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PAULA ALEXANDRA RAMALHO ALMEIDA THOMAS PAINE A RAZÃO DA LIBERDADE

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Academic year: 2021

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AZÃO DA

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IBERDADE

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO MESTRADO EM ESTUDOS ANGLO-AMERICANOS

Cultura Inglesa

PORTO

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Nota de 2018: Trabalho apresentado à Professora Doutora Margarida Losa e agora recuperado numa singela homenagem ao seu legado enquanto docente e investigadora.

Et par le pouvoir d’un mot Je recommence ma vie Je suis né pour te connaître Pour te nommer

Liberté.

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Tudo em Rights of Man conflui para o centro iluminista que tem como fundamento a razão, uma nova forma de fé que substitui dogmas e que torna o mundo mais transparente. Assim, o conceito de liberdade exposto em Rights of Man – que não chega a ser formulado com base num determinado sistema filosófico – radica no pressuposto de que a capacidade racional do homem é suficiente para permitir distinguir o bem do mal. Esta concepção aponta, em última análise, para o termo

maioridade, utilizado por Kant na sua obra intitulada Crítica da Razão Pura e que

define claramente a nova importância concedida à faculdade de julgar do homem e, sobretudo, ao poder da racionalidade1. Em Rights of Man enfatizam-se os princípios desta maioridade, cuja constante reafirmação textual serve de alicerce ao desenvolvimento coerente dos fundamentos da liberdade, aliado à defesa peremptória dos direitos humanos e civis.

Os direitos humanos são um produto do século XVIII. A Inglaterra fora pioneira na repressão de poderes absolutistas, como aliás se comprova pela Carta Magna, de 1215, a primeira declaração de direitos europeia, e o primeiro tratado jurídico que protege o «homem livre» (sub-entenda-se «nobre») de prisão sem justa causa. Contudo, os artigos 39 e 40 deste documento que se referem a este direito asseguram, mais do que a liberdade do cidadão comum, os deveres da coroa perante a lei2. A propósito do valor deste documento, Paine afirma: «Magna Carta, as it was called, (...) was no more than compelling the government to renounce a part of its assumptions»

1 David Hume, cujo pensamento vem na sequência do determinismo de Hobbes, já não

demonstra o mesmo optimismo em relação ao funcionamento da razão: «Ambition, avarice, self-love, vanity, friendship, generosity, public spirit: these passions, mixed in various degrees, and distributed through society, have been, from the beginning of the world, and still are, the source of all the actions and enterprises, which have ever been observed among mankind.» Enquiry Concerning Human

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(1985: 192). Inserida no iluminismo e imbuída de uma visão newtoniana do universo, a obra de Paine, embora não conteste, de forma alguma, a autoridade da lei, destaca a primazia do princípio universal (Kriele, 1982: 63). A liberdade já não depende directamente de uma lei em particular, mas sim da apreensão do mundo como um todo e do ser humano como uma única espécie (Paine, 1985: 208). Sem esta consciencia-lização do rosto humano e das características que o diferenciam dos animais, não seria possível determinar a sua igualdade essencial, cuja confirmação justifica a existência da liberdade humana.

No entanto, a igualdade essencial não aponta para uma igualdade ilimitada, em que as distinções individuais sejam abolidas. Aliás, o primeiro artigo da Declaração de Direitos elaborada pela Assembleia Nacional francesa refere que cada um é igual apenas no que concerne os seus direitos (Paine, 1985: 110), cada um tem igual direito à liberdade e à dignidade (Kriele, 1982: 56). O estatuto social é atribuído consoante a utilidade pública do indivíduo, renegando assim qualquer pretensão de alcançar um nivelamento social. Em resposta a acusações de que os direitos do homem são niveladores, colocando todos os individuos ao mesmo nível, Paine argumentou: «We have heard the Rights of Man called a levelling system; but the only system to which the word levelling is truly applicable is the hereditary monarchical system. It is a system of mental levelling» (1985: 172). Assim, o conceito de igualdade surge como uma abstracção que decorre de um processo de isolamento de características comuns a toda a espécie humana, extraindo da dissemelhança a essência da identidade. Por outro lado, a igualdade tem raiz na dignidade humana, que advém da suposição de que

2 Cf. Magna Carta: «39. No freeman shall be taken, or imprisoned, or disseized, or outlawed, or

exiled, or in any way harmed--nor will we go upon or send upon him--save by the lawful judgment of his peers or by the law of the land; 40. To none will we sell, to none deny or delay, right or justice.»

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todos os homens foram feitos à imagem do «Pai de todos» (1985: 171) e da concepção de Deus como imanente e não transcendente.

Em Rights of Man são abordados dois tipos de liberdade: a liberdade que resulta da razão, e que existe em todo o ser que não seja influenciável; e a liberdade social, política e cívica. Ambos atravessam o texto de uma forma mais ou menos explícita, mas é na primeira parte, publicada em 1791 e escrita como resposta à obra de Burke, que sobressai o tratamento da liberdade sociopolítica. Legitimando a revolução francesa como uma manifestação de liberdade que teve como primeiro objectivo derrubar a força opressora da monarquia e do regime feudal, Paine apresenta um conceito que irá sustentar tanto as suas críticas ao sistema governativo vigente como a sua apologia de sistemas alternativos, e que se revelará crucial para compreender o sentido que atribui à liberdade: a herança.

Na sua vertente mais negativa, a herança garante a manutenção da monarquia e da velha ordem («old world»). Tal como nenhum homem tem o direito de determinar se os herdeiros vão ou não aceitar os seus bens, também nenhuma geração, nenhuma sociedade e nenhum governo têm o direito de aprisionar a sociedade em ideias, crenças ou leis que julgam correctas: «To inherit a government is to inherit the people, as if they were flocks and herds» (1985: 172). Ao sistema de herança Paine contrapõe o sistema representativo que, por dar a liberdade a cada um de tomar as suas próprias decisões, será o mais justo e o mais conforme aos objectivos de uma democracia (1985: 175): «The representative system takes society and civilization for its basis; nature, reason, and experience for its guide». A liberdade de cada indivíduo não pode ser comprometida pelo desejo ou pela visão de gerações anteriores (1985: 41):

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Every age and generation must be as free to act for itself, in all cases, as the ages and generations which preceded it. Man has no property in man; neither has any generation a property in the generations which are to follow.

Por outro lado, Paine utiliza a noção de um outro sistema de herança para justificar o direito à liberdade: a herança adâmica. Paine divide os direitos em direitos naturais e direitos civis, divisão que ainda hoje persiste, apesar de os direitos naturais passarem a ser chamados direitos humanos. Assim, os direitos naturais são aqueles que o homem possui pela simples razão de existir, e descendem de Adão, pois têm origem na própria origem do homem. Portanto, visto que foi Deus quem criou o ser humano, os seus direitos também têm, obrigatoriamente, origem divina (1985: 66):

The illuminating and divine principle of the equal rights of man, (for it has its origin from the Maker of man) relates, not only to the living individuals, but to generations of men succeeding each other.

Não se trata aqui de uma noção de liberdade individual; a liberdade é, por definição, colectiva, visto que a liberdade de um está sempre condicionada pela liberdade do outro e procede do princípio da participação. O contrato social, embora não esteja explícito em Rights of Man, afigura-se como vínculo imprescindível entre indivíduos com vivências e opiniões divergentes, solidificando a sociedade num todo orgânico, e sustentando os direitos civis que garantem a liberdade. A liberdade implica sempre responsabilidade e deveres (1985: 114): «A Declaration of Rights is, by reciprocity, a Declaration of Duties also. Whatever is my right as a man, is also the right of another; and it becomes my duty to guarantee, as well as to possess». Daí que

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o estabelecimento de direitos civis implique uma troca de direitos entre indivíduos, sendo o direito civil um direito natural transferido para a sociedade (1985: 69): «every civil right grows out of a natural right». Os limites da liberdade e os direitos civis – tais como a protecção e a segurança – são determinados pela lei, conforme consta do artigo 4º da Declaração (Paine, 1985: 111).

Visto que não existe a liberdade absoluta, esta transfigura-se no oposto da opressão. A satisfação de desejos não faz parte desta liberdade. Poder-se-ia ir ainda mais longe e afirmar que a liberdade só existe na total ausência de sentimentos. No prefácio à primeira parte, Thomas Paine sintetiza o valor intrínseco da racionalidade pura (1985: 158): «It might be said, that until men think for themselves the whole is prejudice, and not opinion; for that only is the opinion which is the result of reason and reflection». A liberdade não se resume, portanto, à livre vontade3, mas à utilização responsável da razão (1985: 140): «Reason and Ignorance, the opposites of each other, influence the great bulk of mankind. (...) Reason obeys itself; and ignorance submits to whatever is dictated to it».

A ordem do mundo é assegurada pela natureza do ser humano e pelos princípios da sociedade (1985: 165): «All the great laws of society are laws of nature». Conforme se pode inferir, o homem terá que regressar à natureza, muito embora o autor não esclareça o sentido deste regresso. Entrevê-se nesta formulação uma sintonia com Rousseau – alías visível em vários passos da obra –, que acreditava que o homem era naturalmente bom e que teria sido corrompido pela sociedade actual. Para criar um mundo harmonioso será suficiente transfigurar a sociedade de acordo com a natureza

3 Cf. William Godwin: «Freedom of the will is absurdly represented as necessary to render the

mind susceptible of moral principles; but in reality (...) our conduct is as independent of morality as it is of reason (...)». Enquiry concerning Political Justice, p. 350.

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do homem. Thomas Paine irá desenvolver isto ao separar governo e sociedade como duas entidades diferentes, transferindo para o governo a responsabilidade da corrupção da sociedade e, por conseguinte, do homem (1985: 208): «man, were he not corrupted by governments, is naturally the friend of man, and that human nature is not in itself vicious». Assim, o governo, considerado como uma «associação nacional» (1985: 198) é um mal necessário que serve para controlar os impulsos perante os quais a sociedade se mostra impotente para refrear (1985: 164)4: «Government is no further necessary than to supply the few cases to which society and civilization are not conveniently competent».

O homem só pode viver em sociedade: (1985: 163) «No one man is capable, without the aid of society, of supplying his own wants». Paine refere-se sempre ao ser humano como ser social, inserido num grupo que possibilite a conservação dos seus direitos. Nisto diverge substancialmente da teoria anarquista de William Godwin, que não acredita na sociedade como potencial resolução da infabilidade humana (1985: 196): «It cannot be too strongly inculcated that (...) the voice of the people is not, as has sometimes been rediculously asserted, ‘the voice of truth and God’; and that universal consent cannot convert wrong into right». Paine advoga a soberania da

vontade geral, conceito elaborado por Rousseau (1967: 27), e cujo objectivo se prende

com o bem comum (1985: 120): «The Nation is the paymaster of everything, and everything must conform to its general will» [sublinhado meu]. E ainda (1985: 164): «common interest produces common security».

4 Cf. Common Sense, p. 2: «Society in every state is a blessing, but government even in its best state is but a necessary evil, in its worst state na intolerable one».

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A liberdade também se encontra intimamente associada ao bem-estar económico, tema explorado no último capítulo da segunda parte, significativamente intitulado «Ways and Means», e onde expõe um dos primeiros tratados sobre o Estado-Providência, corolário da sua teoria sobre a sociedade. Ciente de que a pobreza mantém o ser humano inexoravelmente na prisão da ignorância, Thomas Paine propõe que se responsabilize o governo pelo emprego e subsistência dos cidadãos que vivam em condições precárias (1985: 246).

Rights of Man não se apresenta como um tratado filosófico sobre a liberdade,

em que o discurso se expande na reflexão introvertida, visando unicamente a estruturação do conhecimento. O universo discursivo de Paine, destituído de conceitos cuja abstracção limite a comunicação, pretende convencer, mais do que teorizar. Na dedicatória a George Washington, Thomas Paine afirma o seguinte (1985: 34):

I present you a small Treatise in defence of those Principles of Freedom which your exemplary Virtue hath so eminently contributed to establish.

Consoante esta declaração, os princípios de liberdade estariam já formulados e restaria apenas convencer o mundo da sua pertinência. Tal como o panfleto Common Sense,

Rights of Man contribuiu para a formação da opinião pública e remeteu para a esfera

do homem comum assuntos cuja discussão se limitava a um grupo restrito de intelectuais. Este propósito já constitui, em si, a materialização dos princípios teóricos da liberdade, mas também se consubstancia em prova indelével do optimismo utópico de Thomas Paine (1985: 268):

The present age will hereafter merit to be called the Age of reason, and the present generation will appear to the future as the Adam of the new world.

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