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A tradição do Grupo Araruna: compondo proposições estéticas sobre o corpo, a dança e a educação física

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU EM EDUCAÇÃO FÍSICA. A TRADIÇÃO DO GRUPO ARARUNA: COMPONDO PROPOSIÇÕES ESTÉTICAS SOBRE O CORPO, A DANÇA E A EDUCAÇÃO FÍSICA. Discente: Emanuelle Justino dos Santos NATAL - RN 2016.

(2) i. A TRADIÇÃO DO GRUPO ARARUNA: COMPONDO PROPOSIÇÕES ESTÉTICAS SOBRE O CORPO, A DANÇA E A EDUCAÇÃO FÍSICA. EMANUELLE JUSTINO DOS SANTOS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de mestra em Educação Física. Área de concentração: Movimento Humano, Cultura e Educação. Linha de pesquisa: Estudos Sóciofilosóficos sobre o corpo e o movimento humano.. ORIENTADORA: Profª. Drª. ROSIE MARIE NASCIMENTO DE MEDEIROS.

(3) ii. Catalogação da Publicação na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Sistema de Bibliotecas Biblioteca Central Zila Mamede / Setor de Informação e Referência Santos, Emanuelle Justino Dos. A tradição do Grupo Araruna: compondo proposições estéticas sobre o corpo, a dança e a educação física / Emanuelle Justino dos Santos. - Natal, RN, 2016. 213 f. : il.. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosie Marie Nascimento de Medeiros.. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências da Saúde. Programa de Pós-Graduação em Educação Física.. 1. Grupo Araruna – Dissertação. 2. Dança popular – Dissertação. 3. Corpo – Dissertação. 3. Estética – Dissertação. 4. Tradição – Dissertação. 5. Educação física – Dissertação. I. Medeiros, Rosie Marie Nascimento de. II. Título.. RN/UF/BCZM. CDU 793.31.

(4) iii. EMANUELLE JUSTINO DOS SANTOS. A TRADIÇÃO DO GRUPO ARARUNA: COMPONDO PROPOSIÇÕES ESTÉTICAS SOBRE O CORPO, A DANÇA E A EDUCAÇÃO FÍSICA.. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de mestra em Educação Física. Área de concentração: Movimento Humano, Cultura e Educação. Linha de pesquisa: Estudos Sóciofilosóficos sobre o corpo e o movimento humano.. Aprovada em: ___/___/_____. ______________________________________________________ Profª. Drª. Rosie Marie Nascimento de Medeiros Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (orientadora). ______________________________________________________ Profª. Drª. Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio. Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (examinadora interna). ______________________________________________________ Profª. Drª. Elaine Melo de Brito Costa Universidade Estadual da Paraíba – UEPB (examinadora externa). ______________________________________________________ Profª. Drª. Maria Isabel Brandão de Souza Mendes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (examinadora interna - suplente).

(5) iv. AGRADECIMENTOS Ao Deus do Céu por sempre abençoar minha vida, dando-me fé, alegrias e forças; Aos meus pais, Ivoneide Santos e Gileno Peixoto pelo incentivo, amor incondicional e por sempre acreditarem em meus sonhos, sendo uma de minhas inspirações existenciais. Ao meu primo Eider Costa pela amizade e apoio nos desafios da vida, bem como por tirar dúvidas e orientar-me na construção de alguns parágrafos redigidos nesta dissertação. Ao meu namorado Wellington Ramos pela formatação e pela leitura atenciosa e cuidadosa no exercício de revisão ortográfica deste texto dissertativo, bem como pelo cuidado amoroso, proporcionando-me a alegria de sua valiosa companhia! Às amigas Andrea Kelly Albuquerque e Ana Cleia Targino pela leitura e revisão ortográfica deste trabalho, bem como pela amizade sincera e companhia amistosa ao longo de tantos anos. Às amigas da Educação Física, Camila Ursula, Cecília Brandão Cavalho, Nerijane Monteiro, Lúcia Nóbrega e Elizabete Paiva por terem possibilitado o acesso a importantes referenciais que colaboraram para a feitura desta pesquisa. Ao amigo Nonato Viana pela doação de seu livro e por ter sido uma fonte inspiradora de reflexões sobre as danças da tradição, compondo um dos referenciais deste texto. Ao amigo Josenildo Martins pela parceira acadêmica, pelos artigos, bem como por ter me aproximado dos brincantes do Araruna, sendo um exemplo de pesquisador em sua área. Aos brincantes do Grupo Araruna, pela partilha sensível sobre a beleza e pelas memórias e estéticas da tradição; vocês compuseram a maior fonte de múltiplos incentivos para este texto. À professora Rosie Marie por abraçar a orientação dessa pesquisa de modo fraterno, confiante e generoso, dando valiosas contribuições para a estruturação de minhas ideias, bem como para a lapidação do texto, sendo também exemplo de pesquisadora da dança e da Educação Física. Às professoras da banca avaliadora: Larissa Marques, Isabel Mendes e Elaine Costa pela avaliação crítica, ponderada e sensata, contribuindo valiosamente com as sugestões e preciosos aportes reflexivos para o melhoramento dessa dissertação. Aos membros do ESTESIA/UFRN pelos ricos debates científicos que aprimoraram meu entendimento sobre Estética, Dança e Cultura. Em especial às amigas Ingrid Oliveira e Adeilza Gomes, pela parceira afetuosa e apoio nos estudos do mestrado..

(6) v. SUMÁRIO. RESUMO ............................................................................................................................................... 7 ABSTRACT ........................................................................................................................................... 8 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 CORPO E CULTURA… CONFIGURAM UMA ESTÉTICA DA TRADIÇÃO ... 27 1.1. AS DANÇAS ARISTOCRÁTICAS E AS FESTAS DA TRADIÇÃO................................ 28 1.2. A HISTORICIDADE DO CORPO BRINCANTE E DO GRUPO ARARUNA ................. 42 1.3. O ESPAÇO-TEMPO DA DANÇA OU A DANÇA QUE DELINEIA SEU ESPAÇOTEMPO NA CULTURA NORTE-RIO-GRANDENSE ............................................................... 53 1.4. A MEMÓRIA DO CORPO E DA CULTURA DE MOVIMENTO DO ARARUNA .......... 74 CAPÍTULO 2 CORPO E ESTÉTICA… DESVELAM SIMBOLOGIAS DA DANÇA ................ 92 2.1. A ESTÉTICA DOS CORPOS E DAS DANÇAS DO ARARUNA .................................... 93 2.2. TENHO UM PÁSSARO PRETO, ARARUNA... .............................................................. 120 2.3. CAMALEÃO FALAR COM GENTE... ............................................................................... 139 2.4. PORQUE JOANA É MINHA... ........................................................................................... 150 CAPÍTULO 3 CORPO E DANÇA… COMPÕEM UMA ESTÉTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................................................................................................................................. 161 3.1. A MEMÓRIA DO CORPO BRINCANTE REVITALIZA A TRADIÇÃO!........................ 162 3.2. A DANÇA EMBELEZA O SIMBOLISMO DA CULTURA ............................................... 179 3.3. POR UMA ESTÉTICA DA DANÇA E DA EDUCAÇÃO FÍSICA ................................... 187 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 200 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 204 APÊNDICE A .................................................................................................................................... 212 APÊNDICE B .................................................................................................................................... 213.

(7) vi. LISTA DE FIGURAS. FIGURA 1 - Mestre Cornélio. Fonte: Costa, G. (2008). ................................................................. 9 FIGURA 2 - Entrelaçamento entre Corpo, Cultura, Símbolo, Estética e Dança. Fonte: Criação da pesquisadora. ................................................................................................................. 18 FIGURA 3 - Rede de significados do Grupo Araruna. Fonte: Criação da pesquisadora. ...... 23 FIGURA 4 - Brincantes do Araruna. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. ...................... 27 FIGURA 5 - A dança de salão de outrora. Fonte: Carvalho (2008). .......................................... 38 FIGURA 6 - O Grande Mestre! Fonte: Dumaresq (2005). ........................................................... 44 FIGURA 7 - Sede do Araruna. Fonte: Martins e Elias (2011). .................................................... 58 FIGURA 8 - Araruna Infantil, 1961-1964. Fonte: Costa, G. (2008). ........................................... 68 FIGURA 9 - Teatro Carlos Gomes - 1950. Fonte: Costa, G. (2008). ......................................... 72 FIGURA 10 - Os personagens da dança. Fonte: Acervo da Sede do Araruna. ....................... 92 FIGURA 11 - Casal de brincantes em perfil. Fonte: Acervo da Sede do Araruna. ................ 108 FIGURA 12 - Casal de brincantes. Fonte: Acervo da Sede do Araruna. ................................ 109 FIGURA 13 - Bijuterias, luvas e bordados. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. ......... 109 FIGURA 14 - Teatro Alberto Maranhão, Natal/RN. Fonte: Costa, G. (2008). ........................ 129 FIGURA 15 - Grupo Araruna na UERN/ZN, Natal/RN. Fonte: Martins e Melo (2013). ......... 136 FIGURA 16 - O Grupo no IFRN/Cidade Alta, Natal/RN. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora..................................................................................................................................... 142 FIGURA 17 - Os Brincantes podem embelezar a Educação Física. Fonte: Domínio Público. ............................................................................................................................................................. 161.

(8) vii. RESUMO. A TRADIÇÃO DO GRUPO ARARUNA: COMPONDO PROPOSIÇÕES ESTÉTICAS SOBRE O CORPO, A DANÇA E A EDUCAÇÃO FÍSICA.. Autora: Profª. Mª. Emanuelle Justino dos Santos Orientadora: Profª. Drª. Rosie Marie Nascimento de Medeiros. Situamos o Grupo Araruna no mundo vivido da fenomenologia de Merleau-Ponty, com o intuito de compreendê-lo através do método da rede de significados, que foi construído através das fotografias, dos vídeos, das entrevistas com brincantes e também das simbologias contidas nos objetos cênicos: músicas, cartola, leque, maquiagem, cores e figurinos. A dança potencializa a expressividade do corpo, apresentando-se como uma arte completa, de uma beleza singular. Em primeiro, há uma descrição sobre a tradição do Araruna considerando a ligação entre as danças europeias, as festas aristocráticas da Modernidade e a própria historicidade dos corpos brincantes. Atrelado a isso, é realizada uma discussão sobre a memória do corpo e da Cultura de Movimento do Araruna em Natal/RN. Em segundo, é evidenciado todo o universo simbólico existente nos objetos cênicos e nas letras das músicas, que desvelam relações entre corpo, cultura, natureza, ludicidade e sexualidade. Tais dimensões constituem forças profundas que integram e potencializam a existência humana. Em terceiro, são apresentadas algumas proposições estéticas para a Educação Física, buscando mobilizar outras reflexões que intensifiquem a valorização da beleza do dançar e celebrar a tradição. Por fim, são trazidas indagações que possam contribuir para a feitura de novas relações estéticas entre a Educação Física, a dança e o corpo. Palavras-chaves: Araruna, Corpo, Estética, Tradição, Educação Física..

(9) 8. ABSTRACT. THE TRADITION OF ARARUNA GROUP: COMPOSING AESTHETIC PROPOSITIONS ON THE BODY, DANCE AND PHYSICAL EDUCATION.. Author: Professor MSc. Emanuelle Justino dos Santos Mentor: Professor PhD. Rosie Marie Nascimento de Medeiros. We situate the Araruna Group in the world lived of Merleau-Ponty’s phenomenology in order to understand it through the method of the network of meanings that was built through photos, videos, interviews with players and also the symbols contained in the props: music, hat, fan, makeup, colors and costumes. Dance enhances the expressiveness of the body, presenting itself as a complete art of singular beauty. First, there is a description of the tradition of Araruna considering the link between European dances, the aristocratic parties of Modernity and the historicity of the players bodies. Coupled to this, it is held a discussion on the memory of the body and Araruna Movement of Culture in Natal/RN. Second, it is highlighted all existing symbolic universe in props and lyrics of the songs, that reveal relationships between body, culture, nature, playfulness and sexuality. Such dimensions are deep forces that integrate and enhance human life. Third, some aesthetic propositions for Physical Education, seeking to mobilize other reflections that intensify the appreciation of the beauty of dance and celebrate tradition, are presented. Finally, are brought some questions that can contribute to the making of new aesthetic relationships between physical education, dance and body.. Keywords: Araruna, Body, Aesthetics, Tradition, Physical Education..

(10) 9. APRESENTAÇÃO. FIGURA 1 - Mestre Cornélio. Fonte: Costa, G. (2008).. Ao movimentar-me dançando escrevo no espaço e no tempo, com determinada energia, a minha visão de mundo, compartilhada, e que quer ser compreendida na cultura da qual faço parte. Danço em busca da beleza! Para embelezar! Danço porque já não basta o trabalho, danço para celebrar! Danço de muitas formas, por muitos motivos (NÓBREGA, 2000b, p.1)..

(11) 10. A Cultura começou a instigar meus estudos de dança e de corpo desde a Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Evidencio como essenciais, para minha formação acadêmica, as disciplinas “Cultura Popular”, em 2005, “Metodologia da Dança”, em 2006, “Dança” e “Corpo e Cultura de Movimento”, em 2008, que colaboraram com reflexões para além da reprodução de conhecimento, sendo efetivada uma ação educacional crítica e reflexiva dentro da universidade, por meio de leituras, reflexões e diálogos das múltiplas relações que envolvem o corpo, a dança, a cultura e a Educação Física. Destaco também alguns professores do curso, como: Larissa Tibúrcio, Petrucia Nóbrega, Karenine Porpino, José Pereira e Rita Luzia Santos. Esses professores que não me levaram à reprodução de ideias do senso comum, e sim enriqueceram e ampliaram meus conhecimentos, fazendo-me refletir, investigar, descobrir e penetrar pelo novo mundo, incentivando-me a adentrar no ofício da pesquisa durante a graduação. Considero que a influência das disciplinas citadas não se reduz ao cumprimento de determinados objetivos de uma ementa. Concomitantemente a elas, os procedimentos, as ideias, os textos, as condutas, as vivências e os discursos dos docentes constituíram parte considerável na ampliação dos meus conhecimentos em Educação Física. Ainda nesse percurso acadêmico, desde o primeiro ano de graduação, deparo-me dentro da universidade com o Grupo de Estudos Corpo e Cultura de Movimento – GEPEC1. Encontrei na Iniciação Científica2 uma possibilidade a mais para me aproximar dos estudos sobre o corpo, a cultura, a estética e a dança. Dessa maneira, compreendo os momentos vivenciados naquele grupo de pesquisa como significativos por terem oportunizado um aprofundamento na compreensão do campo epistemológico da Educação Física, sobretudo nas reflexões sobre a dança para além da visão limitada, que de certo modo nos é imposta sem maiores considerações ao longo de nossa vida.. 1. O GEPEC é vinculado ao Departamento de Educação Física da UFRN, cuja principal finalidade é desenvolver pesquisas sobre o corpo e a cultura de movimento, numa interface entre Educação Física e outras áreas das Ciências Humanas; desenvolvendo estudos relativos ao corpo, à estética, à educação e à epistemologia. 2 Destaco a pesquisa de Iniciação Científica denominada “Trajetos de pesquisa dos processos de criação em dança: uma experiência com o Grupo Parafolclórico da UFRN” (2008-2009), sob a orientação da professora Larissa Kelly Tibúrcio..

(12) 11. Foi no decorrer da formação acadêmica, juntamente com uma significativa experiência corporal com as danças tradicionais, tanto na condição de estudante, quanto na qualidade de dançarina, no Grupo Parafolclórico3 da UFRN, que tal mundo vivido se fez presente em minha existência. A experiência sensível com os ensaios e as elaborações coreográficas do referido Grupo, por vezes, compara-se a uma vivência prazerosa, na qual entrelaça o sentir, o pensar e o agir do corpo, (re)significando-os constantemente no dançar, configurando-se, assim, em uma “[...] vivência embriagante, na qual os muitos corpos dialogam, trocam sentidos, permitem-se levar pela dança do outro, criando seu próprio dançar” (PORPINO, 2006, p.69), dando-nos importantes razões para interpretar cenicamente as danças. Tal motivação foi intensificada através do exercício de apreciação, estudo, vivência e (re)significação das danças da tradição, entre elas, destacam-se: Araruna, Caboclinhos, Bandeirinhas, Bumba meu boi, Ciranda, Coco, Pastoril, Frevo, Maracatu, Nau Catarineta, Xote, entre tantas outras. Tais danças se revelaram em um novo mundo, em outras palavras: “[...] um mundo se dispõe em torno de mim e começa a existir para mim” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.4). As cores, as formas, os ritmos e os tons desse mundo encantador arrebataram-me violentamente. Logo, a beleza dessas danças se tornou revestida de sentido, ampliando a sensibilidade do meu corpo em perceber a riqueza de saberes existentes no universo da cultura, integrando significativamente boa parte da minha experiência de formação inicial no curso de licenciatura em Educação Física. Não foi à toa que minha monografia4 tematizou sobre o ensino de uma dança estrangeira para crianças da Educação Infantil, possibilitando o acesso aos saberes tradicionais de outra civilização e também iniciando um diálogo intercultural no trabalho artístico-educativo em aulas de Educação Física. Dessa maneira, as danças tradicionais se configuraram em um horizonte permanente de grande parte de minhas reflexões acadêmicas, corporais e existenciais, como também esse tema se configura em uma dimensão na qual não deixo de situar parte de minha atuação docente em Educação Física tanto com crianças, na Rede Municipal de Educação 3. O Parafolclórico configura-se como atividade de extensão universitária, tendo como ponto forte a produção de espetáculos artísticos, buscando trocar experiências entre o saber acadêmico e o universo da cultura com releituras de danças tradicionais de todo o Brasil. 4 Meu Trabalho de Conclusão de Curso intitulou-se “A dança como conteúdo da Educação Física na infância”, defendido em 2009, sob a orientação da professora Larissa Tibúrcio, que descreveu uma experiência de ensino de dança no Núcleo de Educação Infantil – NEI/UFRN, durante o estágio supervisionado de Educação Física Escolar..

(13) 12. Básica5 de Natal/RN, quanto na formação de professores no Ensino Superior6 deste mesmo município. Foi partindo destes referenciais que, em 2010, ingressei no curso de aperfeiçoamento Dança e Pluralidade Cultural7. Os módulos do curso permitiram estudos, reflexões, debates e composições coreográficas que possibilitaram um exercício mais reflexivo sobre as danças da tradição, que, segundo Nóbrega (2000b), se configuram como um texto corpóreo que transcreve as marcas da cultura, persistindo no tempo por meio de uma aprendizagem informal, com códigos próprios que configuram uma estética singular da arte do povo, estando assim, diretamente ligada às festas, à celebração da vida, aos valores humanos, aos sistemas simbólicos, à comunhão de subjetividades coletivas e à própria identidade cultural, isto é, os corpos dançam “[...] para não esquecer quem são” (BRANDÃO, 1993, p.10 apud NÓBREGA, 2000b, p.1). As danças tradicionais apresentam um rico conhecimento da nossa condição de sermos brasileiros, integrantes de uma cultura híbrida, que é profundamente marcada por múltiplos saberes simbólico-culturais que extrapolam os sentidos de uma visão linear e, ao mesmo tempo, pode ser transpassada por esta através de uma relação quiasmática8 na composição de uma estética do corpo e da Educação Física. Essas danças se revelam como conhecimentos culturais, sensíveis, integradores e intensos, que são transmitidos no seio familiar e recriados de geração em geração, constituindo-se, dessa maneira, em verdadeiras “escolas da vida”, pois dão muitas lições para o viver e conviver. Essas danças apresentam uma estética, uma simbologia e um contexto específicos, caracterizando-se “[...] pelo forte sentido de agregação de seus membros na busca da vivência estética, que media todo o. 5. Leciono na Escola Municipal Professora Maria Dalva Gomes Bezerra, desde 2010 até o presente momento, com as turmas de Nível III e IV da Educação Infantil e as turmas do primeiro ao quinto anos do Ensino Fundamental. 6 Desde 2013, ensino a disciplina curricular “Conteúdo, Metodologia e Prática de Ensino em Educação Física”, no curso de Pedagogia da faculdade Estácio de Sá (ANEC: Associação Natalense de Educação e Cultura). 7 O curso de extensão foi promovido pelo Departamento de Artes da UFRN com o apoio do Programa Continuum de Formação de Professores da Educação Básica. 8 A palavra “quiasmática” deriva da noção de “quiasma”, desenvolvida por Merleau-Ponty (1971). Para esse filósofo, a ideia de quiasma se refere ao entrecruzamento do corpo e do mundo, do visível e do invisível, do dizível e do indizível, do pensável e do impensável, cuja diferenciação, comunicação e reversibilidade se fazem por si mesmas como estofo do mundo. Paradoxalmente, o quiasma é uma presença porosa que se preenche ao cavar-se e que se cava ao preencher-se, estando habitada por uma ausência que não cessa de aspirar pelo preenchimento e que, a cada plenitude, remete a um vazio sem o qual não poderia vir a ser..

(14) 13. ritual de preparação das danças a serem apresentadas e compartilhadas por outros membros da sociedade” (PORPINO, 2006, p.114). Por esse prisma, o desejo de olhar e de pesquisar uma dança tradicional tornou-se mais intenso. Olhar é interpretar, interrogar e surpreender, dando sentido ao fenômeno cultural do Araruna para além do que já foi visto e dito. Assim, pesquisar é semelhante ao movimento do olhar, fazendo o corpo “ir mais longe”, não se reduzindo a um simples caminhar, mas sim configurando o exercício reflexivo na busca incessante pela restituição do sentido das coisas, como se cada passo dado “[...] exigisse e tornasse possível um outro passo, como se cada expressão bemsucedida prescrevesse ao autônomo espiritual uma outra tarefa ou, ainda, fundasse uma instituição cuja eficácia nunca terá terminado de experimentar” (MERLEAUPONTY, 2004a, p.83). Para a fenomenologia, o ato de olhar requer um aprendizado, uma mobilização, uma experiência sensível e também uma certa disponibilidade do corpo se mover em busca daquilo que o seu olho foi sensibilizado e impactado pelo mundo visível. Dessa maneira, o corpo se confunde com o mundo do qual contempla, confundindo-se com ele, torna-se um mundo em si. Em outras palavras, “[...] o espírito do mundo somos nós, a partir do momento em que sabemos mover-nos, a partir do momento em que sabemos olhar” (MERLEAU-PONTY, 2004a, p.98). Em “O olho e o espírito”, Merleau-Ponty (2004a) realiza uma crítica à ciência positivista e às reflexões racionalistas, que desconsideram o solo fértil da subjetividade e da historicidade humana, nos convidando a um exercício de pensamento filosófico que abarque o espanto, o paradoxo, o diverso, a interrogação infinita, a imprevisibilidade do fenômeno e o território da experiência existencial da vida, em suma, uma visão mais ampla desse “[...] corpo atual que eu chamo de meu, a sentinela que se posta silenciosamente sob minhas palavras e meus atos” (Ibidem, p.14). Assim como o pintor oferece seu corpo e sua visão, pondo-se a pintar e transformar o mundo em pintura, o brincante que dança também doa toda sua potência muscular para celebrar o enigma de uma corporeidade tecida no mundo da dança. Essa filosofia do sensível se manifesta por meio de entrelaçamento febril entre invisível e visível, tocante e tocado, essência e existência; todos esses pontos são profundamente marcados pelo encontro do olhar com a significação, processo.

(15) 14. em que não há separação entre a expressão e o expresso, o ato e a significação (NÓBREGA, 2010). Com este entendimento, a experiência da visão é emblemática para uma imersão de significações que se dão a partir do próprio exercício de investigação científica sobre o corpo, a dança, a cultura e a Educação Física. Na busca de ampliar o olhar sobre a dança, em 2013, submeti-me a condição de aluna especial no Programa de Pós-graduação em Educação Física – PPgEF/UFRN e mergulhei no universo científico das pesquisas, trabalhos, debates, reflexões, leituras de livros, entre outras práticas sociais desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento - Estesia e pelo Laboratório VER - Visibilidades do Corpo e da Cultura de Movimento da UFRN. O retorno à dinâmica de produção do conhecimento científico da Educação Física, assimila-se a uma aventura de pensamentos e ideias que dançam como os tripulantes da Barca pertencente à dança Nau Catarineta. Segundo Assunção (2012, p.10), essa dança é encenada “[...] por grupos folclóricos brasileiros, que narra a dramática travessia marítima dos portugueses para o Brasil durante o período da colonização”. Em “Nos mares das tradições”, o referido autor convida-nos a realizarmos uma viagem em conjunto, como tripulantes de uma Barca: a pesquisa científica sobre as manifestações da tradição brasileira. Seguir uma rota é uma maneira de discutir e refletir campos empíricos, experiências, ideias, teorias, conhecimentos e conceitos a serem aprendidos durante a realização de uma investigação científica. Na condição de pesquisadora, velejei por um itinerário, rico em sentidos e significações, do qual possibilitou o delineamento de meu projeto de pesquisa para a seleção do Mestrado do PPgEF/UFRN. Em 2014, na condição de mestranda e de integrante da linha “Estudos SócioFilosóficos sobre o Corpo e o Movimento Humano”, foi possível perceber com mais clareza que os estudos da cultura apresentam um amplo campo de investigações que abordam muitas manifestações tradicionais para além das danças. Festas, brincadeiras, jogos, poemas, músicas, crenças, histórias, ritos, mitos, hábitos, performance, entre outras temáticas que aparecem com mais frequência nas produções científicas de várias áreas como Arte, Antropologia, Filosofia e Educação. Com menos frequência, contudo de maneira relativamente expressiva, a cultura também vem sendo refletida nas produções acadêmicas da área de conhecimento da Educação Física..

(16) 15. Mesmo que o tema das manifestações da cultura brasileira seja recorrente, nem todas as práticas tradicionais são intensamente estudadas. Essa situação acontece com as danças criadas pela figura emblemática do Mestre Cornélio Campina da Silva (1908-2008). Ele foi o fundador do Grupo “Araruna: Associação de Danças Antigas e Semi-Desaparecidas”. O Araruna apresenta, em sua estética, danças antigas que já estiveram nos melhores salões da aristocracia natalense (MELO, V., 1977). Estas danças narram sobre a cultura norte-rio-grandense, expressando nitidamente influências de festas antigas da cultura europeia, bem como outros sentidos culturais e simbologias que vão muito além do pouco que já foi dito e escrito até o momento sobre este fenômeno. Em consulta ao repositório de teses e periódicos da Capes e artigos disponíveis no site da SciELO, nota-se a evidente escassez de pesquisas que tematizem sobre o Grupo Araruna. Há apenas o estudo dissertativo de Martins (2015). Ele investigou, na perspectiva da Geografia Cultural, a dimensão cultural do espaço vivido e representado pelos brincantes desse Grupo. O espaço desta manifestação cultural se apresenta na forma de monumento e identidade, traduzida materialmente por meio de sua Sede no bairro das Rocas na cidade de Natal/RN. Em visita à biblioteca setorial do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, identificou-se a monografia de Monteiro (2007). Ela faz uma análise sobre como se configura a conformação estética das danças do Araruna. A autora faz uma contextualização social, apresentando alguns sentidos que os brincantes atribuem a essas danças, buscando ampliar os conhecimentos relacionados a essa manifestação cultural e também apontando possibilidades de problematizar esse conhecimento nas aulas de Educação Física em instituições de educação escolarizada. Cada uma dessas pesquisas encontradas sobre o Araruna têm uma relevância dentro de suas especificidades, ambas reforçam a ideia de que é preciso reconhecer o valor cultural destas danças do Araruna para a sociedade brasileira. Até então, os parâmetros sobre os quais se discutiam as práticas socioculturais do Grupo Araruna no Rio Grande do Norte-RN, manifestavam-se no âmbito de estudos da Cultura Popular e do Folclore, valendo ressaltar o trabalho de alguns estudiosos da cultura cujas obras, de modo geral, fizeram alusões históricas e patrimoniais a favor da preservação e valorização dessa manifestação cultural, tais como:.

(17) 16. (CASCUDO, 1954); (NOGUEIRA, 1978); (GURGEL, 1982; 2001); (COSTA, G., 2008); (MACEDO, 2006a; 2006b). Porém, há muitas reflexões a serem construídas sobre a estética dos corpos brincantes do Araruna, além da necessidade de dar visibilidade às danças deste Grupo por meio da feitura de outras verdades científicas que considerem aspectos simbólicos relacionados à estética, ao corpo, à cultura, à dança e à própria Educação Física, revelando novos horizontes para ser, conviver, aprender, pensar e viver. Por essa razão, coadunamos com a ideia de que a presença do corpo em contato com a dança amplia o olhar estético da Educação Física e também o sentido existencial da vida, dando-nos acesso aos símbolos culturais e às danças de nossos antepassados, constituindo, assim, referenciais importantes de nossas tradições no mundo humano. Tal problemática permeou todas as nossas reflexões sobre o fenômeno Araruna, gerando várias inquietações sobre nosso objeto de estudo referente às relações existentes entre as danças da tradição e a Educação Física. Para o delineamento dessa pesquisa, foram estruturadas as seguintes questões: Como se configura a estética da tradição do Grupo Araruna? Quais simbologias do corpo são desveladas através das danças tradicionais? De que maneira a tradição do Araruna fundamenta a composição de proposições estéticas para a Educação Física? Partindo dessas inquietações, elencamos os seguintes objetivos de pesquisa: - Tecer relações estéticas entre corpo, dança e cultura que configurem a estética da tradição do Grupo Araruna. - Investigar como se desvelam as simbologias das danças tradicionais e dos corpos brincantes do Araruna. - Efetuar algumas proposições reflexivas sobre o corpo e a dança que colaborem para a composição de uma estética da Educação Física. Os corpos são atravessados pelas emoções do ato de dançar, juntamente pelos aspectos simbólicos, artísticos, sociais e históricos da cultura, trazendo valiosas contribuições para a composição de uma estética para a dança e a Educação Física. Dessa forma, a estética se entrelaça a motricidade do corpo, as funções simbólicas e a sensibilidade humana, convidando à contemplação do belo, convocando-o a elaborar novas coreografias do (con)viver no mundo. Logo, as.

(18) 17. intervenções sociais e a própria produção de conhecimento científico da Educação Física necessita de levar em conta a possibilidade de compor uma estética que “[...] amplie a operação expressiva do corpo e da percepção, afinando os sentidos, aguçando a sensibilidade, elaborando a linguagem, a expressão e a comunicação” (NÓBREGA, 2010, p.94, grifo nosso). Nessa lógica, corroboramos com Fensterseifer (2006), quando destaca a importância. de. epistemológica,. atentarmos porque. essa. para. o. tarefa. caráter filosófica. processual se. de. configura. sua como. atividade espaço. contextualizado de produção dos saberes, de racionalidades plurais, de verdades infinitas e do conhecimento científico da Educação Física. Tal visão é ponto fundamental. para. o. reconhecimento. da. provisoriedade. e falibilidade. dos. conhecimentos que são elaborados e validados na atmosfera aberta de discussão com a comunidade científica e a própria sociedade, sendo criados novos sentidos e significações do corpo, da dança e do movimento humano. Por essa lógica acadêmica, percebemos que o exercício investigativo sobre a temática da tradição do Grupo Araruna para a composição de uma estética do corpo e da Educação Física parte de uma prática científica que se distancia de uma produção de verdade unívoca ou concluída, aproximando-se de um diálogo contínuo e plural de modo a convidar o corpo ao encontro de um afetuoso abraço com outros corpos por meio do entrelaçar das mãos para dançarmos uma ciranda de ideias e simbologias da existência. Podemos metaforizar tal exercício acadêmico como uma dança, ou seja, uma espécie de ciranda da existência que é configurada por um “[...] efetivo exercício por parte daqueles que a fazem e estão dispostos a discutir sua atividade. e. sua. presença. nos. diferentes. espaços. que. a. habitam”. (FENSTERSEIFER, 2006, p.31). Nesse sentido, o texto busca convidar a todos a dançar e a refletir sobre a estética da tradição em nossa atualidade. Na contemporaneidade, as antigas danças do Araruna vêm sofrendo um progressivo processo de desaparecimento na sociedade norte-rio-grandense. Através da leitura de Martins (2015) e também das entrevistas com os brincantes, foi possível perceber que o Grupo precisa ser orientado ao exercício de transformar sua própria realidade de decadência e desprestígio social, saindo de uma postura de imobilização e saudosismo para uma atitude de movimento, buscando por novas perspectivas de superação de seus desafios atuais, através do reconhecimento da.

(19) 18. potencialidade e da riqueza de seus saberes tradicionais. Além de procurar novos apoios para voltar ao cenário cultural por meio da inovação de suas atividades sociais, festas e danças, torna-se uma manifestação cultural importante para todos nós; pois entendemos que perder o Araruna é perder um relevante conhecimento cultural de nossa tradição. Faz-se urgente buscar parcerias e compor ações socioculturais que colaborem para que tenhamos a possibilidade de conhecer a história local da dança, do Grupo Araruna e seus artistas que muito nos representam como natalenses, norte-rio-grandenses e brasileiros. Por isso, vemos que essa tradição pode ser vivenciada nos diferentes espaços de convívio artístico e de produção cultural, sendo também pensada na área de conhecimento da Educação Física através da riqueza de sua complexidade existencial, sendo reconhecida como parte do corpo e da cultura. Em suma, entendemos que o corpo está entrelaçado à cultura, à estética e a dança de maneira que não é possível tratá-lo de maneira segmentada na amplitude de questões que envolvem o Grupo Araruna e a própria Educação Física. Por esse motivo, esquematizamos na Figura 2 uma síntese das principais ideias das quais compõem nosso escrito.. FIGURA 2 - Entrelaçamento entre Corpo, Cultura, Símbolo, Estética e Dança. Fonte: Criação da pesquisadora.. Entendemos que a cultura se apresenta como um fenômeno híbrido e repleto de diversos sentidos, tecido por um conjunto de múltiplos conhecimentos sociais, estéticos e simbólicos, revelando-se como um fenômeno complexo e heterogêneo,.

(20) 19. configurado por diversas práticas, expressões, artes, modos de ser e conviver que dão todo sentido existencial a uma determinada comunidade humana (ZUMTHOR, 2007). Por sua vez, a dança é vista como uma arte que organiza a imaginação, o sentimento e a virtualização do real, manifestando-se por uma dimensão expressivamente simbólica, repleta de múltiplas significações culturais que apresentam gestualidades e cenários compostos de uma estética capaz de nos transportar a outros tempos e espaços, ampliando o sentido de nossa existência (LANGER, 2011). Nessa linha de pensamento, a dança também se revela como um conhecimento cultural de suma importância para o corpo, a arte e a Educação Física, pois sua estética traz múltiplas reflexões sobre o viver, potencializando o olhar do corpo sobre o sensível, o belo, o lúdico, o criativo e o simbólico, proporcionando o acesso à cultura e à estética de uma determinada sociedade. A estética é percebida como uma experiência sensível que provoca beleza capaz de permitir um entrelaçamento entre a obra e o sujeito que a percebe. A estética não se reduz a uma visão categórica ou uma ideia estanque, mas sim propicia a vivência do sensível, constituindo-se como a verdade de um sentimento humano sobre a arte de viver e criar novos horizontes existenciais (PORPINO, 2006). O corpo é compreendido como sinônimo do próprio ser humano, isto é, o próprio eu, é o eu-corpo que vive, existe, se movimenta, dança, embelezando o mundo e sua existência. Na visão de Merleau-Ponty (1999), o corpo não se reduz a um amontoado de músculos e ossos, mas ele é expressão cultural e subjetiva da vida humana, sendo comparado primeiramente a uma obra de arte, revelando-se como um nó de significações vividas e sentidas na vibração subjetiva e objetiva, isto é, no entrelaçamento existencial da vida humana, admitindo a condição quiasmática de sujeito/objeto que se revela em um episódio único, nossa própria corporeidade. Neste texto, o símbolo é visto como uma maneira de estabelecer a multiplicação dos sentidos humanos e também de dinamizar a criação de significações inéditas sobre a dança, a cultura, a estética e o próprio corpo, divulgando e, ao mesmo tempo, estabelecendo infinitas conexões entre os aspectos mais profundos e antagônicos da existência. A leitura de Chevalier (1982) e Eliade (1991) possibilita o entendimento de que o símbolo intensifica a experiência do sujeito, fertilizando sua imaginação e sua sensibilidade. Desse modo, o símbolo.

(21) 20. intensifica o encantamento humano sobre a vida, ampliando nossa percepção sobre as experiências com o outro e o próprio mundo. O método de pesquisa se caracteriza por sua natureza qualitativa, tendo como eixo de reflexão a fenomenologia do filósofo denominado Maurice MerleauPonty, que trata de noções importantes como: mundo vivido, corpo próprio e experiência. A fenomenologia é uma linha da filosofia que estuda a essência dos fenômenos, dos acontecimentos da existência, entrelaçando uma reflexão mais ampla que abarca as dimensões intelectuais, intencionais e subjetivas do corpo humano no mundo vivido. Nesta filosofia, o raciocínio é fundamentado à experiência sensível, que constitui a reflexão fenomenológica. É esta racionalidade subjetiva que permite, autoriza e legitima a interpretação que se apresenta adiante sobre a estética da tradição do Grupo Araruna. Para Merleau-Ponty (1999), é pelo corpo que o sujeito vivencia o mundo e a partir desta relação entre corpo e mundo, repõe-se a essência na existência. Neste sentido, para que haja compreensão do fenômeno, deve-se adentrar um campo conceitual filosófico que aborda o mundo vivido, a intencionalidade e a redução fenomenológica. Neste contexto, a fenomenologia é:. [...] o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumemse em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se pode compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua “facticidade” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 1).. A facticidade, para esse filósofo, se refere à atitude de retomar o contato ingênuo com o mundo em uma tentativa de descrição direta da experiência vivida tal como ela é. Em se tratando do mundo vivido, pode-se afirmar que é aquele antes do significado. Não se pode considerá-lo como uma representação mental ou um imenso objeto mensurável das ciências. Pelo contrário, este é o cerne da existência e da qual a ciência se baseia para produzir conhecimento. Todo o universo da ciência “[...] é construído sobre o mundo vivido, se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda” (Ibidem, p. 3)..

(22) 21. Para Merleau-Ponty (1999), os fios intencionais sustentam o argumento de que o mundo só é possível para nós por já estarmos imbricados nele. A noção de intencionalidade, portanto, representa a própria solicitação entre o mundo e o ser, o movimento da consciência, que é o próprio corpo, que produz e é, ao mesmo tempo, produzido pela cultura, expressando sua historicidade e intencionalidade no espaço e no tempo vivido, estando entrelaçado na teia das experiências de vida no mundo humano. Dentre os fenômenos os quais Merleau-Ponty discute, pode-se incluir a existência humana. Para isso, Merleau-Ponty o faz a partir da noção do corpo próprio e da experiência vivida. O corpo habita o espaço, o tempo, o mundo, relacionando-se com eles. A experiência vivida condiz ao sentido e o significado dado ao fenômeno por parte do sujeito.. O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty tinha verdadeira paixão pelo corpo humano, dedicando parte de sua vida aos estudos da corporeidade. Dentre suas reflexões, o filósofo faz uma crítica a essa visão objetiva do corpo humano construída principalmente a partir dos estudos científicos, concepção esta que veio a influenciar e embasar a abordagem do corpo na cultura contemporânea (MEDEIROS, 2011, p. 145).. Percebida a relevância da fenomenologia, sabe-se que o método se estrutura por uma descrição minuciosa dos dados de investigação que nos leva aos “[...] caminhos da reflexão epistemológica da corporeidade em diálogo com outros desdobramentos das ciências” (NÓBREGA, 2010, p.36), no nosso caso, a Arte, a Antropologia e a Filosofia para descrever como é configurada a estética da tradição do Grupo Araruna, com o intuito de ampliar o olhar sobre o corpo, a dança e a Educação Física.. O método fenomenológico é, antes de tudo, a atitude de envolvimento com o mundo da experiência vivida, com o intuito de compreendê-la. Essa posição não é uma representação mental do mundo, mas envolvimento que permite a experiência, a reflexão, a interpretação, a imputação e a compreensão de sentidos (Ibidem, p.38).. A primeira tarefa do método dessa pesquisa consistiu na inserção no mundo vivido dos corpos brincantes, buscando por significações, símbolos, códigos, imagens, palavras e narrativas dos brincantes do Araruna. Os sentidos contidos nas.

(23) 22. vozes desses corpos foram encontrados através de entrevistas9 realizadas com 12 brincantes – no período entre 08 de janeiro a 13 de junho de 2015. Os encontros com cada participante foram previamente agendados de acordo. com a. disponibilidade de horário. As entrevistas foram gravadas por meio de um gravador de voz e versaram questões sobre: a subjetividade existencial do Araruna; a relevância cultural do Grupo para o brincante e para a cidade do Natal/RN; a importância simbólica dos figurinos, das músicas e danças do Araruna; a beleza do Araruna; a memória das experiências vividas com Grupo. Esses depoimentos se configuraram em um rico registro sobre a memória do Grupo, contendo lembranças de experiências riquíssimas que reuniram múltiplas significações; as mesmas dão pistas para refletirmos sobre a composição de uma estética do corpo e da Educação Física. A transcrição dessas narrativas resultou em um registro documental muito volumoso, por isso foi necessário destiná-lo ao exercício de (re)leitura incessante dessas histórias durante o período de 2 de março a 27 de fevereiro de 2015; e foram novamente revisitadas, relidas e refletidas entre novembro a dezembro do referido ano. Com o mencionado documento, foi possível eleger trechos significativos que se configuraram em núcleos de sentidos de nossa interpretação. Esses núcleos foram grifados, destacados, refletidos e (re)lidos através de um contínuo movimento de ida e volta. No processo de afetação do olhar da pesquisadora com esses núcleos, houve o desvelamento de significações mais expressivas e importantes para as reflexões deste estudo. Os núcleos foram escolhidos pela recorrência de significações, pelas novidades expressas e até mesmo pela ausência de alguns sentidos. Todos colaboraram com a ampliação interpretativa desta pesquisa, pois os sentidos do mundo vivido do Araruna se configuraram em dados essenciais para a sistematização de reflexões, dinamizando o diálogo com os referenciais bibliográficos para esta escrita dissertativa. A segunda tarefa realizada na pesquisa referiu-se ao exercício de ida a campo antes, durante e entre o processo de marcação dos encontros referentes às entrevistas com os brincantes para a composição de uma parte das significações estéticas da tradição do Araruna. Os significados encontrados, dessa rede, foram tecidos desde o início da pesquisa, sendo entrelaçados lentamente através de. 9. Consulte os Apêndices A e B dessa dissertação para ter acesso às questões da entrevista adotada, bem como do CD com os depoimentos dos brincantes entrevistados durante a ida ao campo empírico..

(24) 23. conversas informais com os entrevistados e das visitas periódicas a Sede do Grupo. Na Sede, conseguimos ter acesso a: diversas imagens fotográficas; alguns exemplares reais dos objetos cênicos (figurino, maquiagem, cartola, leque, estola, etc.); vídeos de apresentações das danças; documentos, reportagens e textos sobre o Araruna; e as letras das músicas. A partir do diálogo com nosso referencial, elaboramos uma rede de significados que se configurou como um método essencial para a compreensão da configuração estética do Araruna, pois possibilitou a feitura de um conjunto de significações que proporcionou uma visão mais completa sobre o fenômeno estudado. Esta rede de significados pode ser representada através da Figura 3:. FIGURA 3 - Rede de significados do Grupo Araruna. Fonte: Criação da pesquisadora.. Ressaltamos que a Figura 2 e a Figura 3 foram estruturadas para fins didáticos de melhor compreensão sobre as etapas tecidas por meio do método adotado nesta pesquisa. Os sentidos e significados encontrados através das entrevistas e dessa rede foram permeados por um rico diálogo com nossas leituras acadêmicas. Para a interpretação científica desenvolvida, foram elencados, como nossos principais interlocutores, os seguintes autores: Merleau-Ponty (2006, 2004a, 2004b, 1999), Zumthor (2007, 1997), Langer (2011), Pavis (2011), Eliade (1991, 2010), Bosi (1994), Chevalier e Cheerbrant (1982), Nóbrega (2015, 2014, 2010), Porpino (2006), Viana (2013) e Vieira (2012). As reflexões e conceitos destes pensadores contribuíram bastante para a ampliação de nossas reflexões e feitura do corpo textual desta dissertação..

(25) 24. A ida ao campo empírico permitiu o desvelamento de atos de admiração diante do mundo da tradição do Araruna e de sua estética, havendo uma leitura estética sobre o mundo vivido dos corpos brincantes; além do engajamento sensível para imprimir uma interpretação sobre as danças tradicionais do Grupo, buscando compreender esta manifestação cultural na contemporaneidade. Para chegar a um entendimento, por vezes, foi necessário se distanciar e dar um novo significado ao objeto de estudo por meio de uma reflexão mais atenta sobre os escritos de nossos interlocutores. Essas atividades compuseram nossa técnica investigativa da rede de significados, tornando-se possível a realização de nossa terceira tarefa investigativa: a redução fenomenológica. A redução é uma análise intencional, perceptiva e sensível, na qual sempre haverá abertura para o inédito e o instigante ofício de dar sentido, arrumar ideias, questionar o escrito, ponderar, arriscar e articular algumas partes para tracejar percursos interpretativos sobre o fenômeno Araruna, migrando para novos entendimentos e compondo algumas proposições educativas para o corpo. Esse exercício pode ser metaforizado ao ofício de uma bordadeira: engajada na elaboração de sua peça artesanal, ela dispõe de todo o seu tempo na tarefa de tear com o intuito de compor seu lindo bordado. Similar a essa emblemática cena, foi nosso esforço intelectual de buscar entrelaçar os fios de sentidos simbólicos, culturais e estéticos que compõem o Grupo Araruna; desfazê-los e refazê-los, compondo proposições estéticas sobre o corpo, a dança e a Educação Física. Essa tarefa se aproxima do processo reflexivo da fenomenologia, pois Merleau-Ponty (1999) afirma que: A reflexão não se retira do mundo em direção à unidade da consciência enquanto fundamento do mundo; ela toma distância para ver brotar as transcendências, ela distende os fios intencionais que nos ligam ao mundo para fazê-los aparecer, ela só é consciência do mundo porque o revela como estranho e paradoxal (Ibid., p.10).. Distender os fios intencionais, retomar os sentidos originais e existenciais das danças do Araruna, permite a tessitura de um bordado, que é elaborado através do movimento de junção e separação das linhas de sentidos constitutivos do objeto investigado. Interpretar estes sentidos contidos nos componentes cênicos, cores, letras de canções e símbolos das danças é um exercício dialógico que se dá pela.

(26) 25. suspensão de ideias, espanto com as novidades do fenômeno cultural Araruna, trilhando outros itinerários do sensível para a dança, o corpo e a Educação Física. Esta dissertação é composta por essa apresentação geral sobre a pesquisa com a explicitação dos objetivos e da abordagem metodológica adotada. No capítulo um, há uma descrição sobre a estética da tradição do Grupo Araruna considerando a ligação entre as danças e festas aristocráticas da Modernidade e a própria historicidade dos corpos brincantes do Araruna. Atrelado a isso, é realizada uma discussão sobre como essas danças se delineiam no espaço-tempo na cultura norte-rio-grandense, evidenciando a memória do corpo e da Cultura de Movimento do Araruna. Percebe-se que o Grupo apresenta um grande valor cultural que não pode ser entregue ao esquecimento, porque revela a identidade de um local e os hábitos de uma coletividade. O Araruna conta sobre as narrativas que se referem à memória da dança em Natal/RN, revelando também narrativas de outras culturas, especialmente da Europa. Percebe-se que essa problemática do Grupo, bem como sua beleza, expressividade cultural e memória social pode ampliar o campo de saberes da dança na Educação Física. No capítulo dois, trazemos os aspectos objetivos e técnicos, específicos dos objetos cênicos que compõem as danças tradicionais, bem como refletimos também sobre os aspectos subjetivos e sentimentais expressos pelos brincantes do Araruna, levando em conta todo o universo simbólico existente na estética dos corpos e das danças, tendo como principal inspiração as quinze letras das músicas do Grupo (Araruna, Besouro, Bode, Camaleão, Caranguejo, Jararaca, Pau-Pereiro, Maria Rita, Sete Rodas, Miudinho, Mazurca, Maria Rendeira, O Bode, Polca, Xote, Valsa), que desvelam relações entre corpo, cultura, dança, natureza, ludicidade e sexualidade. Tais dimensões constituem forças profundas que integram, educam, animam e potencializam a existência humana. Entende-se que essas simbologias podem ampliar o olhar estético e espaço de reflexão da dança e da Educação Física, pois permite reconhecer os diferentes corpos e culturas, valorizando a riqueza das danças, saberes, símbolos, lendas, crenças, histórias, identidades, coletividades e diversidades humanas. No capítulo três, argumentamos que a memória do corpo brincante revitaliza a tradição, bem como suas danças embelezam o simbolismo da cultura e são embelezadas pelo mesmo. Os símbolos do Araruna apresentam relações estéticas que dizem respeito ao velho e à criança, à mulher e ao homem, ao animal e ao.

(27) 26. humano. A partir da metáfora do voo do pássaro Araruna, realizamos um diálogo estético sobre as significações simbólicas do Grupo através do exercício reflexivo, que buscou aguçar a leitura sobre as danças tradicionais, dialogando sobre os atos cênicos de apreciação, improvisação e criação coreográfica. Tendo a intenção de trazer alguns elementos inspiradores para a composição de uma estética da dança e do corpo para a Educação Física. Nas considerações finais, é trazida uma síntese do trabalho com apontamentos e indagações que possam contribuir para a feitura de novos estudos e composições estéticas da dança e do corpo, elaborando outros saberes e estudos na área de conhecimento da Educação Física que se debrucem sobre essa temática, mobilizando perspectivas de novas reflexões educativas, estéticas e políticas que transpassam e (ultra)passam o próprio fenômeno simbólico Araruna, compondo inéditos diálogos sobre dança, corpo, cultura, estética e Educação Física..

(28) 27. CAPÍTULO CORPO E CULTURA... CONFIGURAM UMA ESTÉTICA DA TRADIÇÃO. FIGURA 4 - Brincantes do Araruna. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.. Falar deste grupo como manifestação cultural do nosso Estado, é reviver um tempo que não volta mais, viajar pelos salões da aristocracia medieval, das festas tradicionais dos sertões do RN onde eram realizadas monumentais festividades relacionadas às grandes comemorações de colheitas, casamento de família e festa de tradição religiosa (VICENTE, 1998).. 1.

(29) 28. 1.1. AS DANÇAS ARISTOCRÁTICAS E AS FESTAS DA TRADIÇÃO Escrever sobre o Araruna vai além de uma descrição sobre um passado que se perdeu com as transformações da humanidade. Na contemporaneidade, o Grupo faz-nos buscar vestígios de valores simbólicos que fazem alusões figurativas da sociedade cortesã. Embora elabore uma análise histórica dos indivíduos nobres nos séculos XVII e XVIII, Elias (2001) apresenta os traços existenciais dos aristocratas pertencentes a essa sociedade cortesã, que se configurava por normas e valores “frívolos” da monarquia, isto é, por meio da lógica do prestígio, do status, da glória, da honra, da reputação, do poder, da hierarquia, da etiqueta, da cerimônia e da riqueza. A condição de ser um cortesão estava moldada pelas regras do absolutismo, que priorizava o poder do rei. Segundo Elias (2001), é na corte de Luís XIV, o ReiSol da França, que efetivamente se forma e se constitui a nova sociedade de corte. Integrar-se a ela, significava agir com elegância, ter bom gosto e ser capaz de descrever minuciosamente as pessoas e a si mesmo por meio de memórias, cartas e aforismos. Além de ser capaz de dominar as próprias emoções, realizando com perfeição a arte de lidar com as pessoas, dialogando com prudência, calma, diplomacia e delicadeza, bem como criando alianças duradouras, inclusive com os próprios inimigos, amenizando tensões em função de garantir sua identidade pessoal e seu prestígio social como aristocrata da corte. Para os cortesãos do Ancien Régime, a vida social se restringia a atmosfera de Paris a Versailles, lugares que configuravam relações de convívio centradas na corte: centro essencial de vida da alta sociedade e origem primordial da cultura de salão. A garantia de privilégios sociais das famílias nobres se dava através de determinados costumes obrigatórios, como o hábito periódico de fazer “[...] despesas muito altas na forma de imensos banquetes ou presentes riquíssimos, que são oferecidos principalmente para os rivais em termos de prestígio e status” (ELIAS, 2001, p.86). Portinari (1989) descreve que as cortes apresentavam uma atmosfera de teatralidade, configurando um espaço repleto de luxo, riqueza e conforto. Esses elementos eram expressos em todas as dimensões da existência social, desde festas e outras atividades cotidianas até mesmo na monumental estrutura.

(30) 29. arquitetônica. Os palácios de mármore eram muito iluminados, repletos de objetos preciosos, além de belas esculturas e pinturas, bem como rodeados por jardins e fontes. Assim cada corte se faz museu vivo e espetáculo permanente. Festas suntuosas se sucedem. Vitória militar, casamento, nascimento são celebrados com pompa, levando os cortesãos a serem ao mesmo tempo espectadores e participantes da glória do príncipe [...] Nobres e cidades entregavam-se a uma desenfreada competição no tocante a essas festas, símbolo de poder (PORTINARI, 1989, p.56-57).. Nesse contexto, acontecia a Solenidade de Basse Danse, na qual os próprios nobres serviam de intérpretes. Eles dançavam com inspiração nas festividades da antiga Grécia, de modo que a dança passou a fazer parte da educação e do convívio social, sendo codificada com regras conforme o gosto reinante da lógica aristocrática. O cultivo aos valores da Antiguidade e as ideias dos humanistas expressavam um conceito de beleza em que o corpo harmonioso e simétrico, de ideal apolínio, dançava com gestos puramente metrificados. “Logo, tornou-se necessário introduzir nas cortes a figura do mestre de dança. A ele competia, além de ensinar os passos, fazer também a marcação coreográfica em torno de um tema escolhido pelo senhor que o empregava” (PORTINARI, 1989, p.58). As regras de etiqueta social tinham muito de dança, pois havia a marcação de passos para fazer uma tradicional reverência como uma espécie meticulosa de coreografia para o dia a dia. Todas as atividades da corte eram regulamentadas por intricado cerimonial da manhã até à noite. A dança imperava no seu aspecto mais refinado e codificado na existência aristocrática, porém tinha apenas a participação masculina em seus espetáculos, sendo essa arte veementemente apoiada pelo rei Luís XIV. “Cioso de comandar homens e formas de expressão, ele criou uma série de instituições destinadas a promover e regulamentar as artes. E como o ballet o entusiasmava, a primeira, em 1661, foi a Académie Royale de la Danse” (Ibidem, p.66). No Brasil, com a presença da corte de Dom João VI, sabe-se que o casamento do príncipe herdeiro, “[...] nosso futuro Dom Pedro I, com Dona Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria, realizado no Rio de Janeiro em 1818, foi comemorado com um ballet alegórico” (Ibid., p.77). Com a Revolução Francesa, ocorreram muitas transformações culturais, inclusive nas festividades e danças. Segundo Portinari (1989, p.80), observou-se a transição da dança de diversão.

(31) 30. aristocrática para uma forma teatral, entrando em cena o Ballet romântico. Nesses espetáculos, os “[...] deuses olímpicos do ballet de corte cederam lugar aos príncipes e sílfides das lendas medievais”. As danças da corte, especialmente o Ballet, tornaram-se moda e foram difundidas por todo o mundo moderno, acompanhando o itinerário de inúmeras transformações no Ocidente. Nesse percurso, embora tematize a histórica da pedagogia, a leitura de Cambi (1999) é pertinente para um entendimento sobre o contexto social da Modernidade. Naquele período, percebemos que os corpos eram movidos pelo exercício de grandes descobertas geográficas e revoluções nos aspectos culturais, políticos, científicos, religiosos e educativos do Ocidente. Esses corpos estavam inseridos em um processo complexo e contraditório de emancipação da religiosidade e das condições de vida, conformando o sujeito às regras de comportamento mecanicistas, moldando-o às novas instituições: hospitais, prisões, escolas, entre outras. Esses espaços educativos se estruturavam pela laicização, pelo controle e pela racionalização do corpo tido como objeto científico. Essa lógica estrutural continua reverberando, sob outros tons, as situações da formação humana e convívio social em nossa contemporaneidade. Embora realize uma cartografia do Pastoril norte-rio-grandense, a leitura de Vieira (2012) é importante para refletirmos sobre o riso, a lírica, a cultura e a educação dos corpos na modernidade. Assim, sabe-se que, nesse tempo histórico, o corpo foi esquadrinhado, enquadrando-se em um regime de imagens que privilegiou a lógica mecanicista, sugerindo a regulação de gastos energéticos, múltiplas formas de controle e disciplinamento, ajustamentos médicos, além de relações de convívio pautadas pela racionalidade técnico-científica. As transformações que se operavam “[...] nas formas de educação e nos estilos de vida das pessoas foram amalgamadas numa ciência dualista pelo cogito cartesiano e impôs o crescente controle e restrição aos usos do corpo, tendo em vista sua utilidade” (VIEIRA, 2012, p.48). Segundo Vieira (2012), o pensamento de Descartes entende o corpo como uma máquina, que funciona de maneira independente da mente, sem ter nenhuma ligação com a alma e até mesmo a sensibilidade. Essa ideia de corpo-máquina influenciou a ciência, a filosofia e, sobretudo, a Educação Física, estando ainda hoje muito presente na explicação médica do funcionamento do corpo humano. Esse corpo, que se subjugou às normas terapêuticas e morais, transitou pelo mundo da arte, da pintura à dança, sendo capaz de materializar e representar o espírito da.

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