o . A f o r m a m o d e r n i s t a é a d o t a d a , principalm ente, pela geração que, por volta de 1 9 4 5 , surge "v is iv e lm e n te influenciada pela estética m odernista". Porém, ao tentarm os aprofundar um pouco mais sua reflexão, verificamos que a tradição modernista não pode ser separada dos laços que ela m antém com seus precursores, ou com o os chamou Silviano Santiago "pais espirituais". Portanto, estamos no ponto em que as palavras podem até se confundir entre significados e seus valores. E para que elas não se percam, adotamos a substituição de significados, ou o que Harold Bloom chama de "tropos substitutos" 13 da palavra "influência".

Na teoria bloomiana, a questão da "influência" artística é o eixo principal para seu desenvolvimento. Na sua opinião, para se compreender o sentido de " influência", podemos substitui-la pelo " tropo s u b s titu to de trad içã o ". Se refletirm os sobre os significados dessas palavras, verificam os que elas se equivalem. E seguindo essa linha de análise, podemos do mesmo modo susbtituir o termo utilizado por Silviano Santiago, quando se refere aos

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"pais e s p iritu a is " pelo te rm o bloom iano "p re c u rs o r"? A c re d ito que assim podemos considerar, pois não será esta a posição do crítico brasileiro quando se refere ao escritor Oswald de Andrade:

... d e n tro do m o v im e n to de 2 2 , era o ú n ic o que faiava com destem or da influência como autonom ia do in flu e n c ia d o , dos d é b ito s sem d ú vid a na c o n ta c o r­ re n te do a u to r e do s c ré d ito s que e m b a ra lh a m as colunas no livro de contas. 14

A visão do modernismo como "dependência" tam bém pode ser en ten dida com o "in flu ê n c ia " literária que por sua vez nos rem ete ao termo "direito permanente à pesquisa estética". Nesse caminho da pesquisa m uitos modernistas trilharam, m uitos em busca de uma nova força para o movim ento. Outros tentando seguir os passos de seus "pais espirituais" se reb e lara m c o n tra sua " i n f lu ê n c ia " , passando desse m od o a negar ou reafirm ar o modernismo. Portanto, para se entender o sentido da influência, não como uma imitação, mas sim como uma fórm ula da "tra d içã o ", faz-se necessário dar aqui a definição de Harold Bloom:

A "in flu ê n c ia ", ao s u b s titu ir a "tra d iç ã o ", dem onstra que so m o s a lim e n ta d o s p e la d is to rç ã o , e não p e la s u c e s s ã o a p o s t ó lic a . A " i n f l u ê n c i a " d e s p o ja e desidealiza a "tra d iç ã o ", nao p o r aparecer com o uma in te re s s a n te d is to rç ã o da " tra d iç ã o " , m as p o r n o s m ostrar que não se pode distinguir a tradição do ato de c o m e te r e rro s so b re a a n te rio rid a d e . Q u a n to m a is exa lta d a é a tradição, m ais fla g ra n te s se to rn a m os erros. A rris c a re i a 'te se de que só os p o e ta s m enores ou fracos, aqueles que não ameaçam ninguém, podem se r lid o s com precisão. Os p o e ta s fo rte s devem se r des-lidos ... 15

Dessa forma, entendemos que a denominada geração do segundo m omento modernista, não fez apenas uma leitura, mas ao mesmo te m p o , fez uma d e s -le itu ra do m o d ern ism o, precisa em algu ns e ta lv e z desnecessária em outros. Porém, essa exigente des-leitura como um " ato

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revisionário" do movimento, ou como uma caricatura da chamada tradição, nos fa z p e n s a r que ela se a lim e n ta , m u ita s v e z e s , de suas p r ó p r ia s interpretações e traições. Essa atitude revisionista do modernismo, em forma de a u to -c rític a , tem a fun çã o de reduzir o discurso da tra d iç ã o m oderna, interligado à história literária, através de um processo de "p u rifica ção " da a r te . Esse t i p o de d i s c u r s o a tu a n u m e s p a ç o de l u t a s t e ó r i c a s e interpretativas, onde o paradoxo da consciência modernista se bifurca em constantes dilemas de "negação e afirmação" ou "destruição e construção". Concluímos que o olhar modernista vigia seus próprios passos, tenta ndo re a firm a r um d is c u rs o da oralidade, ou da re s ta u ra ç ã o do seu passado cultural. No entanto, não podemos acreditar que esse mesmo olhar tenha passado despercebido nos escritores da geração de 45. Além disso, o mais importante, diz Silviano Santiago em outro artigo, é "que não precisamos ir à geração de 45 para ver a presença nítida de um discurso de restauração do passado dentro do modernismo". O movimento é, em todas as suas fases, a construção ou reconstrução de uma tradição ou influência estética, sob o olhar vigilante dos pais espirituais da História Literária.

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NOTAS

(1) Por outro lado, além deste fenômeno cultural de "retaguarda" que pode surgir de um m ovim ento de vanguarda, o crítico americano diz que, no ocidente surgiu ainda outro fenômeno como produto da revolução industrial, o "k its c h " cultural "que urbanizou as massas (...), e estabeleceu o que se denomina de alfabetização universal", cf. GREENBERG, C le m e n t. " V a n g u a rd a y K i t s c h " , in A r t e y C u ltu ra : en savos c r í t i c o s , tr a d u c ió n de J u s to G. B e ra m en di, Barcelona, Gustavo Gili, 1979, p.17.

(2) No questionam ento sobre as origens do pensamento,Mário não se imagina como um político de ação, mas o intelectual que cultiva o prazer individual e represa sentimentos, impondo os seus próprios lim it e s : "O meu p a s s a d o não é m ais m eu c o m p a n h e ir o . Eu d e s c o n f i o do m eu p a s s a d o " , v e r A N D R A D E , M á r i o de. "M o vim e n to M odernista", in Aspectos da Literatura Brasileira. 5 a ed., São Paulo, Martins, 1974, p.278.

(3) Ver a esse respeito o ensaio de Rui MOURAO. "A Ficção Modernista de M inas". In: O Modernismo. São Paulo, Perspectiva, 19 75, p.

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(4) Um exame comparativo da tensão que se estabelece entre as duas fases do Modernismo, é analisado por Lafetá, a partir dos pressu­ postos form alistas e da consciência pragmática da história

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t e n t e e n t r e as d u a s : " e n q u a n t o na p r im e ir a a ê n f a s e das

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discussões cai predominantemente no projeto estético (isto é, o que s,e discute principalmente é a linguagem), na segunda a ênfase é sobre o projeto ideológico (isto é, discute-se a função da literatura, o papel do escritor, as ligações da ideologia com a arte). LAFETá, João Luiz. "Da Fase Heróica aos Anos Trinta", in 1930: A Crítica e o Modernismo. São Paulo, Duas Cidades, 1974, p. 17.

(5) idem. Para os modernistas a utilização dos novos procedimentos de ruptura da trad ição literária, através da tensão entre o pro je to e s t é t i c o e o p r o j e t o i d e o l ó g i c o f o i i m p o r t a n t e , p o r q u e "demonstrou possuir uma visão abrangente da arte, que a quer ao mesmo tempo estrutura estética, expressão do indivíduo e função social", p.137.

(6) Ver a esse respeito MERQUIOR, José Guilherme. "O Modernism o B ra s ile iro " , in O fa n ta s m a r o m â n tic o e o u tro s e n s a io s . Rio ,de Janeiro, Vozes, 1980, p. 126.

(7) idem . ib id em . O c o n c e ito de "a le g o ria " do qual se u tiliz a m as vanguardas, têm o objetivo de oferecer a obra de arte como um artefato, como um produto artístico. Se considerarmos o conceito benjaminiano, veremos que o alegórico desvia um elemento de sua to talidade , fragm enta-o. Por ou tro lado, te n ta criar um espaço para esses elem entos, fo rm a ta n d o -o s e criando um mosaico. A ten são que se gera entre esses dois m om e ntos, correspo nde a

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interpretação ou uma "expressão de melancolia", pág. 122.

(8) idem, ver "O Fantasma Romântico", p.54

(9) Cf. em W ils o n M A R T IN S . A C rític a lite r á r ia no B r a s il. Rio de Janeiro, F. Alves, 19 83, p.599. Para ele, a "geração de 4 5 " , foi antes de "mais nada um retorno ao esteticism o e à retórica (...) marcando, com clareza e decisão, o primeiro passo em direção ao formalismo".

(10) Neste sentido, as "inovações" trazidas pelo Modernismo, dividem a história da literatura brasileira em três etapas: de 1900 a 1922, de 1 9 2 2 a 1 9 4 5 , e a te r c e ir a e ta p a que c o m e ç a em 1 9 4 5 . " A primeira etapa pertence organicamente ao período que se poderia chamar Pós-romântico (...), enquanto as duas outras integram um período novo, em que ainda vivemos: sob este ponto de vista, o século literário com eça para nós com o M o d e rn is m o ", ver em A n tô n io C â N D ID O ."L ite ra tu ra e C u ltu ra de 1 9 0 0 a 1 9 4 5 " , in Literatura e Sociedade. 7a ed., São Paulo, Nacional, 1 985, p. 112.

(11) idem. "A Revolução de 1 93 0 e a cultura", in A Educacão pela noite e outros ensaios. São Paulo, Atica, 1987, p.195.

(12) Silviano SANTIAGO. "Calidoscópio de questões". In: Sete ensaios sobre o Modernismo. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 26.

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(13) cf. BLOOM, Harold. "A Necessidade da Desleitura". In: Cabala e C rític a : tra d uçã o de M onique Balbuena. Rio de Janeiro, Imago, 1991, p. 112-13.

(14 ) v e r em S ilv ia n o SA N TIA G O , op. c it., p.2 6 . Para ele, a "v is ã o o s w a ld ia n a do p a s s a d o ", encara a tra d iç ã o lite rá ria c o m o um fenômeno de "dependência, que finalmente traduz a própria razão precária da força fatal modernista a partir de 1 9 4 5 ".

(15) BLOOM, Harold. op. cit. Com relação a " in flu ê n c ia " , H. Bloom elaborou uma trilogia sobre a teoria da influência poética, e diz que "Ser influenciado é ser ensinado e, se é certo que todos nós, em qualquer idade, precisamos continuar aprendendo, toleram os cada vez menos que nos ensinem alguma coisa, à medida que vamos ficando velhos e rabugentos." p. 113.

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I II - A ANGÚSTIA DO MODERNISMO

A Lite ratu ra é, e não po de ser o u tr a c o is a , s e n ã o u m a e s p é c ie de e x te n s ã o e de a p lic a ç ã o de c e rta s p r o p r ie ­ dades da Linguagem.

Pau! Valéry

0 que pode distinguir ou estabelecer uma ligação entre a Literatura ou a História Literária e os outros campos das ciências humanas? I n i c i a l m e n t e c o l o c a - s e a H i s t ó r i a L i t e r á r i a c o m o c o a d j u v a n t e no agrupamentos de conjuntos literários nacionais. Desta perspectiva podemos dizer então que existe um vínculo entre história e a literatura contemporânea, isto é, aquela que está se produzindo viva e atual. O fato de a literatura ser um tip o de escrita cria tiv a ou fic c io n a l, não im plica dizer que as outras ciências humanas não possam também ser escrituras imaginativas. Assim sendo, podem os cara cterizar que, de um lado, haveria os p ra tic a n te s da História Literária, da qual se serve o Historicism o tradicionalista buscando sem p re e x p lic a ç ã o para a obra, com um c o n c e ito de " v a lo r lite r á r io " , plausível de estudo. Percebemos que neste processo de estabelecer normas e leis tradicionais para a literatura, os seus teóricos confundem "historicismo com historicidade", conform e a definição de Y. Tynianov em seu ensaio "Da evolução literária"1. Tynianov define o historicismo como o cânone literário, onde a obra se insere dentro de uma forma e regras que devem ser seguidas como uma doutrina ou submissão ao sistema por aqueles que desejam seguir o c a m in h o lite rá rio . Por o u tro lado, T ynia n o v nos ap rese n ta ta m b é m os representantes de um outro tipo de história literária, a historicidade, isto é, aquela que se apresenta de form a não estanque e emergente. É ela que esquematiza e isola, num determinado contexto histórico e social, o ponto de

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vista do "observador literário" não permitindo que a literatura seja vista como algo pronto e lapidado. Ao contrário, como um processo de evolução no qual a própria literatura vai sendo substituída por uma gênese de fenômenos inter e extra-literários que se renovam continuamente, através de uma ordem onde o escritor encontra em sua obra dizia Valéry " o sentir, o aprender, o querer e o fazer".

O que acontece então é que a literatura, diferentemente das outras ciências emprega a linguagem de maneira própria e peculiar. Esta concepção passou a ser defendida pelos form alistas russos e teorizada por Roman J a k o b s o n su p o n d o que " na lite ra tu ra a e s c rita re p re s e n ta uma violência organizada contra a fala com u m " e assim se afasta to talm en te do d is c u rs o c o tid ia n o . Este p rin c íp io de d e s c o n fo rm id a d e e n tre o uso e a definição daquilo que é considerado como literário, foi a base do form alism o cujas idéias era dar uma classificação científica e uma aplicação lingüística ao estudo da literatura e a estrutura da língua. O princípio básico do formalismo poderia ser caracterizado por não considerar a "form a como expressão do conteúdo", mas sim num processo de inversão desta relação, o "conteúdo é que era a motivação da forma (...)"2

Assim, os form alistas passaram a considerar a obra literária c o m o um a reu nião de a r tifíc io s onde se in c lu e m , c o m o um e s to q u e de e le m e n to s lite rá rio s fo rm a is , a rim a, o ritm o, a s in ta xe , e n tre o u tro s , p ro c e d im e n to s esses que tin h a m c o m o e fe ito o que d e n o m in a ra m de "e s tra n h a m e n to " (ostranenie). Este tipo de elementos que form am o estilo como um estranham ento é produzido pelo impacto da surpresa enquanto informação nova ou "deslocamento de uma expectativa". Para os formalistas a h is tó r ia lite r á r ia se u tiliz a de sses " a r t if í c io s " que f u n c io n a m c o m o entraves ou "retardam entos" para manter a atenção ao tipo de linguagem

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literária utilizada. O que podemos deduzir é que esses artifícios form am um conjunto de "desvios das normas" e esses desvios, por sua vez, produzem uma forma especial de linguagem em contraste com a linguagem comum do cotidiano. Outra característica formalista importante, é que para se identificar o que eles denominam de desvios é preciso ter um conhecim ento prévio da norma da qual eles se afastam. Nesse sentido, o estranhamento é a essência da obra literária.

O tra b a lh o c rític o dos f o r m a lis ta s v o lta -s e e n tão para o contingente, o imediato, o palpável e analisável. Deste modo se criou uma elaboração da form a e fórm ula literária, partindo principalmente do conceito referencial atribuído à função3. Tomando como base o conceito de "função", o formalismo considera que a obra literária se constitui de diferentes funções, exercendo ao mesmo tempo um papel de correlação e interação, formando um sistema ou conjuntos de diferentes sistemas.

A l i t e r a t u r a p a s s a a s s im a se c o n s t i t u i r n u m "sistema" com uma correlação mútua ou interações que se exercem através de "funções" . Quando a função é "construtiva" os elementos da obra têm a c a p a c id a d e de p o d e r e m se c o r r e l a c i o n a r c o m o u t r o s e l e m e n t o s diacronicamente de um mesmo sistema, ou com o sistema inteiro, o Todo (llãy). Quando a função é "autônom a" o correlacionam ento se dá entre um e le m e n to e o u tro s e le m e n to s de o u tro s s is te m a s ou séries. É o que Y. Tynianov denom ina com o o elem ento " batido, de sgastado" quer dizer, "a u to m a tiz a ç ã o " ou deteriorização do elem ento literário. Se a fu n ç ã o fo r "sinônima" implica que a relação dos elementos se dá com outros elementos do mesmo sistema, num aspecto de sincronia.

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parece estabelecer uma fronteira entre os estudos literários e os lingüísticos, onde a linguagem se define como o meio que utiliza o escritor na sua obra. P e rc e b e -s e que, m e s m o e n tre os f o r m a l is t a s , e x is te um a d i c o t o m ia perceptível e proposital. De um lado os lingüistas, pensando na linguagem apenas em seu aspecto formal ou como um sistema de signos. O objetivo principal destes, é a construção de uma gramática geral, de tal modo que suas regras devam ser formalizadas e elaboradas com uma precisão científica e matemática. Dentro desses princípios metodológicos, a análise de um texto é o fim p rim e iro da te o ria lin g ü ís tic a e sua im p o rtâ n c ia está em saber d e te rm in a r as relações entre as partes e o todo. Surgem ta m b é m aqui as relações expressas anteriormente denominadas funções. Hjelmslev talvez seja um dos rep rese ntantes mais s ig n ific a tiv o s destes ling üista s que buscam co n stitu ir seus trabalhos e estudos sobre uma metodologia afim de dar uma base fundam ental à teoria científica das línguas. Para ele existem três tipos de relações, que podem ser expressas através de " funções" e que seriam as de " i n t e r d e p e n d ê n c ia s " (d e p e n d ê n c ia s m ú tu a s ) , de ta l m o d o que a interdependência é uma função entre duas constantes; as "determ inações" (dependências unilaterais em que um term o pressuponha o outro, em que a recíproca não é verdadeira); e as "constelações" (dependências mais flexíveis em que os te rm o s ou elem entos não se excluem , nem se repelem ou se pressupõem uns aos outros). Estas funções de dependências classificadas por H je lm s le v e q u iv a le m às fu n ç õ e s v is ta s a n te rio rm e n te e a nalisa das por Tynianov como sendo construtiva, autônoma e sinônima.

Conform e o olhar de caráter c ie n tífic o desses ling üista s, "toda a língua apresenta-se de imediato como um sistema de "signos" , isto é, como um sistema de unidades de expressão às quais une-se um conteúdo (sentido)." É o que afirma Hjelmslev em seu artigo "A Estrutura e o uso da

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Língua". No entanto, apesar de perceberem que a língua é um sistema de elementos que pode ser utilizado de acordo com as regras que a regem na composição dos seus signos, Hjelmslev diz que o "número de elementos e as p o s s ib ilid a d e s de união de cada e le m e n to se fix a r a m , de uma vez para sempre, na estrutura da língua"4. O seu uso decidirá quais as possibilidades que poderão ser utilizadas. A tendência destes estudiosos é acreditar que a e s tru tu ra de uma língua é o que condiciona sua identidade mas será ela também a condicionante de diferenças entre as línguas.

Tentando estabelecer um paralelo entre estes dois tipos de noções fo rm a lis ta s , isto é, uma volta da mais para a esfera g ra m atical e lingüística, e a outra que se reporta mais especialmente para a história e a teoria literária, entendemos que tan to uma como outra corrente partem de um princípio crítico sobre a obra literária, o que permite assim a introdução da noção de "descontinuidade ou deslocamento" da linguagem. Neste sentido o form alism o como escola segue um mesmo princípio, o de que não existe um a"unidade estática na obra literária." Ao contrário, para eles, uma obra l i t e r á r i a é e x t r e m a m e n t e i n s t á v e l e d in â m ic a , p o is as p a la v r a s tê m propriedades e sentidos desiguais ou inversos, dependendo das funções que exercem.

C om o se perceb e, é p re c is o s a b e rm o s o s c ila r e n tr e os m ovim entos de ir e vir, de analepse e prolepse, para entender os conceitos de c o n s tru ç ã o e de evolução da obra literária, com os quais Y. Tynianov de sponta como um dos mais co n tu n d e n te s e questiona dores te ó ric o s da lite r a tu r a . Já que para os fo rm a lis ta s nem tu d o se reduz à lin g ü ís tic a , o estudo da linguagem não pode deixar de interrogar a literatura que também é linguagem e comunicação, numa relação com o mundo e a história. Deste

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modo, Tynianov caracteriza que o estu do da arte literária co m p o rta duas dificuldades logo de imediato: 1) a do material usado, isto é, a palavra; 2) a que advém do princípio de construção desta arte. Para Tynianov não existe a unidade e a imutabilidade de uma obra; ao contrário, a "fo rm a " só pode ser concebida sobre seu aspecto dinâmico. Este dina m ism o na elaboração da obra age a tra v é s de um "p rin c íp io c o n s t r u t iv o " , por uma c o rre la ç ã o e integração entre os elementos que a formam. Isto significa que nem todos os aspectos que envolvem a função da palavra se equivalem e não é importante somente o resultado único da fusão e união desses aspectos, mas sim o seu princípio de construção e flutuação. Desta maneira Tynianov afirma que não pode haver uma relação entre a palavra "E'y (o un o )" e o complexo da obra literária "l/ãy (o todo)", pois a essência desta relação repousa justamente na " h e te r o g e n e id a d e e no s ig n ific a d o f u n c io n a l do u n o " . O u tro a s p e c to im portante neste processo dinâmico é a "sensação" enquanto a form a que c o n s t it u i a obra, numa s itu a ç ã o que é sem pre a de flu x o (p o rta n to , de m udança), e da interrelação entre o " fa to r c o n s tru tiv o s u b o rd in a n te e os fatores subordinados". Para reafirmar esta sua postura Tynianov diz que a arte vive desta interação, desta luta constante e de seus desdobramentos, com o a noção de passagem. Se ocorre uma fa lta , a "se nsa çã o " de uma in te r a ç ã o dos f a t o r e s que s u p õ e m a p re s e n ç a do f a t o r s u b o r d in a n te c on strutivo e do fa to r subordinado faz desaparecer o fato artístico que se torna "automatizado" ou deteriorado.

O u tro a s p e c to re le v a n te no pro cesso em que se baseia Tynianov é a "relação e v o lu tiv a entre a fu n ç ã o e o elem ento fo rm a l que representa um problema totalmente inexplorado". Vale dizer, a relação entre a função e a forma não é arbitrária, ao contrário, a variação que exerce a função de um elemento formal ou o aparecimento deste elemento e sua associação

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com uma fu n ç ã o são p ro b le m a s que T ynia n o v c o n s id e ra p rim o rd ia is no processo evolutivo literário. Aqui nos permitimos fazer um parêntese para colocar uma outra questão que o form alista desenvolverá em outro ensaio "D estruction, parodie" (1 921) , no qual ele questiona a "filiação" e a "tradição literária". Para ele essa tradição não se mostra em geral de form a linear e tra d ic io n a lm e n te histó rica , de modo a unir um ramo lite rá rio m enor a um mais antigo ou canônico. Ao contrário, diz ele, as coisas são mais complexas, entendendo-se aqui tradição literária como um processo de evolução . Afirma que este ramo literário não é mais o prolongamento linear desta linhagem histórica, ou o poder do mais velho sobre o mais novo (o historicism o), mas de m an eira mais acirrada esta e v o lu ç ã o se dá a tra v é s dos "d e s v io s , da propulsão a partir de um determinado ponto e lutas"5. Para um representante de uma outra ramificação ou de uma outra tradição, isto parece uma afronta, pois o que se pode fazer é contornar sim plesmente este c o n fron to ou então entrar em luta com o outro. Tynianov complementa essa idéia ao dizer que uma "filiação literária está à frente de todo combate, na destruição de uma antiga harmonia e na form ação de uma nova construção a partir de velhos elementos".

Neste processo de de struição e construção, quero dizer, através dos procedimentos de combinação e diferença, também se processa um m ovim ento de evolução literária. Não como imitação ou influência, mas sim com o um tip o de "e s tiliz a ç ã o ", um jogo com o estilo. Neste sentido, T ynianov acredita que a "e s tiliz a ç ã o " possui uma o s te n taçã o quase que excessiva, muito mais que a imitação ou a influência. Para ele, a "estilização se aproxima da paródia. Uma e outra vivem uma dupla vida: além da obra, há um segundo plano estilizado ou parod ia do ". Mas, com relação à paródia

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esses dois planos devem ser necessariamente discordantes ou deslocados. Assim Tynianov com plem enta que da estilização à paródia não há mais que um passo; quando a estilização tem uma motivação cômica ou é fortemente marcada, se converte em paródia:

... a paródia de uma tragédia será uma comédia (não im porta se exagerando o trágico ou sub stituin do cada um de seus elementos pelo cômico); e a paródia de uma comédia pode ser uma tragédia. Mas logo que há a estilização, não há mais esta discordância, e, sim, ao c o n t r á r i o , c o n c o r d â n c i a d o s d o is p l a n o s : o do e s tiliz a n d o e o do e s tiliz a d o , que aparece a tra v é s deste.6

Do mesmo modo, ao analisar o papel que exerce a função construtiva e a correlação dos elementos no interior da obra, o form alista te ó r ic o a c r e d ita que essa fu n ç ã o se re d u z à " in t e n ç ã o do a u t o r " , transformando a "liberdade de criação" em "necessidade de criação". Assim, a fu n ç ã o lite rá ria e a co rre la ç ã o da obra com as séries lite rá ria s , c ria m e concluem um processo de submissão ao sistema. Neste ato de submissão, um dos entraves ou problemas mais complexos da evolução literária é ainda a questão de se encaixar na categoria da "influência". Existem diversos tipos de influências que seguem diferentes categorias, as pessoais, psicológicas ou sociais. São os fatos que podem ser considerados como "coincidência" ou "convergência" e de tal importância que superam a explicação psicológica da influência, mas não superam a questão cronológica de "quem disse primeiro?" Esta não é a questão fundamental, mas sim a do momento e da direção desta "influência". Delas irá depender inteiramente a existência de certas condições literárias.

O que é m a rc a n te para a co m p re e n s ã o do p e n s a m e n to form alista é a capacidade desta corrente em elaborar princípios e análises

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c o n c re ta s para a lin g u a g e m , le v a n d o em c o n ta a relação d ia lé tic a e n tre sincronia e diacronia. Porém, em suas conclusões teóricas, tornam-se muitas vezes contraditórios, dando à linguagem uma capacidade para acentuar um elemento de conflito ou de deformação. Essa conclusão pode, sem dúvida, ser expandida a outros sistemas literários, no que se refere ainda ao estudo da evolução, uma das principais investigações elaboradas por Tynianov. É esta ta m b é m a c o n c lu s ã o a que chega T. Todorov ao fin a l de seu en saio " A

Herança Metodológica do Formalismo" quando diz:

A e v o lu ç ã o fo rm a l de uma lite r a tu r a n a c io n a l, por exemplo, obedece a leis não-m ecânicas. Ela passa, segundo Tynianov (1929), pelas seguintes etapas: " 1 o) o p rin c íp io de c o n s tru ç ã o a u to m a tiz a d a evoca dialeticamente o princípio de construção oposto; 2 o) este encontra sua aplicação na forma rríais fácil; 3 o) ele se estende à maior parte dos fe n ôm e no s; 4 o) ele se a u t o m a t i z a e e v o c a p o r su a v e z p r i n c í p i o s de construção opostos.7

Tynianov, p a rtin d o em seus e s tu d o s p rin c ip a lm e n te de e s c rito s de sua época, e analisa nd o p a rtic u la rm e n te os fa to s liga do s à linguagem literária, mostrou, em diversos de seus trabalhos, a necessidade de rever a Historiografia, não de forma retilínea e linear, mas sim através de uma crítica à tradição e à historiografia literária (historicismo). Utilizando um p ro c e s s o de s u b v e rs ã o dos c rité rio s h is to r io g r á fic o s , ele m o s tro u que é possível analisar a oposição existente entre clássicos e românticos, como um tipo de luta que se trava entre os escritores e seus modelos "arcaizantes" e "in o v a d o re s ". O fa to é que quase sempre in te rp re ta m o s a lite ratu ra , até certo ponto, à luz de nossos próprios interesses; isto nos faz repensar com mais detalhes o legado do formalismo, de suas leituras e algumas brechas ou s u tu r a s que se c ria ra m e n tre as c o r r e n te s que o c o n s t it u í a m . Se r e f l e t i r m o s que q u a s e t o d a s as o b ra s li t e r á r ia s são de c e r t o m o d o

Referências

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