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A Complexidade de Conceitos envolvidos na Compreensão de Conteúdos sobre Respiração em Aulas do Ensino Médio

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Academic year: 2021

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A Complexidade de Conceitos envolvidos na Compreensão de

Conteúdos sobre Respiração em Aulas do Ensino Médio

Lenir Basso Zanon (PQ)1*, Fábio André Sangiogo (PG)2, Raquel Wielens Becker (IC)3, Tânia Regina Tiecher (IC) 4. bzanon@unijui.edu.br

1, 2, 3 e 4

Rua São Francisco n° 501, sala: 214 – Gipec-Unijuí, Bairro São Geraldo – Ijuí – RS, CEP- 98700-000. Palavras Chave: formação docente, interações triádicas, ensino sobre respiração.

RESUMO: Busca-se desenvolver, em aulas da licenciatura, conhecimentos pedagógicos dos conteúdos do ensino escolar, contando com mediações de professores do Ensino Médio (EM ), em contextos de aulas de co nteúdos específicos, na perspectiva de enriquecer as interações , na formação, contribuindo para a problematização de concepções e práticas docentes explicitadas e (re)significadas articuladamente a discussões sobre o ensino de tais conteúdos. Resultados de pesquisa são construídos a partir de registros em áudio e agenda de campo de falas de licenciandos, professores do EM e da universidade, simultaneamente presentes em aulas do componente curricular

Bioquímica II do curso de licenciatura em Ciências Biológicas, frente à questão de pesquisa: como as interações

possibilitam, em aulas da Licenciatura, reflexões sobre formas de tratamento pedagógico ao conteúdo respiração? Que tipos de conhecimentos sobre a prática docente no EM são propiciados pelo Módulo e como ele contribui na formação dos sujeitos participantes ?

A problemática que deu origem à pesquisa que vimos desenvolvimento situa-se na necessidade de (re)significar concepções de formação para a prática docente, em busca de sobre elas refletir, na perspectiva de superar a relação dicotômica historicamente instituída entre os mundos acadêmico e o da prática escolar. Na racionalidade técnica, convive-se com uma indesejável desarticulação entre conhecimentos decorrentes da pesquisa científica e saberes produzidos na prática profissional docente; entre princípios, teorias e problemas reais da prática escolar. Conteúdos disciplinares de cunho pedagógico professados em aulas da licenciatura não ganham lugar de inserção enquanto conhecimentos teóricos relevantes para realimentar necessárias melhorias dos currículos escolares.

Segundo dizeres de Schön (1983), essa dicotomia é decorrente da visão da atividade profissional como mera aplicação de soluções produzidas fora da prática. Na racionalidade técnica os problemas práticos são resolvidos mediante a aplicação de teorias e técnicas gerais e padronizadas, derivadas da ciência, sem levar-se em conta a complexidade e os condicionantes da prática, sua singularidade, incerteza e seus conflitos de valores.

Corroboramos os dizeres de Marcelo (1998), de que o ensino e a formação docente, fechados em seus muros, tardam a refletir sobre si mesmos e não resistem a sua própria conceitualização. Segundo o autor, a profissão docente impõe uma multicidade de dimensões formativas, tanto no conhecimento dos conteúdos do ensino quanto em conhecimentos sobre o exercício da prática profissional. A formação docente necessita articula r múltiplos saberes e

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fazeres, a exemplo do conhecimento do conteúdo do ensino, de conhecimentos didáticos sobre o conteúdo do ensino, de conhecimentos psico-pedagógicos, conhecimentos sobre o contexto escolar e outros. Isso coloca a importância de desenvolver, na formação de professores, formas de (re)significação conceitual de prática docente, enquanto objeto de conhecimento necessário de ser compreendido como um conceito amplo, complexo e dinâmico, que não se mostra por si só, carecendo, pois, de atenção, enquanto produção histórica/social, na perspectiva do desenvolvimento de novos processos de (re)elaboração, em contextos formativos diversificados, a começar pela licenciatura.

Assim, nossa atenção volta-se ao desafio de problematizar, em espaços de formação de professores, práticas, concepções, teorias na perspectiva de promover processos deliberados de reconceitualização sistematicamente (re)criados, nas interações, como forma de complexificar as elaborações conceituais. Isso, prestando atenção às teorias com base nas quais os sujeitos refletem sobre a prática docente, na perspectiva de incrementar focos de formação profissional. Assumimos, assim, que práticas e teorias são, ambas, criações humanas, históricas, culturais, a serem sistematicamente (re)criadas, nas interações constitutivas da formação.

Nesse sentido, indaga Schnetzler (2000, p. 18): já que os licenciandos não podem ensinar um conteúdo químico do mesmo modo como o aprendeu na disciplina de química, “com quem aprenderão sobre o que, como e por que ensinar determinado conteúdo químico nas escolas? Certamente não será com os pedagogos, pois esses sabem outras coisas, mas não Química.” Cabe ao professor fazer a necessária recontextualização didática do conteúdo químico, justificando-se, assim, a importância de possibilitar, da licenciatura, aprendizados e reflexões sobre formas de tratamento pedagó gico aos conteúdos do ensino, tornando-o didaticamente disponível para a aprendizagem dos estudantes em contexto escolar.

Essas considerações referendam a importância de desenvolver formas de contraposição à idéia, ainda bastante difundida, de que para ensinar basta dominar os conteúdos do ensino. Nesse sentido, vimos desenvolvendo uma pesquisa com o propósito de planejar, implementar e analisar interações triádicas, simultaneamente, de licenciandos (L), professores do Ensino Médio (PEM) de Química (PEMQ), Biologia (PEMB) e professores da universidade (PU), conforme proposto por Zanon e Schnetzler (2001), para o que são desenvolvidos e acompanhados Módulos Triádicos em aulas de componentes curriculares (CC) das Licenciaturas de Química ou de Ciências Biológicas da UNIJUÍ.

A partir do 2º semestre de 2006, foram realizados 6 (seis) Módulos, nos quais, as turmas, divididas em grupos, realizaram pesquisa coletiva, usando fontes diversificadas sobre assuntos vivenciais relacionados ao CC e sem prejuízos ao andamento regular do mesmo, bem

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como analisaram livros didáticos da área dirigidos ao EM. Dois dos seis Módulos de Interação

Triádica realizados trataram do assunto respiração: (i) o Módulo I, junto ao CC Química Biológica II do Curso de Química, no segundo semestre de 2006, que contou com a

co-participação de 7 PEM e (ii) o Módulo II, desenvolvido no CC Bioquímica II do Curso de Ciências Biológicas, no primeiro semestre de 2007, com a co-participação de 4 PEM.

Este trabalho apresenta e analisa, especificamente, alguns resultados construídos a partir das transcrições das falas registradas no Módulo II. Inicialmente, a professora do CC havia motivado os licenciandos a analisarem o comparecimento de conteúdos de Bioquímica em livros do EM, em especial sobre respiração, e a elaborarem subsídios ao ensino desse assunto no EM. A turma fo i dividida em grupos, cada um responsável para preparar um material e elaborar questões a serem discutidas com os professores, sobre a mediação de conhecimentos sobre

Bioquímica em aulas do EM. Através de carta-convite, professores do EM foram convidados a

participar do Módulo, que contou com a presença de 4 PEM (3 PEMB e 1 PEMQ), 19 L (18 de Ciências Biológicas e 1 de Química) e 1 PU.

As interações dos sujeitos participantes foram registradas (áudio e agenda de campo) permitindo, após degravação, produzir e analisar resultados de pesquisa, neste texto, discutidos em busca de resposta à questão de pesquisa: como as interações possibilitam, em aulas da Licenciatura, reflexões sobre formas de tratamento pedagógico ao conteúdo respiração? Que tipos de conhecimentos sobre a prática docente no EM são propiciados pelo Módulo e como ele contribui na formação dos sujeitos participantes?

Partimos do pressuposto de que trazer PEM para contextos formativos como o da aula de Bioquímica II pode contribuir para enriquecer as interações que constituem o professor, na medida em que concepções e práticas docentes são problematizadas e (re)significadas, articuladamente a abordagens relativas a conteúdos do ensino escolar.

ACOMPLEXIDADE DA CIÊNCIA E O ENSINO SOBRE RESPIRAÇÃO NO NÍVEL MÉDIO

A educação, muitas vezes, não acompanha mudanças da sociedade. Frente a isso, buscamos contribuir para a promoção de mudanças nas práticas escolares, por meio de ações de formação docente desenvo lvidas e investigadas a partir do pressuposto de que as concepções pedagógicas e epistemológicas dos professores têm amplas e profundas implicações em suas práticas, por marcar o ensino, as aprendizagens, a formação e as práticas. Isso coloca a importância de explicitar e discutir visões de ciência que permeiam os contextos de aulas em que se ensina e aprende ciências.

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Nessa perspectiva o Módulo II permitiu ricas interações, discussões e reflexões. No CC, um dos grupos havia confeccionado um jogo didático (tabuleiro) que simulava o catabolismo celular da glicose. Licenciandos praticaram o jogo antes das discussões, o que lhes exigia o uso de conhecimentos bioquímicos e do mapa metabólico. A professora do CC apresentou slides disponibilizados por um livro de EM, sobre “Metabolismo Energético: Fermentação e Respiração” (www.editorasaraiva.com.br/biosonialopes), que tratavam de conceitos complexos (NAD, FAD, ATP, funcionamento da cadeia respiratória), usualmente verbalizados, mas precariamente significados em aulas, na universidade e no EM.

Os licenciandos haviam estudado o metabolismo celular e tinham sobre suas mesas mapas metabólicos por eles confeccionados, com representações de vias metabólicas, cada uma contendo, por sua vez, representação das respectivas reações enzimáticas. Em aulas do CC, com o uso do mapa metabólico, estudos focalizavam relações entre as vias metabólicas. Os trechos de falas a seguir, registrados no Módulo II, mostram que manifestações traziam à tona a problemática das concepções de ciência e de conhecimento, em suas implicações no ensino de conteúdos bioquímicos, que eram objeto de reflexão, por envolverem fórmulas de estruturas em nível molecular e supramolecular bastante específicas e complexas. A mediação de PU denota a intencionalidade de colocar em discussão visões sobre a natureza dos conhecimentos envolvidos nas explicações bioquímicas sobre a respiração, à luz do mapa metabólico.

PU: Várias vezes eu provoco, aqui, a turma. Eles estão com o mapa metabólico, ali. Então, como a gente encara toda essa teoria explicativa, representativa daquilo que seria uma situação real, que é, em fim, o funcionamento do organismo? E aí? Que célula seria essa? Que organismo é esse? Em fim, são tantas as questões! E, às vezes, nos livros, as afirmações vêm prontas: “Isso é assim! Isso é assado!” E não há uma visão da história, de que nem sempre se pensou assim, de quando é que foi (...), em que contexto é que se começou a pensar que o metabolismo acontece assim, por exemplo. Então, veja bem, esse é um ponto que, na Bioquímica, está sempre presente. Não só na Bioquímica: em qualquer aula. Numa aula de Química, de Biologia: como é essa história da “verdade”? Qual é a resposta “verdadeira”? Certa? Então, é verdade, até que se ...

PEMB1: Até que se prove o contrário.

O depoimento direcionava para uma reflexão relacionada com as concepções de ciência e de conhecimento científico escolar, no âmbito das discussões sobre os conceitos bioquímicos envolvidos na explicação sobre a respiração, permitindo que os estudantes entendam o que se estuda em sala de aula e relacionem os conhecimentos bioquímicos com a sua vivência. PU fala da especificidade do conhecimento químico trazido em livros didáticos e, ao mesmo tempo, questiona a possível visão como “verdades” a serem levadas às salas de aula. Poucas veze s são possibilitadas, em aula s de CC como o de Bioquímica, reflexões sobre a natureza dos

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conhecimentos, ou seja, reflexões de cunho epistemológico. Geralmente, o que consta no livro didático, ou até mesmo o que é dito pelo professor, é visto como verdade dogmática. PU questiona va essa visão, trazendo à tona considerações sobre a complexidade envolvida no conhecimento científico e a importância de sua contextualização histórica, enquanto “verdades provisórias” (Lopes, 2007). PEMB1, seguindo o raciocínio completa a fala de PU. Após, PU trazia a mediação de que, na ciência, os conhecimentos não são “provados”.

No ensino muitas vezes as explicações dos conteúdos e conceitos não contemplam relações com saberes e vivências dos estudantes. As falas iniciais do episódio mostram preocupações relacionadas à valorização de aprendizados de conteúdos bioquímicos articulados, de alguma forma, com situações vivenciais, à importância da atenção, por parte do professor, de propiciar condições favoráveis a um ensino dinamicamente contextualizado, no qual os estudantes possam produzem sentidos aos significados dos conceitos científicos mediados em aula, estabelecendo redes de relações entre si e com saberes ine rentes a situações vivenciais. Interlocuções remetiam para reflexões sobre a formação e a prática do professor, no âmbito da temática da respiração em livros didáticos usados em aulas do EM.

PU: Então, a gente vê nos livros que isso [respiração] aparece hoje bem explicado, esta parte da membrana [mitocondrial] etc.

PEMB1: Sim.

PU - É bom vocês olharem. Têm outras...

PEMB1: Falamos tudo isso, nas aulas, glicólise, proteínas, lipídios... PEMB2: É.

PEMB1: Eles dois [licenciandos que foram alunos de PEMB1 no EM] tiveram essa parte de Citologia no primeiro ano.

PEMB2: Dependendo do tempo que tem para dar certo conteúdo, a gente tem que avançar. Demora uns quatro meses. E um professor lá do EM, vai ter que ir rápido, vai ter que se adiantar muito para dar todo esse conteúdo. E, também, tem o tempo do aluno não é PEMB1?

PEMB1: É. Depende do entendimento do aluno.

PEMB2: É cobrado tudo lá no final, mas eles ainda não estão conseguindo.

PEMB3: E tem muita cobrança dos pais também, que ficam comparando as escolas.

PEMB2: A realidade é diferente de escola a escola.

PU: Deixa eu perguntar para a professora. Mais antigamente, lá na Escola, como é que compareciam nos livros do EM esses conteúdos de respiração. Lembra?

PEMB2: Não mudou muito.

PU: Mas já tinha, por exemplo, essas estruturas... a respiração já tinha...

PEMB3: Agora os livros são mais coloridos, desenhos maiores, têm textos complementares, também que, no passado não tinha. Agora tem, está melhor. PU: Os ATPs tudo já tinha?

Nesse episódio, os professores comentam sobre a evolução que os livros didáticos vêm apresentando, trazendo à tona a complexidade dos conteúdos referentes à respiração nos livros

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do EM, aliado à falta de tempo para os ensinar adequadamente, mediante uso de conceitos necessários ao entendimento do funcionamento da respiração.

Percebe-se hoje, uma diversidade muito grande de livros didáticos à disposição dos professores, com uma diversidade de abordagens e de formas de apresentação dos conteúdos escolares. Algumas escolas, ainda definem o cronograma de ensino dos conteúdos aliado ao livro didático que o professor “segue”, confundido com o programa de ensino. Discutia-se no Módulo sobre problemas inerentes a explicações e representações de noções bioquímicas, que, por serem bastante complexas, envolvem compreensões conceituais necessárias de serem mediadas junto aos estudantes, tendo-se discutido formas de explicar figuras, esquemas e modelos explicativos representativos catabolismo da glicose. As interlocuções prosseguiam e, em meio a elas, uma licencianda indagou aos PEM sobre como eles “interligam” os conteúdos na escola.

L1: Assim como a colega [licencianda] falou, os livros têm tudo resumido e cada um dentro de sua área. Como vocês interligam, no EM, por exemplo, com outras questões, para que o aluno entenda como se utiliza, por exemplo, o ATP nas atividades fisiológicas do corpo, do organismo?

PU: A relação entre o alimento e a respiração.

L1: Que a respiração fisiológica quer dizer um monte de coisas, por exemplo. PU: Na respiração pulmonar, você está pensando a pulmonar e a celular? L1: É, como vocês interligam isso para que o aluno de EM entenda? PU: É possível PEMB1?

PEMB1: É possível sim. Eu não sei se a colega pensa assim também. O nível de profundidade do mapa metabólico a gente não trabalha com eles.

PU: Eu sei que não. E nem deve.

PEMB1: Nós aprendemos isso na faculdade, mas isso não é um nível de exigência no EM. Como essa semana, eu trabalhei com uma turma o Ciclo de Krebs. E eu disse: “gente o Ciclo de Krebs envolve muito mais do que isso.” E eu disse sério pra eles: “eu não sei muito, além disso.”.

PU: Mas apareceram os nomes dos intermediários ou não? O oxalacetato ... PEMB1: Apareceu, sim. A liberação do ATP, dos 3 NAD, do FAD ... PU: As 8, 9 etapas com os nomes dos intermediários?

PEMB1: E eu disse para eles que eu não sei muito, além disso. E o que eles precisam saber, em nível de EM, é isso aí. E se algum deles, quando se formarem, vão à faculdade, se algum for cursar Bioquímica, eles vão ver e aprender lá adiante.

PU: No fundo você queria dizer que a explicação química seria feita depois.

A indagação da L1 denota o interesse em refletir sobre a forma como os professores interligam os conteúdos, no ensino escolar, suscitando discussões sobre a perspectiva interdisciplinar do ensino, considerando-se que cada livro traz apenas os conteúdos de uma das disciplinas/aulas. A questão provocou novos depoimentos e discussões que acenavam para a concretização de uma educação escolar com qualidade renovada, na prática das salas de aula, com horários de estudo e planejamento interdisciplinar, de forma que favoreça a interligação, por

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parte dos estudantes, de conteúdos e conceitos ensinados em suas aulas. Foi importante também, a fala final de PEMB1 de que “E eu disse sério pra eles: eu não sei muito, além disso. E o que eles precisam saber, em nível de EM, é isso aí. E se algum deles [...] for cursar Bioquímica, eles vão ver e aprender lá adiante.”, a visão de que o professor não sabe tudo.

Discutia-se que, em aulas de Citologia no EM, ministradas por professores habilitados em Biologia, estudos sobre estruturas e funções das organelas usualmente não adentram nos fundamentos químicos das explicações, a exemplo, de explicações sobre o metabolismo celular mediante explicações limitadas a expressões de caráter formal (NADH, FADH2, ATP, GTP), para as quais os estudantes não produzem sentidos e não estabelecem relações capazes de uma compreensão enquanto sistema conceitual que configure um pensamento dinamicamente articulado pelas linguagens e significações escolares.

PEMB1: Sobre a glicólise que você perguntou, quando a gente falou em glicídio, a gente falou nos monossacarídeos, dissacarídeos, polissacarídeos, que são ensinados, numa escola, junto com a Química. Noutra não. Agora, quando a gente tá trabalhando conteúdos da respiração celular, muitos deles apesar de ter trabalhado no primeiro grau - eu sei por que eu sou profe desde os peque nininhos, desde a primeira série - agora que eu estou no EM, eles ainda tem uma idéia de que gás oxigênio entra e sai gás carbônico do pulmão. Poucos deles, dizem que é ar. Daí, do pulmão vai pra onde? Daí, tu faz com eles, conversa com eles, todo trajeto. Daí, a glicose vai pra célula. Daí, o que acontece com essa quebra da molécula de glicose, que fornece energia. “Energia pra que? Ah profe, energia para todas as atividades”. E quando a gente dorme a gente gasta energia? “Sim, a glicose”. Nosso organismo continua funcionando, coração batendo. Eles têm uma boa compreensão disso. Não era isso que você queria saber?

Houve interesse em discutir o depoimento de PEMB1 de que idéias sobre respiração expressas pelos estudantes do EM denotam conhecimentos incoerentes com a explicação científica escolar. A idéia de que o “gás oxigênio entra e sai gás carbônico do pulmão” pode decorrer da forma como a respiração foi abordada em séries anteriores. O depoimento de que “poucos deles dizem que é ar” permitia discutir que o uso de uma linguagem inadequada pode criar obstáculos à compreensão esperada, a de que o ar contido no s pulmões (expirado) contém um teor maior de gás carbônico do que o ar atmosférico (inspirado) e que este contém um teor maior de oxigênio do que o contido nos pulmões. O aprendizado sobre a respiração é mais significativo ao estudante quando as explicações conceituais são relacionadas com vivências, mas isso não reduz a complexidade e o grau de dificuldade dos conhecimentos no ensino, a exemplo do mapa metabólico como representação do que acontece no organismo humano.

É importante promove r reflexões, na formação inicial de professores, sobre como ensinar os conteúdos no EM e sobre implicações, no ensino, de concepções de conhecimento, de

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ciência, na perspectiva de romper com visões simplistas da prática educativa como instância de mera aplicação de teorias produzidas nas ciências, vistas como verdades prontas e acabadas. Os conteúdos do ensino são possíveis de serem mediados mediante relações com o dia-a-dia dos estudantes, mas os mesmos não “enxerga m” os objetos teoricamente criados nas ciências. Quando simplesmente memorizam os conteúdos, sem pensar conceitualmente em torno deles, sua aprendizagem será superficial, mecânica, passageira e sem relevância para suas ações, interações e vivências, o que pode ser remetido a uma concepção empirista-indutivista de ciência, como se o cientista a produzisse mediante captação, pelos sentidos, de ‘verdades’ presentes, antes, no real dado. Por isso, é importante que a formação de professores de Ciências Naturais propicie compreensões e reflexões fundamentadas na visão de ciência como um contexto social específico, pleno de instrumentos culturais a serem mediados nas interações, cientes de que Ciência (e o conhecimento) não vem da ‘aparência’ das coisas, não vem da observação sensorial. Sendo criações historicamente construídas, os conceitos científicos precisam ser mediados e dinamicamente significados em salas de aula, mediante produção de sentidos, em contextos, sobre ‘algo’ no mundo real, o que não reduzirá a sua complexidade, frente ao papel específico da escola, que é o de propiciar o acesso aos conhecimentos universalmente produzidos, em especial, os das ciências, e cabe a ela proporcionar formas de apropriação, pelos estudantes, das explicações científicas sobre o mundo real, sendo essencial a constante busca por atualização. Prosseguiam discussões sobre a visão de que um professor nunca estará com sua formação finalizada, valorizando-se a visão do professor como um intelectual, um estudioso, um pesquisador, que está sempre em busca de novos conhecimentos, sempre aberto para mudanças, em suas concepções e práticas.

PEMB1: (...) o que estou contando para vocês, é sobre uma questão que tem no livro do terceiro ano da minha escola, e que neste ano me apertou. Chegou em uma [questão] que era pura Química. “Vamos fazer o que? Vamos até a professora de Química!”. E realmente partimos para a professora de Química

PU: Que bom! Isso mesmo!

PEMB1: E daí as pessoas dizem, eu acho assim ... quando a gente não sabe ... Tem muita coisa que a gente não sabe. E todos vão sair da faculdade e vão ter que estudar muito. Tem muita coisa que a gente não sabe.

PU: Com certeza.

PEMB1: Isso vale para o resto da vida da gente: todo ano você vai acrescentando coisas novas. E é muitas coisas.

PEMB2: E o quanto é importante o colega da gente, de Química, como essa compreensão [química] é boa, pra eles [estudantes do EM]. Isso ajuda a explicar. PEMB1: E a professora de Química olhou, observou e fez a questão. Explicou para a menina e para mim, eu e elas juntas ali. Então, voltamos à sala de aula, e eu expliquei, e a menina me ajudou. Então ficou clara a questão [resposta à questão].

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As falas denotam uma condição interativa que favorecia, em aula da Licenciatura, a verbalização de idéias sobre a prática docente escolar que, segundo o referencial histórico cultural (Vigotski, 2001), contribui no desenvolvimento de pensamentos aliados à visão do professor como um intelectual. Tal condição advinha da existência de um objeto referente comum, no Módulo, que era a abordagem de conceitos/conteúdos de Bioquímica envolvidos no ensino da respiração no EM. Discutia-se que os acadêmicos não saem da licenciatura sabendo tudo, que o professor é sempre um estudioso, em seu campo disciplinar de formação e que, em suas aulas na escola, necessita e conta com a ajuda de professores de outras disciplinas.

Percebia-se a inquietação e angústia dos licenciandos, ao serem colocados mais de perto ao desafio que os espera pela frente: de virem a atuar em aulas como professores do EM. A manifestação de PEMB1 “Vamos fazer o que? Vamos até a professora de Química!” contribuía como importante media ção sobre o pensamento de que, ao sair da universidade o jovem professor não terá o domínio de todo o conteúdo que eles terão que ensinar aos estudantes do EM. Mesmo após tantos anos de atuação profissional, PEMB1 continua sempre a estudar e conta com a sistemática ajuda dos professores das outras disciplinas.

Consideramos importantes discussões e reflexões como as que acompanhavam as mediações das professoras do EM, no sentido de superar a visão simplista de que “ensinar é fácil” (Carvalho e Gil-Pérez, 1993).Ainda que orientações de professores da universidade sejam feitas no sentido de esclarecer que o professor não vai “saber tudo”, essa é uma angústia que acompanha a formação dos licenciandos. Depoimentos como os mostrados do episódio, em que o próprio professor de EM diz que “todos vão sair da faculdade e vão ter que estudar muito. Tem muita coisa que a gente não sabe” vêm ao encontro de amenizar a angústia vivida pelos futuros professores, na medida em que eles possam perceber que, mesmo que m está na prática docente em uma sala de aula há vários anos, também tem e terá dúvidas, sendo importante o domínio dos conhecimentos básicos da disciplina e, por outro lado, a postura de professor como intelectual, sempre em busca de novos conhecimentos. Dessa forma o professor que está em constante estudo, supre dúvidas buscando respostas para novas e importantes questões que vão surgindo ao longo de sua vivência na prática escolar, temática em torno da qual prosseguiam as interlocuções, no Módulo. PU valorizava e reafirmava o pensamento mediado por PEMB1 :

PU: (...) Ele [professor do EM] vai estudando, vai se aperfeiçoando. Se você na hora não têm todas as respostas para as questões, vão falar com o professor de Química, como a professora [nome] não é? Vão se informar. Professor não é aquele que tem que ter todas as respostas prontas na hora. O mais importante é que ele aprende também (...)

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PEMB1: Não se acomoda. A gente está sempre estudando. Tanto é que os encontros de terça feira [momento de estudo e pla nejamento em conjunto na escola é um momento que a gente se encontra, e estuda muito!

As ciências evoluem constantemente, de forma que se torna impossível um professor acompanhar todas as evoluções, compreendê- las, estudá-las e repassá- las aos alunos. Embora nem todos os professores e escolas vivenciem e veiculem a postura manifesta por PEMB1, discutia-se, no Módulo, a idéia que se foi o tempo em que o professor era um mero repetidor de conteúdos e respostas prontas, como se a Ciência fosse limitada ao pacote de ‘verdades’ contidas num livro didático. É preocupante a sala de aula na qual não são formuladas questões importantes, sobre algo para o que o professor não tem resposta pronta e imediata. É lamentável associar ao professor a visão de alguém que ‘sabe tudo’, aliada a visão, por parte de pais, por exemplo, de que a Ciência se resume ao ‘conteúdo pronto e acabado’ que consta no livro didático. Se um professor não desenvolve adequadamente a sua prática docente, isso não pode ser visto de forma simples. As mediações das professoras do EM contribuíam para o desenvolvimento da visão de que o professor está em processo de aprendizagem constante, visão de extrema importância, pois se admitirmos um professor que saiba tudo, incorremos na visão de que o professor é dono da ‘verdade absoluta’ e que está na sala de aula apenas com a função de transmitir/repassar conteúdos, desmerecendo a real função do professor como mediador das aprendizagens dos estudantes.

Ante a consideração da complexidade dos conhecimentos bioquímicos necessários à compreensão escolar da respiração, vinham à tona discussões sobre o professor limitado ao “vencer” conteúdo, ao invés da preocupação com o efetivo entendimento, capaz de ajudar numa compreensão e ação qualificadas no meio, por meio da inserção de conhecimentos que permitam a transformação social da vida cotidiana, para melhor. Discutia-se, também, sobre provas, como as do vestibular, que podem ser encaradas como obstáculos ao desenvolvimento de mudanças na organização curricular das escolas, dificultando a organização do ensino das disciplinas pautada em processos de conceitualização e contextualização dinamicamente relacionados entre si.

PU: Um professor lá no EM, vai ter que se adiantar muito, para dar todo esse conteúdo. E, também, tem o tempo do aluno, não é colega?

PEMB1: É. Depende do entendimento do aluno.

PEMB2: É cobrado tudo. Lá no final eles ainda não estão conseguindo.

PEMB4: Esta é minha dúvida. Acho que professores do EM são cobrados, na universidade, por certos conteúdos. Daí aumenta [os conteúdos]. E todo mundo sabe que não é esse tipo de educação que é o correto.

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PEMB4: É. O melhor daquilo que a gente se propõem, aquilo que os PCN propõem, que é o ensino contextualizado e interdisciplinar que se planeja. A escola propõe, mas acaba não possibilitando.

PEMB3: E tem muita cobrança dos pais, também, que ficam comparando das escolas.

PEMB2: É muita correria de conteúdos. E não se pára. Não se pensa. No final de semana eu estava fazendo vinho, eu estava fazendo queijo, pão ... E a gente não se dá conta que isso é a aula que nós temos ... Acho que conseguiríamos ir muito mais adiante, e nossas aulas seriam mais interessantes.

PU: O desafio é a enxurrada de cobrança do conteúdo. De vencer conteúdo. L2: Porque se trabalham para o vestibular, não trabalham para o aluno aprender ... PEMQ5: Que importância tem tudo isso? Será que se aprende alguma coisa? PEMB1: Eu tenho uns quantos alunos que dizem: “profe tá muito rápido”. Enquanto outros vão dizer: “vamos lá, vamos lá, que eu quero aprender”.

PU: E o que você faz? Você vai olhar para aqueles que querem aprender?

PEMB1: Eu vou olhar para aqueles que estão pedindo, por que, acima de tudo, a escola vai cobrar, o pai vai cobrar. Agora, o que fazer?

PEMQ5: E às vezes, os conceitos mais importantes, em que se deveria dar mais ênfase, são passados muito rápido. E dá-se importância para coisas que o aluno nem quer saber.

PEMB1: Enquanto não mudar o vestibular, os nossos alunos, os pais dos alunos não vão mudar.

A concretização das mudanças na educação é complexa. Como se percebe no episódio anterior, professores, preocupados com cobranças dos pais, muitas vezes acabam por acomodar-se numa mera transmissão de conteúdos, “tudo muito rápido”, ainda que o estudante, dentro de seu tempo de aprendizagens, não tenha condições para de fato compreender os conteúdos e saber contextualizá- los em suas vivências. Nessa perspectiva, muitas vezes por cobranças dos pais, da direção e também dos estudantes, o professor desenvolve os conteúdos de forma linear e pouco contextualizada sem valorizar a relevância social daqueles conteúdos, apenas os decorando para passar em provas de vestibular. Q uestionava-se o fato de, com isso, acabar-se esquecendo daqueles estudantes que realmente esperam aprender de forma significativa, não apenas limitar-se à memorização de conteúdos de forma mecânica. Analisando pelo ponto de vista daqueles estudantes que não farão o vestibular, podemos pensar que eles não estariam recebendo uma boa educação, uma educação proposta pelas recentes pesquisas e orientações curriculares educacionais, onde com a educação almeja-se que o aluno compreenda e atue, responsavelmente, nas mais diversas situações de sua vida cotidiana.

Ao se discutir, no Módulo, sobre a visão de que, em aulas do EM, para aprender conhecimentos teóricos como de Bioquímica é importante articulá- los com situações vivenciais, a exemplo da respiração, foi ressaltado que, da mesma forma, para aprender a ser professor, a prática docente também necessita ser compreendida com teorias pedagógicas, historicamente

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construídas na área da educação, sendo necessário, ao professor, conhecer, por exemplo, teorias sobre a interdisciplinaridade, como tratada nos PCN (Brasil, 2006) e em outras fontes.

A partir de resultados como os anteriormente apresentados, reafirmamos a importância de desenvolver espaços de interação capazes de enriquecer a formação de professores, na perspectiva de compreendê- los e valorizá- los como caminho para, promovendo formas de articulação entre teorias e práticas educativas, construir melhorias na formação escolar.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Interlocuções propiciadas pelas interações no Módulo Triádico acompanhado contemplavam conhecimentos pedagógicos referentes ao ensino de respiração no EM, mediante linguagens e significados conceituais em complexas redes de relação, suscitando reflexões sobre a necessária abertura para permanentes estudos e atualização, sabendo lidar com inseguranças e incertezas típicas aos contextos da prática profissional. No cotidiano escolar, estudantes e professores aprendem juntos. Abertos a novas aprendizagens e cientes de que a ciência não é uma verdade absoluta, desenvolvem-se como sujeitos críticos e responsáveis, em suas interações e ações nos meios em que vivem, mediante a inserção de conhecimentos socialmente relevantes possibilitados pela aprendizagem tipicamente escolar (Lopes, 2007). Dessa forma, as interações propiciadas pelo Módulo contribuem para uma melhor formação dos sujeitos dele participantes.

REFERÊNCIAIS:

Brasil, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para o

Ensino Médio. Brasília, vol. 2, 2006.

Carvalho, Anna Maria P.; GIL-PÉRES, Daniel. Formação de professores de ciência. São Paulo: Cortez, v.26, 1993.

Lopes, Alice C. L. Currículo e epistemologia. Ijuí: Unijuí, 2007.

Marcelo, Carlos. Pesquisa sobre a formação de professores: o conhecimento sobre aprender a ensinar. In: Revista Brasileira de Educação: Revista da ANPEd. 9.1998, p. 51-86.

Schnetzler, Roseli P. O Professor de Ciências: problemas e tendências de sua formação. In. Schnetzler, Roseli P.; Aragão, Rosália M. R. de (orgs). O Ensino de ciências: fundamentos e abordagens. Piracicaba: UNIMEP/CAPES, 2000, p.12-41.

Schön, Donald. The Reflective Practitioner. New York: Basic Books, 1983.

Vigotski, Lew S. A construção do Pensamento e da Linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Zanon, Lenir B.; Schnetzler, Roseli P. Interações triádicas de licenciandos, professores de escolas e formadores na licenciatura de química/ciências. In. Enseñanza de las Ciências, Barcelona: UAB, n° especial, Tomo 1, p. 413-414, 2001.

Referências

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